Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 288/2022-T
Data da decisão: 2023-01-27  IMI  
Valor do pedido: € 20.931,20
Tema: AIMI – Apuramento do VPT nos terrenos para construção.
Versão em PDF

DECISÃO ARBITRAL

I. Relatório

1. A… (doravante designado por “Requerente” ou “Fundo”) contribuinte fiscal n.º …, devidamente representado pela sua sociedade gestora B…, S.A., com o número de identificação fiscal … e sede na Praça …, Porto,  apresentou, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, i.e., Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), o pedido de constituição de Tribunal Arbitral com vista à anulação da decisão de indeferimento tácito do pedido de Revisão Oficiosa apresentado junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida” ou “AT”), e, bem assim, consequente anulação (parcial) do ato tributário de liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (“AIMI”) n.º 2017 …, com referência ao ano de 2017, no montante parcial de €20.931,20, sendo demandada a AT.

A) Constituição do Tribunal Arbitral

2. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) designou como árbitro do Tribunal Arbitral Singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação no dia 15 de junho de 2022.

3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, e mediante a comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído no dia 05 de julho de 2022.

 

 

B) História Processual

4. O Requerente formulou o presente pedido de pronúncia arbitral, requerendo a apreciação da legalidade da decisão de indeferimento tácito do pedido de Revisão Oficiosa, submetido no dia 24 de setembro de 2021 (cf. Documento n.º 1), ao abrigo do disposto no artigo 78.º da LGT.

5. Em simultâneo, o Requerente solicita a anulação parcial do ato tributário de liquidação do AIMI n.º 2017 …, apenas quanto ao terreno para construção inscrito na matriz sob o artigo U-… da freguesia das Avenidas Novas, com referência ao ano de 2017 e inerente restituição do montante parcial de € 20.931,20.

6. Assim, embora a referida liquidação de AIMI tenha sido notificada ao Requerente no montante total de € 78.945,12, apenas está a ser contestada a parte do AIMI respeitante ao referido terreno para construção, pretendendo, o Fundo, que a AT seja condenada a restituir-lhe o imposto no montante de € 20.931,20, correspondente à diferença entre o montante de imposto que liquidou e aquele que resultaria da aplicação do método alegadamente correto de determinação do valor patrimonial tributário do seu terreno para construção.

7. Como causa de pedido, o Requerente alega a errónea quantificação do valor patrimonial tributário do terreno em apreço, subjacente à liquidação do AIMI, que fora fixado pela aplicação de coeficientes de (i) localização, (ii) de afetação e/ou (iii) de qualidade e conforto, conforme consta da caderneta predial junta como Documento 4.

8. Com efeito, a origem da divergência que opõe o Requerente à AT diz respeito à fórmula de cálculo do valor patrimonial do terreno para construção inscrito na matriz sob o artigo U-…da freguesia das Avenidas Novas (…), com fundamento na aplicação (alegadamente errónea) dos coeficientes de localização, afetação e qualidade e conforto, previstos no artigo 38.º, n.º 1, do Código do IMI, para a determinação do valor patrimonial tributário de determinados prédios urbanos.

9. Em concreto, defende o Requerente que, face a esta fórmula de cálculo, a AT liquidou um montante de AIMI superior ao montante legalmente devido face aos valores patrimoniais tributários que deveriam ter sido considerados para efeitos de cálculo da coleta de imposto referente ao ano em apreço, existindo uma violação do princípio da legalidade tributária e da reserva de lei.

10. A Requerida foi notificada por despacho arbitral de 5 de julho de 2022, nos termos do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, para, no prazo de 30 dias, apresentar a resposta e solicitar a produção de prova.

11. Em 22 de setembro de 202, a Requerida apresentou o seu articulado de resposta, defendendo-se por exceção e impugnação.

12. Em sede de impugnação, a AT afirma ter acolhido o entendimento preconizado pelos tribunais superiores no sentido que na determinação do VPT dos terrenos para construção, segundo o qual releva a regra específica constante do artigo 45.º do CIMI e não outra, não tendo considerado os coeficientes previstos na expressão matemática do artigo 38.º do CIMI, tais como os coeficientes de localização, de afetação, de qualidade e conforto (cf. Artigo 14.º da Resposta).

13. Em sede de exceção, a Requerida alegou (i) a intempestividade e inadmissibilidade do pedido de Revisão Oficiosa apresentado pelo Requerente e, bem assim, (ii) a inimpugnabilidade dos atos de liquidação com fundamento em erros / vícios próprios no cálculo do VPT cuja fixação está consolidada na ordem jurídica.

14. Com efeito, a AT pugna pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral e manutenção na ordem jurídica do ato tributário impugnado, com a sua consequente absolvição do pedido.

15. Por despacho de 3 de janeiro de 2023, o Tribunal Arbitral Singular, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 16.º do RJAT, decidiu, sem oposição das partes, que não se mostrava necessário promover a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, em resultado da simplicidade das questões em apreço, bem como por considerar que tinha em seu poder todos os elementos necessários para tomar uma decisão clara e imparcial. Contudo, por vicissitudes várias, nos termos do nº 2 do artigo 21º do RJAT, no aludido despacho prorrogou-se o prazo de prolação da decisão arbitral por dois meses. Adicionalmente, decidiu o presente Tribunal Arbitral Singular, no mesmo despacho, convidar as partes, querendo, a produzir alegações finais, no prazo de 5 dias.

16. Por despacho de 16 de janeiro de 2023, e em conformidade com o n.º 2 do artigo 18.º do RJAT, fixou como prazo limite para a prolação da decisão arbitral 31 de janeiro de 2023

17. Na sequência do aludido despacho, o Requerente optou por não produzir alegações finais, mantendo-se os argumentos já mobilizados no processo.

18. Da mesma forma, a Requerida, optou igualmente por não produzir alegações finais mantendo-se integralmente o já aduzido na resposta.

19. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente para apreciar as questões indicadas (artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade plena (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

II. Questão a decidir

20. A principal questão a apreciar e a decidir, prende-se com saber se, para efeitos da determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, devem ser tidos em conta os coeficientes de afetação, de qualidade e conforto e de localização, previstos no art.º 38º, n.º 1, do CIMI.

21. Sem prejuízo da questão principal, cumpre apreciar ainda as duas exceções apresentadas pela Requerida: (i) a intempestividade e inadmissibilidade do pedido de Revisão Oficiosa apresentado pelo Requerente e, bem assim, (ii) a inimpugnabilidade dos atos de liquidação com fundamento em erros / vícios próprios no cálculo do VPT cuja fixação está consolidada na ordem jurídica.

III. Decisão da matéria de facto e sua motivação

22. No que concerne à matéria de facto, importa salientar que, segundo o artigo 607.º números 3 e 4, do Código de Processo Civil (“CPC”) e o artigo 123.º n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT, o tribunal não está obrigado a pronunciar-se sobre todos os factos alegados pelas partes, antes, cabe-lhe selecionar os factos que considera relevantes para a causa, distinguindo os que estão provados dos que não estão.

A) Factos provados

23. Com efeito, examinada a prova documental produzida pelas partes, o presente tribunal julga como provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:

a. O Requerente A… – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado é representado pela sua sociedade gestora B… – Sociedade Gestora de Organismos de Investimento Coletivo, S.A.

b. O Requerente é um fundo de investimento imobiliário fechado, constituído por subscrição particular, gerido e administrado pela sociedade gestora anteriormente identificada.

c. No âmbito da sua atividade, o Fundo é proprietário de diversos prédios, incluindo um terreno para construção inscrito na matriz sob o artigo U-…da freguesia das Avenidas Novas, para o qual, em 20.09.2005, foi entregue a declaração modelo 1 do IMI, à qual foi atribuído o n.º …, com o motivo de “primeira transmissão na vigência do IMI”.

d. Por força daquela declaração modelo 1 do IMI, foi desencadeado o procedimento avaliativo, tendo sido fixado o VPT de € 8.630.730,00 (ficha de avaliação o n.º …) em 01.11.2006, o qual foi notificado, em 16.11.2006, através do ofício n.º ….

e. Decorrido o prazo de trinta dias após ter sido notificado do resultado da avaliação, o Requerente não apresentou a reclamação/pedido de 2.ª avaliação prevista no artigo 76.º do Código do IMI para reagir contra a fixação daquele valor patrimonial tributário, pelo que o mesmo foi registado na matriz.

f. O referido terreno para construção foi objeto do ato tributário de liquidação de AIMI nº 2017 …, em conjunto com outros prédios da titularidade do Requerente (cf. Documento n.º 2).

g. A referida liquidação foi emitida no valor total de € 78.945,12 (cf. Documento n.º 2), considerando um conjunto de prédios urbanos objeto da liquidação e teve por base, para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante de AIMI a pagar pelo Requerente, os VPT dos prédios fixados segundo a fórmula adotada à data pela AT, a qual considerava a aplicação de coeficientes de localização, de afetação e/ou de qualidade e conforto.

h. O Requerente procedeu ao pagamento, integral e atempado, da referida liquidação (cf. Documento n.º 5).

i. Nesta data, o VPT do terreno para construção que serviu de base à liquidação do AIMI de 2017, estava fixado em € 9.155.855,98 (cf. Documentos números 2 e 4).

j. Da caderneta predial do terreno para construção inscrito na matriz sob o artigo U-… da freguesia das Avenidas Novas consta a seguinte fórmula do cálculo do VPT:

 

l. O Requerente apresentou pedido de Revisão Oficiosa no dia 24 de setembro de 2021, com vista a declaração de ilegalidade e anulação parcial da liquidação do AIMI nº 2017 …, solicitando que fossem expurgados os coeficientes de localização, de afetação e/ou de qualidade e conforto aplicáveis ao VPT do referido terreno para construção, que serviram de base para cálculo da coleta de AIMI.

m. A Requerida não se pronunciou sobre o pedido de Revisão Oficiosa, não tendo emitido decisão dentro do prazo de 4 meses previsto no n.º 1 do artigo 57.º da LGT, nem procedeu à revisão do ato tributário em causa.

n. Em face do exposto, veio o Requerente peticionar a constituição do presente tribunal arbitral, pedindo a condenação da Requerida com a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento tácito do pedido de Revisão Oficiosa, e, bem assim, consequente anulação (parcial) do ato tributário de AIMI n.º 2017 …, com referência ao ano de 2017, no montante parcial de €20.931,20.

B) Factos não provados

24. Não existe factualidade relevante para a decisão da causa dada como não provada.

IV. Do Direito

25. Fixada a matéria de facto, cumpre analisar as questões de direito colocadas pelo Requerente e Requerida.

A. Da tempestividade e admissibilidade do pedido de Revisão Oficiosa

26. A primeira questão, que prejudica o conhecimento das restantes, reconduz-se em saber se o Pedido de Revisão Oficiosa da liquidação de AIMI foi tempestivamente apresentado pelo Fundo, junto da aqui demandada, Autoridade Tributária.

27. No que respeita à legislação relevante para a questão aqui em apreço, importa referir que o artigo 78.º da LGT consagra o instituto do pedido de Revisão Oficiosa dos atos tributários por parte da AT, com vista à expurgação da ordem jurídica (total ou parcialmente) de atos considerados ilegais por ocorrência de erro nos pressupostos de direito e/ou de facto.

28. Na circunstância de a ilegalidade derivar de erro imputável aos serviços, a iniciativa de revisão por parte da Administração Tributária pode ser desencadeada a pedido do contribuinte, no prazo de 4 anos contados a partir do ato cuja revisão se solicita (cf. Artigo 78.º, n.º 1, segunda parte, da LGT).

29. No caso sub judice, o erro consubstanciou-se na aplicação, por parte dos serviços da AT, para efeitos do cálculo do VPT do terreno para construção, dos coeficientes de localização, de afetação e/ou de qualidade e conforto; deste erro, conforme infra melhor se analisará, resultou um VPT em valor claramente superior ao que resultaria das disposições legais que deveriam ter sido aplicadas.

30. Quanto à imputabilidade do erro aos serviços da AT, cumpre dar nota que é esta a entidade responsável pela determinação dos VPT dos prédios, bem como a entidade emitente das liquidações de AIMI; em consequência, os erros cometidos neste procedimento de determinação são “erros imputáveis aos serviços” que justificam plenamente a solicitada revisão oficiosa nos termos gerais do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

31. Com efeito, estando a questão relacionada com a errónea fixação do VPT, não poderia, como a AT pretende fazer valer, ser o erro imputável ao Fundo, por força de eventual comportamento negligente por parte deste, uma vez que se trata de um procedimento de determinação da exclusiva competência pela AT.

32. Note-se, aliás, que resulta expressa e diretamente da alínea c) do n.º 1 do artigo 115.º do Código do IMI, que as liquidações deverão ser oficiosamente revistas quando “tenha havido erro de que tenha resultado coleta de montante diferente do legalmente devido” – o que a AT se escusou de promover.

33. Assim, uma vez que do erro na determinação da matéria tributável para efeitos de AIMI – i.e. erro na determinação do VPT– resulta o apuramento de uma coleta de imposto superior à legalmente devida, conclui-se pela admissibilidade da dedução de pedido de Revisão Oficiosa (e respetiva retificação / anulação) da liquidação de AIMI em apreço.

34. Veja-se neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) de 03/14/2012, proferido no âmbito do processo n.º 01007/11: “é hoje doutrinal e jurisprudencialmente pacífico o entendimento segundo o qual, existindo um erro de direito numa liquidação efectuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, pois tanto o n.º 2 do artigo 266° da Constituição como o artigo 55° da Lei Geral Tributária estabelecem a obrigação genérica de a administração tributária actuar em plena conformidade com a lei, razão por que qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração.”

35. Com efeito, considerando o fim do prazo de pagamento da liquidação contestada (30 de setembro de 2017, cf. Documento 2) e o da submissão do pedido de Revisão Oficiosa (24 de setembro de 2021), conclui-se que o pedido é tempestivo.

B.  Da inimpugnabilidade do ato de liquidação de AIMI com base em vícios da fixação do valor patrimonial tributário.

36. Constitui objeto imediato do presente pedido de pronúncia arbitral a decisão de indeferimento tácito do pedido de Revisão Oficiosa formulado junto da AT, que, de forma inerente, invoca a apreciação da legalidade do ato liquidação de AIMI com a nota de cobrança n.º 2017 …, com referência ao ano de 2017, no montante parcial de € 20.931,20.

37. Segundo a posição da AT, uma vez que a pretensão do Requerente é a anulação do ato impugnado com fundamento em vícios, não do ato de liquidação, mas sim do ato que fixou o VPT do terreno para construção, a presente ação não é nem fundamentada em qualquer vício dos atos de liquidação ou da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, mas sim ato destacável de fixação do VPT e não o ato de liquidação.

38. Neste raciocínio protagonizado pela AT, não tendo o Requerente impugnado a fixação do VPT, os vícios do ato que definiu o VPT não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo, pois que o referido ato consolidou-se na ordem jurídica, não podendo ser alteradas as liquidações feitas a coberto desse VPT.

39. A este respeito, saliente-se que está constitucionalmente consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, a proibição da cobrança de tributos que não estejam previstos na lei, razão pela qual, aliás, consagra-se um instituto como o previsto no artigo 78.º da LGT, com prazo mais alargado para a AT rever atos considerados ilegais. 

40. Em matéria de erros na determinação de VPT e subsequente impugnação de atos de liquidação emitidos com base nestes valores, importa trazer à colação a decisão do Tribunal Central Administrativo Sul (“TCAS”), datada de 31 de outubro de 2019, proferida no processo n.º 2765/12.8BELRS, cujo objeto versa também sobre um pedido de Revisão Oficiosa, de cujo indeferimento o sujeito passivo reagiu pela via da impugnação, alegando como causa de pedir, a errónea fixação do VPT em causa.

41. Ali se refere que, não obstante o pedido de Revisão Oficiosa ser inaplicável aos atos de fixação do VPT (por serem atos administrativos em matéria fiscal), tal não significa que aquele pedido seja “imprestável para o caso subjudice, visto que a coberto de um VPT ilegal foram produzidas liquidações de tributo (IMI) que foram exigidas à recorrida”.

42. Nesta senda, o TCAS concluiu pelo seguinte: “A errada fixação do VPT, em 2003, pode ser arguida através do pedido de revisão oficiosa das liquidações, nos termos conjugados dos artigos 78.º da LGT e 115.º do CIMI, ainda que o contribuinte não tenha reagido atempadamente contra essa fixação.”

43. Também é entendimento do CAAD, protagonizado (nomeadamente) no processo n.º 285/2022 -T, que: “A errada fixação do valor patrimonial tributário pode ser arguida através de pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de IMI emitidos com base no mesmo (nos termos conjugados dos artigos 78.º, n.º 1, da LGT e 115.º, n.º 1, alínea c), do Código do IMI), não obstante os atos de fixação do valor patrimonial tributário constituírem “atos destacáveis” e serem suscetíveis de impugnação autónoma.”

44. No mesmo sentido, veja-se, ainda, o sumário da recente decisão do CAAD, proferida no âmbito do processo n.º 57/2022-T:

“I - A legalidade dos atos de liquidação de IMI pode ser apreciada em processo de impugnação judicial com base em vícios imputáveis aos atos de fixação do valor patrimonial tributário, não obstante o disposto no artigo 77.º, n.º 1, do Código do IMI;

II - O tribunal arbitral é competente para apreciar a legalidade dos atos de liquidação de IMI, quando a impugnação tenha como fundamento a quantificação errónea do valor patrimonial tributário dos prédios em causa;

III - Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula consagrada no artigo 38.º do Código do IMI, por existirem regras específicas previstas no artigo 45.º do mesmo Código.”

45. Face ao exposto, julga-se improcedente a exceção de ininpugnabilidade ato de liquidação de IMI.

C. Da legalidade da liquidação de AIMI n.º 2017 …, parcialmente impugnada.

46. A questão principal que opõe o Requerente à Autoridade Tributária e que cumpre ao presente tribunal, por fim, decidir, diz respeito à fórmula de cálculo do VPT do terreno para construção inscrito na matriz sob o artigo U-… da freguesia das Avenidas Novas.

47. Relativamente à determinação dos VPT de prédios urbanos, o Código do IMI prevê, de forma clara e expressa, diferentes métodos de avaliação consoante as espécies de prédios urbanos definidas nos termos da classificação estatuída no artigo 6.º deste mesmo Código.

48. Por exemplo, no artigo 38.º, n.º 1 do Código do IMI, o legislador português fixou, para a determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços, a seguinte fórmula legal de cálculo:

“Vt = Vc x A x Ca x Cl x Cq x Cv”

em que,

Vt = valor patrimonial tributário;

Vc = valor base dos prédios edificados;

A = área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação;

Ca = coeficiente de afectação;

Cl = coeficiente de localização;

Cq = coeficiente de qualidade e conforto;

Cv = coeficiente de vetustez”.

49. Método diferente é aquele que se encontrava previsto para os prédios urbanos classificados de “terrenos para construção” (i.e. prédios urbanos definidos nos termos da alínea c) do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 6.º do Código do IMI), no artigo 45.º do Código do IMI, à redação vigente à data do facto tributário a que deu origem à liquidação de AIMI sub judicei.e. 31 de Dezembro de 2017.

50. Note-se que os terrenos para construção, embora constem das tipologias de prédio urbano definido para efeitos de IMI e de AIMI (e demais impostos sobre o património), são definidos como “terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos”, conforme estabelecido no n.º 3 do artigo 6.º do Código do IMI.

51. Com efeito, nos termos do n.º 1 do referido artigo 45.º do Código do IMI, na redação vigente à data do facto tributário em apreço,[o] valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor dos terrenos adjacentes à implantação”.

52. À luz do n.º 2 do referido preceito legal na redação vigente à data do facto tributário, o “valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas”, referindo-se, no n.º 3 do artigo 45.º, que[n]a fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º”.

53. Com efeito, a fórmula de cálculo consagrada no n.º 1 do artigo 45.º do Código do IMI na redação vigente à data do facto tributário relevante para efeitos do atos tributário de liquidação de AIMI sub judice, não se reconduzia à aplicação da fórmula acima mencionada prevista para os outros tipos de prédios urbanos, para a qual concorrem coeficientes de afetação (cf. artigo 41.º do Código do IMI), de localização (cf. artigo 42.º do Código do IMI), de qualidade e conforto (cf. artigo 43.º do Código do IMI) e de vetustez (cf. artigo 44.º do Código do IMI).

54. Destarte, para além do legalmente estatuído, também a jurisprudência do STA tem sido constante e reiterada no sentido de que a fórmula de cálculo / determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não deve considerar os coeficientes de localização, de afetação, de qualidade e conforto (entre outros, Acórdão de 28 de junho de 2017, proferido no processo n.º 0897/16; Acórdão do STA de 14 de novembro de 2018, proferido no processo n.º 0398/08.2BECTB 0133/18).

55. Veja-se o Acórdão proferido pelo STA, no âmbito do processo n.º 01107/16, a 4 de maio de 2017, que, abordando a fórmula de cálculo do VPT dos terrenos para construção, conclui pelo seguinte:

“I - Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45.º do Código do IMI, não havendo lugar à consideração dos coeficientes de localização, qualidade e conforto.

II - O artigo 45 do CIMI é a norma específica que regula a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.

III - Os coeficientes de localização, qualidade e conforto, factores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afectação não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI).

56. De igual modo, decidiu o STA, no âmbito do processo n.º 0824/15, em Acórdão de 20 de abril de 2016, que “o artigo 45.º do Código do IMI é a norma específica que regula a determinação deste valor dos terrenos para construção”, pelo que, o “coeficiente de afectação só pode relevar face à comprovada utilização do prédio edificado e bem assim o de conforto e qualidade”, sendo “tais coeficientes multiplicadores do valor patrimonial tributário apenas respeitam ao edificado mas não têm base real de sustentação na potencialidade que o terreno para construção oferece”.

57. No mesmo sentido, vide os seguintes Acórdãos: Acórdão do STA de 17 de maio de 2017, proferido n.º 0902/16; Acórdão do STA de 16 de maio de 2018, proferido no processo n.º 0986/16; Acórdão do STA de 9 de outubro de 2019, proferido no processo n.º 0165/14.4BEBRG; Acórdão do STA de 3 de julho de 2019, proferido no processo n.º 016/10.9BELLE.

58. Quanto à jurisprudência do Tribunal Arbitral, importa trazer à colação o decidido pelo CAAD, no âmbito do processo n.º 760/2020-T, referente exatamente sobre a mesma temática aqui em crise (contestação de atos tributários de liquidação de AIMI) e incidente sobre o mesmo pedido de anulabilidade de ato tributário de liquidação de AIMI com fundamento em vícios na fixação dos VPT de terrenos para construção, correspondentes à errónea consideração dos coeficientes supra elencados.

59. Determinou o douto Tribunal Arbitral na decisão do referido processo n.º 760/2020-T que “independente das opções legislativas posteriores, também entendemos que a [coeficientes de] afetação, a qualidade e o conforto são realidades só apreciáveis perante um imóvel construído e não perante um terreno para construção, relativamente ao qual apenas poderão ser tidas em conta expetativas (que poderão não vir a ser concretizadas). Subscrevemos, pois, estes entendimentos, louvando-nos na fundamentação de tais Acórdãos que, por desnecessário, não transcrevemos. Há, assim, que concluir pela integral procedência do pedido”.

60. Concluiu, assim, o douto Tribunal: “Atentos os factos dados como provados, temos que a quantificação do montante de imposto pago em excesso pela Requerente em razão da ilegalidade parcial da liquidação impugnada decorre de simples operações matemáticas. Como dado por provado, o VPT total dos prédios ora em causa era de 10 871 239,11 €, ao que, à taxa aplicável (0, 40%), correspondeu a uma coleta de 43 484,96 €. O VPT total dos mesmos prédios, em resultado da reavaliação de 2020, feita de acordo com o que a Requerente propugna, é, como provado, de 7 147 880,00 €, valor a que, aplicando a mesma taxa, corresponde uma coleta de 28 591,52 €. Há, pois, que concluir que, relativamente a tais prédios, a Requerente pagou, ilegalmente, um excesso de 14 893,44€, tal qual afirma”.

61. Ora, resulta dos autos, inclusivamente, da caderneta predial junta pelo Requerente sob o Documento n.º 2, que para o VPT do terreno para construção inscrito na matriz sob o artigo U-… da freguesia das Avenidas Novas detido pelo Requerente no ano 2017, aqui em análise, a AT considerou os coeficientes de localização, de afetação e/ou de qualidade e conforto.

62. Assim, contrariando o estatuído no artigo 45.º do Código do IMI, é notório que a AT procedeu a uma errónea aplicação dos coeficientes localização, afetação e/ou de qualidade e conforto na determinação do VPT do terreno para construção, daí resultando um montante de AIMI superior ao montante legalmente devido face ao VPT que deveria ter sido considerado para efeitos de cálculo da coleta de imposto referente ao ano de 2017.

63. De facto, afigura-se claro que os aludidos coeficientes, indevidamente aplicados para efeitos de determinação do VPT do terreno para construção objeto do ato tributário de liquidação de AIMI sub judice, influíram indevidamente no valor da coleta de imposto.

64. Uma vez expurgados os coeficientes de localização, de afetação e/ou de qualidade e conforto que foram aplicados ao VPT que serviu de base para cálculo da coleta de AIMI de 2017 aqui em análise, resulta diferente VPT, de montante inferior, àquele que foi efetivamente utilizado para efeitos de cálculo deste tributo.

65. Consequentemente, o ato de liquidação de AIMI em apreço, padece de erro nos pressupostos de facto e de direito, acarretando anulação (parcial) da liquidação de AIMI por erro na determinação da matéria tributável.

66. Consequentemente, a liquidação de AIMI deverá ser parcialmente anulada na parte correspondente ao montante de imposto liquidado em excesso, em resultado direto de ter sido considerado, para efeitos de cálculo deste imposto, um valor de matéria tributável superior àquele que deveria ter sido.

67. Como provado pelos factos alegados pelas partes e conforme consta da caderneta predial, o VPT do terreno em causa era de € 9.155.855,98 ao que, à taxa aplicável (0,40%), correspondeu a uma coleta de € 36.623,42.

68. Desconsiderando os coeficientes do cálculo do VPT total do terreno para construção, resulta um VPT de € 3.923.056,13, valor relativamente ao qual, aplicando-se a taxa de 0,40%, corresponde uma coleta de € 15.637,19.

69. Conclui-se, assim, que o Requerente pagou, ilegalmente, um excesso de € 20.931,20.

Decisão

70. Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral Singular:

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento tácito do Pedido de Revisão Oficiosa e anulação parcial da liquidação de AIMI n.º 2017 …, no montante de € 20.931,20;

 

  1. Condenar a Requerida a reembolsar o Requerente do valor do imposto pago em excesso, no montante global de € 20.931,20 (vinte mil e novecentos e trinta e um euros e vinte cêntimos;

 

  1. Condenar a Requerida no pagamento das custas devidas.

Valor do processo

71. De harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 306.º do Código do Processo Civil, da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em € 20.931,20 (vinte mil e novecentos e trinta e um euros e vinte cêntimos).

Custas

72. Nos termos do n.º 4 do artigo 22.º do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

Notifique-se.

 

Lisboa, CAAD, 27 de janeiro de 2023

 

O Árbitro

 

 

 

_________________________________________________________________

(Sérgio Santos Pereira)