Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 16/2023-T
Data da decisão: 2023-08-31  IMI  
Valor do pedido: € 8.315,46
Tema: AIMI - Revisão do acto tributário de avaliação. Injustiça grave ou notória.
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SUMÁRIO

I – O artigo 78º nº 4 e nº 5 permite, a título excepcional, a possibilidade de revisão oficiosa dos actos de fixação de matéria colectável, no prazo de 3 anos a contar do acto tributário, com base e injustiça grave ou notória e desde que o erro não seja devido a comportamento negligente do contribuinte.

II – Não se encontrando esgotado o prazo de 3 anos, o dirigente máximo do serviço pode autorizar o pedido de revisão da matéria colectável, e, dessa forma, corrigir as liquidações de acordo com a revisão autorizada.

III – O Tribunal Arbitral deve ser considerado competente para apreciar o pedido de impugnação do indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa da liquidação de AIMI, que tiver como fundamento a errónea fixação dos VPT.

 

DECISÃO ARBITRAL

O árbitro,  Dr. João Marques Pinto, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 20 de Março de 2023, acorda no seguinte:

 

 

 

1. Relatório

 

A..., S.A., com o Numero de Identificação de Pessoa Colectiva ... e com sede na  ..., ..., ...-... Lisboa, e doravante identificada apenas por “Requerente”, veio em 8 de Janeiro de 2023, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 2º e no artigo 10º do Decreto-Lei 10/2011 de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante identificado apenas pelas inicias RJAT), requerer a constituição de TRIBUNAL TRIBUTÁRIO com designação do Árbitro pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, impugnando o indeferimento tácito do Pedido de Revisão Oficiosa por ela apresentado, junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, em 15 de Julho de 2022, com vista à anulação parcial dos actos tributários de liquidação do Adicional ao Imposto Municipal de Imóveis (“AIMI”) com os nºs 2019 ... e 2020 ..., com referencia aos anos de 2029 e 2020 respectivamente, no montante global de € 8.315,46 (oito mil trezentos e quinze euros e quarenta e seis cêntimos), 

Os Requerentes solicitaram ao Tribunal Arbitral que:

(i) Declare parcialmente anulável, os actos tributários de liquidação acima identificados, porque são contrários à lei, por padecerem de erros nos pressupostos de facto e de direito;

(ii) Condene a AT no reembolso do imposto indevidamente pago e, bem assim, ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, até ao reembolso integral do imposto pago em excesso;

E, a título subsidiário, a Requerente solicitou ainda que:

(iii) Seja “desaplicada” a norma pretensamente extraida do artigo 45º do Código do IMI (CIMI) que considerava serem aplicáveis aos terrenos para construção, no âmbito do processo de determinação do seu Valor Patrimonial Tributário (VPT), os coeficientes fixados no artigo 38º do CIMI e a majoração prevista no artigo 39º nº 1 do mesmo Código.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante igualmente identificada apenas por AT).

A Requerente optou por não designar o Árbitro.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado no dia 8 de Janeiro de 2023, de imediato aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado aos Requerentes e à Requerida em 10 de Janeiro de 2023.

Em 28 de Fevereiro de 2023, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação do Árbitro, nos termos e para os efeitos do disposto nos nºs 1 e 7 do Artigo 11º do RJAT.

Desta forma, em face do disposto no nº 8 do artigo 11º do RJAT, tendo decorrido o prazo do nº 11 do mesmo artigo, sem que as Partes se pronunciassem, o Tribunal Tributário de Juiz Singular ficou constituído em 20 de Março de 2023.

No mesmo dia, foi notificada a AT, nos termos do artigo 17º do RJAT, para apresentar a sua contestação e juntar o processo administrativo ou ainda, querendo, requerer prova adicional.

A AT apresentou a sua resposta em 2 de Maio de 2023, pedindo em concreto, que os pedidos formulados pela Requerente fossem julgados improcedentes e, em consequência, a Requerida absolvida de todos os pedidos.

Os Requerentes, por requerimento apresentado em 15 de Maio de 2023, vieram pronunciar-se sobre as excepções invocadas pela Requerida na sua resposta ao pedido de pronuncia arbitral, defendendo que a essas excepções não deveria ser dado provimento.

No dia 26 de Maio de 2023, foi proferido despacho pelo Tribunal Arbitral, dando o prazo de 15 dias a contar da data da sua notificação, para as Partes, de forma facultativa e simultânea, apresentarem as suas alegações e ainda para a Requerente proceder ao pagamento da taxa subsequente.

Foi ainda decidido que a decisão final seria proferida até ao dia 14 de Julho de 2023, sendo que este prazo foi prorrogado até ao dia 1 de Setembro de 2023, ainda dentro do prazo resultante da aplicação do artigo 21º do RJAT.

Nenhuma das Partes apresentou alegações.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4º e 10º nº 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

 

2.1. Factos considerados provados:

 

 - A Requerente é proprietária dos seguintes bens imóveis:

·      Prédio Urbano qualificado como terreno para construção, sito na freguesia e concelho de Loures e descrito na matriz predial sob o artigo ...º, da freguesia de..., concelho de Loures

·      Prédio Urbano qualificado como terreno para construção, sito na freguesia e concelho de Loures e descrito na matriz predial sob o artigo ...º, da freguesia de..., concelho de Loures

2º - A Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as notas de cobrança do AIMI com os nºs 2019 ... e 2020 ..., com referência aos anos de 2019 e 2020 respectivamente, no montante global de € 8.315,46 (oito mil trezentos e quinze euros e quarenta e seis cêntimos).

3º - As liquidações em crise tiveram por base, para efeitos de fixação do valor tributável, e, por consequência do AIMI a pagar pela Requerente, a fórmula de cálculo utilizada, à data, pela AT, que levava em consideração quer o conjunto de coeficientes previstos no artigo 38º do CIMI quer a majoração fixada no artigo 39º do mesmo Código.

4º - Em 15 de Julho de 2022, a Requerente apresentou, junto da AT, um pedido de revisão oficiosa das liquidações identificadas no ponto 2º supra.

6º - Este pedido de revisão oficiosa não foi decidido pela AT até 8 de Janeiro de 2023, data em que a Requerente apresentou o presente pedido de pronuncia arbitral que deu lugar a este processo.

7º - A Requerente procedeu ao pagamento das quantias liquidadas. 

 

2.2. Fundamentação da decisão da matéria de facto

A fixação da matéria de facto baseia-se nos documentos juntos pelos Requerentes, não tendo havido controvérsia entre as Partes sobre esta matéria.

 

3. Matéria de Direito

 

3.1. Fundamentos das posições das Partes

1º - A Requerente sustenta o seu pedido nos seguintes fundamentos:

a)     É inequívoco que, nos termos do artigo 10º, nº 1 a) do RJAT a apreciação do indeferimento tácito se encontra compreendida no âmbito de actuação e das competências atribuídas ao Tribunal Arbitral, uma vez que tem por objecto o acto mencionado no nº 1 alínea d) do artigo 102º do CPPT (“Formação da presunção de indeferimento tácito”), pelo que o mesmo é competente para apreciação do pedido;

b)    O pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação do AIMI foi apresentado a 15 de Julho de 2022, pela Requerente, pelo que a apresentação do pedido de apreciação do seu indeferimento pelo CAAD na data em que ocorreu, é tempestivo;

c)     Verificam-se os requisitos estabelecidos legalmente para a cumulação de pedidos, pois o pedido tem por objecto actos de liquidação do mesmo imposto, existe identidade entre a matéria de facto e a procedência do pedido depende da interpretação das mesmas regras e princípios de direito;

d)    As liquidações do AIMI em crise, tiveram por base Valores Patrimoniais Tributários (VPT) fixados de forma errónea pela AT, uma vez que resultavam da aplicação de coeficientes de localização, de afectação e/ou de qualidade e conforto (cf. artigo 38º do CIMI), tal como da aplicação de um factor de majoração de 25% relativa ao valor de metro quadrado do terreno de implantação (cf. artigo 39º nº 1 do CIMI), os quais não podem e não devem ser levados em consideração no processo de determinação dos VPT de prédios qualificados como terrenos para construção;

e)     Daqui resultou a liquidação de imposto – AIMI – em valor superior ao devido, pois a não consideração dos referidos coeficientes – como resultaria de uma correcta aplicação da lei – e não aplicação do factor de majoração indicado na alínea anterior, levaria à fixação de um VPT significativamente inferior, com impacto manifesto nas colectas deste imposto para os referidos anos de 2019 e 2020, pois o AIMI deve ser liquidado, anualmente, sobre os VPT constantes nas matrizes no dia 1 de Janeiro do ano a que o imposto respeita;

f)     É claro e inequívoco que o CIMI prevê, expressamente, diferentes métodos e critérios de avaliação consoante as espécies de prédios urbanos;

g)    Ao levar em consideração no processo de avaliação de prédios qualificados como terrenos para construção, critérios aplicáveis, em exclusivo, a outros prédios urbanos está-se, no entender da Requerente, perante um erro nos pressupostos de facto e de direito do qual resulta uma liquidação ilegal porque incidente sobre VPT superiores aos que resultariam de uma correcta aplicação das regras de avaliação constantes do CIMI;

h)    As alterações introduzidas à redacção do artigo 45º do CIMI pela Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2021, ainda não se aplicavam às liquidações objecto do presente pedido de anulação, devendo, ao contrário, ser aplicada a fórmula indicada no artigo 45º do CIMI, vigente à data dos factos, ou seja: “Vt = Vc x A x % do valor das edificações autorizadas ou previstas”;

i)      O artigo 115º nº 1 c) do CIMI impõe que as liquidações deverão ser oficiosamente revistas quando tenha havido erro de que tenha resultado colecta de montante diferente do legalmente devido, pelo que, no caso em apreço, está preenchido o requisito para a revisão oficiosa das liquidações de AIMI;

j)      Considerando que é a AT, a entidade responsável pela correcta fixação dos VPT, o erro que se verificou é imputável aos respectivos serviços, pelo que está integralmente justificado o pedido de revisão apresentado;

k)    É admissivel a contestação de actos tributários de liquidação, em excesso, de AIMI (e diga-se que também de IMI) com fundamento em vícios no processo de fixação dos VPT de terrenos para construção, do qual resultou uma sobrevalorização desses terrenos;

l)      A aplicação dos coeficientes acima referidos na avaliação de terrenos para construção é manifestamente contrária ao princípio da legalidade tributária estabelecido nos artigos 165º nº 1 i) e 103º nº 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP), pelo que deverá ser julgada inconstitucional a norma pretensamente extraida do artigo 45º do CIMI quando interpretada e aplicada no sentido de os coeficientes previstos no artigo 38º do CIMI serem utilizados na avaliação de terrenos para construção;

m)   A terminar, considera a Requerente que, tendo procedido ao pagamento das liquidações de AIMI apesar de as considerar passiveis de anulação parcial, terá direito, não só ao reembolso da quantia indevidamente paga, como ao pagamento, pela AT, dos correspondentes juros indemnizatórios, pois verificam-se os requisitos estabelecidos nos artigos 43º e 100º da LGT.

2º - A  Requerida apresentou a sua defesa, por excepção e por impugnação, sustentada nos seguintes argumentos:

a)     Os actos de fixação do VPT são actos tributários autónomos e individualizados, com eficácia própria e directa e autonomamente sindicáveis;

b)    O acto administrativo de liquidação é um acto distinto de todos os que o antecederam, como, por exemplo, neste caso, o acto de fixação do valor patrimonial de terrenos para construção;

c)     Assim sendo, os vicios que se verifiquem no processo de fixação do VPT dos referidos prédios, não podem ser objecto de sindicância no acto de impugnação da liquidação feito com base com base em errónea fixação desses VPT;

d)    O Supremo Tribunal Administrativo (STA), no Acordão proferido no Processo com o nº 102/22.2BALSB de 23.02.2023 veio uniformizar a jurisprudência sobre esta temática no sentido de que não tendo sido impugnado judicialmente o resultado da segunda avaliação, nos termos previstos na lei, forma-se caso decidido ou resolvido sobre o valor da avaliação, pelo que esta não pode voltar a ser discutida.” (sublinhado nosso);

e)     Daqui resulta que, não sendo os vícios da fixação do VPT sindicáveis no acto de liquidação, não é legal, nem admissível a apreciação da correcção do VPT em sede de impugnação do acto de liquidação;

f)     Porque, entende a Requerida, a errónea quantificação do VPT apenas pode ser conhecida em sede de impugnação da 2ª avaliação e não na posterior liquidação do correspondente Imposto;

g)    Apesar da questão da inadmissibilidade do pedido de revisão estar, face ao sentido do “Acordão Uniformizador” acima citado, resolvida, entende ainda a Requerida que, tendo em conta a data de apresentação do pedido de revisão oficiosa das liquidações e de interposição do presente pedido de pronuncia arbitral, este seria sempre intempestivo face ao prazo previsto no artigo 78º nº 4 da LGT;

h)    Os actos de fixação de valores patrimoniais tributários só são passiveis de anulação até decorridos 5 anos a contar da sua emissão, pelo que, apesar de a avaliação dos prédios em questão ter levado em consideração os coeficientes previstos no artigo 38º do CIMI e o factor de majoração estabelecido no artigo 39º, também do CIMI, o mesmo já não pode ser revogado/anulado, porque já decorreu o referido prazo;

i)      A posição da Requerente é, ela sim, violadora do princípio da igualdade tributária porque penalizaria os contribuintes que, em devido tempo e da forma legalmente prevista, contestaram o VPT fixado pela AT, privilegiando aqueles que não o fizeram.

j)      A ser dado provimento ao pedido da Requerente, sustenta a Requerida que não poderá ser fixado o valor a reembolsar, na medida em que o Tribunal não possui todos os elementos necessários para esse efeito, devendo esse montante ser fixado em sede de execução da decisão arbitral;

k)    Por fim, relativamente ao pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente, entende a AT que, não se verificando nenhum erro imputável aos seus serviços, não está preenchido o requisito previsto no artigo 43º da LGT, sendo que, caso seja outro o entendimento do Tribunal, só serão devidos juros indemnizatórios a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão.

3º - Tendo a Requerida suscitado, na sua defesa, a inimpugnabilidade do acto de liquidação, a Requerente veio, em requerimento autónomo, pronunciar-se sobre esta questão defendendo que não deve ser dado provimento à mesma, argumentando, basicamente, da seguinte forma:

a)     A alegada inimpugnabilidade dos actos de liquidação de imposto com base em vicios no processo de fixação do VPT não pode proceder porque, no âmbito do contencioso tributário, o principio da impugnação autónoma prevista para actos destacáveis em procedimentos tributários não pode ser invocada como impedimento para a impugnação dos actos tributários de liquidação de AIMI, porque tal violaria de forma grave o principio da tutela jurisdicional efectiva, à luz do artigo 9º da LGT, do artigo 9º do Código Civil e do artigo 20º nº 1 da CRP;

b)    Atente-se ainda, como refere a Requerente, que própria AT veio, inclusive a reconhecer esta ilegalidade ao emitir novos actos de fixação do VPT dos terrenos para construção em causa, já com aplicação da fórmula correcta;

c)     Assim sendo, entende a Requerente que à luz do artigo 99º, alinea a), o fundamento por ela invocado – ilegalidade na fixação do VPT dos terrenos para construção – é plenamente legitimo de ser invocado neste pedido de pronuncia arbitral;

d)    A doutrina resultante do Acordão “Uniformizador”, proferido pelo STA e invocado pela Requerida (cf. ponto 2.1., 2º d) supra), não será de aplicar ao caso em apreciação, uma vez que não se verifica uma identidade substancial entre as situações de facto em causa nos dois processos, o presente, ora em apreciação, e o que deu origem a essa decisão;

 

3.2. Análise das questões suscitadas

3.2.1. Da alegada inimpugabilidade do acto de liquidação invocada pela Requerida:

Na sua contestação, a AT, suscita, em primeiro lugar e como argumento principal, a questão da inimpugnabilidade do acto de liquidação com base em vícios próprios do acto de fixação do valor patrimonial tributário dos prédios em questão.

Invoca a Requerida, neste particular, como vimos, que o acto de avaliação de um bem imóvel é um acto destacável, autónomo e individualizado com eficácia jurídica própria, logo apenas autonomamente impugnável e directamentre sindicável.

Considera ainda a Requerida que os actos de liquidação não podem ser anulados com fundamento em alegados erros nas avaliações dos prédios.

Alega, pois, em síntese, a Requerida, que os actos de fixação dos VPT, quando inseridos num procedimento de liquidação de impostos, são actos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa e que, no caso em apreço, não tendo havido impugnação autónoma e tempestiva desses actos, os mesmos se consolidaram definitivamente na ordem juridica. 

Apoia a sua posição no Acordão Uniformizador emitido pelo STA, já no decorrer do corrente ano de 2023, no âmbito do Processo com o nº 102/22.2BALSB (e já acima transcrito na sua conclusão  principal). 

Assim, a atribuição desta natureza aos actos de avaliação, teria como propósito, precisamente, autonomizar os respectivos vícios destes actos para efeitos de impugnação contenciosa, pelo que esses mesmos vícios do VPT não seriam susceptíveis de ser contestados na impugnação dos próprios actos de liquidação de AIMI praticados com base nesse(s) mesmo(s) VPT. 

No caso em apreço, ficou demonstrado que não foi apresentada qualquer reclamação graciosa ou impugnação judicial dos actos de liquidação de AIMI nos prazos legalmente fixados, antes tendo a Requerente optado por pedir a revisão oficiosa nos termos previstos no artigo 78º da LGT.

Como resulta deste preceito, o pedido de revisão pode ser interposto no prazo de 4 anos a contar dos actos de liquidação, se tiver por fundamento erros imputáveis aos serviços (cf. nº 1 artigo 78º) , ou, no prazo de apenas 3 anos, quando dele resulte uma injustiça grave ou notória (cf. nºs 4 e 5 do artigo 78º).

Desta forma, deve o Tribunal apurar, em primeiro lugar, se o acto de liquidação enferma de qualquer erro imputável aos serviços que permitam a revisão dos mesmos ao abrigo da disposição constante do citado nº 1 do artigo 78º da LGT.

Não tendo a Requerente recorrido a qualquer meio que, tempestivamente, contestasse ou impugnasse o acto que fixou o Valor Patrimonial Tributário dos terrenos para construção, os mesmos consolidaram-se na ordem jurídica, formando caso decidido sobre os VPT apurados no processo de avaliação.

Ora, incidindo o AIMI sobre o VPT que consta da matriz predial urbana no dia 1 de Janeiro do ano a que o imposto respeita, deve considerar-se que, tendo a liquidação do imposto respeitado e sido conforme a esta regra e feita em função desse(s) valor(es), conforme impõe o artigo 135º - B do CIMI (“1 - O adicional ao imposto municipal sobre imóveis incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular!”) não pode ser imputável qualquer erro aos serviços da AT que procederam à liquidação em crise (sublinhado nosso).

Assim sendo, carece de qualquer viabilidade o pedido de revisão feito com fundamento no nº 1 do artigo 78º da LGT, quer na 1ª parte desse preceito, porque não foi efectuada no prazo da reclamação administrativa, quer, especialmente, na 2ª parte, pois não resultou de qualquer “erro imputável aos serviços da AT”.

Assim, nesta questão em particular, deve ser dada razão à Requerida, especialmente ao citar e pretender fazer valer a doutrina resultante do Acordão Uniformizador do STA já acima citado.

Contudo, este Acordão não se pronuncia sobre o pedido de revisão do acto tributário, feito com fundamento em injustiça grave ou notória (cf. nº 4 do artigo 78º da LGT), e que, tendo um carácter marcadamente excepcional, é apenas admitido quando o erro não seja imputável a um comportamento negligente do sujeito passivo.

Acresce que este meio processual apenas se pode verificar, ainda nos termos do citado nº 4 do artigo 78º, “após o decurso do normal de impugnação dos actos de fixação da matéria colectável.”

Pelo que, como se conclui no Acordão proferido no âmbito do Processo 102/22-T do CAAD, “… a revisão da matéria colectável admitida pelo nº 4 do artigo 78º da LGT tem necessariamente por objecto actos de fixação da matéria colectável “consolidados”, por falta de impugnação tempestiva.” (sublinhado nosso).

A principal decorrência da sua excepcionalidade é, pois, afastar a regra da inimpugnabilidade dos actos consolidados por decurso dos prazos normais de impugnação, afastando, desta forma, quando possível, a doutrina resultante do citado Acordão Uniformizador do STA.

Ou, por outras palavras, tomando em consideração o disposto no Acordão do CAAD relativo ao já mencionado Processo 102/22-T, o qual refere que, “Assim, tem de se concluir que a normal consolidação que decorrre da não impugnação das avaliações nos prazos legais não é obstáculo à aplicação do nº 4 do artigo 78º e, antes pelo contrário, é um pressuposto prático da sua aplicação, pois a sua utilidade só existe quando o acto a rever está consolidado.” (sublinhado nosso).

Trata-se de uma solução legal resultante da ponderação concomitante dos princípios da segurança jurídica (que justifica a inimpugnabilidade por decurso do prazo normal de impugnação) e da justiça, admitindo-se o sacrifício do primeiro em situações em que a sua aplicação se reconduz a uma injustiça grave, ostensiva e inequívoca, como definida no nº 5 do artigo 78º da LGT.” (sublinhado nosso)

Contudo, como já foi referido apenas em casos de injustiça notória ou grave, essa revisão poderá ser admissível.

Por isso, e tendo em consideração o referido carácter excepcional, o legislador fixou um período mais curto para permitir esse pedido de revisão.

De facto, nos termos do citado nº 4 do artigo 78º da LGT, o prazo de interposição do pedido de revisão é de 3 (três) anos, posteriores ao acto tributário, em vez dos 4 (quatro) previstos no nº 1  desse mesmo preceito.

Em conclusão, esta possibilidade de revisão de actos que se considerem “consolidados”, apenas é permitida em situações marcadamente excepcionais, não sendo, de forma alguma, contraditória com o regime de inimpugnabilidade consagrado no artigo 134º do CPPT, antes sendo complementar deste.

Desta forma, e em face de tudo o exposto, é lícito concluir que só em face do regime especial previsto nos nºs 4 e 5 do artigo 78º da LGT poderá ser considerada a possibilidade de revisão dos actos de liquidação de AIMI em apreço.

Refira-se a este propósito, que a Requerente suscita a possibilidade de aplicação deste regime, quer no seu requerimento inicial, quer, posteriormente, na contestação que apresentou à resposta deduzida pela AT.

Efectivamente, atente-se, neste particular, ao que vem dito nos artigos 130º a 132º do requerimento inicial e nos artigos 71º a 73º da referida contestação à resposta da AT ao requerimento inicial.

Poderá, assim, o Tribunal determinar se o regime do artigo 78º nº 4 e 5 da LGT, é, ou não, aplicável a esta situação.

Como já vimos, os requisitos estabelecidos para a sua aplicação, são os seguintes:

1º - O pedido de revisão tem que ser apresentado no prazo de 3 anos a contar da produção do acto tributário;

2º - O pedido tem que ter como fundamento que do acto de liquidação resulte uma injustiça grave ou notória;

3º - O pedido tem que ter como fundamento que o erro não seja imputável a um comportamento negligente do contribuinte.

Veja-se, então, se estão, ou não, na situação em apreciação, reunidos estes três requisitos:

Assim, no que se refere à tempestividade do pedido de revisão oficiosa, o prazo fixado pela lei é, como já se viu, de 3 anos subsequentes ao do acto tributário, sendo que, dessa forma, esse prazo terminará no dia 31 de Dezembro do terceiro ano posterior àquele em que foi praticado o acto tributário.

Ora, no caso em apreço, os actos tributários em questão (liquidações do AIMI), foram praticados em 2019 e 2020 (cf. documento que foi junto ao requerimento inicial com o nº 2).

Donde, o pedido de revisão oficiosa podia ter dado entrada até ao dia 31 de Dezembro de 2022 (relativamente à liquidação do ano de 2019) e 31 de Dezembro de 2023 (relativamente à liquidação do ano de 2020).

Tendo, porém, o pedido de revisão, relativamente aos dois actos, sido apresentado no dia 15 de Julho de 2022, conclui-se que o pedido de revisão foi deduzido atempadamente para qualquer um dos actos tributários em questão.

Cumpre agora verificar se o segundo dos mencionados requisitos está, ou não, preenchido, requisito esse que se refere a saber se ao resultado dos actos tributários correspondeu uma injustiça notória ou grave.

Assim, considerando que tais erros tiveram como consequência a fixação de VPT dos terrenos para construção por via de uma fórmula manifestamente ilegal, por não respeitar as regras estabelecidas no artigo 45º do CIMI, considera o Tribunal que está verificado o requisito da injustiça notória, pois as normas aplicadas pela AT para fixar os VPT eram normas que, já ao tempo, eram consideradas, inclusive pela maioria da Jurisprudência, totalmente inaplicáveis à determinação do VPT de terrenos para construção.

Por fim, quanto ao terceiro dos requisitos estabelecidos no citado artigo 78º nºs 4 e 5 da LGT, tendo a matéria tributável (VPT) sido fixada pela AT com base nos critérios previstos no artigo 38º e 39º do CIMI, sem que a Requerente tivesse facultado qualquer informação incorrecta ou errónea quanto à natureza e ao tipo dos prédios em avaliação, fica, definitiva e automaticamente afastado qualquer comportamento que, da parte da Requerente, possa ser qualificado como negligente.

Desta forma, é de concluir que se encontram preenchidos todos os requisitos previstos no nº 4 do artigo 78º da LGT, sendo que, em consequência deste facto, os actos de liquidação do AIMI de 2019 e 2020, são susceptiveis de ser impugnados com fundamento em errónea fixação do VPT dos terrenos para construção propriedade da Requerente.

Como se sabe, o erro imputado pela Requerente à AT é o de que a fixação do VPT dos terrenos para construção, resultou da aplicação, no processo de avaliação desses terrenos para construção, de regras apenas aplicáveis à avaliação de prédios edificados.

Em especial, da aplicação, nesse procedimento de avaliação, das regras constantes dos artigos 39º, 41º, 42º e 43º do Código do IMI.

Relativamente a esta matéria, especialmente no que se refere à aplicação dos coeficientes previstos nos artigos 41º, 42º e 43º do CIMI, tem sido entendimento uniforme da Jurisprudência, na linha do Acordão do Pleno do STA proferido em 23.10.2019, no âmbito do Processo nº 170/16BELRS que:

I – Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45º do Código do IMI, não havendo lugar à consideração do coeficiente de qualidade e conforto (cq).

II – O artigo 45º do CIMI é a norma especifica que regula a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.

III – O coeficiente de qualidade e conforto, factos multiplicador do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38º do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços não pode ser aplicado analogicamente por ser susceptivel de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto.

É assim pacifico, que o VPT dos terrenos para construção que deram origem às liquidações em crise, foi determinado de forma errónea, como veio defender a Requerente no seu pedido de pronuncia arbitral.

Em face de tudo o aqui exposto, deve ser julgado procedente o pedido de pronuncia arbitral deduzido pela Requerente quanto aos actos de liquidação do AIMI questionados e referentes aos anos de 2019 e 2020 e a sua consequente anulação.

Assim sendo, e sendo julgado procedente o pedido de pronuncia arbitral, que tem como consequência a ilegalidade das liquidações objecto de impugnação, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pela Requerente, dado ter ficado assegurada a eficaz tutela dos respectivos interesses, nos termos do disposto nos artigos 130º e 608º do Código de Processo Civil (aplicáveis subsidiariamente em resultado do estabelecido no artigo 29º nº 1 e) do RJAT).

 

3.3. Reembolso da quantia paga e Juros Indemnizatórios

No seu requerimento inicial, a Requerente solicita o reembolso da quantia paga em excesso, ou seja, o valor de € 8.315,46.

Contudo, entende o Tribunal, à semelhança do entendimento da Requerida (cf. artigos 64º a 66º da respectiva  resposta) que não tem conhecimento de todos os elementos que permitam calcular com exactidão o valor do AIMI liquidado em excesso e pago pela Requerente.

Desta forma, caberá à Requerida em execução de sentença, quantificar os montantes de AIMI que, em relação aos terrenos para construção propriedade da Requerente, foram efectivamente pagos a mais.

Para além do pedido de reembolso da quantia paga em excesso, a Requerente veio igualmente solicitar o pagamento de juros indemnizatórios.

Neste particular, a norma à face da qual deve ser analisada a existência, ou não, de direito a juros indemnizatórios é a alínea c) do nº 3 do artigo 43º da Lei Geral Tributária, a qual vem prever que esses juros serão devidos “quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.”

Assim, como decorre da matéria de facto apurada, tendo o pedido de revisão sido apresentado no dia 15 de Julho de 2022, apenas serão devidos juros indemnizatórios desde o dia 15 de Julho de 2023 até à data do integral reembolso da quantia paga em excesso, a qual, repita-se deve ser apurada em sede de execução de sentença.

 

4. Decisão

Nestes termos e em face da fundamentação acima exposta, decide-se:

a)    Julgar parcialmente procedente o pedido de pronuncia arbitral da Requerente.

b)    Anular o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa.

c)    Anular, por ilegal, as liquidações de AIMI em crise e relativas aos anos de 2019 e 2020.

d)    Julgar procedente o pedido de reembolso e condenar a AT, enquanto Requerida, a pagar à Requerente, a quantia que vier a ser apurada em execução de sentença.

e)    Condenar a Requerida a pagar juros indemnizatórios à Requerente, sendo que esses juros indemnizatórios apenas serão devidos desde 15 de Julho de 2023.

f)     Condenar a Requerida no pagamento das custas processuais no montante indicado no ponto 6. infra.

 

5. Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 8.315,46 (oito mil trezentos e quinze euros e quarenta e seis cêntimos) que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

5. Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 3, do RJAT, e 5.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela II anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 918,00 (novecentos e dezoito euros), sendo decidido que o seu pagamento ficará a cargo da Requerida, de acordo com o disposto nos artigos 12º, nº 2 do RJAT, 4º nº 4 do RCPAT.

 

Notifique.

Lisboa, 31 de Agosto de 2023 

 

O Árbitro Singular

 

Dr. João Marques Pinto