Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 280/2022-T
Data da decisão: 2023-03-14  IMI  
Valor do pedido: € 28.672,57
Tema: AIMI – Fixação do Valor Patrimonial Tributário
Versão em PDF

SUMÁRIO

I – O Tribunal Arbitral é competente para apreciar da legalidade dos actos de liquidação do AIMI quando a impugnação/pedido tenha como fundamento o erróneo apuramento do VPT dos prédios que constituem a base tributável.

II - O prazo de revisão oficiosa aplicável é o do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, porquanto o pedido de revisão oficiosa foi dirigido contra os actos de liquidação do AIMI, ainda que com base em erro de direito quanto à matéria tributável sobre a qual incidiu a liquidação objecto de contestação.

III – Na avaliação de terrenos para construção, não devem ser considerados, nem aplicados na determinação do respectivo VPT, os coeficientes previstos no artigo 38º do CIMI, entre eles os coeficientes de localização, de qualidade e conforto e de afectação.

DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro, Dr. João Marques Pinto, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 5 de Julho de 2022, acorda o seguinte:

 

 

1. Relatório

 

A... S.A., com o número de identificação fiscal, ... e com sede em  ..., ..., ..., ...-... ... doravante identificada apenas por “Requerente”, veio requerer, em 22 de Abril de 2022, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 2º e no artigo 10º do Decreto-Lei 10/2011 de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante identificado apenas pelas inicias RJAMT), a constituição de TRIBUNAL TRIBUTÁRIO com designação do Árbitro pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, para Pronuncia Arbitral sobre a da presenção do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa dos actos tributários de liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre os Imóveis (doravante AIMI), no montante global de € 28.672,57 (vinte e oito mil seiscentos e setenta e dois euros e cinquenta e sete cêntimos).

A Requerente solicitou ao Tribunal Arbitral que:

  1. Seja decretada a legalidade do Pedido de Revisão Oficiosa identificado e declarada a ilegalidade do seu indeferimento (tacitamente presumido);
  2. Se anulem os actos tributários que constituem o seu objecto, relativos às liquidações de AIMI identificadas no seu Requerimento, no valor de € 28.672,57 (vinte e oit mil seiscentos e setenta e dois euros e cinquenta e sete cêntimos);
  3.  Restitua o montante de imposto pago em excesso, no valor referido em (ii) supra acrescido dos respectivos juros indemnizatórios

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante AT).

A Requerente optou por não designar Árbitro.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerente e à Autoridade Tributária em 22 de Abril de 2022.

Em 15 de Junho de 2022, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação do Árbitro, nos termos e para os efeitos do disposto nos nºs 1 e 7 do Artigo 11º do RJAMT.

Desta forma, em face do disposto no nº 8 do artigo 11º do RJAMT, tendo decorrido o prazo estabelecido no nº 11 do mesmo artigo 11º, sem que as Partes se pronunciassem, o Tribunal Tributário Colectivo ficou constituído em 5 de Julho de 2022, tendo, nesse mesmo dia, sido notificada a AT para apresentar a sua contestação e juntar o processo administrativo.

A AT apresentou a sua resposta em 22 de Setembro de 2022, tendo deduzido defesa por excepção e por impugnação, tendo concluído a sua resposta pedindo a improcedência, por não provado, do pedido formulado.

As excepções invocadas foram:

  1. A inimpugnabilidade do acto de liquidação com base em vícios próprios do acto de fixação do valor patrimonial tributário
  2. A intempestividade do pedido de revisão oficiosa

Em 3 de Outubro de 2022, a Requerente apresentou resposta às excepções invoocadas pela Requerida.

Em 5 de Janeiro de 2023 foi proferido despacho a prorrogar por dois meses, o prazo para prolacção da decisão final, tendo este prazo sido prorrogado por mais 30 dias, por despacho proferido em 6 de Março de 2023.

Em 9 de Março de 2023 foi notificada a Requerente para liquidar a segunda prestação da taxa arbitral no valor de € 765,00.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4º e 10º nº 2 do RJAMT e artigo 1º da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

 

 

  1. Matéria de facto

 

  1. Factos considerados provados:

- A Requerente é uma pessoa colectiva , com sede e direcção efectiva em Portugal, e, como tal, sujeito passivo de IRC.

- A Requerente é proprietária de prédios, qualificados como terrenos para construção, todos sitos na freguesia de  ... concelho de Lagoa, a que foram atribuídos os seguintes artigos matriciais:

  • U – ...
  • U – ...
  • U – ...
  • U – ...
  • U – ...
  • U - ...
  • U – ...

- Todos estes prédios foram objecto de avaliação patrimonial no ano de 2013, os quatro primeiros da lista constante no número anterior, no dia 8 de Março, o quinto dessa lista no dia 19 de Março e os dois últimos no dia 20 de Março.

- A Requerente foi notificada dos actos tributários de liquidação de AIMI com os nºs 2018..., 2019..., 2020... e 2021 ..., referentes aos anos de 2018, 2019, 2020 e 2021, no valor total de € 204.281,00 (duzentos e quatro mil duzentos e oitenta e um euros).

- A Requerente procedeu ao pagamento integral e atempado das referidas liquidações de AIMI.

- Em 30 de Novembro de 2021, a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa dos actos de liquidação identificados no ponto 4º supra.

- Até à data da entrada do pedido de pronuncia arbitral, no dia 22 de Abril de 2022, a Autoridade Tributária, ora Requerida, não apreciou e respondeu ao pedido de revisão apresentado pela Requerente.

 

  1. Fundamentação da decisão da matéria de facto

A fixação da matéria de facto baseia-se nos documentos juntos pela Requerente no seu pedido inicial e pela Requerida na sua defesa.

 

 

2. Matéria de Direito

 

2.1. Fundamentos das posições das Partes

 

1º - A Requerente sustenta o seu pedido nos seguintes fundamentos:

  1. É inequívoco que, nos termos do artigo 10º, nº 1 a) do RJAMT a apreciação do indeferimento tácito se encontra compreendida no âmbito de actuação do Tribunal Arbitral, uma vez que tem por objecto os actos mencionados nos nºs 1 e 2 do artigo 102º do CPPT, pelo que o mesmo é competente para apreciação do pedido;
  2. O indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação do AIMI ocorreu no dia 30 de Março de 2022, pelo que o pedido de apreciação pelo CAAD é tempestivo;
  3. Verificam-se os requisitos estabelecidos no artigo 3º nº 1 do RJAMT para a cumulação de pedidos, pois o pedido tem por objecto actos de liquidação do mesmo imposto e existe identidade entre a matéria de facto e a procedência do pedido depende da interpretação das mesmas regras e princípios de direito;
  4. As liquidações do AIMI em crise tiveram por base Valores Patrimoniais Tributários (VPT) fixados de forma errónea pela AT, uma vez que resultavam da aplicação de coeficientes de localização, de afectação e/ou de qualidade e conforto, os quais não devem ser de considerar no processo de avaliação de terrenos para construção;
  5. Daqui resultou a liquidação de imposto – AIMI – em excesso, pois a não consideração dos referidos coeficientes – como resultaria de uma correcta aplicação da lei – levaria à fixação de um VPT significativamente inferior, com impacto manifesto nas colectas deste imposto para os referidos anos de 2018, 2019, 2020 e 2021, pois o AIMI deve ser liquidado, anualmente, sobre os VPT constantes nas matrizes no dia 1 de Janeiro do ano a que o imposto respeita;
  6. As alterações introduzidas à redacção do artigo 45º do CIMI pela Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2021, ainda não se aplicavam às liquidações objecto do presente pedido de anulação parcial, devendo, ao contrário, ser aplicada a fórmula indicada no artigo 45º do CIMI, vigente à data dos factos, ou seja, a fórmula “Vt = Vc x A x % do valor das edificações autorizadas ou previstas”;
  7. Verificam-se, pois, erros manifestos nos pressupostos de facto e/ou de direito na liquidação de AIMI relativa nos anos em questão – 2018 2019, 2020 e 2021 - o que constitui um vicio que impõe a sua anulabilidade,na parte correspondente ao montante de imposto liquidado em excesso;
  8. O artigo 115º nº 1 c) do CIMI impõe que as liquidações deverão ser oficiosamente revistas quando tenha havido erro de que tenha resultado colecta de montante diferente do legalmente devido, pelo que, no caso em apreço, está preenchido o requisito para a revisão oficiosa das liquidações de AIMI;
  9. Considerando que é a AT a entidade responsável pela correcta fixação dos VPT, o erro que se verificou é imputável aos respectivos serviços, pelo que está integralmente justificado o pedido de revisão nos termos do artigo 78º nº 1 da Lei Geral Tributária (LGT);
  10. A aplicação dos coeficientes acima referidos na avaliação de terrenos para construção é manifestamente contrária ao princípio da legalidade tributária estabelecido nos artigos 165º nº 1 l) e 103º nº 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP), pelo que deverá ser julgada inconstitucional a norma pretensamente extraída do artigo 45º do CIMI quando interpretada e aplicada no sentido de os coeficientes previstos no artigo 38º do CIMI serem utilizados na avaliação de terrenos ara construção;
  11. Por fim, considera a Requerente que, tendo procedido ao pagamento das liquidações de AIMI, apesar de as considerar passiveis de anulação parcial, que terá direito, não só ao reembolso da quantia indevidamente paga, como do pagamento, pela AT, dos correspondentes juros indemnizatórios, pois verificam-se os requisitos estabelecidos no artigo 43º e 100º da LGT.

2º - De acordo com o exposto na sua resposta, a  AT sustenta, essencialmente, a sua posição com os seguintes argumentos:

  1. Estando em causa, apenas e só, o acto, destacável, de fixação do VPT de determinados terrenos para construção, estes actos não são suscetíveis de ser objecto de impugnação no acto de liquidação que seja praticado com base no mesmo.
  2. O pedido de revisão oficiosa dos actos de liquidação é intempestivo pois o prazo para ser autorizada a revisão da matéria tributável pelo dirigente máximo do serviço é de três anos, e não de quatro, pois o preceito aplicável *a situação é o nº 4 do artigo 78º da LGT e não o nº 1, como defende o Requerente.
  3. Constituindo o processo de avaliação de um imóvel, um processo autónomo e destacável para efeito de impugnação arbitral, apenas pode ser impugnado no âmbito de um pedido de 2ª avaliação e não na posterior liquidação de tributos feita com base nesse novo VPT fixado pelas autoridades competentes. Ou, por outras palavras, não sendo objecto de impugnação através de um pedido de 2ª avaliação, o VPT consolida-se na ordem jurdica, por força do princípio da segurança jurídica, não sendo os actos de liquidação do AIMI “atacáveis” com fundamento em erro no cálculo do VPT;
  4. Os actos de fixação do VPT não são verdadeiros actos de liquidação, tratando-se sim de actos autónomos e individualizados com eficácia jurídica própria e, por isso, directamente sindicáveis, sendo que, ao considerá-los como tal, o legislador pretendeu a estabilização e consolidação da matéria colectável num momento anterior ao da liquidação do imposto. Assim sendo, os vícios que se verifiquem no processo de fixação do VPT não podem ser objecto de sindicância no acto de impugnação do acto de liquidação feito com base com base em errónea fixação do VPT;
  5. O pedido de revisão oficiosa formulado pela Requerente não é aplicável aos actos de avaliação patrimonial de bens imóveis, ou seja, o sistema tributário português consagra uma verdadeira inadmissibilidade da revisão oficiosa dos actos de determinação de valores patrimoniais;
  6. Não se verifica qualquer violação do princípio da igualdade tributária e, consequentemente do princípio da legalidade, mas sim, e pelo contrário, a posição da Requerente poderá pôr em causa o regime da consolidação dos actos administrativos tributários;
  7. Para além disso, a prevalecer a posição da Requerente, então sim, verificar-se-ia uma clara violação do princípio da igualdade tributária, ao privilegiar-se os sujeitos passivos que, em devido tempo, não contestaram o PT fixado pelos serviços competentes da AT;
  8. O Tribunal Arbitral está impedido de julgar o processo de acordo com critérios de equidade, pelo que não estando o pedido da Requerente sustentado na lei e no direito constituído deve ser julgado improcedente, tal como, por maioria de razão, o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.

 

3º - Tendo a Requerida suscitado duas excepções, o Requerente veio, em requerimento autónomo, pronunciar-se sobre as mesmas, argumentando da seguinte forma:

  1. Sobre a alegada inimpugnabilidade dos actos de liquidação com base em vícios de fixação do VPT, entende o Requerente que a posição da AT deve ser julgada improcedente, porque, no âmbito do contencioso tributário, o princípio da impugnação autónoma prevista para actos destacáveis em procedimentos tributários não pode ser invocada no caso em apreço, como impedimento para a impugnação dos actos tributários de liquidação de AIMI, porque tal violaria de forma grave o principio da tutela jurisdicional efectiva, à luz do artigo 9º da LGT, artigo 9º do Código Civil e artigo 20º nº 1 da CRP;
  2. Sobre a alegada intempestividade do pedido de revisão oficiosa, entende o Requerente que que o prazo de revisão oficiosa aplicável é o do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, na medida em que o pedido de revisão oficiosa foi dirigido contra os actos de liquidação do AIMI, ainda que com base em erro de direito quanto à fixação da matéria tributável. Desta forma, podendo o pedido de revisão oficiosa dos actos de liquidação ser formulado por erro da fixação do VPT, nada deve obstar a que se considere aplicável o referido prazo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT. Para além disso, o prazo deve ser contado, igualmente nos termos do artigo 129.º, n.º 2, do CIMI, e não a partir da emissão dos actos de liquidação, pelo que o pedido de revisão deverá ser considerado tempestivo.

 

2.2. Análise das questões suscitadas

2.2.1. Das excepções invocadas pela Requerida:

Na sua contestação, a AT, na qualidade de Requerida, invocou duas excepções a saber:

  1. A inimpugnabilidade do acto de liquidação com base em vícios próprios do acto de fixação do valor patrimonial tributário
  2. A intempestividade do pedido de revisão oficiosa

 

Cabe ao Tribunal fazer a apreciação estas excepções.

 

Assim:

A) A inimpugnabilidade do acto de liquidação com base em vícios de fixação do valor patrimonial tributário

Invoca a Requerida, neste particular, que o acto de avaliação de um bem imóvel é um acto destacável, autónomo e individualizado com eficácia jurídica própria logo autonomamente impugnável e diretamente sindicável.

Assim sendo, entende a Requerida que “não é legal nem admissível, a apreciação da correcção do VPT em sede de impugnação do acto de liquidação, ou da decisão de indeferimento que se pronuncie sobre o acto de liquidação, uma vez que nesta sede há-de ter como pressuposto o valor fixado na avaliação.”

Considera ainda a Requerida que os actos de liquidação não podem ser anulados com fundamento em alegados erros nas avaliações dos prédios, pelo que a pretensão da Requerente deve ser indeferida e a Requerida totalmente absolvida do pedido.

Alega, pois, em síntese, a Requerida que os actos de fixação dos VPT, quando inseridos num procedimento de liquidação de impostos, são actos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa.

Desta forma, a atribuição desta natureza aos actos de avaliação, teria como propósito, precisamente, autonomizar os respectivos vícios destes actos para efeitos de impugnação contenciosa, pelo que esses mesmos vícios do VPT não seriam susceptíveis de ser contestados na impugnação dos próprios actos de liquidação de AIMI praticados com base nesse(s) mesmo(s) VPT.

Ora, como se conclui no Acordão do Tribunal Arbitral Tributário proferido no âmbito do Processo 500/2020-T (em que foi Juiz Árbitro o Dr. Rui Duarte Morais), ”Sendo o pedido de revisão oficiosa meio próprio para se obter a revisão de uma liquidação, mesmo quando inquinada por vicio de quantificação da matéria colectável que lhe serve de base, é meio próprio para conhecer tais questões o recurso judicial ou arbitral interposto no seguimento do silêncio administrativo quanto a tal pedido.” (sublinhado nosso).

Neste sentido, já decidira, aliás, o TCAS, em 31.10.2019, no âmbito do Acordão proferido no Proc. 2765/12.BELRS.

Efectivamente, pode ler-se neste Acordão:

“.. da interpretação conjugada do nº 1 do artigo 78º da LGT, com o disposto no artigo 115º nº 1, aliena c) do CIMI, resulta que a revisão oficiosa das liquidações deve ser realizada pela administração tributária, ainda que sob o impulso inicial do contribuinte, quando tenha ocorrido erro imputável aos serviços. O que se verifica, precisamente, no caso em apreço, erro esse que se traduziu até numa injustiça grave e notória, concretizada na fixação de um VPT em valor claramente superior ao que resultaria das disposições legais que deveriam ter sido aplicadas.

Erro esse que, independentemente da inércia impugnatória da recorrida após a notificação do VPT, não pode ser imputável a qualquer comportamento negligente desta, visto que o erro no cálculo e fixação do VPT ocorre num procedimento desencadeado e concretizado pela administração e que sempre justificaria a revisão ao abrigo do nº 4 do normativo em questão, se o nº 1 não fosse inteiramente aplicável. O que reforça o entendimento de que o direito que o recorrido reclamou, de ver as últimas quatro liquidações anteriores à reclamação serem anuladas, ter pleno apoio legal. (sublinhado nosso).

Também na decisão arbitral proferida no Processo Arbitral nº 487/202-T, pelos Ilustres Árbitros, Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (Árbitro Presidente) e Drs. Arlindo José Francisco e Jesuino Alcântar Martins (Vogais), onde se dispôs que “apesar da não impugnabilidade normal de actos de liquidação com fundamento em vícios dos actos de avaliação de valores patrimoniais, os nºs 4 e 5 do art. 78º da LGT, admitem a possibilidade de revisão oficiosa de actos de fixação da matéria tributável, a que se reconduzem os actos de fixação de valores patrimoniais, a titulo excepcional. “com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.”

Assim, ao contrário do que conclui a Requerida, e na esteira das decisões ora reproduzidas, considera o Tribunal que é sua competência a apreciação da legalidade dos actos de liquidação, neste caso, do AIMI, quando a impugnação/pedido tenha como fundamento o erróneo apuramento do VPT dos prédios que lhe deram origem.

Pelo que não deve ser dado provimento à excepção invocada pela Requerida da “inimpugnabilidade” do acto de liquidação com base em vícios de fixação do valor patrimonial tributário.

B) Da intempestividade do pedido de revisão oficiosa

Considerou a Requerida, na defesa apresentada que, tendo o pedido de revisão oficiosa sido apresentado ao abrigo do disposto nos números 4 e 5 do artigo 78º da LGT, esse pedido deveria ter sido formalizado no prazo de três anos seguintes ao do acto tributário.

Pelo que, em conformidade com este entendimento, e quanto à liquidação de IMI relativo a 2015, o pedido de revisão oficiosa foi intempestivo.

Considera, porém, este Tribunal, e ao contrário do que é sustentado pela Requerida, que o prazo de revisão oficiosa aplicável à presente situação é o do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, porquanto o pedido de revisão oficiosa foi dirigido contra os actos de liquidação do AIMI, ainda que com base em erro de direito quanto à matéria tributável sobre a qual incidiu a liquidação objecto de contestação.

E admitindo a jurisprudência que o pedido de revisão oficiosa dos actos de liquidação pode ser formulado por erro da fixação do VPT, independentemente de ter sido autonomamente impugnado este acto, nada impede que se considere aplicável o referido prazo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

Por outro lado, também se entende que o prazo para a revisão deve ser contado, igualmente, nos termos do artigo 129.º, n.º 2, do CIMI, e não a partir da emissão dos actos de liquidação, pelo que o pedido de revisão, deverá ser considerado tempestivo relativamente a todos os actos de liquidação.

Em face do exposto, também neste particular, não deve ser dado provimento a esta excepção invocada pela Requerida.

 

2.2.3. Apreciação das questões prévias suscitadas pela Requerente.

 

A) Da admissibilidade do pedido de revisão oficiosa

Sumariamente, considera a Requerente que, na situação em apreço, se verificam os pressupostos fixados no artigo 78º da LGT para que o recurso ao pedido de revisão oficiosa das liquidações de AIMI seja admissível.

Sustenta a Requerente a sua posição, basicamente, nos seguintes pressupostos:

(i) No caso em análise, ocorreu um “erro imputável aos serviços”, decorrente da utilização na determinação do VPT dos terrenos para construção dos coeficientes de localização, afectação e qualidade e conforto previstos no Código do IMI;

(ii) Desta avaliação resultou um VPT manifestamente superior ao que resultaria se o procedimento de avaliação tivesse sido o correcto e adequado;

(iii) Assim sendo, resultando este valor, manifestamente elevado, de um erro imputável aos serviços da AT, este pedido de revisão pode ser suscitado no prazo de 4 anos pelo próprio sujeito passivo.

Quanto a esta questão, entende este Tribunal, à semelhança de recente Jurisprudência produzida sobre esta matéria (incluindo Jurisprudência Arbitral do CAAD),  que, no caso em apreço, o recurso a este meio – revisão oficiosa dos actos de liquidação por errónea determinação do VPT dos prédios – deve ser, de forma  clara, inequívoca e indiscutível, admitida.

Para este efeito, atente-se ainda a diversa Jurisprudência proferida, em sentido idêntico, pelo STA– cfr. Acordãos de 06.10.2005 (Proc. 0653/05), de 17.11.2018 (Proc. 1377/14), de 17.02.2006 (Proc. 402/06).

 

B) Da admissibilidade da cumulação de pedidos

Alega, para este efeito, a Requerente que as liquidações de AIMI, referentes a diferentes anos, assentam sempre nos mesmos fundamentos de facto e de direito, sendo, por isso, a sua causa de pedir e o pedido a formular em tudo idênticos.

Neste âmbito estabelece o artigo 3º nº 1 do RJAMT que a cumulação de pedidos e a coligação de autores são admissíveis quando “a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.

Considerando a natureza do tributo em questão (AIMI), e os respectivos pressupostos de facto e de direito para a sua aplicação, entende o Tribunal que no caso em apreço, estão verificadas as condições estabelecidas na lei para admitir a cumulação de pedidos suscitada pela Requerente.

 

C) Da presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa.

Como se referiu na matéria de facto dada como provada, a Requerente apresentou o pedido de revisão oficiosa dos actos de liquidação de AIMI em 30 de Novembro de 2021, sendo que, conforme ficou igualmente provado, a AT (ora Requerida) não apresentou, dentro do período de 4 (quatro) meses previsto nos artigos 54º nº 1 alínea c) e 57º nºs 1 e 3 da LGT, qualquer resposta a esse pedido, pelo que o indeferimento tácito do pedido se formou no dia 30 de Março de 2022.

Desta forma, tendo o pedido de constituição deste Tribunal e o consequente requerimento inicial, dado entrada no dia 22 de Abril de 2022, foi cumprido o prazo de três meses legalmente fixado, pelo que o pedido foi tempestivo.

 

D) Da competência material do Tribunal Arbitral para decidir o pedido

Considera a Requerente, no seu pedido inicial, que da conjugação dos artigos 10º nº 1 al. a) do RJAMT e 102º nºs 1 e 2 do CPPT, resulta clara a competência do Tribunal Arbitral Tributário para apreciar os casos de indeferimento, ainda que tácito, de pedidos de revisão de actos de liquidação.

Neste âmbito, cabe afirmar que tem sido entendimento unânime do CAAD em algumas decisões proferidas (cf. Processos com os nºs 809/2019-T e 794/2014-T), na esteira, aliás, de algumas decisões já proferidas pelo STA, que o meio processual adequado para a impugnação contenciosa de um acto de indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa que tem por objecto actos de liquidação é o processo de impugnação judicial, de que é meio alternativo, como já se referiu, o processo arbitral.

No mesmo sentido, pronunciou-se o Ilustre Conselheiro Jorge Lopes de Sousa no Comentário que produziu ao Regime Jurídico da Arbitragem Voluntária em Matéria Tributária.

Não podem, pois, restar dúvidas que o processo arbitral deve ser considerado como um meio adequado para decidir o pedido formulado pelas Requerentes, nesse sentido se pronunciando, pois, este Tribunal.

 

2.2.4. Análise do pedido formulado pela Requerente

Feita a análise, em primeiro lugar, das excepções invocadas pela Requerida e, de seguida, das questões prévias formuladas pela Requerente, deve agora o Tribunal decidir sobre o pedido formulado por esta última e respectivos fundamentos.

No seu pedido inicial, a Requerente vem considerar que, na avaliação de terrenos para construção, o Código do IMI previa, à data em que o VPT dos terrenos em questão foi fixado, uma fórmula de cálculo especifica, da qual não constavam os coeficientes supra referidos, sendo que, esses mesmos coeficientes eram, então, especificamente aplicáveis a prédios edificados (neste sentido, conferir a redacção do artigo 45º do Código do IMI anterior à alteração introduzida pela Lei do Orçamento de Estado para 2021).

Em síntese, é entendimento da Requerente que a AT utilizou “uma fórmula manifestamente ilegal, por duplicação de critérios”.

Ao contrário, a entende a Requerida que, uma vez existindo novos actos de fixação de valores patrimoniais, que vieram substituir os anteriores, é lícito concluir que não será possível a anulação com os fundamentos invocados pela Requerente, uma vez que este novo acto está consolidada na ordem jurídica.

Para julgamento desta questão, dever-se-á levar em consideração o disposto no artigo 45º do Código do IMI, na redacção que lhe foi dada pela Lei 64-B/2011 de 30 de Dezembro, em vigor até à alteração introduzia pela Lei do Orçamento de Estado para 2021 (Lei 75-B/2020 de 31 de Dezembro).

Efectivamente, era a seguinte a redacção deste preceito:

“Artigo 45º

Valor Patrimonial tributário dos terrenos para construção

1 – O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.

2 – O valor da área de implantada varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas

3 – Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as referidas no nº 3 do artigo 42º

4 – O valor da área adjacente à construção é calculado nos teros do nº 4 do artigo 40º.

5 – Quando o documento comprovativo da viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respectiva área de construção, tendo em consideração, designadamente;as áreas médias de construção da zona envolvente. (aditado pea Lei 64.B/2011 de 30 de Dezembro)

Por seu lado, deve igualmente referir-se o disposto nos números 3 e 4 do artigo 42º do Código do IMI. Assim, prevê-se nesta norma que:

“3 – Na fixação do coeficiente de localização têm-se em consideração, nomeadamente, as seguintes características:

a) Acessibilidade, considerando-se como tais a qualidade e variedade das vias rodoviárias, fluviais e marítimas;

b) Proximidade de equipamentos sociais, designadamente escolas, serviços públicos e comércio;

c) Serviços e transportes públicos

d) Localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário.

4 – O zonamento consiste na determinação das zonas homógeneas a que se aplicam os diferentes coeficientes de localização do município e as percentagens a que se refere o nº 2 do artigo 45º.”

A questão central que se coloca nos presentes autos é, desta forma, a de determinar se os diferentes coeficientes previstos no artigo 38º do Código do IMI – afectação, localização, de qualidade e conforto – dos quais resulta, em regra, um acréscimo do VPT dos prédios objecto de avaliação, devem ser considerados na determinação do VPT dos prédios que sejam qualificados como “terrenos para construção”.

A presente questão tem sido objecto de inúmeras decisões, que se têm traduzido numa jurisprudência praticamente unânime, quer do STA, quer de decisões arbitrais proferidas pelo Tribunal Arbitral Tributário.

Neste sentido, atente-se ao Acordão proferido pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, no Proc. 016/10, datado de 3 de Julho de 2019, onde se dispôs que:

“…na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38º do CIMI onde expressamente se prevê, entre outros, o coeficiente de qualidade e conforto.

Para a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, o legislador consagrou a regra especifica constante do supra referido artigo 45º do CIMI não outra, onde se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação, bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no nº 3 do artigo 42, tendo em conta o projecto de construção aprovado, quando existia, e o disposto no nº 2 do artigo 45º do CIMI, mas não outras características ou coeficientes.” (sublinhado nosso).

Esta Acordão proferido pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário, vem, aliás, confirmar o entendimento já expresso em anteriores decisões do próprio STA, como a proferida, por exemplo, no âmbito do Proc. 170/16.6BELRS em 23 de Outubro de 2019, onde se veio considerar que (sublinhado nosso):

I – Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45º do Código do IMI, não havendo lugar à consideração do coeficiente de qualidade e conforto (cq).

II – O artigo 45 do CIMI é a norma especifica que regula a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.

III – O coeficiente de qualidade e conforto, factor multiplicador do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços não pode ser aplicado analogicamente por ser suscetível de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto.

Ou ainda, da proferida no Proc. 0133/18 de 14 de Novembro, onde se concluiu que “No cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse factor de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI.” (sublinhado nosso)

Também o Tribunal Arbitral Tributário do CAAD, tem proferido decisões no mesmo sentido das tomadas pelo STA e acima indicadas.

Remeta-se, a este propósito, para as decisões que foram proferidas nos Processos 487/2020-T ou 500/2020-T.

No que se refere, em particular, a este último Acórdão, deve levar-se em consideração a seguinte conclusão proferida pelo Ilustre Juiz Dr. Rui Morais.

“2 – No regime legal vigente em 2016 e 2017, na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tinha aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38º do CIMI nem a majoração prevista no artigo 39º do mesmo Código, por existirem regras especificas previstas no artigo 45º do CIMI.” (sublinhado nosso)

Assim, também no caso em apreço, e na linha desta jurisprudência é de considerar que, na avaliação de terrenos para construção, não deveriam ter sido considerados, nem aplicados na determinação do VPT desses prédios, os coeficientes previstos no artigo 38º do CIMI, entre eles os coeficientes de localização, de qualidade e conforto e de afectação.

 

Em face de tudo o exposto, deve proceder, integralmente, o pedido efectuado pela Requerente de anulação do acto tácito de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente e, consequentemente, o pedido de anulação dos actos de liquidação de AIMI referente aos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020 acima identificados, e, por consequência, é igualmente deferido o pedido de reembolso do imposto pago em excesso, no valor de € 28.672,57 (vinte e oito milhões seiscentos e setenta e dois mil euros e cinquenta e sete cêntimos).

 

Por fim, a Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios.

A este propósito, dispõe o n.º 5 do artigo 24.º do RJAMT que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”,

Remete-se, desta forma, para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas (LGT e CPPT), implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

Deverá assim, haver lugar, na sequência da decisão de anulabilidade do acto de liquidação do excesso de AIMI nos termos pretendidos pela Requerente, e da obrigatoriedade de reembolso do imposto pago em excesso, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente - € 28.672,57 (vinte e oito milhões seiscentos e setenta e dois mil euros e cinquenta e sete cêntimos) , à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).

 

4. Decisão

Tendo em consideração tudo o exposto, decide-se:

a)  Julgar procedente o pedido arbitral e anular os atos de liquidação dos AIMI liquidado em excesso, resultante da fixação de um VPT dos prédios sobre os quais incidiu este tributo demasiado elevado, e referentes aos exercícios de 2018, 2019, 20120 e 2021, no montante global de € 28.672,57 (vinte e oito milhões seiscentos e setenta e dois mil euros e cinquenta e sete cêntimos), bem como a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa deduzido pela Requerente;

b) Condenar a Administração Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do excesso de imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

 

5. Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 28.672,57 (vinte e oito milhões seiscentos e setenta e dois mil euros e cinquenta e sete cêntimos), que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor do excesso de liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

6. Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 3, do RJAMT, e 5.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela II anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € £€ 1.530,00 (mil quinhentos e trinta euros), que fica a cargo da Requerida.

 

 

Notifique.

 

Lisboa, 14 de Março de 2022

 

 

O Tribunal Singular

 

João Marques Pinto