Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 246/2022-T
Data da decisão: 2022-12-14  IMI  
Valor do pedido: € 233.844,26
Tema: AIMI – VPT dos terrenos para construção. Impugnabilidade de atos de liquidação com fundamento em vícios na fixação do VPT.
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SUMÁRIO

  1. Para a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, o legislador consagrou a regra específica constante do artigo 45.º do Código do IMI, onde se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à construção bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no artigo 42.º, n.º 3, do Código do IMI, mas não os coeficientes previstos na expressão matemática contida no artigo 38.º do Código do IMI (nomeadamente, coeficientes de localização, de afetação, e de qualidade e conforto).
  2. A fórmula consagrada no artigo 38.º do Código do IMI não é aplicável na determinação do valor patrimonial tributário de terrenos para construção.
  3. A errada fixação do valor patrimonial tributário pode ser impugnada através de pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de AIMI emitidos com base no mesmo (nos termos conjugados dos artigos 78.º, n.º 1, da LGT e 115.º, n.º 1, alínea c), do Código do IMI), não obstante os atos de fixação do valor patrimonial tributário constituírem “atos destacáveis” e serem suscetíveis de impugnação autónoma, e de o sujeito passivo não os ter impugnado autonomamente.

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Professora Doutora Rita Correia da Cunha (presidente), Professor Doutor Jónatas Machado e Professor Doutor Jorge Bacelar Gouveia, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral Tributário, acordam no seguinte:

  1. RELATÓRIO

FUNDO DE GESTÃO DE PATRIMÓNIO IMOBILIÁRIO – A..., com o NIPC ... (“Requerente”), representado pela sociedade gestora B..., S.A., com o NIPC ... e morada na Rua ... n.º..., ..., ...‐... Lisboa, na sequência do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado relativamente às liquidações de AIMI n.ºs 2017..., referente ao ano de 2017 (com data limite de pagamento a 30-09-2017), 2018..., referente ao ano de 2018 (com data limite de pagamento a 30-09-2018), 2019..., referente ao ano de 2019 (com data limite de pagamento a 30-09-2019), e 2020..., referente ao ano de 2020 (com data limite de pagamento a 30-09-2020) (“Liquidações Contestadas”), veio, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 10.º, ambos do Decreto‐Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprova o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112‐A/2011, de 22 de março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral Tributário e deduzir pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) contra o referido ato de indeferimento tácito (objeto imediato do PPA) e contra as referidas liquidações de AIMI (objeto mediato do PPA), pretendendo a respetiva declaração de ilegalidade e anulação parcial, no montante total de € 233.844,26, bem como o reembolso deste valor, acrescido de juros indemnizatórios.

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante referida por “AT” ou “Requerida”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral e o PPA foram apresentados no dia 07-04-2022, tendo sido aceites pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificados à Requerida.

Em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), e 11.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os ora signatários como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 15-06-2022.

Em 05-09-2022, a Requerida apresentou resposta com defesa por exceção, juntando cópia de várias decisões arbitrais, e pedindo a dispensa de junção do processo administrativo face ao teor dos documentos juntos ao PPA.

Notificada para o efeito pelo Tribunal, a Requerida juntou o processo administrativo aos autos em 26-09-2022.

Também notificada para o efeito pelo Tribunal, a Requerente apresentou, em 04-10-2022, requerimento em resposta às exceções suscitadas pela Requerida.

Por despacho de 14-10-2022, o Tribunal dispensou a reunião prevista no 18.º do RJAT e notificou as partes para apresentarem, querendo, alegações finais escritas no prazo (simultâneo) de 10 dias. As partes não apresentaram alegações.

 

  1.   SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente para apreciar a legalidade do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente e das Liquidações Contestadas, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março) e estão devidamente representadas.

O PPA apresentado em 07-04-2022 é tempestivo, porquanto foi apresentado no prazo de 90 dias referido no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, a contar do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa (de 25-11-2021) que se formou a 25-03-2022, nos termos do artigo 57.º, n.ºs 1 e 5, da LGT.

É admitida a cumulação de pedidos, face ao disposto no artigo 3.º, n.º 1, do RJAT, sempre que, como é o caso, “a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.

O processo não enferma de nulidades. As exceções dilatórias suscitadas pelas partes serão analisadas depois de apreciada a matéria de facto.

 

  1.  MATÉRIA DE FACTO

§1. Factos provados

Com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. No ano de 2017, a Requerente era proprietária dos terrenos para construção identificados na tabela infra, tendo o respetivo AIMI sido apurado com base em valores patrimoniais tributários (“VPT”) fixados tendo em consideração coeficientes previstos no artigo 38.º do Código do IMI (nomeadamente, coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto):

 

(cf. informação constante no quadro contido no documento 5 junto ao PPA, não contestada pela Requerida);

  1. Relativamente aos terrenos para construção identificados no ponto anterior, a Requerente procedeu ao pagamento do valor de € 166.015,36, a título de AIMI do ano de 2017, com data limite de pagamento a 30-09-2017 (cf. liquidação de AIMI n.º 2017 ... constante do documento 2 junto ao PPA, e informação constante no quadro contido no documento 5 junto ao PPA, não contestada pela Requerida);
  2. Caso o VPT dos terrenos para construção identificados na alínea (a) supra tivesse sido fixado sem considerar coeficientes previstos no artigo 38.º do Código do IMI, o montante do AIMI liquidado e pago com referência ao ano de 2017 teria sido inferior ao referido na alínea (b), sendo a diferença de € 78.048,55 (cf. informação constante no quadro contido no documento 5 junto ao PPA, não contestada pela Requerida);
  3. No ano de 2018, a Requerente era proprietária dos terrenos para construção identificados na tabela infra, tendo o respetivo AIMI sido apurado com base em VPTs fixados tendo em consideração coeficientes previstos no artigo 38.º do Código do IMI (nomeadamente, coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto):

 

(cf. informação constante no quadro contido no documento 5 junto ao PPA, não contestada pela Requerida);

  1. Relativamente aos terrenos para construção identificados no ponto anterior, a Requerente procedeu ao pagamento do valor de € 166.018,45, a título de AIMI do ano de 2018, com data limite de pagamento a 30-09-2018 (cf. liquidação de AIMI n.º 2018 ... constante do documento 2 junto ao PPA, e informação constante no quadro contido no documento 5 junto ao PPA, não contestada pela Requerida);
  2. Caso o VPT dos terrenos para construção identificados na alínea (d) supra tivesse sido fixado sem considerar coeficientes previstos no artigo 38.º do Código do IMI, o montante do AIMI liquidado e pago com referência ao ano de 2018 teria sido inferior ao referido na alínea (e), sendo a diferença de € 78.051,65 (cf. informação constante no quadro contido no documento 5 junto ao PPA, não contestada pela Requerida);
  3. No ano de 2019, a Requerente era proprietária dos terrenos para construção identificados na tabela infra, tendo o respetivo AIMI sido apurado com base em VPTs fixados tendo em consideração coeficientes previstos no artigo 38.º do Código do IMI (nomeadamente, coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto):

 

(cf. informação constante no quadro contido no documento 5 junto ao PPA, não contestada pela Requerida);

  1. Relativamente aos terrenos para construção identificados no ponto anterior, a Requerente procedeu ao pagamento do valor de € 164.704,89, a título de AIMI do ano de 2019, com data limite de pagamento a 30-09-2019 (cf. liquidação de AIMI n.º 2019 ... constante do documento 2 junto ao PPA, e informação constante no quadro contido no documento 5 junto ao PPA, não contestada pela Requerida);
  2. Caso o VPT dos terrenos para construção identificados na alínea (g) supra tivesse sido fixado sem considerar coeficientes previstos no artigo 38.º do Código do IMI, o montante do AIMI liquidado e pago com referência ao ano de 2019 teria sido inferior ao referido na alínea (h), sendo a diferença de € 77.551,01 (cf. informação constante no quadro contido no documento 5 junto ao PPA, não contestada pela Requerida);
  3. No ano de 2020, a Requerente era proprietária do terreno para construção identificado na tabela infra, tendo o respetivo AIMI sido apurado com base em VPT fixado tendo em consideração coeficientes previstos no artigo 38.º do Código do IMI (nomeadamente, coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto):

 

  1. Relativamente ao terreno para construção identificado no ponto anterior, a Requerente procedeu ao pagamento do valor de € 415,83, a título de AIMI do ano de 2020, com data limite de pagamento a 30-09-2020 (cf. liquidação de AIMI n.º 2020 ... constante do documento 2 junto ao PPA, e informação constante no quadro contido no documento 5 junto ao PPA, não contestada pela Requerida);
  2. Caso o VPT do terreno para construção identificado na alínea (j) supra tivesse sido fixado sem considerar coeficientes previstos no artigo 38.º do Código do IMI, o montante do AIMI liquidado e pago com referência ao ano de 2020 teria sido inferior ao referido na alínea (k), sendo a diferença de € 193,05 (cf. informação constante no quadro contido no documento 5 junto ao PPA, não contestada pela Requerida);
  3.  A Requerente apresentou, em 25-11-2021, junto do Serviço de Finanças Lisboa ..., um pedido de revisão oficiosa ao abrigo do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, solicitando a anulação parcial das Liquidações Contestadas, por entender que as mesmas têm por base VPTs determinados com base numa fórmula de cálculo ilegal, por erro imputável aos serviços do qual resultou coleta superior à devida (cf. documentos 1 e 3 juntos ao PPA);
  4. A AT não se pronunciou sobre o pedido de revisão oficiosa no prazo de quatro meses referido no artigo 57.º, n.º 1, da LGT (cf. alegado pela Requerente no PPA, e não contestado pela Requerida);
  5. A Requerente apresentou o PPA no dia 07-04-2022.

§2. Factos não provados

Não se consideram não provados quaisquer factos relevantes para o conhecimento da causa.

 

§3. Fundamentação da matéria de facto

Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito (cf. artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cf. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cf. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina, relativamente à prova produzida, o princípio da livre apreciação. 

Os factos elencados supra foram dados como provados com base nas posições assumidas pelas partes e nos documentos juntos ao PPA e contidos no processo administrativo, tendo igualmente em conta que não foram alvo de contestação pela Requerida.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.

 

  1.  MATÉRIA DE DIREITO

§1. Questões a decidir

O PPA tem por objeto imediato a apreciação da legalidade do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente a 25-11-2021, ao abrigo do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, e por objeto mediato a apreciação da legalidade das Liquidações Contestadas. Não está em causa a apreciação da legalidade ou a anulação de atos de fixação de VPT, não sendo relevante o alegado pela Requerida no que diz respeito ao prazo referido no artigo 168.º do CPA relativo à anulação administrativa.

Tendo a Requerida suscitado exceções dilatórias suscetíveis de obstar ao conhecimento do mérito da causa e determinar a absolvição da instância, o Tribunal apreciará primeiramente tais exceções, e, seguidamente, caso se pronuncie pela improcedência das mesmas, os vícios alegados pela Requerente suscetíveis de determinar a ilegalidade e consequente anulação do referido indeferimento tácito e das Liquidações Contestadas (cf. artigo 89.º do CPTA e artigos 278.º e 608.º do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas d) e e), do RJAT).

Tendo em consideração a posição das partes e a matéria de facto dada como provada, as questões a decidir são as seguintes:

  1. Exceções dilatórias:
  1. Da exceção de inidoneidade do pedido de revisão oficiosa enquanto meio impugnatório;
  2. Da exceção de inimpugnabilidade dos atos de liquidação de AIMI por vícios na fixação do VPT;
  3. Da exceção de intempestividade do pedido de revisão oficiosa.
  1. Da ilegalidade do indeferimento tácito e das Liquidações Contestadas, por erro no cálculo do VPT dos terrenos para construção.
  2. Da inconstitucionalidade do artigo 45.º do Código do IMI.
  3. Do pedido de reembolso e dos juros indemnizatórios.

§2. Exceções dilatórias

  1. Da inidoneidade do pedido de revisão oficiosa enquanto meio impugnatório

A Requerente veio, através do PPA que apresentou a 07-04-2022, impugnar o ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa que apresentou em 25-11-2021, e as Liquidações Contestadas objeto deste pedido, com fundamento em vícios dos atos de fixação dos VPTs dos terrenos de construção referidos supra, pedindo a respetiva anulação com fundamento em erro nos pressupostos de facto e de direito.

A Requerida alega que os atos de avaliação patrimonial não são atos tributários, nem atos de apuramento da matéria tributável, pelo que o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente ao abrigo do artigo 78.º da LGT não constitui meio impugnatório idóneo.

A este respeito, cumpre sublinhar que, no caso sub judice, não está em causa um pedido de revisão oficiosa de atos de avaliação patrimonial (como parece sugerir a Requerida), mas um pedido de revisão oficiosa de atos de liquidação de AIMI, ou seja, de atos tributários para efeitos do artigo 78.º, n.º 1, da LGT. Consequentemente, o pedido de revisão oficiosa previsto neste artigo constitui um meio idóneo para a Requerente contestar a legalidade das liquidações de AIMI em causa.

Improcede, assim, a primeira exceção suscitada pela Requerida.

  1. Da exceção de inimpugnabilidade dos atos de liquidação de AIMI por vícios na fixação do VPT

Defende a Requerida que (a) o ato de fixação do VPT é um ato destacável, autonomamente impugnável, que se consolida na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, semelhante ao caso julgado, se não for impugnado nos termos e prazo fixado (i.e., mediante o pedido de uma 2.ª avaliação e subsequente impugnação da mesma), e que (b) os vícios de atos de fixação do VPT não são sindicáveis aquando da apreciação da legalidade de atos de liquidação de AIMI emitidos posteriormente em sede de impugnação dos atos de liquidação, ou de decisão de indeferimento que se pronuncie sobre os mesmos (como resulta da exceção contida nos artigos 86.º da LGT e 134.º do CPPT ao princípio da impugnação unitária). O entendimento contrário levaria a que coexistissem no mesmo período dois ou mais VPTs e à criação de uma situação caótica e de indefinição de uma realidade objetiva com base na qual se desenvolve a atividade económica e o poder tributário do Estado, ficando em risco o princípio da certeza e segurança jurídica, princípio basilar de um Estado de Direito.

Por sua vez, a Requerente defende que os atos de liquidação de AIMI podem ser impugnados com fundamento em errónea fixação do VPT, e que a suscetibilidade de impugnação autónoma dos atos instrumentais / destacáveis de fixação destes valores não obsta à possibilidade de impugnação do ato conclusivo do procedimento (i.e., ato de liquidação) assente no mesmo fundamento. Sublinha a Requerente que a posição da Requerida constitui uma violação crassa do princípio da tutela jurisdicional efetiva, ao impedir um contribuinte de reclamar / impugnar / contestar um ato tributário de liquidação de um tributo.

Sintetizadas as posições das partes, cumpre sublinhar que, no caso sub judice, importa decidir da impugnabilidade do ato de indeferimento tácito que se formou relativamente a um pedido de revisão oficiosa, estando em causa a admissibilidade de uma impugnabilidade indireta, através de um pedido de revisão oficiosa, de liquidações de AIMI com fundamento em erro no cálculo do VPT. Questão diferente, e fora do âmbito to presente processo arbitral, é a relativa à impugnabilidade direta de atos de liquidação de imposto com fundamento em erro no cálculo do VPT, a que se refere o Tribunal Central Administrativo Sul no Acórdão de 27-04-2010, no processo n.º 03586/09, e no Acórdão de 12-02-2008, no processo n.º 02125/07. Esta distinção é reconhecida na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 676/2021, de 15-02-2022, na qual se pode ler:

“São meios processuais diferentes, com efeitos distintos, a impugnabilidade directa de actos de liquidação, com os efeitos retroactivos próprios da declaração de anulabilidade e direito a juros indemnizatórios, e a possibilidade de revisão oficiosa, com os fundamentos previstos no artigo 78.º da LGT, com efeitos mais limitados, não retroactivos, designadamente a nível de direito a juros indemnizatórios, como resulta do disposto no artigo 43.º, n.ºs 1 e 3 da LGT.”

No caso em apreço, a questão decidenda é a de saber se é admissível um pedido de revisão oficiosa de atos de liquidação de AIMI com fundamento na errónea fixação do VPT em que se baseiam (nos termos do artigo 78.º, n.º 1, da LGT), ou dito de outra forma: se o sujeito passivo pode arguir a errónea fixação do VPT através de pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação emitidos com base no mesmo. Neste contexto, importa atentar ao disposto nas seguintes disposições:

 

Artigo 78.º da LGT

Revisão dos actos tributários

 

       “1 — A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços. (…)


       4 — O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

 

       5 — Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.(…)”

 

Artigo 115.º do Código do IMI

Revisão oficiosa da liquidação e anulação

 

       1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária, as liquidações são oficiosamente revistas:

       
       c) Quando tenha havido erro de que tenha resultado colecta de montante diferente do legalmente devido; (…)”

Antes de passarmos a uma análise mais aprofundada da questão decidenda acima enunciada, temos ser de referir que, ainda que por vias e mecanismos diversos, os Tribunais Arbitrais têm vindo a anular atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa, juntamente com os correspondentes atos de liquidação de IMI e AIMI, com fundamento na errónea fixação do VPT: Decisão Arbitral de 10-05-2021, processo n.º 487/2020-T; Decisão Arbitral de 10-05-2021, processo n.º 254/2021-T; Decisão Arbitral de 24-06-2021, processo n.º 500/2020-T; Decisão Arbitral de 27-07-2021, processo n.º 41/2021-T; Decisão Arbitral de 10-12-2021, processo n.º 253/2021-T; Decisão Arbitral de 15-02-2022, processo n.º 676/2021-T; Decisão de 14-03-2022, processo n.º 541/2021-T; Decisão Arbitral de 04-05-2022, processo n.º 497/2021-T; Decisão Arbitral de 05-05-2022, processo n.º 835/2021-T; Decisão Arbitral de 06-05-2022, processo n.º 411/2021-T; Decisão Arbitral de 23-05-2022, processo n.º 753/2021-T; Decisão Arbitral de 21-06-2022, processo n.º 55/2022-T; Decisão Arbitral de 14-07-2022, processo n.º 53/2022-T; Decisão Arbitral de 18-07-2022, processo n.º 52/2022-T; Decisão Arbitral de 26-07-2022, processo n.º 112/2022-T; Decisão Arbitral de 30-06-2022, processo n.º 27/2022-T; Decisão Arbitral de 25-07-2022, processo n.º 26/2022-T; Decisão Arbitral de 02-08-2022, processo n.º 29/2022-T; Decisão Arbitral de 09-08-2022, processo n.º 11/2022-T; Decisão Arbitral de 29-08-2022, processo n.º 10/2022-T; Decisão Arbitral de 15-09-2022, processo n.º 33/2022-T; Decisão Arbitral de 28-09-2022, processo n.º 56/2022-T; Decisão Arbitral de 06-10-2022, processo n.º 265/2022-T; Decisão Arbitral de 27-10-2022, processo n.º 285/2022-T.

Para efeitos de análise da dita questão decidenda, importa distinguir entre (i) a questão de saber se o sujeito passivo pode arguir a errónea fixação do VPT através de pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de AIMI emitidos com base no mesmo, e (ii) a questão de saber em que condições e limite temporal será de admitir tal pedido de revisão oficiosa.

  1. Pode o sujeito passivo arguir a errónea fixação do VPT através de pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de AIMI emitidos com base no mesmo?

Relativamente a esta primeira questão e atendendo à posição das partes, importa salientar que a classificação dos atos de fixação do VPT enquanto “atos destacáveis” (ou seja, a atos que, embora inseridos no procedimento tributário, e anteriores à decisão final, são direta e autonomamente impugnáveis pelo contribuinte por tal resultar expressamente da lei)[1] tem uma razão de ser: evitar a necessidade de o sujeito passivo ter de impugnar, sucessivamente, ao longo dos anos, cada uma das liquidações neles baseadas (cf. Decisão Arbitral de 14-03-2022, no processo n.º 541/2021-T).

Relativamente ao princípio da impugnação unitária e à exceção aplicável a “atos destacáveis” (nos termos do artigo 54.º do CPPT), entendemos que esta exceção deve ter o efeito de concretizar e ampliar o princípio da tutela jurisdicional efetiva (ínsito no artigo 268.º, n.º 4, da CRP), e não de limitar ou restringir o mesmo. Como se pode ler no texto do artigo 54.º do CPPT, do mesmo não resulta qualquer limitação para a impugnabilidade da decisão final (no caso em apreço, atos de liquidação de AIMI) com fundamento em ilegalidade de ato interlocutório (no caso em apreço, atos de fixação de VPT):

“Salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.”

Deste artigo resulta apenas e tão só que (a) em regra, os atos interlocutórios não são impugnáveis autonomamente, podendo os vícios dos mesmos ser invocados aquando da impugnação da decisão final, e (b) a título excecional, os atos interlocutórios podem ser impugnados autonomamente. Os atos de fixação de VPT caem nesta exceção por força do artigo 134.º, n.º 1, do CPPT (em sintonia com o artigo 86.º, n.º 1, da LGT). Assim, não é controvertida a questão de saber se os atos de fixação de VPT constituem “atos destacáveis”, ou se são suscetíveis de impugnação contenciosa autónoma. Os artigos 134.º, n.º 1, do CPPT e 86.º, n.º 1, da LGT são claros a este respeito.

A questão relevante para o caso sub judice é a de saber se estas disposições, ao estabelecer que os atos de fixação de VPT são suscetíveis de impugnação contenciosa autónoma, têm o efeito de (1) precludir a possibilidade de o sujeito passivo arguir a errónea fixação do VPT através de pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de AIMI emitidos com base no mesmo (caso em que a impugnação autónoma dos atos de fixação de VPT se torna num verdadeiro ónus), ou (2) conferir ao sujeito passivo a possibilidade de impugnar os atos de fixação de VPT de forma autónoma, a que acresce a possibilidade de posteriormente contestar a validade das liquidações baseadas no VPT erradamente fixado através de pedido de revisão oficiosa.

Quanto a esta questão, considera o Tribunal que os artigos 134.º, n.º 1, do CPPT e 86.º, n.º 1, da LGT (i.e., as normas que permitem a impugnação autónoma dos atos de fixação do VPT) devem ser entendidos, não como uma restrição às garantias dos contribuintes, ou como um ónus sobre o sujeito passivo, o que seria a consequência da posição manifestada pela Requerida, mas antes como uma ampliação dessas garantias, uma ampliação materializada no reconhecimento aos contribuintes de uma defesa adicional contra um ato ilegal (no mesmo sentido: Decisão Arbitral de 02-07-2021, no processo n.º 760/2020-T; Decisão Arbitral de 15-09-2022, processo n.º 33/2022-T). A este respeito, interessa sublinhar, por um lado, que a interpretação contrária (subscrita pela Requerida) não resulta expressamente na lei processual e seria ela mesma contrária ao disposto no artigo 7.º do CPTA (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT), no qual se pode ler que “Para efetivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas”.

Por outro lado, parece-nos que a interpretação da lei processual subscrita pela Requerida ofende o princípio da justiça e o princípio da tutela jurisdicional efetiva (ínsitos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP). A este respeito, importa recordar que, no Acórdão n.º 410/2015, de 29-09-2015, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional a interpretação do artigo 54.º do CPPT que, qualificando a impugnação de “atos destacáveis” como um ónus e não como uma faculdade do sujeito passivo, impede a impugnação das liquidações de imposto com fundamento em vícios dos “atos destacáveis”, por a mesma desproteger gravemente os direitos do contribuinte, assim ofendendo o princípio da justiça e o princípio da tutela judicial efetiva (ínsitos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP). Segundo o Tribunal Constitucional, de tal interpretação resultaria “uma consequência muito onerosa para o contribuinte, permitindo a consolidação na ordem jurídica de atos que o prejudicam gravemente”.

Por último, uma nota relativamente à relevância do princípio da certeza e segurança jurídica e da figura do caso decidido dos atos administrativos que nele se alicerça. É inquestionável que este princípio é não só essencial como constitutivo do Estado de Direito. Todavia, importa lembrar que o princípio da segurança jurídica, nas suas diversas vertentes (incluindo o caso decidido dos atos administrativos), tem em vista primordialmente a proteção dos cidadãos contra a arbitrariedade e abusos de poder por parte do poder legislativo, executivo e judicial. A este propósito, escreveu o Professor Gomes Canotilho:

“O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autónoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideravam os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança como elementos constitutivos do Estado de Direito”.[2]

“Relativamente aos actos da administração, o princípio geral da segurança jurídica aponta para a idea de força de caso decidido dos actos administrativos. Embora não haja uma paralelismo entre sentença judicial e força de caso julgado e acto administrativo e força de caso decidido (...) entende-se que o acto administrativo goza de uma tendencial imutabilidade que se traduz: (1) na autovinculação da administração (...) na qualidade de autora do acto e como consequência da obrigatoriedade do acto; (2) na tendencial irrevogabilidade do acto administrativo a fim de salvaguardar os interesses dos particulares destinatários do acto (protecção da confiança e da segurança)”.[3]

“Tendo em conta as exigências resultantes dos princípios de protecção da confiança e da segurança jurídica (direitos dos particulares directamente interessados, direitos de terceiros) não se vê como é que a anulação de actos inválidos possa ser uma faculdade discricionária. Os princípios da constitucionalidade e da legalidade não se compaginam com uma “arrogância” da administração sobre os próprios vícios. Ela deverá anular ou sanar os vícios nos termos da lei”. [4]

Resulta assim claro que a tendencial imutabilidade dos atos administrativos associada à força de caso decidido dos mesmos deverá ser entendida como um mecanismo tendente à salvaguarda dos interesses dos particulares, e não como um argumento usado para a AT se recusar a sanar os vícios dos atos que pratica. A mesma vertente de proteção dos cidadãos do princípio da segurança jurídica foi referida no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 13-11-2017, no processo n.º 0164ª/64, no qual se pode ler:

“Os citados princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança assumem-se como princípios classificadores do Estado de Direito Democrático, e que implicam um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas a que está imanente uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado.”

Temos que o princípio da certeza e segurança jurídica, orientado para a proteção dos cidadãos, não deverá ser interpretado ou utilizado como fundamento para negar aos cidadãos um direito ou uma garantia processual prevista na lei, ou, relativamente à questão em apreço, como fundamento para negar ao sujeito passivo a possibilidade de arguir a errónea fixação do VPT através de pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação emitidos com base no mesmo (ao abrigo do artigo 78.º da LGT). Tal interpretação, para além de carecer de base legal, seria ofensiva do princípio da tutela jurisdicional efetiva e do princípio da justiça (ínsitos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP).

Num Estado de Direito assente no princípio da legalidade em matéria tributária (ínsito no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que exige que a AT arrecade as quantias de imposto exigíveis nos termos da lei), no princípio da justiça e no princípio da tutela jurisdicional efetiva (ínsitos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP), a coerência entre os atos de liquidação de IMI, AIMI, IMT, e Imposto do Selo emitidos relativamente a um mesmo imóvel (que pressupõe que os mesmos se baseiem no mesmo VPT) deverá ser assegurada através do cumprimento, por parte da AT, do seu dever de sanar oficiosamente os eventuais vícios no cálculo do VPT à luz da lei (como aliás impõe o adequado funcionamento da AT), e não através de uma restrição ao princípio da tutela jurisdicional efetiva e ao princípio da justiça consubstanciada na obliteração da possibilidade do sujeito passivo de se socorrer a um meio processual previsto na lei (o pedido de revisão oficiosa) para reagir contra atos de liquidação de imposto contaminados por uma determinação da matéria coletável incorreta e ilegal, por erro exclusivamente imputável à AT. A “estabilidade” na ordem jurídica assegurada por uma tal restrição ao princípio da tutela jurisdicional efetiva e ao princípio da justiça é a de permitir à AT que continue a arrecadar quantias de imposto que não são exigíveis ao sujeito passivo nos termos da lei (em violação do princípio da legalidade em matéria tributária ínsito no artigo 103.º, n.º 3, da CRP).

À luz de todas estas considerações, temos que o princípio da legalidade, o princípio da tutela jurisdicional efetiva e o princípio da justiça ínsitos na nossa Constituição impõem afastar a interpretação do artigo 54.º do CPPT, conjugado com o artigo 134.º, n.º 1, do CPPT, segundo a qual a possibilidade de impugnação autónoma e imediata dos atos de fixação de VPT (enquanto “atos destacáveis”) constitui um ónus cujo incumprimento inviabiliza o pedido de revisão oficiosa das liquidações de imposto emitidas posteriormente, com fundamento em erro no cálculo do VPT que serviu de base às mesmas liquidações.

Interessa voltar a notar que, no caso sub judice, não está em causa a apreciação da legalidade de atos de fixação de VPT, mas a apreciação da ilegalidade de atos de liquidação. Tendo os atos de fixação de VPT dos terrenos para construção identificados supra se consolidado na ordem jurídica por inércia da Requerente, os mesmos serviram de base a liquidações de IMI e AIMI (e eventualmente de outros impostos) até terem sido alterados.

Conclui-se, assim, que o sujeito passivo pode arguir a errónea fixação do VPT através de pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de AIMI emitidos com base no mesmo, e que o indeferimento (expresso ou tácito) do pedido de revisão oficiosa faz nascer na esfera jurídica do sujeito passivo o direito a impugnar este indeferimento. O pedido de pronúncia arbitral constitui meio adequado para o efeito.

  1. Em que condições e limite temporal será de admitir um pedido de revisão oficiosa de atos de liquidação de AIMI com fundamento na errónea fixação do VPT?

Tal referido supra, os Tribunais Arbitrais Tributários constituídos sob a égide do CAAD têm vindo a confirmar a admissibilidade da sindicância da ilegalidade de atos de liquidação de IMI e AIMI com fundamento na errónea fixação do VPT, por via do pedido de revisão oficiosa. A jurisprudência não é uniforme, no entanto, relativamente às condições e limite temporal em que tal pedido de revisão oficiosa será de admitir. Uma linha jurisprudencial admite a impugnação de liquidações de IMI e AIMI ao abrigo dos artigos 115.º, n.º 1, alínea c), do Código do IMI, e 78.º, n.º 1, da LGT, no prazo de quatro anos. Outra linha jurisprudencial admite a impugnação de liquidações de IMI e AIMI ao abrigo do artigo 78.º, n.ºs 4 e 5, da LGT, no prazo de três anos referido nestas disposições. A este propósito, temos que os princípios anti-formalista, “pro actione” e “in dubio pro favoritate instanciae” (cf. artigo 7.º do CPTA) impõem a interpretação que se apresenta como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva dos direitos invocados pelo sujeito passivo.

Com este fundamento, entendemos ser de admitir o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente relativamente às Liquidações Contestadas, com fundamento na incorreta fixação dos VPTs dos terrenos em construção em apreço, ao abrigo dos artigos 115.º, n.º 1, alínea c), do Código do IMI, e 78.º, n.º 1, da LGT. Esta posição foi, aliás, acolhida pelo Tribunal Central Administrativo Sul no Acórdão proferido no processo n.º 2765/12.BELRS, em 31-10-2019, que se transcreve parcialmente abaixo:

“É verdade que uma vez firmada a fixação do VPT, por não ter sido utilizado qualquer dos meios de defesa ao dispor do contribuinte, nos termos do artigo 20.º do Decreto-Lei 267/2003, esse VPT servirá de base às liquidações de IMI subsequentes, até eventual alteração do seu valor.


De facto, deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o VPT, nem assim fica impossibilitado de arguir a ilegalidade do VPT fixado, embora com efeitos restritos às liquidações posteriores à reclamação. Defender o contrário é o mesmo que defender a perpetuidade da conduta ilegal da Administração, o que repugna ao bom senso e ao Direito admitir.


Assim, no plano do Direito o artigo 115.º do CIMI constitui uma válvula de escape para tais situações, devendo o respectivo mecanismo ser desencadeado pela Administração, por sua iniciativa ou a impulso do interessado.


Ora, uma das hipóteses contempladas neste normativo é a eliminação de erros de que resulte uma colecta de montante superior ao devido [al. c) do n.º 1].


Por conseguinte, não se pode falar em verdadeira impropriedade do meio, sendo certo que ainda que se admita essa hipótese, como a administração apreciou o direito da recorrida, tal apreciação fez nascer na esfera jurídica desta o direito à impugnabilidade da decisão, nos termos do artigo 268.º, n.º 4, da CRP.


Restringir ou eliminar essa impugnabilidade constituiria, outrossim, uma agressão manifesta ao princípio da tutela jurisdicional efectiva, plasmado nessa norma constitucional. (...)

 

A fixação do VPT constitui, como se disse, um acto administrativo em matéria tributária, destacável e, por isso, passível de impugnação autónoma. A impugnação autónoma dos actos destacáveis tem como propósito oferecer uma maior garantia aos administrados, permitindo-lhes reagir atempadamente de molde a evitar a produção de efeitos lesivos, que se projectam no acto final do procedimento ou em actos externos a este.


A impugnabilidade autónoma constitui um desvio ao princípio da impugnação unitária (cfr. artigo 54.º do CPPT), que postula que em princípio só é possível impugnar o acto final do procedimento tributário, por só este apresentar efeitos lesivos na esfera jurídica do contribuinte. Este artigo prevê a possibilidade de impugnabilidade autónoma dos actos imediatamente lesivos e a possibilidade de, na impugnação do acto final de liquidação, serem invocados todos os vícios de que padeçam os actos prévios a essa liquidação (actos instrumentais, preparatórios ou prodrómicos dessa decisão final).


Como assim, sendo a fixação do VPT um acto destacável, ele goza de possibilidade de impugnação autónoma, independentemente da existência ou não de liquidação, impugnação essa que no caso era permitida pelo artigo 20.º do Dec.-Lei 287/2003.


Portanto, não tendo sido impugnada a fixação do VPT, facto que a recorrida aceita, parece que a consequência seria a de aceitar que as liquidações feitas a coberto desse VPT, enquanto não fosse alterado, não podiam também ser alteradas com tal fundamento.


Mas o problema pode ser olhado de outro prisma.

 

Em regra, os actos da Administração, com excepção dos actos viciados de nulidade, consolidam-se juridicamente se não forem impugnados nos prazos estabelecidos na lei.


Todavia, mesmo fora das situações de nulidade o legislador tributário, ciente da natureza agressiva das leis fiscais, que afectam coercivamente o património dos contribuintes, criou válvulas de escape para as situações de ilegalidade, permitindo que a própria Administração reveja as suas decisões, a fim de corrigir as ilegalidades que porventura tenha cometido.


É o que sucede com o artigo 78.º da LGT, que prevê a possibilidade de revisão dos actos tributários com fundamento em ilegalidade ou erro, mecanismo que se encontra presente na legislação tributária de outros países, como sucede em Espanha com o artigo 219.º da Ley General Tributária.


O artigo 78.º da LGT consagra um verdadeiro direito do contribuinte, permitindo-lhe exigir da administração tributária que expurgue da ordem jurídica, total ou parcialmente, um acto ilegal, bem como a restituição do que tenha sido ilegalmente cobrado, com base no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que não permite a cobrança de tributos, nem os respectivos montantes, que não estejam previstos na lei.

 

Todavia, como já se disse, o artigo 78.º é inaplicável aos actos de fixação do VPT (actos administrativos em matéria fiscal), na medida em que visa apenas os actos tributários stricto sensu, incluindo o acto de determinação da matéria tributável, quando não dê lugar à liquidação e qualquer tributo. O que não quer dizer que seja de todo imprestável para o caso sub judice, visto que a coberto de um VPT ilegal foram produzidas liquidações de tributo (IMI) que foram exigidas à recorrida.


Ora, ultrapassada que está actualmente a questão de saber se a iniciativa de revisão pela administração pode ser desencadeada a impulso do interessado, da interpretação conjugada do n.º 1 do artigo 78.º da LGT com o disposto no artigo 115.º, n.º 1, alínea c), do CIMI, resulta que a revisão oficiosa das liquidações deve ser realizada pela administração tributária, ainda que sob impulso inicial do contribuinte, quando tenha ocorrido erro imputável aos serviços.


O que se verifica, precisamente, no caso em apreço, erro esse que se traduziu até numa injustiça grave e notória concretizada na fixação de um VPT em valor claramente superior ao que resultaria das disposições legais que deveriam ter sido aplicadas.


Erro esse que, independente da inércia impugnatória da recorrida após a notificação do VPT, não pode ser imputável a qualquer comportamento negligente desta, visto que o erro no cálculo e fixação do VPT ocorre num procedimento desencadeado e concretizado pela administração e que sempre justificaria a revisão ao abrigo do n.º 4 do normativo em questão, se o n.º 1 não fosse inteiramente aplicável.


O que reforça o entendimento de que o direito que a recorrida reclamou, de ver as últimas quatro liquidações anteriores à reclamação serem anuladas, ter pleno apoio legal.”

A mesma posição foi também acolhida no âmbito do processo arbitral n.º 297/2021-T, por Decisão de 22-02-2022, na qual se pode ler:

“O ato de fixação do VPT é regulado no artigo 134.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), que estabelece a possibilidade de impugnação contenciosa “depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação” (n.º 7).

 

Importa, contudo, saber se o condicionamento da impugnação ao esgotamento dos meios graciosos tem como consequência a consolidação das liquidações efetuadas ao abrigo desse VPT, isto é, a impossibilidade (jurídica) de estas serem alteradas com fundamento no VPT (só o podendo ser as geradas depois da alteração do VPT, com efeitos apenas para o futuro). Antecipamos já uma resposta negativa a esta questão, com os fundamentos que se aduzem de seguida.

 

Em primeiro lugar, recordam-se as palavras do TCA Sul, no acórdão de 31 de outubro de 2019, processo n.º 2765/12.8BELRS: “o legislador tributário, ciente da natureza agressiva das leis fiscais, que afectam coercivamente o património dos contribuintes, criou válvulas de escape para as situações de ilegalidade, permitindo que a própria Administração reveja as suas decisões, a fim de corrigir as ilegalidades que porventura tenha cometido.”

 

É a esta luz que tem de apreciar-se o mecanismo de revisão dos atos tributários, conformado, em geral, pelo artigo 78.º da LGT, e, em matéria de IMI, pelo preceituado no artigo 115.º do CIMI. A inclusão de normas deste tipo nos compêndios tributários é justificada pelo reforço das garantias de defesa dos contribuintes e elevação dos meios de tutela das respetivas posições substantivas, sem que tal colida com o princípio fundamental da segurança jurídica, inerente ao Estado de Direito, pois é circunscrita a um quadro temporal pré-definido, de 4 ou 3 anos, consoante esteja em causa a aplicação do n.º 1 ou do n.º 4 do artigo 78.º da LGT. (...)

 

Estamos perante “um verdadeiro direito do contribuinte, permitindo-lhe exigir da administração tributária que expurgue da ordem jurídica, total ou parcialmente, um ato ilegal, bem como a restituição do que tenha sido ilegalmente cobrado, com base no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que não permite a cobrança de tributos, nem os respetivos montantes, que não estejam previstos na lei.” – v. acórdão do TCA Sul, processo n.º 2765/12.8BELRS.

 

Quer em relação ao artigo 78.º, n.º 1 da LGT, quer ao artigo 115.º, n.º 1, alínea c) do Código do IMT, a revisão oficiosa reporta-se, no seu sentido literal, a ilegalidades dos atos tributários stricto sensu - atos de liquidação de IMI2 - e não à avaliação (ou a atos de avaliação) de valores patrimoniais, que consubstanciam atos administrativos em matéria fiscal. Já no que se refere ao n.º 4 do artigo 78.º da LGT, este faz referência à “revisão da matéria coletável” e não a “atos tributários”, pelo que abrange, sem dúvida, atos de fixação de valores patrimoniais. Aqui, não constitui requisito constitutivo do direito à revisão a ocorrência de “erro imputável aos serviços”, porém, requer-se o fundamento de “injustiça grave ou notória”, sendo o prazo encurtado para três anos (posteriores ao do ato tributário). Relativamente a este ponto – do enquadramento da situação em análise no n.º 1 ou no n.º 4 do artigo 78.º da LGT – a jurisprudência diverge. O acórdão do TCA Sul, que se acompanha, preconiza uma interpretação extensiva, segundo a qual o artigo 78.º, n.º 1 da LGT é invocável também no domínio dos atos de fixação de valores patrimoniais, não obstante estar em causa matéria de avaliação de VPT, “visto que a coberto de um VPT ilegal foram produzidas liquidações de tributo (IMI) que foram exigidas à recorrida.” Assim, na medida em que esses atos de avaliação se repercutem em liquidações de imposto de valor superior ao que resultaria da correta aferição da base de incidência, não existe razão para que não mereçam um nível de tutela similar. (...)

 

Efetivamente a fixação do VPT foi efetuada pela Requerida, não sendo alegado nem demonstrado que o Requerente tivesse declarado algum elemento de informação errado em relação aos terrenos para construção avaliados, pelo que o eventual erro da fórmula aplicada não pode ser imputado a um comportamento negligente daquele. Esta é também a interpretação que, segundo entendemos, melhor se coordena com o nível de proteção acrescido dos contribuintes que está subjacente à instituição do regime de revisão oficiosa e ao princípio da legalidade e da tutela efetiva das posições substantivas que lhes assistem. Conclui-se, desta forma, pela admissibilidade e tempestividade da revisão oficiosa das liquidações de IMI impugnadas na presente ação arbitral pois mesmo relativamente aos atos praticados em 2016 (referentes ao ano de 2015), o prazo de 4 anos foi respeitado pois o pedido de revisão oficiosa foi apresentado ainda no ano de 2020 (…)”

Também no sentido da aplicação do n.º 1 do artigo 78.º da LGT foram as Decisões Arbitrais de 24-06-2021, processo n.º 500/2020-T; de 09-03-2022, processo n.º 540/2021-T; de 04-05-2022 processo n.º 497/2021-T; de 05-05-2022, processo n.º 835/2021-T; de 15-06-2022, processo n.º 57/2022‐T; de 21-06-2022, processo n.º 55/2022-T; de 30-06-2022, processo n.º 27/2022-T; de 14-07-2022, processo n.º 53/2022-T; de 18-07-2022, processo n.º 52/2022-T; de 09-08-2022, processo n.º 11/2022-T; de 29-08-2022, processo n.º 10/2022-T; de 15-09-2022, processo n.º 33/2022-T; de 27-10-2022, processo n.º 285/2022-T.

À luz desta jurisprudência, e pelos motivos expostos supra, o Tribunal julga improcedente a exceção de inimpugnabilidade dos atos de liquidação de AIMI por vícios na fixação do VPT suscitada pela Requerida.

  1. Da exceção de intempestividade do pedido de revisão oficiosa

A Requerida defende que, ainda que seja de admitir a impugnabilidade de atos de liquidação de AIMI, por vícios na fixação do VPT, através de pedido de revisão oficiosa, sempre o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente em 25-11-2021 seria intempestivo, já que (i) o prazo para a apresentação do mesmo seria o de três anos a contar do ato que fixou o VPT dos terrenos para construção em apreço, nos termos do n.º 4 do artigo 78.º da LGT (e não o prazo estabelecido no n.º 1 do mesmo artigo), e que (ii) as avaliações dos terrenos para construção em apreço foram concretizadas até 2016. Contrariamente, a Requerente defende que o pedido de revisão oficiosa que apresentou em 25-11-2021 foi submetido tempestivamente à luz do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

Do exposto supra resulta que assiste razão à Requerente quanto à aplicação, no caso sub judice, do n.º 1 do artigo 78.º da LGT e do prazo de quatro anos nele referido. Cumpre, assim, determinar se o pedido de revisão oficiosa de 25-11-2021 foi efetivamente apresentado dentro de tal prazo.

O AIMI é um imposto de prestação única cujo pagamento é efetuado no mês de setembro do ano a que o mesmo respeita (cf. artigo 135.º-H, n.º 1, do Código do IMI). Assim sendo, nos termos do artigo 129.º, n.º 2, do Código do IMI, o prazo de quatro anos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT conta-se a partir do termo do prazo para pagamento voluntário da única prestação do AIMI.

Tal como referido supra, a liquidação de AIMI n.º 2017 ..., referente ao ano de 2017, teve como data limite de pagamento o dia 30-09-2017, pelo que o prazo de quatro anos referido no n.º 1 do artigo 78.º da LGT terminou a 30-09-2021. Isto significa que o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente em 25-11-2021 é intempestivo relativamente a esta liquidação de AIMI, e que o Tribunal Arbitral não pode apreciar a ilegalidade da mesma, cumprindo-lhe absolver a Requerida da instância quanto a esta parte do pedido.

Relativamente às liquidações de AIMI n.ºs 2018..., referente ao ano de 2018 (com data limite de pagamento a 30-09-2018), 2019..., referente ao ano de 2019 (com data limite de pagamento a 30-09-2019), e 2020..., referente ao ano de 2020 (com data limite de pagamento a 30-09-2020), o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente em 25-11-2021 é tempestivo, porquanto foi apresentado no prazo de quatro anos referido no n.º 1 do artigo 78.º da LGT. Quanto a estas liquidações, a exceção de intempestividade suscitada pela Requerida é improcedente, cumprindo ao Tribunal pronunciar-se sobre a legalidade das mesmas.

§3. Da ilegalidade do ato de indeferimento tácito e das Liquidações Contestadas, por erro no cálculo do VPT dos terrenos para construção

A Requerente entende que as Liquidações Contestadas padecem de ilegalidade, por terem como base um VPT determinado em virtude da aplicação de uma fórmula ilegal, por duplicação de critérios, mormente em virtude da aplicação dos coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto constantes do artigo 38.º do Código do IMI, especificamente aplicáveis a prédios edificados e não a terrenos para construção. Defende a Requerente que o VPT dos terrenos para construção em apreço deveria ter sido determinado pela AT nos termos do artigo 45.º do Código do IMI (na redação vigente à data dos factos).

A Requerida não contesta este entendimento: na determinação do VPT dos terrenos para construção releva a regra específica constante do artigo 45.º do Código do IMI, não sendo de considerar os coeficientes previstos na expressão matemática do artigo 38.º do Código do IMI, tais como os coeficientes de localização, de afetação, e de qualidade e conforto (cf. artigo 8.º da Resposta).

Sintetizadas as posições das partes, importa salientar que o entendimento subscrito por ambas relativamente à aplicação do artigo 45.º do Código do IMI (sem consideração dos coeficientes ínsitos no artigo 38.º do Código do IMI) na determinação do VPT dos terrenos para construção segue a jurisprudência constante do Supremo Tribunal Administrativo e dos Tribunais Arbitrais constituídos sob a égide do CAAD (e.g., Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20-04-2016, processo n.º 0824/15; Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 03-07-2019, processo n.º 016/10; Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23-10-2019, processo n.º 0170/16.6BELRS; Decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 487/2020-T, de 10-05-2021; 500/2020-T, de 24-06-2021; 533/2021-T, de 03-01-2022; 540/2021-T, de 09-03-2022).

Conclui-se, assim, que a AT incorreu em erro ao aplicar coeficientes previstos no artigo 38.º do Código do IMI (entre eles os coeficientes de localização, de qualidade e conforto, e de afetação) na avaliação dos terrenos para construção em apreço no caso sub judice, que tal erro é da responsabilidade exclusiva da AT, e que as liquidações de AIMI dos anos de 2018, 2019 e 2020 objeto do PPA são parcialmente ilegais, devendo ser anuladas na parte relativa ao AIMI liquidado e pago em montante superior ao legalmente devido. Face a tudo o que se expôs, torna-se evidente que o Tribunal Arbitral limita-se a apreciar questões de legalidade segundo o direito constituído, não tendo cabimento a invocação da Requerida do princípio da proibição legal do julgamento segundo a equidade.

Em consequência do exposto supra, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do CPA (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT), o Tribunal julga procedente o pedido da Requerente de declaração de ilegalidade e anulação parcial das liquidações de AIMI relativas aos anos de 2018, 2019 e 2020, nos seguintes montantes:

  1. € 78.051,65 relativamente à liquidação de AIMI n.º 2018... (referente ao ano de 2018);
  2. € 77.551,01 relativamente à liquidação de AIMI n.º 2019... (referente ao ano de 2019);
  3. € 193,05 relativamente à liquidação de AIMI n.º 2020... (referente ao ano de 2020).

O Tribunal julga ainda parcialmente procedente o pedido da Requerente de declaração de ilegalidade e anulação do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente em 25-11-2021, na parte relativa às liquidações de AIMI n.ºs 2018... (referente ao ano de 2018), 2019... (referente ao ano de 2019), e 2020... (referente ao ano de 2020).

§4. Da inconstitucionalidade do artigo 45.º do Código do IMI

A Requerente alega que a aplicação dos coeficientes de localização, de afetação, e de qualidade e conforto na determinação do VPT de terrenos de construção constitui uma interpretação do artigo 45.º do Código do IMI violadora do princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, consagrado na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa. Todavia, procedendo o pedido de pronúncia arbitral por ilegalidade substantiva dos atos tributários objeto do PPA, fica prejudicada, por ser inútil, a apreciação da questão de constitucionalidade suscitada pelo Requerente (cf. artigos 130.º e 608.º, n.º 2, CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

§5. Do pedido de reembolso e dos juros indemnizatórios

Conforme determina a alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. Desta forma, em resultado da anulação do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente em 25-11-2021 e das liquidações de AIMI nos termos supra descritos, deverá a Requerida reembolsar a Requerente do montante de imposto indevidamente pago, ou seja, do montante de € 155.795,71.

Nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine que houve erro imputável à AT de que resulte pagamento de imposto em montante superior ao legalmente devido. Foi o que sucedeu no caso em apreço.

Tal como referido pela Requerida, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT, o sujeito passivo tem direito a juros indemnizatórios apenas quando a revisão do ato tributário por sua iniciativa se efetuar mais de um ano após o pedido, salvo se o atraso não for imputável à AT (neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de uniformização de jurisprudência, de 11-12-2019, processo n.º 051/19.1BALSB; Decisão Arbitral de 09-03-2022, processo n.º 540/2021-T; Decisão Arbitral de 05-05-2022, processo n.º 835/2021-T; Decisão Arbitral de 15-06-2022, processo n.º 57/2022‐T; Decisão Arbitral de 15-09-2022, processo n.º 33/2022-T; Decisão Arbitral de 28-09-2022, processo n.º 56/2022-T). Assim sendo, tendo o pedido de revisão oficiosa sido apresentado pela Requerente em 25-11-2021, os juros indemnizatórios a que a Requerente tem direito começam a contar em 25-11-2022. De acordo com artigo 61.º, n.º 5, do CPPT, os juros são contados até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos.

Nestes termos, o Tribunal condena a Requerida a reembolsar à Requerente o montante de € 155.795,71, bem como a pagar-lhe juros indemnizatórios sobre este montante, desde 25-11-2022 até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos (cf. artigos 43.º, n.ºs 1 e 3, alínea c), da LGT, e 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

  1. DECISÃO

Termos em que, de harmonia com o exposto, decide-se neste Tribunal Arbitral:

  1. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, e absolver a Requerida da instância, na parte relativa à liquidação de AIMI n.º 2017... (referente ao ano de 2017), por intempestividade do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente em 25-11-2021.
  2. Julgar improcedentes as restantes exceções dilatórias invocadas pela Requerida.
  3. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral na parte relativa às liquidações de AIMI n.ºs 2018... (referente ao ano de 2018), 2019...  (referente ao ano de 2019), e 2020 ... (referente ao ano de 2020), e consequentemente:
  1. Declarar ilegal e anular parcialmente o ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente em 25-11-2021;
  2. Declarar ilegal e anular parcialmente a liquidação de AIMI n.º 2018... (referente ao ano de 2018), no montante de € 78.051,65, a liquidação de AIMI n.º 2019 ... (referente ao ano de 2019), no montante de € 77.551,01, e a liquidação de AIMI n.º 2020 ... (referente ao ano de 2020), no montante de € 193,05;
  3. Condenar a Requerida a reembolsar a Requerente no montante de € 155.795,71, acrescido de juros indemnizatórios sobre este montante, a contar desde 25-11-2022 até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos (cf. artigos 43.º, n.ºs 1 e 3, alínea c), da LGT, e 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

 

 

 

  1. VALOR DA CAUSA

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT (aplicáveis ex vi alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) e no artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 233.844,26, correspondente ao valor contestado pelo Requerente (conforme indicado no PPA e não contestado pela Requerida).

 

  1. CUSTAS

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, do RJAT, 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e da Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas arbitrais em € 4.284,00, ficando € 2.854,16 a cargo da Requerida e € 1.429,84 a cargo da Requerente, em razão do decaimento.

Notifique-se.

Lisboa, 14 de Dezembro de 2022

 

A Presidente do Tribunal Arbitral

 

Rita Correia da Cunha

 

Árbitro vogal

 

Jorge Bacelar Gouveia

 

 

Árbitro vogal

 

 

Jónatas Machado

(vencido conforme declaração em anexo)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

VOTO DE VENCIDO

 

Seguindo uma linha de orientação consolidada na jurisprudência arbitral do CAAD, para a qual se remete em ordem a encurtar razões[5], divirjo da posição sufragada pelos ilustres colegas de coletivo relativamente à interpretação e aplicação do artigo 78.º da LGT. Há muito que se entende que os tribunais arbitrais do CAAD não estão impedidos de apreciar o cumprimento pela AT do dever de efetuar a revisão oficiosa de atos de fixação da matéria tributável com fundamento em injustiça grave e notória, pois, «a forma processual adequada à apreciação do pedido de anulação do ato de fixação da matéria tributável com fundamento em injustiça grave ou notória é, igualmente, a impugnação judicial (arts. 78.º, n.º 3, da LGT e 97.º n.º, 1 alínea b), do CPPT)». O apelo a critérios materiais de justiça fiscal remete para o princípio da primazia da substância sobre a forma, não podendo ser preterido com base na alegação do tempestivo e rigoroso cumprimento, por parte da AT, das formalidades de liquidação do imposto prescritas pelo artigo 113.º, n.º 1, e 135.º-C, n.º 1, do CIMI. Neste domínio, a revisão não depende da existência de erro imputável aos serviços, mas apenas de que se esteja perante «injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte». Se for esse o caso, este poder-dever implica a sua aplicação, verificados que sejam os referidos requisitos.

Os valores em causa, no montante de € 233.844,26, dificilmente impedirão que se fale numa injustiça grave, para efeitos do n.º 4 do artigo 78.º da LGT, visto que o imposto em causa representa um adicional que agrava o IMI geralmente aplicável. Isso releva a interpretação e aplicação do n.º 5, quando se diz que «para efeitos do número anterior, se considera grave a injustiça resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade». No caso, a errónea quantificação do VPT, com duplicação da incidência de critérios, traduziu-se num considerável acréscimo ilegal de AIMI a pagar pelo Requerente, em anos sucessivos.

O prazo dentro do qual deve ser autorizada a revisão da matéria tributável pelo dirigente máximo do serviço é o previsto no n.º 4, do artigo 78.º da LGT, que corresponde aos três anos posteriores ao do ato tributário de liquidação, dentro desse prazo devendo ser formalizado esse pedido. Diferentemente do que sucede com as formulações vertidas no n.º 1 e no n.º 6 do artigo 78.º da LGT – cujo teor literal faz contar o prazo de 4 anos a partir do ato tributário de liquidação – o n.º 4 desse artigo admite a revisão excecional da matéria tributária apurada «nos três anos posteriores ao do ato tributário », sugerindo ao intérprete – quando se diz posteriores ao do ato e não posteriores ao ato –  que esses anos devem ser considerados na plenitude da sua duração – ou seja, até ao último dia do último dos três anos – e não a contar do ato de liquidação.

Assim sendo, o prazo dos três anos referidos no n.º 4 do artigo 78.º, da LGT, foi cumprido pelo Requerente no que respeita às liquidações de AIMI n.º 2018..., referente ao ano de 2018 (com data limite de pagamento a 30-09-2018), 2019..., referente ao ano de 2019 (com data limite de pagamento a 30-09-2019), e 2020..., referente ao ano de 2020 (com data limite de pagamento a 30-09-2020) porque, no caso de 2018, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 25.11.2021 e o prazo para a respetiva impugnação terminaria em 31.12.2021. Relativamente aos anos de 2019 e 2020 o prazo ainda está a decorrer. O mesmo não vale para a liquidação de AIMI n.ºs 2017..., referente ao ano de 2017, com uma coleta de AIMI em excesso no montante € 78 051, 65 (com data limite de pagamento a 30-09-2017), visto que, relativamente a esta, o prazo de impugnação, nos termos do n.º 4 do artigo 78.º, da LGT, terminou em 31.12.2020, quase um ano antes da data de apresentação do pedido de revisão oficiosa. 

Verificam-se, assim, no tocante às liquidações dos anos de 2018 e 2020, todos os requisitos de que depende a revisão da matéria tributável prevista nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT, pelo que em vez do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, a AT deveria ter efetuado a revisão e anulado parcialmente essas liquidações. Pelo exposto, justifica-se a anulação, pelo presente tribunal, do indeferimento tácito, na parte respeitante às liquidações de AIMI relativas aos anos de 2017 a 2019, bem como a anulação parcial destas liquidações, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do CPA subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

A Requerente alega ter pago AIMI em excesso o valor de € 233.844,26, requerendo o respetivo reembolso, com juros indemnizatórios. Como resultado da aplicação n.º 4 do artigo 78.º, da LGT, sempre haveria que subtrair a esse valor € 78 051, 65 respeitantes à liquidação de 2017. Decorre dos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e 100.º da LGT, que sobre a AT impende o dever de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios, compreendido nesse efeito repristinatório do status quo ante. No n.º 1 do artigo 43.º da LGT reconhece-se o direito a estes juros quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços. No entanto, não pode ser assacado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, se não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu por estar sujeita ao princípio da legalidade (cfr. artigo 266.º, n.º 2, da CRP e artigo 55.º da LGT).

No caso concreto, pode sustentar-se que a AT errou ao ter aplicado à avaliação de terrenos para construção normas legais relativas às avaliações dos prédios edificados, resultando na fixação de VPT indevidamente elevados. Porém, esse erro viciou os atos de fixação do VPT – atos destacáveis, autonomamente impugnáveis – e não os atos de liquidação de AIMI objeto do processo. Estes últimos são causa próxima do imposto efetivamente liquidado, ao passo que o ato de avaliação e fixação do VPT é causa remota. O erro que contaminava a fixação do VPT podia ter sido impugnado no prazo de três meses previsto para o efeito e não o foi, por isso tendo visto legitimamente consolidados os seus efeitos no ordenamento jurídico.  Assim sendo, não é em rigor imputável qualquer erro aos serviços da AT que emanaram os atos de liquidação, visto que se limitaram a agir de acordo com o disposto no artigo 113.º, n.º 1, do CIMI. Não haveria, por conseguinte, lugar a juros indemnizatórios.

Jónatas Machado

 



[1] Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado – vol I (5ª edição, Áreas Editora 2006), página 424 (anotação ao artigo 54º do CPPT).

[2] J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição (4ª ed., Almedina 2000), página 256.

[3] ibid, página 264.

[4] ibid, página 265.

[5] Cfr, por todos, Acórdão do CAAD, no Processo n.º 487/2020-T, de 10.05.2021; Decisão do CAAD no Processo n. 501/2020-T, de 25.10.2021, Decisão 339/2022-T, 10-11-2022.