Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 626/2022-T
Data da decisão: 2023-07-24  IMI  
Valor do pedido: € 46.263,04
Tema: AIMI. Revisão do Ato Tributário. Ato de fixação da matéria tributável. Impugnação do valor patrimonial tributário.
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SUMÁRIO:

  1. O artigo 45.º do CIMI é a norma específica que regula a determinação do valor patrimonial tributário (VPT) dos terrenos para construção.
  2. Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação o coeficiente de qualidade e conforto (Cq) previsto no artigo 43.º do CIMI, devendo a avaliação ser efetuada nos estritos termos do artigo 45.º do mesmo código que dispõe sobre o valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.
  3. Não tem aplicação no cálculo do VPT dos terrenos para construção a aplicação do coeficiente de localização (Cl), na medida em que esse fator de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no n.º 3 do artigo 45.º do CIMI.
  4. Em face de jurisprudência unânime firmada no Acórdão do STA, Pleno da secção do Contencioso Tributário, proferido no processo n.º 0102/22.2BALSB, de 23.02.2023, importa considerar que deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável.

 

DECISÃO ARBITRAL

I. Relatório

  1. A sociedade A..., SA., com o número de identificação de pessoa coletiva ..., e com sede social em ..., n.º ..., ...-... Lisboa, (doravante designada por Requerente), apresentou em 19.10.2022, um pedido de pronúncia arbitral (ppa), ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (doravante designado por RJAT), e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
  2. A Requerente formula pretensão no sentido de obter pronúncia arbitral em que o Tribunal declare

a)  a anulação do indeferimento tácito resultante da não apreciação do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente junto do Serviço de Finanças de Lisboa ...;

b) a anulação parcial dos atos de liquidação adicional de Imposto Municipal sobre Imóveis, designado de AIMI, identificados sob o n.º 2018..., 2019... e 2020..., relativos aos períodos de tributação de 2018, 2019 e 2020;

c)  A restituição à Requerente do valor de AIMI indevidamente pago;

d) O pagamento de juros indemnizatórios.

  1. A Requerente pede a anulação do ato de indeferimento tácito resultante da não apreciação do pedido de revisão oficiosa apresentado em 24.05.2022, nos termos do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), no Serviço de Finanças de Lisboa .., através do qual solicitou a anulação parcial dos atos de liquidação de AIMI, n.º 2018..., 2019 ... e 2020 ..., relativos aos anos de 2018, 2019 e 2020, no valor de € 46.263,04.
  2. A Requerente pede a anulação parcial dos atos de liquidação de AIMI dos anos de 2018, 2019 e 2020, com fundamento na circunstância da liquidação dos referidos atos tributários ter tido por base um valor patrimonial tributário ilegal, visto que teve na sua conformação coeficientes que, nos termos da lei, são aplicáveis aos prédios edificados, mas não são aplicáveis aos terrenos para construção. Outrossim, pede a restituição do valor pago indevidamente e o pagamento de juros indemnizatórios nos termos da lei.
  3. A requerente pede o pagamento de juros indemnizatórios, pelo que importa salientar que os comprovativos do pagamento das notas de liquidação do AIMI foram juntos – documento 4 – ao pedido de revisão oficiosa apresentado em 24.05.2022, junto do Serviços de Finanças de Lisboa ... .
  4. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exm.º Presidente do CAAD em 20 de outubro de 2022 e automaticamente notificado à AT. A Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, em 13.12.2022 foi designado, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, o ora signatário como Árbitro para integrar o Tribunal arbitral singular, o qual, no prazo legal, comunicou a aceitação do encargo.
  5. Tendo sido notificadas desta designação, as Partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
  6. Em conformidade com o preceituado no n.º 8 e na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação que lhe foi dada pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral singular ficou constituído em 02 de janeiro de 2023.
  7. Em 02 de janeiro de 2023 foi notificada a Exm.ª Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º do RJAT.
  8. Em 03.02.2023, a Requerida apresentou o processo administrativo e a sua resposta, a qual aqui se dá por integralmente reproduzida. A Requerida defende-se por exceção e por impugnação, e considera que não assiste qualquer razão à Requerente, porquanto:
  1. O pedido de revisão oficiosa é intempestivo;
  2. Não está legalmente prevista a dedução de pedido de revisão oficiosa dos atos de avaliação de valores patrimoniais, pelo que a pretensão da Requerente carece de fundamento legal;
  3. Os atos que fixaram o VPT em vigor no período de tributação dos presentes autos estão consolidados na ordem jurídica, tendo a força de caso julgado;
  4. Eventuais vícios próprios e exclusivos do VPT são insuscetíveis de ser impugnados nos atos de liquidação que sejam praticado com base no mesmo, pelo que os atos de liquidação não enfermam de qualquer ilegalidade;
  5. E, mesmo que assim não se entendesse, o que por hipótese se admite, o pedido de revisão oficiosa sempre seria intempestivo face aos prazos previstos no artigo 78.º da LGT;
  6. Sendo que a final sempre se concluiria no sentido de já ter decorrido o prazo de 5 anos em que seria possível para anulação do ato.
  1. Em 17.02.2023, e ao abrigo do princípio da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, e dos princípios da celeridade, da simplificação e da informalidade processual (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT), não obstante a exceção de intempestividade invocada pela Requerida, atenta a natureza das questões a decidir ser matéria de direito, em ordem a fazer a correta aplicação do direito, o Tribunal decidiu: i) Que a exceção de intempestividade invocada pela Requerida seria apreciada na decisão arbitral; ii) Dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT; iii) Determinar que o processo prosseguisse com alegações escritas facultativas, a apresentar no prazo de 15 dias, cumulativo, por aplicação conjunta do previsto no artigo 91.º, n.º 5, do CPTA, e no artigo 120.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º do RJAT; iv) Determinar que a decisão arbitral será proferida até ao termo do prazo previsto no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT. Através do despacho arbitral de 20 de junho de 2023, o prazo para a prolação da decisão arbitral foi prorrogado, nos termos do n.º 2 do artigo 21.º do RJAT, e o Tribunal determinou que a decisão arbitral seria proferida até ao dia 24.07.2023.
  2. Em 27.02.2023, a Requerida veio juntar aos autos o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 102/22.2BALSB, do Pleno da Secção do Contencioso Tributário.
  3. A Requerente, através de comunicação de 12 de abril de 2023, veio aos autos informar que não pretendia produzir alegações, orais ou escritas, por se encontrar já exposta e definida a posição da Requerente no respetivo pedido de pronúncia arbitral.
  4. Por sua vez, através de requerimento de 07.03.2023, a Requerida veio informar o Tribunal que não pretendia produzir alegações finais escritas dando por integralmente reproduzido tudo o que foi aduzido na sua resposta. Porém, a Requerida salientou que, por Despacho de 25.11.2022, da Subdiretora-Geral do Património de 25.11.2022, comunicado ao Centro de Arbitragem Administrativa, foi determinada a anulação administrativa, com efeitos retroativos, das avaliações efetuadas em 24.12.2018, 04.02.2019 e 12.03.2020 aos terrenos para construção identificados nas linhas 1, 2 e 3 da tabela junta anexo, relativas às fichas de avaliação n.ºs ... Geral| ,... e ... de 25.11.2022. No referido requerimento, a Requerida, ainda, realça que a pretensão da Requerente não merece acolhimento face à mais recente doutrina do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, onde se julgou que “é de concluir que deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável.”.

 

II. RAZÕES ADUZIDAS PELAS PARTES

II.1 Pela Requerente

  1. A Requerente considera que as liquidações de AIMI emitidas pelos serviços da AT, referentes aos anos de 2018, 2019 e 2020, e relativas aos terrenos para construção a que se referem as liquidações infra identificadas, padecem de ilegalidade, em virtude de terem por base um valor patrimonial tributário (VPT) determinado através da aplicação de uma fórmula manifestamente ilegal, por duplicação de critérios.
  2. Em concreto, a Requerente alega que a AT não efetuou as avaliações nos termos da lei, nomeadamente, em virtude da aplicação dos coeficientes de afetação, localização e de conforto, constantes do artigo 38.º do Código do IMI, – especificamente aplicáveis a prédios edificados – na determinação do VPT dos terrenos para construção, duplicando, assim, os critérios utilizados, o que resulta na determinação de um VPT excessivo e, consequentemente, na emissão de liquidações de AIMI igualmente excessivas e ilegais.
  3. A Requerente considera que no cálculo do VPT dos terrenos para construção, ao contrário do que tem sido a prática da AT, não podem aplicar-se os coeficientes que constam da fórmula geral de determinação do VPT previstos no artigo 38.º do Código do IMI, porquanto, este se destina a ser aplicado a prédios edificados, sob pena de existir uma dupla incidência de critérios na determinação do VPT e, consequentemente, se verificar uma manifesta ilegalidade na determinação do VPT relativo aos terrenos para construção.
  4. A Requerente invoca que, no âmbito da análise efetuada ao seu património imobiliário e correspondentes liquidações de imposto dos últimos anos, verificou que o VPT dos referidos terrenos para construção, o qual serviu de base para as liquidações de AIMI realizadas pela AT, foi determinado de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 38.º do Código do IMI, e nas referidas avaliações foram considerados os coeficientes de localização, de afetação e o coeficiente de qualidade e conforto, os quais não são aplicáveis aos terrenos para construção, uma vez que a avaliação dos terrenos para construção é feita nos termos do artigo 45.º do Código do IMI.
  5. Atentas as diversas decisões jurisprudenciais, quer dos tribunais judiciais, quer dos tribunais arbitrais, a Requerente conclui ser inequívoco que os coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto, previstos na fórmula geral do artigo 38.º, n.º 1 do Código do IMI, não podem ser aplicados à determinação do VPT dos terrenos para construção, sob pena de ilegalidade e duplicação de critérios, na medida em que esses coeficientes estão especificamente destinados à avaliação de prédios edificados.
  6. A Requerente alega que os atos de avaliação foram realizados pela Administração Tributária e Aduaneira, pelo que os erros na fixação dos valores patrimoniais tributários lhe são exclusivamente imputáveis, tendo fundamentado o pedido de revisão, interposto ao abrigo do artigo 78.º da Lei Geral Tributária, em erro imputável aos serviços e em injustiça grave e notória.
  7. A Requerente ainda refere que aplicação do artigo 38.º do Código do IMI – em concreto, a aplicação dos coeficientes de avaliação ali previstos – na determinação do VPT de terrenos para construção será manifestamente contrária ao princípio da legalidade tributária, conforme consagrado na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
  8. Assim, será inconstitucional a norma pretensamente extraída do artigo 45.º do Código do IMI, quando interpretada no sentido dos coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do referido Código terem aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção.

 

II.2 Pela Requerida

  1. A Requerida começa por alegar que, atenta a especificidade do ato que fixa o valor patrimonial tributário, mesmo que se considere ser aplicável o artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), o prazo para autorização da revisão da matéria tributável pelo dirigente máximo do serviço, não é o previsto no n.º 1, mas sim o prazo de três anos posteriores ao do ato tributário previsto no n.º 4 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária.
  2. A Requerida sublinha que não tendo a Requerente colocado em causa o valor patrimonial resultante da 1.ª avaliação, requerendo uma 2.ª avaliação, o VPT fixou-se no ordenamento jurídico, não sendo possível conhecer na posterior liquidação, de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação, e que a errónea qualificação e quantificação do valor patrimonial tributário apenas pode ser conhecida em sede de impugnação da 2.ª avaliação, e não na impugnação do posterior ato de liquidação, tendo sustentado os seus argumentos na invocação de posições doutrinais e de jurisprudência dos tribunais judiciais e dos tribunais arbitrais.
  3. A Requerida invoca que, no que respeita à avaliação dos terrenos para construção, a jurisprudência, tem entendido que, na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, na redação do artigo 45.º do CIMI anterior a 01 de janeiro de 2021, não há lugar à consideração dos coeficientes de localização, afetação e conforto.
  4. A Requerida refere, ainda, que, nos termos do artigo 79.º da Lei Geral Tributária, os atos de fixação de valores patrimoniais podem ser objeto de anulação administrativa nos termos do Código de Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável por força da alínea b) do artigo 2.º da LGT, quando verificadas as condições legais e dentro dos prazos legais consignados, aplicando-se, para o efeito, o regime jurídico previsto no artigo 168.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA).
  5. Todavia, a Requerida sublinha que, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 168.º do CPA, os atos administrativos não constitutivos de direitos podem ser objeto de anulação administrativa, com fundamento em invalidade, “no prazo de seis meses, a contar do conhecimento pelo órgão competente da causa de invalidade, ou, nos casos de invalidade resultante de erro do agente, desde o momento da cessação do erro, em qualquer dos casos desde que não tenham decorrido cinco anos a contar da respetiva emissão”.
  6. A Requerida reconhece que as avaliações dos terrenos para construção subjacentes aos atos de liquidação de AIMI, e em que os atos de fixação dos valores patrimoniais tenham tido em consideração os coeficientes de localização, afetação e conforto, de acordo com o entendimento jurisprudencial consolidado, tais avaliações poderão ser anuladas, desde que ainda não tenham decorrido cinco anos desde a respetiva emissão.
  7. A Requerida considera que os eventuais vícios que inquinam os atos das avaliações já se encontram sanados, pelo decurso do prazo de cinco anos ou pela cessação dos respetivos efeitos, e, nessa medida, se encontram consolidados juridicamente. Isto é, em síntese, a Requerida considera que

a) Os atos de avaliação impugnados já se encontram consolidado na ordem jurídica, não sendo passíveis de anulação;

b) O ato de fixação do valor patrimonial tributário é um ato destacável autonomamente impugnável que se consolida nos termos legais caso o mesmo não seja impugnado;

c) Os vícios do valor patrimonial tributário (VPT) não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo.

30.  Quanto ao pedido de juros indemnizatórios, a Requerida considera que, de acordo com jurisprudência do STA para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT, não pode ser assacado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, se não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu por estar sujeita ao princípio da legalidade, ex vi os artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT.

31.  Porém, a existir lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, a Requerida considera que, uma vez que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 24.05.2022, nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, o pagamento de juros indemnizatórios apenas será devido um ano após a data da apresentação do pedido de revisão, isto é, a partir de 25.05.2022, e será incidente sobre a importância do imposto indevidamente paga.

 

IV. SANEAMENTO

  1. O tribunal arbitral é materialmente competente, atento o disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
  2. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e têm legitimidade nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
  3. O processo não enferma de nulidades.
  4. Em face do disposto no normativo da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado tempestivamente.
  5. Não se verificam quaisquer circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa ou que impeçam o Tribunal de apreciar e de decidir.

 

V. MATÉRIA DE FACTO

V.1. Factos provados

37.  Em relação à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, nos termos do n.º 2 do artigo 123.º do CPPT e do n.º 3 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do artigo 29.º do RJAT, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar os factos considerados provados e os não provados. O tribunal considera provados e relevantes para a decisão arbitral os factos seguintes:

37.1 Em 24.05.2022, a Requerente apresentou, ao abrigo do artigo 78.º da LGT, um pedido de revisão oficiosa a solicitar a anulação parcial dos atos de liquidação de AIMI dos anos de 2018, 2019 e 2020, com fundamento em erro imputável aos serviços, em virtude de existir erro na fixação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção que constituem o objeto da relação jurídica tributária.

37.2 A Requerente é proprietária dos terrenos para construção identificados pelo artigo matricial referenciado nos quadros infra:

 

 

 

37.3 Os atos de liquidação de AIMI, identificados sob os n.ºs 2018..., 2019... e 2020 ..., no valor de € 46.263,04, relativos aos anos de 2018, 2019 e 2020, e impugnados no presente pedido de pronúncia arbitral, resultam dos valores parcelares indicado nos quadros supra indicados.

37.4 As referidas liquidações de AIMI foram realizadas pelos serviços da AT e legalmente notificados à Requerente tendo esta procedido ao seu pagamento nos termos previstos na lei, conforme alegado e demonstrado no pedido revisão oficiosa e no pedido de pronúncia arbitral, facto que não foi impugnado pela Requerida.

37.5 O pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 24.05.2022 (Docs. 2 e 3 juntos ao ppa), pelo que, à face do normativo dos n.ºs 1 e 5 do artigo 57.º da LGT, o ato de indeferimento tácito constitui-se em 26.09.2022.

37.6 Em relação aos terrenos para construção inscritos nos artigos matriciais ... e ..., ambos sitos na União de Freguesias da ..., e parte integrante do objeto do pedido de revisão oficiosa deduzido pela Requerente, o Serviço de Finanças de ...– o órgão periférico local territorialmente competente – emitiu uma decisão expressa de indeferimento sobre a anulação parcial das coletas de AIMI dos dois imóveis em causa, a qual foi notificada através do Ofício n.º..., de 2 de Agosto de 2022, e foi junta pela Requerente ao ppa – cfr. Doc. 4.

37.7 O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 19.10.2022.

 

V.2. Factos não provados

  1. Não há factos essenciais com relevo para apreciação do mérito da causa, os quais não se tenham provado.

 

VI. MATÉRIA DE DIREITO

  1. Em ordem a decidir sobre a matéria controvertida nos presentes autos de arbitragem tributária, importa elencar e escalpelizar o direito aplicável.
  2. A Requerente vem impugnar os atos de liquidação de AIMI, no valor de € 46.263,04, relativos aos anos de 2018, 2019 e 2020, com fundamento em erros nos atos de fixação do valor patrimonial tributário (VPT) de prédios urbanos – terrenos para construção – sobre os quais incidiu o adicional de Imposto Municipal sobre Imóveis, designado por AIMI.
  3. A Requerente constatou que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, o qual serviu de base à liquidação de AIMI dos anos de 2018, 2019 e 2020 objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, a AT aplicou indevidamente uma fórmula de cálculo ilegal na qual foram considerados, indevidamente, os coeficientes multiplicadores de VPT (i.e. os coeficientes de localização, afetação, de qualidade e de conforto).
  4. O erro que a Requerente imputa à fixação dos valores patrimoniais tributários é o de ter sido aplicado à avaliação de terrenos para construção, normas legais relativas às avaliações dos prédios edificados.
  5. A Requerida na sua resposta sublinha que a Requerente vem pedir a anulação parcial dos atos de liquidação de AIMI impugnados com base na impugnação do Valor Patrimonial Tributário (VPT), nomeadamente, invocando erros na fórmula de cálculo que foi utilizada pela AT para efeitos de determinação dos VPTs dos Terrenos para Construção, ato que é autónomo e destacável, pelo que se encontra consolidado na ordem jurídica.
  6. Assim, uma vez que constitui jurisprudência assente, quer dos Tribunais judiciais quer dos Tribunais arbitrais, bem como da mais abalizada doutrina, o entendimento de que o ato de avaliação do valor patrimonial tributável é um ato destacável, autonomamente impugnável, e os vícios de que enfermam os atos de fixação do VPT, não são sindicáveis na análise da legalidade do ato de liquidação, porquanto, o mesmo, é um ato destacável e antecedente daquele, e já se consolidou na ordem jurídica. Aliás, ao estabelecer a sindicância direta destes atos, qualificando-os como atos destacáveis com autonomia e lesividade própria, o legislador teve em vista alcançar a desejável estabilização e consolidação da matéria tributável em momento anterior ao da efetivação do ato de liquidação do tributo.
  7. Há que referir que, em face das normas do n.º 1 do artigo 6.º do CIMI os prédios urbanos são divisíveis nas espécies seguintes: i) Habitacionais; ii) Comerciais, industriais ou para serviços; iii) Terrenos para construção, e iv) Outros.
  8. Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afetos a espaços, infraestruturas ou equipamentos públicos.
  9. O n.º 2 do artigo 15.º do CIMI estabelece que a avaliação dos prédios urbanos é direta, normativo que articula com os n.ºs 1 e do artigo 86.º da LGT e com o artigo 134.º do CPPT. Quanto à iniciativa do procedimento de avaliação dispõe o n.º 1 do artigo 37.º do CIMI que “a iniciativa da primeira avaliação de um prédio urbano cabe ao chefe de finanças, com base na declaração apresentada pelos sujeitos passivos ou em quaisquer elementos de que disponha”. A avaliação reporta-se à data do pedido de inscrição ou atualização do prédio na matriz e para o efeito, em relação aos terrenos para construção, deve ser apresentada fotocópia do alvará de loteamento, que deve ser substituída, caso não exista loteamento, por fotocópia do alvará de licença de construção, projeto aprovado, comunicação prévia, informação prévia favorável ou documento comprovativo de viabilidade construtiva.
  10. Nos presentes autos o que está em causa não são os aspetos formais relativos ao procedimento de avaliação, mas sim questões de natureza substantiva atinentes à aplicação da lei no tocante a identificação e aplicação de critérios para efeitos de atribuição do valor patrimonial tributário aos terrenos para construção supra identificados.
  11. No capítulo VI do CIMI, secção II, constam as normas jurídicas aplicáveis às operações de avaliação com vistas à determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos. Os normativos do artigo 38.º do CIMI estabelecem que

“1 - A determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços resulta da seguinte expressão:

Vt = Vc x A x Ca x Cl x Cq x Cv, em que:

Vt = valor patrimonial tributário;

Vc = valor base dos prédios edificados;

A = área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação;

Ca = coeficiente de afectação;

Cl = coeficiente de localização

Cq = coeficiente de qualidade e conforto;

Cv = coeficiente de vetustez.

2 - O valor patrimonial tributário dos prédios urbanos apurado é arredondado para a dezena de euros imediatamente superior.

3 - Os prédios comerciais, industriais ou para serviços, para cuja avaliação se revele desadequada a expressão prevista no n.º 1, são avaliados nos termos do n.º 2 do artigo 46.º (Aditado pela Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março)

4 - A definição das tipologias de prédios aos quais é aplicável o disposto no número anterior é feita por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, sob proposta da Comissão Nacional de Avaliação de Prédios Urbanos. (Aditado pela Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março)”.

  1. Os normativos dos artigos 39.º a 44.º do CIMI definem, estabelecem e regulamentam os aspetos e critérios a ter em consideração na avaliação dos prédios urbanos edificados, cujas espécies estão fixadas no n.º 1 do artigo 38.º do CIMI (habitação, comércio, indústria e serviços), sendo que, sem prejuízo das remissões legalmente consagradas, as regras e critérios para avaliação dos terrenos para construção constam do artigo 45.º do CIMI, cujos normativos, na sua redação anterior à entrada em vigor da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, estabeleciam que:

Artigo 45.º do CIMI (Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção

“1 - O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.

2 - O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.

3 - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º

4 - O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º.

5 - Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respetiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente.  (aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30-12)”

O artigo 42.º, para que remete o n.º 3 deste artigo 45.º, em relação ao que aqui interessa, estabelece o seguinte:

Artigo 42.º (Coeficiente de localização)

(...)

“3 - Na fixação do coeficiente de localização têm-se em consideração, nomeadamente, as seguintes características:

a) Acessibilidades, considerando-se como tais a qualidade e variedade das vias rodoviárias, ferroviárias, fluviais e marítimas;

b) Proximidade de equipamentos sociais, designadamente escolas, serviços públicos e comércio;

c) Serviços de transportes públicos;

d) Localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário.

4 - O zonamento consiste na determinação das zonas homogéneas a que se aplicam os diferentes coeficientes de localização do município e as percentagens a que se refere o n.º 2 do artigo 45.º “

  1. Sem prejuízo das diversas referências jurisprudenciais, quer dos tribunais judiciais, quer dos tribunais arbitrais, feitas quer pela Requerente, quer pela Requerida, importa destacar o que é dito no Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 23.10.2019, proferido no processo n.º 170/16.6BELRS 0684/17, em que se disse que

“I. Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45.º do Código do IMI, não havendo lugar à consideração do coeficiente de qualidade e conforto (cq).

II. O artigo 45.º do CIMI é a norma específica que regula a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.

III. O coeficiente de qualidade e conforto, fator multiplicador do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38.º do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços não pode ser aplicado analogicamente por ser suscetível de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI)”

Na fundamentação deste acórdão é referido o seguinte:

“O terreno em causa nos autos integra uma das espécies de prédios urbanos na categoria de terreno para construção. E, tratando-se de uma das espécies de prédio urbano, o valor patrimonial deverá ser determinado por avaliação directa (nº 2 do artigo 15 do CIMI) devendo ser avaliado de acordo com o disposto no artigo 45º do mesmo compêndio normativo pois que a fórmula prevista no n.º 1 do artigo 38.º do CIMI (Vt= Vc x A x CA x CL x Cq x Cv) apenas tem aplicação aos prédios urbanos aí discriminados ou seja àqueles que já edificados estão para habitação, comércio, indústria e serviços (assim se decidiu no ac. deste STA de 20/04/2016 tirado no recurso 0824/15 disponível no site da DGSI - Jurisprudência do STA) onde se expendeu:

(…) Todavia o legislador não incluiu aí os terrenos para construção que também classifica de prédios urbanos no artigo 6.º do CIMI.

Para a determinação do valor patrimonial tributário dos mesmos há a norma do artigo 45.º já referida onde apenas é relevada a área de implantação do edifício a construir e o terreno adjacente e as características do nº 3 do artigo 42.º.

Os restantes coeficientes não estão aí incluídos porquanto apenas podem respeitar aos edifícios, como tal.

O coeficiente de afetação só pode relevar face à comprovada utilização do prédio edificado e bem assim o de conforto e qualidade.

Tais coeficientes multiplicadores do valor patrimonial tributário apenas respeitam ao edificado mas não têm base real de sustentação na potencialidade que o terreno para construção oferece.

A aplicação destes fatores valorizadores na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos de construção só poderia ser levada a cabo por analogia com o disposto no artigo 38.º do CIMI. Mas porque a aplicação desses fatores tem influência na base tributável tal analogia está proibida por força do disposto no n.º 4 do artigo 11.º da LGT por se refletir na norma de incidência na medida em que é suscetível de alterar o valor patrimonial tributário.

A aplicação desses coeficientes na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção seria violadora do princípio da legalidade e da reserva de lei consagrado no artigo 103.º n.º 2 da CRP.

A própria remissão para os artigos 42.º e 40.º do CIMI constante do artigo 45.º e mesmo a redação dada ao artigo 46.º relativo ao valor patrimonial tributário dos prédios da espécie “outros” em que expressamente se refere que “o valor patrimonial tributário é determinado nos termos do artigo 38.º com as necessárias adaptações “é demonstrativo de que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não entram outros fatores que não sejam o valor da área da implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação.

É que mesmo a remissão feita para os artigos 42.º e 40.º do CIMI não consagra a aplicação dos coeficientes aí referidos mas apenas acolhe, respetivamente as características que hão de determinar o valor do coeficiente a utilizar e o modo de cálculo.

O que se compreende face à definição de terrenos para construção do n.º 3 do artigo 6.º do C.I.M.I.(…)”.

Concordando e não olvidando a doutrina expressa por José Maria Fernandes Pires in Lições de Impostos Sobre o Património e do Selo 2012, 2.ª edição pp 104 de que “o valor de um terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio ou prédios com determinadas características e com determinado valor,” e que para a avaliação de terrenos para construção a lei manda separar duas partes do terreno (uma primeira parte a do terreno onde vai ser implantado o edifício a construir) e uma segunda parte a restante constituída pelo terreno que fica livre no lote de terreno para construção expressando que para alcançar o valor da primeira parte é necessário proceder à avaliação do edifício a construir como se ele já estivesse construído.

Não se acolhe integralmente esta doutrina pelas dúvidas e imprecisões que pode acarretar e que em matéria fiscal devem ser evitadas. Desde logo a lei, no art.º 6.º n.º 3 do CIMI, classifica de terrenos para construção realidades que não têm aprovado qualquer projeto de construção pelo que a sua inexistência determina por si só a inviabilidade de efetuar o cálculo da chamada área de implantação do edifício porque inexistente mesmo em projeto e por outro lado, nos casos em que existe esse projeto (parece ser o caso dos autos uma vez que no processo administrativo apenso se faz referência a uma moradia unifamiliar (vide fls.48 a 56)) cumpre salientar que a qualidade e o conforto têm de ser efetivos o que se compreende porque o direito tributário se preocupa com realidades e verdades materiais não podendo a expectativa ou potencial construção de um edifício com anunciados/programados índices de qualidade e conforto integrar um conceito que objetivamente, só é palpável e medível se efetivada a construção e se, realizada sem desvios ao constante da comummente conhecida “memória descritiva” que acompanha cada projeto de construção. Também é certo que a valorização imediata do prédio por efeito da atribuição do alvará de terreno para construção não deixará de ser levada em conta para efeitos de tributação, em caso de alienação, com a tributação noutra sede tributária.

Como se expressou no acórdão deste STA a que supra fizemos referência “(…) Efetivamente o coeficiente de afetação tem a ver com o tipo de utilização do prédio já edificado e o mesmo se diga do coeficiente de qualidade e conforto.

Nos terrenos em construção as edificações aprovadas são meramente potenciais e é o valor dessa capacidade construtiva, geradora de acréscimo de valor patrimonial ou riqueza para o seu proprietário que se procura taxar. E não fatores ainda não materializados (…).

Tendo em conta a realidade o legislador consagrou para a determinação do valor patrimonial tributário desta espécie de prédios a regra específica constante do supra referido artigo 45.º do CIMI e não outra, onde reitera-se se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no n.º 3 do artigo 42.º, tendo em conta o projeto de construção aprovado, quando exista, e o disposto no n.º 2 do artigo 45.º do C.I.M.I, mas não outras características ou coeficientes.

Isto só pode significar que na determinação do seu valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38.º do CIMI onde expressamente se prevê, entre outros o coeficiente, aqui discutido, de qualidade e conforto relacionado com o prédio a construir. O que, faz todo o sentido e dá coerência ao sistema de tributação do IMI uma vez que os coeficientes previstos nesta fórmula só podem ter a ver com o que já está edificado, o que não é o caso dos terrenos para construção alvo de tributação específica, sim, mas na qual não podem ser considerados para efeitos de avaliação patrimonial fatores ainda não materializados. E, sendo verdade que para calcular o valor da área de implantação do edifício a construir a lei prevê que se pondere o valor das edificações autorizadas ou previstas (art.º 45.º n.º 2 do CIMI) para tal desiderato, salvo melhor opinião não necessitamos/devemos entrar em linha de conta, necessariamente, com o coeficiente de qualidade e conforto pois que não estando materializado não é medível/quantificável, sendo consabido da experiência comum que um projeto de edificação contemplando possibilidades modernas de inserção acessória de equipamentos vulgarmente associados ao conceito de conforto tais como ar condicionado, videovigilância robótica doméstica, luzes inteligentes etc., se edificado/realizado com defeitos pode não se traduzir em qualquer comodidade ou bem estar, antes pelo contrário ser fonte de problemas/insatisfações e dispêndios financeiros.”

  1. Esta jurisprudência foi posteriormente reafirmada pelo Supremo Tribunal Administrativo, conforme se pode constar pelos segmentos dos vários acórdãos infra indicados:
  • Processo n.º 01107/16, de 05.04.2017 («Na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse fator de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art.º 45.º do CIMI»);
  • Processo n.º 0897/16, de 28.06.2017 («II – Os coeficientes de afetação e conforto, fatores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços não podem ser aplicados analogicamente por serem suscetíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto. III – Na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse fator de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no n.º 3 do art.º 45.º do CIMI»).
  • Processo n.º 0986/16, 16.05.2018 («O coeficiente de qualidade e conforto, fator multiplicador do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38.º do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afetação não podem ser aplicados analogicamente por serem suscetíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI)»;
  • Processo n.º 0133/18, 14.11.2018 («No cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse fator de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art.º 45.º do CIMI»;
  • Processo n.º 170/16.6BELRS 0684/17, de 23.10.2019 («os coeficientes de localização, qualidade e conforto, fatores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afetação não podem ser aplicados analogicamente por serem suscetíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI).»
  • Processo n.º 0732/12.0BEALM 01348/17, 13.01.2021(«Relativamente à avaliação de terrenos para construção, sobre o que regula o art.º 45.º do C.I.M.I., não são de aplicar os coeficientes ou características não especificamente previstos, entre os quais o coeficiente de qualidade e conforto».
  • Processo n.º 0653/09.4BELLE, de 23.03.2022 («III. O método de determinação do valor patrimonial (VPT) dos terrenos para construção adotado pelo CIMI, e que constava do art.º 45.º, na redação anterior à que lhe foi introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (Orçamento do Estado para 2012), era muito semelhante ao dos edifícios construídos, partindo-se da avaliação das edificações autorizadas ou previstas. IV - No entanto, na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção, era de afastar a aplicação dos coeficientes de afetação, de localização e de qualidade e conforto, previstos na fórmula do art.º 38.º do CIMI, relacionados com o prédio a construir.»).
  1. Na linha desta jurisprudência, ter-se-á de entender que a avaliação dos terrenos para construção devia ser efetuada sem aplicação dos coeficientes não especificamente previstos, entre os quais os coeficientes de localização, de qualidade e conforto e de afetação.
  2. Os atos de liquidação de AIMI impugnados parcialmente nos presentes autos de arbitragem, e identificados nos pontos 37.3 (Matéria de facto fixada), no valor total de € 46.263,04, são incidentes sobres terrenos para construção (identificados no ponto 37.2 da Matéria de facto fixada), em cuja avaliação foram considerados os coeficientes de localização, afetação, qualidade e de conforto.
  3. Assim, em face da jurisprudência supra enunciada, tem de se concluir que a fixação do valor patrimonial tributário destes terrenos para construção enferma de erros que, tal como a Requerente refere, são exclusivamente imputados à Autoridade Tributária e Aduaneira, visto que a realização dos atos de avaliação são da sua responsabilidade.
  4. O artigo 45.º do CIMI, na redação anterior à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, que estabelece as regras de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não remete para o artigo 39.º do CIMI nem contém qualquer alusão ao “valor base dos prédios edificados”, expressão (epígrafe do artigo) que apenas veio a ser eliminada com a entrada em vigor da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro.

57. Seria, portanto, de concluir pela não aplicação dos coeficientes de localização, afetação, qualidade e conforto na avaliação e determinação do VPT dos terrenos para construção. Em concreto, em relação ao coeficiente localização previsto no artigo 38.º do CIMI, uma vez que este coeficiente de localização já está contemplado na percentagem prevista no n.º 3 do artigo 45.º do CIMI, a sua consideração e aplicação da fórmula prevista no artigo 38.º do CIMI levaria â consideração, por duas vezes, deste coeficiente na determinação do VPT do terreno para construção. Os restantes coeficientes não se adequam à tipologia de prédio urbano que reveste o terreno para construção, razão pela qual o legislador estabeleceu no artigo 45.º do CIMI as regras e critérios específicos aplicáveis na determinação do VPT dos terrenos para construção.

58.  Aqui chegados importa considerar que, no âmbito dos normativos dos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT, é possível a revisão da matéria tributável apurada, onde se inclui a fixação do valor patrimonial dos imóveis, por via da respetiva avaliação, desde que o pedido de revisão seja formalizado no prazo de três anos posteriores ao do ato tributário, sendo que, in casu, quando a Requerente deduziu o pedido de revisão oficiosa já se encontrava precludido este prazo como bem refere a Requerida.

59.  A decisão de avaliação constitui ato destacável do procedimento administrativo, pelo que se forma caso decidido ou caso resolvido na falta de recurso judicial dessa decisão, a qual, assim, se consolida na ordem jurídica, não podendo ser posta em causa na impugnação judicial da liquidação respetiva. Acresce que no âmbito do IMI, se o sujeito passivo não concordar com o resultado da avaliação direta de prédios urbanos, pode requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que a primeira tenha sido notificada (artigo 76.º, n.º 1, do CIMI). Só do resultado das segundas avaliações (que esgotam os meios graciosos do procedimento de avaliação) cabe impugnação judicial nos termos do CPPT (artigo 77.º, n.º 1 do CIMI). Isto significa que os atos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são atos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objeto de impugnação autónoma, não podendo na impugnação dos atos de liquidação que com base neles sejam efetuadas discutir-se a legalidade daqueles atos.

60.  Assim, o sujeito passivo de IMI pode impugnar as liquidações, mas não são relevantes como fundamento de anulação eventuais vícios dos antecedentes atos de fixação de valores patrimoniais, que se firmaram na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos n.ºs 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT. Na verdade, não sendo impugnado tempestivamente o ato de fixação de valores patrimoniais, forma-se caso decidido ou resolvido sobre a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de IMI, sendo que “o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita” - (artigo 113.º do CIMI).

61. O valor patrimonial tributário fixado na respetiva avaliação serve de base à liquidação de IMI e (cfr. Art.º 113.º do CIMI) e são sujeitos passivos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português e, nos termos do n.º 1 do artigo 135.º-B do CIMI, o adicional ao imposto municipal sobre imóveis incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular.

62.  Apesar da não impugnabilidade normal de atos de liquidação com fundamento em vícios dos atos de avaliação de valores patrimoniais, os n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT admitem a possibilidade de revisão oficiosa de atos de fixação da matéria tributável, a que se reconduzem os atos de fixação de valores patrimoniais, a título excecional, “com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte”. Por isso, invocando a Requerente que os erros na aplicação do direito (exclusivamente imputáveis à AT) resultou em uma coleta em AIMI excessiva e superior àquela que seria devida nos termos legais, o que é igualmente suscetível de configurar uma injustiça grave ou notória nos termos e para os efeitos previstos no artigo 78.º, n.º 4, da LGT.

63.  Considerando que da norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 115.º do CIMI resulta que, sem prejuízo do disposto no artigo 78.º da LGT, as liquidações são oficiosamente revistas quando tenha havido erro de que tenha resultado coleta de montante diferente do legalmente devido. Ora, in casu, houve erro na determinação do valor patrimonial tributário, que se traduziu em erro de direito imputável aos serviços da AT. Porém, tendo por base a estrutura normativa do artigo 78.º da LGT, apenas as situações previstas nos seus n.ºs 4 e 5 deste artigo 78.º se reportam a atos de fixação da matéria tributável, categoria em que se integram os atos de fixação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos, no caso, terrenos para construção.

64.  A norma do n.º 4 do artigo 78.º da LGT refere que “o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente” a “revisão da matéria tributável”, tal possibilidade configura um poder-dever, estritamente vinculado, cujo cumprimento é sujeito a controle jurisdicional, como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão proferido no processo n.º 0476/09, de 07.10.2009, em que se disse que “O facto de a lei determinar que “o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente,” a revisão, não obsta à possibilidade de convolação da reclamação graciosa em pedido de revisão com fundamento em injustiça grave ou notória pois tal poder de autorização não é mera faculdade mas, antes, um verdadeiro poder-dever. Com efeito, como escreve Jorge de Sousa, in Lei Geral tributária, Encontro da Escrita, págs. 706 e segs., “esta autorização apenas pode ser concedida excecionalmente. Esta restrição, porém, deve ser entendida como reportando-se às características incomuns da situação em que se verifica uma injustiça dos tipos referidos e não como permitindo ao dirigente máximo do serviço, perante situações que mereçam aquela qualificação, deixar de autorizar, em todos os casos, a efetivação da revisão. Com efeito, este dever de rever os atos injustos é um corolário do dever de atuação segundo o princípio da justiça, constitucionalmente consagrado (art.º 266.º, n.º 2, da CRP), pelo que não é constitucionalmente admissível o estabelecimento, pela lei ordinária, de casos de dispensa de observância de tal diretriz de atuação”. Pelo que, estando perante um poder estritamente vinculado, o Tribunal pode ordenar a convolação do procedimento de reclamação graciosa em pedido de revisão por injustiça grave ou notória - cuja alegação se retira, por interpretação, da petição de reclamação.”

65.  In casu, o que está em causa é uma situação de erro de direito na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção por aplicação indevida dos coeficientes de localização, afetação, qualidade e de conforto, estando, assim, em causa um erro na fixação da matéria tributável e não propriamente nos subsequentes atos de liquidação, a revisão não depende da existência de erro imputável aos serviços, mas apenas que se esteja perante “injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte”. Por outro lado, como é referido na doutrina e corroborado no Acórdão do STA, proferido no processo n.º 0578/18, de 17.02.2021 “A previsão constante do dito art.º 78.º n.º 4, como excecional, é de entender como correspondendo a um poder-dever que implica a sua aplicação a todos os casos, verificados que sejam os referidos requisitos – cfr, entre outros, acórdão do STA de 02.11.2011, proc. 0329/11, acessível em www.dgsi.pt e Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, em Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª ed., Encontro de escrita, 2012, pág. 710.”.

66.  No presente processo de arbitragem os atos de liquidação impugnados são os atos de liquidação de AIMI dos anos de 2018, 2019 e 2020, cujos procedimentos de liquidação tiveram por base um valor patrimonial tributário que enferma de ilegalidade por errada aplicação do direito, situação que configura uma inequívoca situação de ilegalidade e, outrossim, de injustiça grave e notória, pelo que , a nosso ver, a pretensão da contribuinte seria enquadrada no âmbito dos normativos dos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT e não no quadro dos normativos do artigo 168.º do CPA, tanto mais que os referidos atos de avaliação do valor patrimonial tributário continuam a produzir efeitos jurídicos, em concreto, os atos de liquidação de AIMI dos anos de 2018, 2019 e 2020.

67.  Nesta medida, seria ainda relevante a jurisprudência firmada no Acórdão do Tribunal Central Administrativo, proferido no processo n.º 2765/12.8BELRS, de 31.10.2019, em que se disse que “A fixação do VPT constitui, como se disse, um ato administrativo em matéria tributária, destacável e, por isso, passível de impugnação autónoma. A impugnação autónoma dos atos destacáveis tem como propósito oferecer uma maior garantia aos administrados, permitindo-lhes reagir atempadamente de molde a evitar a produção de efeitos lesivos, que se projetam no ato final do procedimento ou em atos externos a este.”

68.  A impugnabilidade autónoma constitui um desvio ao princípio da impugnação unitária (cfr. artigo 54.º do CPPT), que postula que em princípio só é possível impugnar o ato final do procedimento tributário, por só este apresentar efeitos lesivos na esfera jurídica do contribuinte. Este artigo prevê a possibilidade de impugnabilidade autónoma dos atos imediatamente lesivos e a possibilidade de, na impugnação do ato final de liquidação, serem invocados todos os vícios de que padeçam os atos prévios a essa liquidação (atos instrumentais, preparatórios ou prodrómicos dessa decisão final). Como assim, sendo a fixação do VPT um ato destacável, ele goza de possibilidade de impugnação autónoma, independentemente da existência ou não de liquidação, impugnação essa que no caso era permitida pelo artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 287/2003. Portanto, não tendo sido impugnada a fixação do VPT, parece que a consequência seria a de aceitar que as liquidações feitas a coberto desse VPT, enquanto não fosse alterado, não podiam também ser alteradas com tal fundamento.

Mas o problema pode ser olhado de outro prisma.

69.  Em regra, os atos da Administração, com exceção dos atos viciados de nulidade, consolidam-se juridicamente se não forem impugnados nos prazos estabelecidos na lei. Todavia, mesmo fora das situações de nulidade o legislador tributário, ciente da natureza agressiva das leis fiscais, que afetam coercivamente o património dos contribuintes, criou válvulas de escape para as situações de ilegalidade, permitindo que a própria Administração reveja as suas decisões, a fim de corrigir as ilegalidades que porventura tenha cometido. É o que sucede com o artigo 78.º da LGT, que prevê a possibilidade de revisão dos atos tributários com fundamento em ilegalidade ou erro, mecanismo que se encontra presente na legislação tributária de outros países, como sucede em Espanha com o artigo 219.º da Ley General Tributária.

70.  Com efeito, o artigo 78.º da LGT consagra um verdadeiro direito do contribuinte, permitindo-lhe exigir da Administração Tributária que expurgue da ordem jurídica, total ou parcialmente, um ato ilegal, bem como a restituição do que tenha sido ilegalmente cobrado, com base no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que não permite a cobrança de tributos, nem os respetivos montantes, que não estejam previstos na lei. Todavia, como já se disse, o artigo 78.º é inaplicável aos atos de fixação do VPT (atos administrativos em matéria fiscal), na medida em que visa apenas os atos tributários stricto sensu, incluindo o ato de determinação da matéria tributável, quando não dê lugar à liquidação e qualquer tributo. O que não quer dizer que seja de todo imprestável para o caso sub judice, visto que a coberto de um VPT ilegal foram produzidas liquidações de tributo (AIMI) que foram exigidas à Requerente. Ora, ultrapassada que está atualmente a questão de saber se a iniciativa de revisão pela administração pode ser desencadeada a impulso do interessado, da interpretação conjugada do n.º 1 do artigo 78.º da LGT com o disposto no artigo 115.º, n.º 1, alínea c), do CIMI, resulta que a revisão oficiosa das liquidações deve ser realizada pela Administração Tributária, ainda que sob impulso inicial do contribuinte, quando tenha ocorrido erro imputável aos serviços.

71.In casu, o erro de direito traduziu-se numa situação de injustiça grave e notória concretizada na fixação de um VPT em valor claramente superior ao que resultaria das disposições legais que deveriam ter sido aplicadas. Erro este que, independente da inércia impugnatória da Requerente após a notificação do VPT, não pode ser imputável a qualquer comportamento negligente desta, visto que o erro no cálculo e fixação do VPT ocorre num procedimento desencadeado e concretizado pela Administração Tributária e que sempre justificaria a revisão do ato tributário ao abrigo do n.º 4 do artigo 78.º da LGT. Todavia, tal não pode ocorrer dado que o pedido de revisão deduzido pela Requerente é intempestivo em relação ao lapso temporal fixado no n.º 4 do artigo 78.º da LGT.

72.O Tribunal arbitral teve em consideração todas as decisões arbitrais favoráveis ou desfavoráveis à pretensão da Requerente e devidamente identificadas, quer no pedido de pronúncia arbitral, quer na resposta da Requerida, mas, não obstante tudo o que fica supra explanado, o Tribunal não pode deixar de considerar e de relevar a jurisprudência fixada no Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 0102/22.2BALSB, de 23.02.2023, em cujo sumário foi fixada jurisprudência no sentido de que “Deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável.”.

73.  Pela sua relevância para a matéria decidenda do presente processo arbitral transcrevem-se os pontos 3.2 e 3.3 do Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 0102/22.2BALSB, de 23.02.2023, em que se disse que

“A questão, relembramos, é a de saber se deixando um contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o VPT, poderá ainda assim arguir a ilegalidade das liquidações de AIMI com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo dos VPT’s que serviram de base às liquidações.

A questão mereceu resposta diferente nos dois arestos em confronto.

A decisão arbitral recorrida respondeu que não sendo requerida a 2.ª avaliação fica precludido o direito de impugnar o VPT. Adotou, assim, o entendimento no sentido de que, nos termos do regime previsto no artigo 134.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), em conjugação com o disposto no artigo 86.º, n.ºs 1 e 2 da Lei Geral Tributária (LGT), e artigos 76.º, n.º 1, e 77.º, n.º 1, ambos do Código do IMI, «…a exigência do prazo especial de três meses para a impugnação de atos de fixação de VPT’s e a exigência de esgotamento dos meios graciosos, afasta a possibilidade impugnatória por via indireta, designadamente em sede de impugnação de atos de liquidação.»

Já na decisão arbitral fundamento, como resume o excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto, discorda-se daquele entendimento, que considera não ter «…correspondência com o hodierno conceito do ato destacável impugnável, nem interpreta adequadamente o princípio da impugnação unitária» e é defendido que «….não impondo a lei a obrigatoriedade de o sujeito passivo requerer uma segunda avaliação, nem podendo considerar-se essa segunda avaliação como uma impugnação administrativa necessária, não pode interpretar-se a norma do artigo 77.º, n.º 1, do CIMI como estabelecendo um ónus de impugnação judicial do ato fixação do valor patrimonial tributário que tenha resultado da segunda avaliação». E qualificando o ato de fixação do valor patrimonial como um ato interlocutório e fazendo apelo ao disposto no n.º 3 do artigo 51.º do CPTA, considera que ali «…se consagra a regra de que, quando o interessado não tenha impugnado um ato interlocutório suscetível de produzir efeitos lesivos na sua esfera jurídica, não fica precludida a faculdade de dirigir a impugnação contra o ato final do procedimento».

Ora, a decisão arbitral recorrida, como aliás menciona, seguiu aquela que tem vindo a ser a posição deste Tribunal sobre a matéria, no sentido de não ser possível invocar na impugnação judicial deduzida contra o ato de liquidação, vícios inerentes ao ato de fixação do valor patrimonial do imóvel que lhe serviu de base tributável (cf. entre outros, acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13/07/2016, proferido no processo 0173/16, consultável em www.dgsi.pt).

Tese que será a por nós também sufragada. Vejamos porquê.

Vigora no contencioso tributário o princípio da impugnação unitária segundo o qual só há lugar a impugnação contenciosa do ato final do procedimento, que tem assento legal nos artigos 66.º da LGT e 54.º do CPPT. O primeiro dispositivo legal estabelece que os contribuintes e demais interessados podem, no decurso do procedimento, reclamar de quaisquer atos ou omissões da administração tributária (n.º 1), mas a reclamação não suspende o procedimento, podendo os interessados recorrer ou impugnar a decisão final com fundamento em qualquer ilegalidade (n.º 2). O segundo, com a epígrafe “impugnação unitária”, estabelece que “Salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.”

O princípio da impugnação unitária tem, assim, duas exceções, admitindo a lei adjetiva tributária a impugnação imediata dos atos interlocutórios (i) “quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte”, e (ii) quando “exista disposição expressa em sentido diferente”, ou seja, quando exista lei que admita expressamente a impugnação imediata do ato interlocutório.

Ora, a avaliação direta é um dos casos em que o legislador afastou o princípio da impugnação unitária e admitiu a impugnação imediata do ato de avaliação. Estabelece o artigo 86.º, n.º 1 da LGT que a avaliação direta é suscetível nos termos da lei de impugnação contenciosa direta. O que significa que se essa avaliação se inserir num procedimento de liquidação, o ato de avaliação é diretamente impugnável. A impugnabilidade fica, no entanto, dependente do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão (n.º 2 do artigo 86.º da LGT).

No que respeita em particular aos atos de fixação de valores patrimoniais rege o artigo 134.º do CPPT, em consonância com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 86.º da LGT, que admite a sua impugnação com fundamento em qualquer ilegalidade (n.º 1), não tendo a impugnação efeito suspensivo, e só podendo ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação (n.º 7).

Particularizando ainda mais, e centrando-nos no caso sub judice, o procedimento de determinação do valor patrimonial tributário (ato de fixação de valores patrimoniais – artigo 37.º a 46.º, e 71.º a 77.º, do Código do IMI) é uma espécie de procedimento de avaliação direta, prevendo o Código do IMI um expediente especial de reação contra as ilegalidades da avaliação.

Assim, quando o sujeito passivo não concorda com o resultado da avaliação (primeira avaliação) pode requerer uma segunda avaliação, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 76.º do Código do IMI. E do resultado desta segunda avaliação cabe impugnação judicial, tal como o prevê o artigo 77.º do mesmo Código.

O disposto nestes dois artigos 76.º e 77.º do Código do IMI devem ser interpretados em conjugação com o disposto no referido artigo 134.º do CPPT, que prevê, como atrás referimos, a impugnação dos atos de fixação dos valores patrimoniais, e no seu n.º 7 condiciona a impugnabilidade ao esgotamento dos meios graciosos (“7- A impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação.”), que por sua vez está em consonância com o artigo 86.º, n.º 2, da LGT, que determina, como também já se referiu, que os atos de avaliação direta só são contenciosamente impugnáveis quando estiverem esgotados os meios administrativos previstos para a sua revisão. Esta necessidade de esgotamento dos meios graciosos como condição de impugnação do valor fixado através de avaliação direta, reiterada nas diferentes disposições legais, evidencia que a segunda avaliação não é, para efeitos de impugnação, uma mera faculdade.

Tendo em conta o que fica dito duas conclusões se podem retirar, desde já, no que toca à impugnabilidade do ato de fixação do valor tributário: (i) as ilegalidades de que possa padecer a primeira avaliação no que tange à fixação do valor patrimonial não é diretamente impugnável – admitindo o Supremo Tribunal Administrativo que poderá ser impugnada com fundamento em vícios de forma ou com base em erro de facto ou de direito, designadamente errada classificação do prédio (acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 16/04/2008, proferido no processo 004/08, de 30/05/2012, proferido no processo 01109/11, de 27/06/2012, proferido no processo 01004/11 e de 27/11/12, de 27/11/2013); (ii) do resultado da segunda avaliação, que esgota os meios graciosos à disposição dos interessados, cabe impugnação judicial que pode ter como fundamento qualquer ilegalidade, designadamente a errónea quantificação do valor patrimonial do prédio.

E uma terceira conclusão se impõe: a de que prevendo a lei um modo especial de reação contra as ilegalidades do ato de fixação do valor patrimonial tributário, proferido em procedimento tributário autónomo, as mesmas não podem servir de fundamento à impugnação da liquidação do imposto que tiver por base o resultado dessa avaliação.

Na verdade, o ato que fixa o valor patrimonial tributário encerra um procedimento autónomo de avaliação que servirá de base a uma pluralidade de atos de liquidação que venham a ser praticados enquanto o valor dela resultante se mantiver, designadamente às liquidações de impostos sobre o património (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14/10/2020, proferido no processo 050/11.1BEAVR, consultável em www.dgsi.pt).

Distingue-se daqueles outros procedimentos em que o ato de avaliação direta se insere num procedimento tributário tendente à liquidação do tributo, e que assim assumem a natureza de atos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa, isto é, apesar de serem atos preparatórios da decisão final (liquidação) por disposição legal especial são direta e imediatamente impugnáveis. No caso, como referimos, o ato final do procedimento de avaliação é o ato que fixa o valor patrimonial.

De qualquer forma, quer o ato de avaliação direta se insira no procedimento de liquidação do imposto (aplicando-se neste caso a exceção ao princípio da impugnação unitária), quer, como é o caso, finalize um procedimento de avaliação direta autónomo, os vícios que afetem o valor encontrado apenas podem ser invocados na sua impugnação e já não na impugnação da liquidação que com base no valor resultante da avaliação vier a ser efetuada.

O mesmo é dizer que para além de a impugnação judicial do ato de fixação do valor patrimonial depender do esgotamento dos meios graciosos, a não impugnação do ato preclude que, em sede de impugnação judicial do ato de liquidação do imposto, possa ser questionada a quantificação do valor fixado. Não tendo sido impugnado judicialmente o resultado da segunda avaliação, nos termos previstos na lei, forma-se caso decidido ou resolvido sobre o valor da avaliação, pelo que esta não pode voltar a ser discutida (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12/01/2011, proferido no processo 0758/10).

Aliás, como refere Jorge Lopes de Sousa (in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Vol. I, 6.ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 472) “Neste caso da avaliação directa da matéria tributável, resulta claramente do n.º 4 do at.º 86.º da LGT, embora a contrário, que a invocação das ilegalidades de actos de avaliação direta só pode sem efetuada em impugnação autónoma. Na verdade, tratando este art. 86.º da LGT da impugnação de actos de avaliação directa e de avaliação indirecta da matéria tributável, o facto de se prever no seu n.º 4, apenas para os atos de avaliação indirecta, a possibilidade de invocação das respectivas ilegalidades na impugnação do acto de liquidação, revela com clareza uma intenção legislativa de que só nesses casos de avaliação indireta tal é possível, pois, se assim não fosse, decerto se faria referência cumulativa à generalidade de actos de avaliação da matéria tributável.”

Acrescenta-se que a solução contrária traria, por um lado, irracionalidade ao sistema, que exige para a impugnação do resultado da avaliação direta, uma segunda avaliação (visando eliminar a carga subjetiva inerente à avaliação e promover a fixação tão objetiva quanto possível da matéria coletável), e já a dispensaria se as ilegalidades a ela inerentes pudessem ser tratadas em sede de impugnação da liquidação do tributo; e por outro, deixaria sem sentido a previsão de impugnação autónoma do ato de fixação do valor patrimonial tributário, pois o corolário lógico da sua previsão só pode ser a preclusão da possibilidade de impugnação posterior.

3.3. Em face do que fica dito é de concluir que deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável.”

74. Em face de todas as razões enunciadas, impõe-se concluir que na avaliação dos terrenos para construção não deviam ter sido considerados os coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto, porém, tal ilegalidade só podia ser sindicada pela interessada por força dos dispositivos legais dos artigos 76.º e 77.º do CIMI, porquanto, a jurisprudência do STA, fixada em Acórdão do pleno da secção do Contencioso Tributário supra identificado, determina que “[d]eixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável.”.

75.Nesta conformidade, é o presente pedido de pronúncia arbitral improcedente.

 

  1. JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

76.  Conjuntamente com a anulação parcial dos atos de liquidação de AIMI dos anos de 2018, 2019 e 2020, e o consequente reembolso dos valores pagos indevidamente, a Requerente pede, ainda, que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, nos termos previstos no artigo 43.º da LGT.

77.  Nos termos da norma do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, serão devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido."

78.  Há que referir que, em face da norma do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, o direito aos mencionados juros indemnizatórios pode ser reconhecido no processo arbitral, pelo que, assim, importa conhecer do pedido.

79.  O direito a juros indemnizatórios pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT.

80.  No caso dos autos, ainda que na fixação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção - prédios urbanos – se tenha verificado a prática de erro de direito, porquanto, foram aplicados os coeficientes de localização, afetação, qualidade e de conforto, o que se traduziu na aplicação da fórmula aritmética prevista no artigo 38.º do CIMI, quando os terrenos para construção deviam ter sido avaliados em função das normas específicas do artigo 45.º do CIMI, na redação anterior à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, a interessada deixou precludir a possibilidade de sindicar tal ilegalidade ao abrigo dos normativos dos artigos 76.º e 77.º do CIMI.

81. Assim, o presente pedido de pronúncia arbitral é improcedente, não havendo lugar à restituição de qualquer valor de imposto indevidamente pago, razão pela qual também não é devido qualquer pagamento de juros indemnizatórios.

 

VIII. Decisão

 

Nestes termos, o Tribunal Arbitral decide:

 

  1. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral;

b) Não revogar o ato de indeferimento tácito constituído ao abrigo dos n.ºs 1 e 5 do artigo 57.º da LGT e incidente sobre o pedido de revisão dos atos tributários apresentado, ao abrigo do artigo 78.º da LGT, pela Requerente em 24.05.2022.

 

IX. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto o normativo do n.º 2 do artigo 305.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 46.263,04.

 

X. Custas

 

O valor das custas é fixado em € 2.142,00 (dois mil cento e quarente e dois euros), ao abrigo do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT e da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), a cargo da Requerente, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 5 do RCPAT.

 

 

Lisboa, 24 de julho de 2023

 

 

 

O Árbitro

 

 

 

Jesuíno Alcântara Martins