Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 290/2022-T
Data da decisão: 2022-12-22  IMI  
Valor do pedido: € 12.880,80
Tema: AIMI – Determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção – Revisão do ato tributário – Pressupostos
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DECISÃO ARBITRAL

 

A árbitra, Susana Mercês, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral Singular, constituído a 05.07.2022, decide o seguinte:

 

  1. RELATÓRIO
  1. A..., LDA., com o número de identificação fiscal ..., com sede sita na Rua ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa (doravante “Requerente”), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante “RJAT”), requerer a constituição do Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à declaração de ilegalidade da presunção do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa e, consequente, anulação parcial dos atos tributários de liquidação adicional ao Imposto Municipal sobre os Imóveis (doravante “AIMI”), referentes aos anos 2018, 2019, 2020 e 2021, no montante global de €12.880,80 (doze mil oitocentos e oitenta euros e oitenta cêntimos).
  2. A Requerente peticionou o reembolso do AIMI pago em excesso, no valor total de €12.880,80 (doze mil oitocentos e oitenta euros e oitenta cêntimos), acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, até ao reembolso integral da importância referida, bem como, a título subsidiário, que “seja desaplicada, no caso concreto, a norma pretensamente extraída do artigo 45.º do Código do IMI, na redação vigente à data da verificação do facto tributário, no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do mesmo compêndio legal deveriam ter aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção, por manifesta inconstitucionalidade, por violação do princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e n.º 2 do artigo 103.º, ambos da CRP e, consequentemente, seja declarada a ilegalidade dos atos tributários de liquidação de AIMI sub judice, porque assentes em normas inconstitucionais, sendo os mesmos prontamente anulados, com todas as consequências legais” e juntou cinco documentos.
  3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à Requerida em 22.04.2022.
  4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 6.º e da alínea a), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como árbitra do Tribunal Arbitral Singular, a qual comunicou a aceitação do cargo no prazo aplicável.
  5. Em 15.06.2022, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação de árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico do CAAD.
  6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 05.07.2022.
  7. No dia 26.09.2022, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual se defendeu por impugnação, juntou seis documentos e, requereu a dispensa da junção aos autos do processo administrativo.
  8. Em 28.09.2022, o Tribunal proferiu o seguinte despacho:

Não sendo requerida prova testemunhal, não se vê utilidade na realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.

Assim, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2; 29.º, n.º 2, do RJAT) dispensa-se a realização da reunião prevista no artigo 18.º, n.º 1, do RJAT.

Mais, notifica-se as Partes para, querendo, apresentarem alegações escritas, no prazo de 30 dias, nos termos do artigo 18.º, n.º 3, do RJAT.

Face aos documentos juntos aos autos pela Requerente, defere-se o pedido da Requerida, quanto à dispensa da junção aos autos do processo administrativo.

Indica-se o dia 05 de Janeiro de 2023, como prazo limite para prolação da decisão arbitral.

Até esta data deverá o Sujeito Passivo pagar a taxa arbitral subsequente.”

  1. A Requerente apresentou requerimento, em 11.02.2022, no qual informou os autos de que não pretendia produzir alegações, orais ou escritas, por se encontrar já exposta e definida a sua posição no respetivo pedido de pronúncia arbitral.
  2. A Requerida não apresentou alegações.

I.1. POSIÇÃO DAS PARTES

  1. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que:
  1. É proprietária de diversos prédios, incluindo terrenos para construção.
  2. Nesse contexto, foi notificada dos seguintes atos tributários de liquidação de AIMI – Liquidação com o n.º 2018..., referente ao ano de 2018, no montante de €8.665,16; Liquidação com o n.º 2019..., referente ao ano de 2019, no montante de €8.710,42; Liquidação com o n.º 2020..., referente ao ano de 2020, no montante de €8.795,14 e Liquidação com o n.º 2021..., referente ao ano de 2021, no montante de €6.450,50.
  3. As referidas liquidações tiveram por base, para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante de AIMI a pagar, os valores patrimoniais dos terrenos para construção, valores estes que estavam fixados segundo a fórmula erroneamente adotada à data pela AT, a qual considerava a aplicação de coeficientes de (i) localização, (ii) de afetação e/ou (iii) de qualidade e conforto.
  4. Nos anos de 2018, 2019, 2020 e 2021, relativamente aos terrenos para construção em apreço, a AT liquidou um montante de tributo superior ao montante legalmente devido face aos valores patrimoniais que deveriam ter sido considerados para efeitos de cálculo da coleta de AIMI.
  5. Não obstante, a AT tenha corrigido a fórmula de cálculo dos valores patrimoniais tributários destes terrenos para construção, a AT não procedeu à total revisão das liquidações de AIMI anteriores, apesar de ter conhecimento de ter procedido erroneamente à fixação dos valores patrimoniais tributários dos ditos imóveis.
  6. Estamos perante um erro nos pressupostos de facto e de direito do qual resulta em ilegais liquidações (parciais) de AIMI, especificamente de um erro na determinação da matéria tributável deste adicional e da qual resulta uma coleta ilegal deste tributo.
  7. Pese embora, a Lei do Orçamento do Estado para 2021 (Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro) tenha vindo alterar o conteúdo do artigo 45.º do Código do IMI, tal redação (e, consequentemente, a nova fórmula) só produziu efeitos a partir de 1 de janeiro de 2021, pelo que dever-se-á aplicar às liquidações de AIMI referentes a anos anteriores a redação do citado artigo e respetiva fórmula que vigoravam antes desta alteração efetuada pelo legislador.
  8. É inegável que os coeficientes de afetação (estabelecido no artigo 41.º), de localização (definido no artigo 42.º), de qualidade e conforto (regulado no artigo 43.º) e de vetustez (consagrado no artigo 44.º) não são aplicáveis aos “terrenos para construção”, por não fazerem parte da fórmula de cálculo consagrada no n.º 1 do artigo 45.º do Código do IMI na redação vigente à data dos factos tributários aqui sindicados.
  9. Os valores patrimoniais dos terrenos para construção detidos pela Requerente nos anos 2018, 2019 e 2020 ainda consideravam a aplicação errónea dos coeficientes de localização, de afetação e/ou qualidade e conforto, denotando-se um flagrante erro na interpretação dos pressupostos de facto e de direito quanto à determinação dos valores patrimoniais tributários dos mesmos, erro este da responsabilidade exclusiva da AT.
  10. Qualquer erro nos pressupostos de facto e/ou de direito do qual resulte um erróneo cálculo dos valores patrimoniais dos imóveis sobre os quais incide o ato tributário de liquidação de AIMI e que, consequentemente, faz com que seja determinado um montante de imposto, superior ou inferir ao legalmente devido nos termos das normas do Código de IMI, constitui um vício que determinada a anulabilidade desse mesmo ato tributário.
  11. Nos casos em que sejam determinados valores patrimoniais tributários em montante superior àquele que resultaria da aplicação correta das normas de determinação daqueles valores, e, consequentemente, seja liquidado AIMI num montante superior àquele que seria legalmente devido, tal liquidação de AIMI deverá ser anulada na parte correspondente ao montante de imposto liquidado em excesso, em resultado direto de ter sido considerado, para efeitos de cálculo deste imposto, um valor de matéria tributável superior àquele que deveria ter sido verificado.
  12. A errada fixação do VPT pode ser arguida através do pedido de revisão oficiosa das liquidações, nos termos conjugados dos artigos 78.º da LGT e 115.º do CIMI, ainda que o contribuinte não tenha reagido atempadamente contra essa fixação.
  13. Relativamente ao terrenos para construção detidos pela Requerente nos anos 2018 a 2020 e objeto de tributação em sede de AIMI com referência a estes anos, os seus valores patrimoniais estavam, pois, fixados através da aplicação ilegal dos coeficientes (i) de localização, (ii) de afetação e/ou (iii) de qualidade e conforto, aplicação esta que constitui uma aplicação que não respeita as regras legais de determinação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção consagradas no artigo 45.º do Código do IMI na redação vigente nos anos 2018 a 2020.
  14. Não deveria ter sido adstrita ao pagamento do montante de AIMI liquidados em excesso, enfermando, assim, os atos tributários de liquidação deste imposto em crise, uma manifesta ilegalidade, por resultarem da evidente interpretação e aplicação erróneas do Direito aplicável, devendo os mesmo ser parcialmente anulados.
  15. Sempre será inconstitucional a norma pretensamente extraída do artigo 45.º do Código do IMI, quando interpretada no sentido de os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do mesmo compêndio terem aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção.
  1. Por sua vez a AT contra-argumentou com base nos seguintes argumentos:
  1. Os atos de avaliação patrimonial não são atos tributários, nem são atos de apuramento da matéria tributável.
  2. Bem vista a letra da lei, é claro que o artigo 78.º da LGT, não dá acolhimento à revisão oficiosa do tipo de atos aqui sindicados, tendo em conta, nomeadamente, os meios impugnatórios pré-existentes ao dispor do contribuinte para defesa da sua posição.
  3. Não estamos na presença de qualquer erro no ato de liquidação, pois, os atos de liquidação foram determinados com base no VPT constante da matriz predial.
  4. Mesmo que se admitisse a possibilidade de apresentação de revisão oficiosa, o prazo para ser autorizada a revisão da matéria tributável pelo dirigente máximo do serviço não é o previsto no n.º 1, mas sim o prazo reduzido aos três anos posteriores ao do ato tributário, previsto no n.º 4 do artigo 78.º da LGT, o qual já estaria ultrapassado, uma vez que as avaliações foram concretizadas há mais de cinco anos e o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 30.11.2021.
  5. O procedimento avaliativo constitui um ato autónomo e destacável para efeito de impugnação arbitral, que, se não for impugnado nos termos e prazo fixado, se consolida na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, semelhante ao caso julgado, que a posterior liquidação tem de acolher e cuja impugnação não abrange os erros ou vícios que eventualmente tenham ocorrido nessa avaliação.
  6. Não tendo a Requerente colocado em causa o valor patrimonial obtido pela 1ª avaliação, requerendo uma 2ª avaliação, o mesmo fixou-se, não sendo possível conhecer na posterior liquidação, de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação.
  7. Constitui jurisprudência assente, quer dos Tribunais judiciais quer dos Tribunais arbitrais, bem como da mais abalizada doutrina, o entendimento que o ato de avaliação do valor patrimonial tributável é um ato destacável, autonomamente impugnável.
  8. Uma vez que os vícios da fixação do VPT, não são sindicáveis na análise da legalidade do ato de liquidação, porquanto os mesmos, sendo destacáveis e antecedentes destes, já se consolidaram na ordem jurídica não é, nem legal, nem admissível, a apreciação da correção do VPT em sede de impugnação do ato de liquidação.
  9. Já se encontra precludido o prazo para anulação administrativa do ato que fixe o valor patrimonial tributário o qual se encontra sanado e produz efeitos jurídicos, nomeadamente para efeitos de cálculo de AIMI (Cf. artigo 168.º, n.º 1, do CPA).
  10. De referir que, no caso dos artigos U-..., U-... e U-... todos da freguesia de ... a ..., no concelho da Figueira da Foz e distrito de Coimbra, foram objeto de novas avaliações com produção de efeitos a 31.12.2020, pelo que os valores patrimoniais tributários anteriores, que suportaram as liquidações contestadas, não podem ser objeto de anulação, por já não existirem na ordem jurídica.
  11. Relativamente à avaliação do terreno para construção, atualmente inscrito sob o artigo U-... da freguesia de ... e ..., verifica-se que a avaliação de 2013, cujo VPT se mantém vigente, foi realizada há mais de cinco anos, pelo que foi ultrapassado o prazo legal para anular administrativamente esse ato de avaliação, com fundamento em invalidade, nos termos do artigo 168.º, n.º 1, do CPA.
  12. A prevalecer a argumentação da Requerente, essa sim, acarretaria uma violação do princípio da igualdade tributária privilegiando os contribuintes que em tempo não contestaram o VPT face àqueles que o fizeram tempestivamente. 
  13. As liquidações de AIMI foram apuradas tento em conta a soma de VPT´s que constavam das matrizes prediais à data de 1 de Janeiro dos anos a que respeitam as liquidações de AIMI, pelo que não sendo aqueles suscetíveis de serem anulados administrativamente, as liquidações suportadas nesses VPTS não padecem de qualquer erro.
  14. O Tribunal Arbitral está obrigado a julgar de acordo com o direito constituído, estando impedido de julgar o processo de acordo com critérios de equidade.
  15. Por estar a Administração Tributária vinculada ao princípio da legalidade não pode deixar de dar integral cumprimento aos normativos que o legislador ordinário criou em vigor no ordenamento jurídico, conforme se verificou no caso em apreço.
  1. SANEAMENTO
  1. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, nos termos do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.
  2. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
  3. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
  4. Não foram suscitadas exceções de que deva conhecer-se.
  5. O processo não enferma de nulidades.
  6. Inexiste, deste modo, quaisquer obstáculos à apreciação do mérito da causa.

 

III. MATÉRIA DE FACTO

III.1. FACTOS PROVADOS

Com relevo para a apreciação e decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. No âmbito da sua atividade, a Requerente é proprietária de diversos prédios, incluindo terrenos para construção.
  2. Em 01.01.2018, em 01.01.2019, em 01.01.2020 e, em 01.01.2021, a Requerente era proprietária dos terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana:
  1. da freguesia de ... e ... sob os artigos U-..., U-..., U-..., U-... (ora em diante abreviadamente designados por “terrenos para construção” – Cf. Documentos n.º 2, 3 e 5, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
  1. A Requerente foi notificada das Liquidações de AIMI n.ºs:
  1. 2018..., de 30.06.2018, relativa ao ano de imposto de 2018, no valor global de €8.665,16 (Cf. Documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido);
  2. 2019..., relativa ao ano de imposto de 2019, no valor global de €8.710,42 (Cf. Documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido);
  3. 2020..., de 30.06.2020, relativa ao ano de imposto de 2020, no valor global de €8.795,14 (Cf. Documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido);
  4. 2021..., de 30.06.2021, relativa ao ano de imposto de 2021, no valor global de €6.450,50 (Cf. Documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido).
  1. O valor de AIMI liquidado em 2018, por referência a esse mesmo ano de imposto, respeita, em €8.665,16, aos terrenos para construção acima identificados e resulta da aplicação da taxa de AIMI em vigor no dito ano (0,40% aplicável por referência aos terrenos para construção localizados na freguesia de ... e ...), sobre os valores patrimoniais tributários (“VPTs”), fixados pela AT, para os referidos prédios, por referência a 01.01.2018.  
  2. O valor de AIMI liquidado em 2019, por referência a esse mesmo ano de imposto, respeita, em €8.710,42, aos terrenos para construção acima identificados e resulta da aplicação da taxa de AIMI em vigor no dito ano (0,40% aplicável por referência aos terrenos para construção localizados na freguesia de ... e ...), sobre os valores patrimoniais tributários (“VPTs”), fixados pela AT, para os referidos prédios, por referência a 01.01.2019.  
  3. O valor de AIMI liquidado em 2020, por referência a esse mesmo ano de imposto, respeita, em 8.795,14, aos terrenos para construção acima identificados e resulta da aplicação da taxa de AIMI em vigor no dito ano (0,40% aplicável por referência aos terrenos para construção localizados na freguesia de ... e ...), sobre os valores patrimoniais tributários (“VPTs”), fixados pela AT, para os referidos prédios, por referência a 01.01.2020.  
  4. O valor de AIMI liquidado em 2021, por referência a esse mesmo ano de imposto, respeita, em €6.450,50, aos terrenos para construção acima identificados e resulta da aplicação da taxa de AIMI em vigor no dito ano (0,40% aplicável por referência aos terrenos para construção localizados na freguesia de ... e ...), sobre os valores patrimoniais tributários (“VPTs”), fixados pela AT, para os referidos prédios, por referência a 01.01.2021.  
  5. As liquidações de AIMI, referentes a 2018, 2019, 2020 e 2021 (mas, apenas quanto ao terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... e ... sob o artigo U-...), tiveram por base, para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante de AIMI a pagar, os valores patrimoniais dos referidos terrenos para construção, valores esses que foram fixados, tendo em consideração a aplicação dos coeficientes de afetação, de localização e de qualidade e conforto (Cf. documento n.º 2; cópia das cadernetas prediais urbanas que constam do documento n.º 3 e documento n.º 5, todos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
  6. Em 2020, a Requerida procedeu à reavaliação dos terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana da freguesia de ... e ... sob os artigos U-..., U-... e U-..., na qual não aplicou os ditos coeficientes, o que originou valores patrimoniais tributários mais reduzidos (Cf. Documentos n.º 4 e 5 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
  7. O terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... e ... sob o artigo U-..., não foi objeto de reavaliação.
  8. A Requerente apresentou, no dia 30.11.2021, um pedido de revisão oficiosa, no qual pugnou pela anulação parcial dos atos tributários de liquidação de AIMI aqui em apreço, referentes ao ano de 2018, de 2019, de 2020 e de 2021, porque manifestamente ilegais, em resultado de errónea coleta de imposto relativamente a valores patrimoniais tributários de terrenos para construção determinados com uma fórmula que, ao aplicar os mencionados coeficientes, não lhes era legalmente aplicável e, requereu o reembolso dos respetivos montantes de imposto liquidado e pago em excesso, no valor de €12.880,80, acrescido de juros indemnizatórios, com as demais consequências legais (Cf. Documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
  9. A Requerida não se pronunciou quanto ao pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente, em 30.11.2021.
  10. Em 21.02.2022, a Requerente apresentou pedido de constituição de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

III.2 FACTOS NÃO PROVADOS

Os factos dados como provados são os relevantes no entendimento do Tribunal, não se considerando factualidade que tenha interesse para a decisão como não provada.

 

III.3. FUNDAMENTAÇÃO DA FIXAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão, discriminar a matéria que julga provada e declarar, se for o caso, a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e Processo Tributário (doravante “CPPT”) e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (doravante “CPC”), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Tendo em conta as posições assumidas pelas partes, o disposto nos artigos 110.º, n.º 7, e 115.º, n.º 1, ambos do CPPT e a prova documental junta aos autos, estão assentes, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

  1. MATÉRIA DE DIREITO

O pedido arbitral tem por objeto imediato o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente, em 30.11.2021, e por objeto mediato as liquidações de AIMI, referentes aos anos de 2018, 2019, 2020 e 2021, incidentes sobre terrenos para construção em cuja avaliação, efetuada nos termos do artigo 45.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (doravante “CIMI”), foram, segundo a própria Requerente, indevidamente aplicados os coeficientes de afetação, de localização e de qualidade e conforto. 

Assim, veio a Requerente, na presente lide, impugnar os atos de liquidação de AIMI aqui em crise, com fundamento em vícios dos atos de fixação dos valores patrimoniais tributáveis dos prédios sobre que incidiu o dito imposto e, que, no seu entender, comprometem a legalidade dos mesmos.

Cumpre, pois, apreciar.

IV.1 DA QUESTÃO DA POSSIBILIDADE DE IMPUGNAR LIQUIDAÇÕES DE AIMI COM FUNDAMENTO EM VICÍOS DE ATOS DE FIXAÇÃO DE VALORES PATRIMONIAIS

A Requerida, apoiando-se em diversa doutrina e jurisprudência, alega, em síntese, que sendo os atos de avaliação atos destacáveis diretamente suscetíveis de impugnação autónoma, não é, “nem legal, nem admissível, a apreciação da correção do VPT em sede de impugnação do ato liquidação”.

Vejamos, se lhe assiste razão.

O artigo 86.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (doravante “LGT”), determina que a avaliação direta é suscetível de impugnação contenciosa autónoma. 

Por força do estipulado no artigo 15.º do CIMI, a avaliação dos prédios urbanos é direta e, por isso, “suscetível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa direta”, depois de esgotados os meios administrativos previstos para a sua revisão (Cf. artigo 86.º, n.º 1 e 2, da LGT).

Decorre do n.º 1, do artigo 134.º, do CPPT, a fixação de um prazo especial de três meses para a impugnação de atos de fixação de valores patrimoniais e do n.º 7 do citado artigo, a exigência do esgotamento dos meios graciosos. 

Com efeito, quando o sujeito passivo não está de acordo com o resultado da avaliação direta de prédios urbanos, pode requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado (artigo 76.º, n.º 1, do CIMI).

E, só do resultado das segundas avaliações (que esgotam os meios graciosos do procedimento de avaliação) cabe impugnação judicial nos termos do CPPT (artigo 77.º, n.º 1, do CIMI).

De onde se conclui, como consignado, na Decisão Arbitral, proferida no âmbito do processo n.º 487/2020-T, de 10.05.2021, que os atos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são atos destacáveis, autonomamente impugnáveis, não podendo na impugnação das liquidações que com base nelas sejam efetuadas discutir-se a legalidade daqueles atos.

Assim, continua a referida Decisão Arbitral, que se subscreve, “o sujeito passivo de IMI pode impugnar as liquidações, mas não são relevantes como fundamentos de anulação eventuais vícios dos antecedentes atos de fixação de valores patrimoniais, que se firmam na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos n.ºs 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT.

A natureza de atos destacáveis que é atribuída aos atos de avaliação de valores patrimoniais é, há muito, reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, desde o tempo em que o regime idêntico ao do artigo 134.º, n.º s 1 e 7 do CPPT, estava previsto nos n.º s 1 e 6 do artigo 155.º do Código de Processo Tributário de 1991, quer em sede de Sisa, quer de contribuição autárquica, quer de IMI quer de IMT, como pode ver-se pelos acórdãos de 30-06-1999, processo n.º 023160; de 02-04-2003, processo n.º 02007/02; de 06-02-2011, processo n.º 037/11; de 19-09-2012, processo n.º 0659/12; de 5-02-2015, processo n.º 08/13; de 13-7-2016, processo n.º 0173/17 e de 10-05-2017, processo n.º 0885/16.

Desta feita, e concluindo como no aludido processo arbitral, “uma vez que os vícios dos atos de avaliação invocados pelas Requerentes não foram objeto de impugnação tempestiva autónoma, não podem ser fundamento de anulação das liquidações de IMI e AIMI.

Trata-se, na verdade, de um mecanismo específico do sistema fiscal quanto às condições de acesso à via contenciosa que em nada contende com o princípio da legalidade previsto no n.º 2, do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (doravante “CRP”).

Em bom rigor, e acompanhando, uma vez mais, a decisão proferida no aludido processo arbitral, “este regime de impugnação autónoma justifica-se por razões de coerência do sistema jurídico tributário inerentes ao facto de cada ato de avaliação poder servir de suporte a uma pluralidade de atos de liquidação de impostos (...) e ser relevante para vários efeitos a nível de IRS (...), IRC (...) e Imposto do Selo (...), o que não se compagina com a possibilidade de plúrima avaliação incidental que se reconduzisse à fixação de diferentes valores patrimoniais tributários para o mesmo prédio, no mesmo momento.

Por outro lado, acrescenta a mencionada decisão arbitral que, “a caducidade do direito de ação derivada da inércia do lesado por atos administrativos durante um prazo razoável, é generalizadamente justificada por razões de segurança jurídica, necessária para o adequado funcionamento da administração pública, que também é um valor constitucional ínsito no princípio do Estado de Direito democrático e é reconhecida generalizadamente em matéria administrativa e tributária.

Assim, e volvendo ao caso dos autos, constata-se que a Requerente veio contestar (quer administrativamente, em 30.11.2021, com o pedido de revisão oficiosa, quer através do pedido arbitral, apresentado em 21.04.2022) erros cometidos em atos de avaliação que, como supra se dá por demonstrado, ocorreram muito depois do prazo legal de 30 dias para requerer uma segunda avaliação e muito depois do prazo de três meses que tinha para deduzir impugnação judicial.

Dito isto, e tal como consignado na jurisprudência citada, o presente tribunal arbitral sufraga o entendimento da Requerida de que as liquidações de AIMI impugnadas pela Requerente não podem ser anuladas com fundamento nos alegados erros cometidos nas avaliações dos ditos terrenos para construção sobre os quais as mencionadas liquidações incidiram.

Todavia, em certas situações e condições, a lei fiscal admite que, excecionalmente, haja um desvio à dita regra e possam anular-se as liquidações de AIMI incidentes sobre o valor patrimonial tributário de prédios em que o único vício que lhe é imputado esteja justamente na determinação desse valor, ou seja, na avaliação fiscal desses prédios.

Excecionalidade esta que, há que reconhecê-lo, tem assento na própria Lei Geral Tributária que, como é sabido, assume a qualidade de lei dotada de primado lógico que condiciona o conteúdo normativo, quer do Código do IMI quer do CPPT (Cf. Decisão Arbitral proferida no âmbito do processo n.º 465/2021-T, de 25.03.2022)

Com efeito, os n.ºs 4 e 5, do artigo 78.º, da LGT, acolhem a possibilidade de revisão oficiosa de atos de fixação da matéria tributável, a que se reconduzem os atos de fixação de valores patrimoniais, a título excecional, “com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte”.

Pelo que, invocando a Requerente, na petição inicial, a norma prevista no artigo 78.º, n.º 4, da LGT, há que aferir, oportunamente, da verificação dos pressupostos da aludida revisão excecional.

IV.2 DA ADMISSIBILIDADE DE REVISÃO OFICIOSA DAS LIQUIDAÇÕES AO ABRIGO DO CIMI E DO N.º 1 DO ARTIGO 78.º DA LGT

A Requerente invoca, num primeiro momento, como fundamento do pedido de revisão oficiosa e da consequente anulação parcial das liquidações de AIMI impugnadas o n.º 1, do artigo 115.º, do CIMI em conjugação com o n.º 1, do artigo 78.º, da LGT.

Prevê o artigo 115.º, n.º 1, do CIMI, que “Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária, as liquidações são oficiosamente revistas:

(...)

c) Quanto tenha havido erro de que tenha resultado coleta de montante diferente ao legalmente devido.

Por sua vez, o n.º 1, do artigo 78.º da LGT, consagra, que “A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

De tais preceitos resulta claro que os mesmos só se aplicam à revisão de atos de liquidação e não à revisão da matéria tributável (atos de fixação de valores patrimoniais).

Além de que, “como estas normas especiais são aplicáveis, sem prejuízo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária, a possibilidade de revisão oficiosa está limitada pelas condições aí indicadas, designadamente a de que, quando o pedido de revisão não é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, a revisão só pode ser efetuada se existir erro imputável aos serviços.” (Cf. Acórdão Arbitral proferido no âmbito do processo n.º 487/2020-T, de 10-05.2021).

Ora, é manifesto que os atos de liquidação aqui sindicados, em si mesmo, não padecem de qualquer erro imputável aos serviços, uma vez que, nos termos dos artigo 135.º-G, do CIMI, “o adicional ao imposto municipal sobre imóveis é liquidado, anualmente, pela Autoridade Tributária e Aduaneira, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 1 de janeiro do ano a que o mesmo respeita.

Assim, tendo os atos de liquidação sido efetuados com base nos valores patrimoniais dos prédios que constavam das matrizes em 01.01.2018, em 01.01.2019, em 01.01.2020 e em 01.01.2021, é manifesto que a Autoridade Tributária e Aduaneira não cometeu qualquer erro ao efetuar os aludidos atos de liquidação e, por isso, o pedido de revisão oficiosa não podia ser deferido, ao abrigo do disposto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT.

Contudo, na petição inicial apresentada, a Requerente invoca a aplicação alternativa do disposto no n.º 4, do artigo 78.º, da LGT, como suporte para a procedência do seu pedido, o que, cumpre apreciar.

IV.3 DA ADMISSIBILIDADE DE REVISÃO OFICIOSA DAS LIQUIDAÇÕES DOS ATOS DE AVALIAÇÃO DE VALORES PATRIMONIAIS AO ABRIGO DO DISPOSTO NOS N.ºs 3 E 4 DO ARTIGO 78.º DA LGT

Conforme consabido, as situações de revisão oficiosa estabelecidas nos n.ºs 1 e 6, do artigo 78.º, da LGT dizem respeitos a atos de liquidação, enquanto que as previstas nos n.ºs 4 e 5 reportam-se a atos de fixação da matéria tributável (sendo os atos de fixação dos valores patrimoniais, no âmbito do AIMI, os atos que fixam a matéria tributável).

Estipula o n.º 4, do artigo 78.º, da LGT, o seguinte:

(...)

4 - O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente, nos três anos posteriores ao do ato tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

 

É manifesto que, nestas situações – em que o erro está na fixação da matéria tributável – a revisão já não decorre de erro imputável aos serviços, mas, sim, de que se esteja perante uma injustiça grave ou notória e o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

 

O n.º 4, do citado normativo, trata-se, conforme entende a esmagadora maioria da jurisprudência, de um poder-dever, estritamente vinculado, cujo cumprimento é sujeito a controlo jurisdicional e deverá ser aplicado a todos casos, desde que verificados os aludidos pressupostos (Cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do processo n.º 0476/09, de 07.10.2009).

 

Vejamos, então, se, in casu, estavam preenchidos os pressupostos para a dita revisão, nos termos do n.º 4, do artigo 78.º, da LGT:

 

IV.3.1 DA TEMPESTIVIDADE DO PEDIDO DE REVISÃO OFICIOSA

 

Ora, conforme já se assinalou supra, a norma acima transcrita (artigo 78.º, n.º 4, da LGT), consagra que o pedido a suscitar a revisão oficiosa pode ser apresentado nos três anos posteriores ao ano em que foi praticado o ato tributário da liquidação emitida com base na matéria tributável a corrigir, ou seja, em termos precisos, tal prazo termina no dia 31 de Dezembro do terceiro ano posterior àquele em que foi praticado o ato tributário.

 

Assim, tendo sido o pedido de revisão oficiosa, apresentado pela Requerente, em 30.11.2021, nesta data estavam ainda em curso os três anos posteriores ao ano em que foi praticado cada um dos atos tributários de liquidação de AIMI (Junho de 2018, de 2019, de 2020 e de 2021), pelo que, ainda, poderia a AT ter autorizado a dita revisão, ao abrigo do citado preceito normativo.

 

Por outro lado, quanto à impossibilidade, alegada pela Requerida, de anulação administrativa dos atos de avaliação, por ter decorrido o prazo de cinco anos previsto no artigo 168.º do Código do Procedimento Administrativo (doravante “CPA”), importa salientar que a presente ação arbitral não contém um pedido anulatório dirigido aos atos de fixação dos valores patrimoniais (VPT) dos imóveis. Não está, pois, em discussão a anulação dos atos de avaliação (com mais de cinco anos), antes a invalidade (parcial) dos atos subsequentes, de liquidação de AIMI, de atos tributários. Estes atos foram praticados em 2018, 2019, 2020 e 2021, pelo que não estava esgotado o citado prazo. O entendimento exposto não se altera pelo facto de as ilegalidades (erro de direito) que constituem fundamento da anulação dos atos tributários terem origem nos atos de avaliação. Como se disse, os atos cuja anulação foi pedida nesta ação são, tão-só, os atos de liquidação e podem sê-lo com fundamento em qualquer ilegalidade (artigo 99.º do CPPT e artigos 2.º e 29.º, n.º 1, al. a), do RJAT).

 

Em face de tudo o que foi dito, nunca o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa se justificaria por intempestividade.

 

IV.3.2 DA EXIGÊNCIA DE QUE O ERRO NÃO SEJA IMPUTÁVEL A COMPORTAMENTO NEGLIGENTE DO CONTRIBUINTE

 

A fixação da matéria tributável foi efetuada pela Requerida, com base numa fórmula estabelecida na lei, sem que se tenha demonstrado que a Requerente tenha prestado qualquer informação/documentação errónea quanto à natureza dos prédios, pelo que, o possível erro na aplicação daquela fórmula de avaliação jamais poderá ser considerada imputável a um comportamento desta (Requerente).

 

IV.3.3 DO ERRO IMPUTADO PELA REQUERENTE À FIXAÇÃO DE VALORES PATRIMONIAIS 

O erro que a Requerente imputa à fixação de valores patrimoniais é o de ter sido aplicado à avaliação dos aludidos terrenos para construção, normas legais relativas às avaliações dos prédios edificados, designadamente, no que respeita à aplicação dos coeficientes de afetação, de localização e de qualidade e conforto.

 

Vejamos, então, se assiste razão à Requerente.

 

À data dos factos, dispunha o artigo 38.º do CIMI, a propósito da determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços, o seguinte:

 

Artigo 38º
Determinação do valor patrimonial tributário

1 - A determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços resulta da seguinte expressão:

Vt = Vc x A x Ca x Cl x Cq x Cv

em que:

Vt = valor patrimonial tributário;

Vc = valor base dos prédios edificados;

A = área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação;

Ca = coeficiente de afetação;

Cl = coeficiente de localização;

Cq = coeficiente de qualidade e conforto;

Cv = coeficiente de vetustez.

2 - O valor patrimonial tributário dos prédios urbanos apurado é arredondado para a dezena de euros imediatamente superior.

3 - Os prédios comerciais, industriais ou para serviços, para cuja avaliação se revele desadequada a expressão prevista no n.º 1, são avaliados nos termos do n.º 2 do artigo 46.º 

4 - A definição das tipologias de prédios aos quais é aplicável o disposto no número anterior é feita por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, sob proposta da Comissão Nacional de Avaliação de Prédios Urbanos.

 

Diferentemente, a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção encontrava-se prevista no artigo 45.º do CIMI, o qual tinha, a seguinte redação (anterior à Lei n.º 75-B/2020):

“Artigo 45.º

Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção

1 - O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.

2 - O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.

3 - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º

4 - O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º.

5 - Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respetiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente.” 

Compulsados os enunciados normativos citados, constata-se que a fórmula de cálculo do valor patrimonial tributário diferia em função da tipologia de prédio urbano em questão, sendo certo que o artigo 45.º do CIMI não previa, diretamente ou por remissão, a aplicação dos coeficientes de afetação, de localização e de qualidade e conforto, estabelecidos exclusivamente para o apuramento do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como para “habitação, comércio, indústria e serviços”.

Assim, a aplicação dos coeficientes de afetação e localização aos terrenos para construção passou a ser estatuída no artigo 45.º do CIMI, apenas, por intermédio da redação que lhe foi dada pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro:

“Artigo 45.º

Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção

1 - A determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção resulta da seguinte expressão:

Vt = Vc x A x Ca x Cl x %Veap

em que:

Vt = valor patrimonial tributário;

Vc = valor base dos prédios edificados;

A = [Aa + Ab x 0,3] x Caj + Ac x 0,025 + Ad x 0,005;

Aa = área bruta privativa autorizada ou prevista;

Ab = área bruta dependente autorizada ou prevista;

Caj = coeficiente de ajustamento de áreas;

Ac = área do terreno livre que resulta da diferença entre a área total do terreno e a área de implantação das edificações autorizadas ou previstas, até ao limite de duas vezes a área de implantação, sendo a área de implantação a situada dentro do perímetro de fixação das edificações ao solo, medida pela parte exterior;

Ad = área do terreno livre que excede o limite de duas vezes a área de implantação;

Ca = coeficiente de afetação das edificações autorizadas ou previstas;

Cl = coeficiente de localização;

% Veap = percentagem do valor das edificações autorizadas ou previstas com terreno incluído.

2 - O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.

3 - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º.

4 - (Revogado.)

5 - Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respetiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente.

No que respeita a esta alteração à redação do artigo 45.º do CIMI, dir-se-á, por um lado, que a mesma apenas entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2021 (por força do disposto no artigo 445.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro) e, por outro, que a mesma evidencia a inaplicabilidade dos coeficientes de afetação, de localização e de qualidade e conforto até então. 

Tal questão – de saber se tais coeficientes seriam aplicáveis à determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção antes da entrada em vigor da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro – tem sido amplamente apreciada pela jurisprudência, de forma bastante extensa e precisa.

Veja-se, a título de exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do processo n.º 0170/16.6BELRS 0684/17, em 23.10.2019, que resume, numa única decisão, a jurisprudência deste douto Tribunal quanto à ilegal aplicação destes três coeficientes na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, antes da nova redação do artigo 45.º, do CIMI, que lhe foi dada pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, cujo sumário se transcreve:

I – Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45.º do CIMI, não havendo lugar à consideração dos coeficientes de localização, qualidade e conforto.

II – O artigo 45.º do CIMI é a norma específica que regula a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.

III – Os coeficientes de localização, qualidade e conforto, fatores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviço e bem assim o coeficiente de afetação não podem ser aplicados analogicamente por serem suscetíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI).

Na fundamentação do aludido acórdão, refere-se, em síntese, o seguinte:

“O terreno em causa nos autos integra uma das espécies de prédios urbanos na categoria de terreno para construção. E, tratando-se de uma das espécies de prédio urbano o valor patrimonial deverá ser determinado por avaliação direta (nº 2 do artigo 15 do CIMI) devendo ser avaliado de acordo com o disposto no artigo 45º do mesmo compêndio normativo pois que a fórmula prevista no nº 1 do artigo 38 do CIMI (Vt= Vc x A x CA x CL x Cq x Cv) apenas tem aplicação aos prédios urbanos aí discriminados ou seja àqueles que já edificados estão para habitação, comércio, indústria e serviços (assim se decidiu no ac. deste STA de 20/04/2016 tirado no recurso 0824/15 disponível no site da DGSI - Jurisprudência do STA) onde se expendeu:


(…) Todavia o legislador não incluiu aí os terrenos para construção que também classifica de prédios urbanos no artigo 6º do CIMI.


Para a determinação do valor patrimonial tributário dos mesmos há a norma do artigo 45 já referida onde apenas é relevada a área de implantação do edifício a construir e o terreno adjacente e as características do nº 3 do artigo 42.


Os restantes coeficientes não estão aí incluídos porquanto apenas podem respeitar aos edifícios, como tal.


O coeficiente de afetação só pode relevar face à comprovada utilização do prédio edificado e bem assim o de conforto e qualidade.


Tais coeficientes multiplicadores do valor patrimonial tributário apenas respeitam ao edificado, mas não têm base real de sustentação na potencialidade que o terreno para construção oferece.


A aplicação destes fatores valorizadores na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos de construção só poderia ser levada a cabo por analogia com o disposto no artigo 38 do CIMI.


Mas porque a aplicação desses fatores tem influência na base tributável tal analogia está proibida por força do disposto no nº 4 do artigo 11 da LGT por se refletir na norma de incidência na medida em que é suscetível de alterar o valor patrimonial tributário.


A aplicação desses coeficientes na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção seria violadora do princípio da legalidade e da reserva de lei consagrado no artigo 103 nº 2 da CRP.


A própria remissão para os artigos 42 e 40 do CIMI constante do artigo 45 e mesmo a redação dada ao artigo 46 relativo ao valor patrimonial tributário dos prédios da espécie “outros” em que expressamente se refere que “o valor patrimonial tributário é determinado nos termos do artigo 38º com as necessárias adaptações “é demonstrativo de que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não entram outros fatores que não sejam o valor da área da implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação.


É que mesmo a remissão feita para os artigos 42 e 40 do CIMI não consagra a aplicação dos coeficientes aí referidos, mas apenas acolhe, respetivamente as características que hão-de determinar o valor do coeficiente a utilizar e o modo de cálculo.


O que se compreende face à definição de terrenos para construção do nº 3 do artigo 6 do C.I.M.I. (…)”


Concordando, e não olvidando a doutrina expressa por José Maria Fernandes Pires in Lições de Impostos Sobre o Património e do Selo 2012, 2ª edição pp104 de que “o valor de um terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio ou prédios com determinadas características e com determinado valor,” e que para a avaliação de terrenos para construção a lei manda separar duas partes do terreno (uma primeira parte a do terreno onde vai ser implantado o edifício a construir) e uma segunda parte a restante constituída pelo terreno que fica livre no lote de terreno para construção expressando que para alcançar o valor da primeira parte é necessário proceder à avaliação do edifício a construir como se ele já estivesse construído.


Com o devido respeito, tal como se fez no já referido acórdão do Pleno do STA de 21/09/2016 tirado no rec. nº 01083/13 não se acolhe integralmente esta doutrina pelas dúvidas e imprecisões que pode acarretar e que em matéria fiscal devem ser evitadas. Desde logo a lei, no artº 6º nº 3 do CIMI classifica de terrenos para construção realidades que não têm aprovado qualquer projeto de construção pelo que a sua inexistência determina por si só a inviabilidade de efetuar o cálculo da chamada área de implantação do edifício porque inexistente mesmo em projeto e por outro lado, nos casos em que existe esse projeto ou plano de pormenor (parece ser este último o caso dos autos uma vez que no processo administrativo apenso a fls. 13 se faz referência a um plano de pormenor destacado na alínea “L” do probatório) cumpre salientar que a qualidade e o conforto têm de ser efetivos o que se compreende porque o direito tributário se preocupa com realidades e verdades materiais não podendo a expectativa ou potencial construção de um edifício com anunciados/programados índices de qualidade e conforto integrar um conceito que objetivamente, só é palpável e medível se efetivada a construção e se, realizada sem desvios ao constante da comummente conhecida “memória descritiva” que acompanha cada projeto de construção. Também é certo que a valorização imediata do prédio por efeito da atribuição do alvará de terreno para construção não deixará de ser levada em conta para efeitos de tributação, em caso de alienação, com a tributação noutra sede tributária.
Como se expressou no acórdão deste STA de 24/04/2016 a que supra fizemos referência
(…) Efetivamente o coeficiente de afetação tem a ver com o tipo de utilização do prédio já edificado e o mesmo se diga do coeficiente de qualidade e conforto.


Nos terrenos em construção as edificações aprovadas são meramente potenciais e é o valor dessa capacidade construtiva, geradora de acréscimo de valor patrimonial ou riqueza para o seu proprietário que se procura taxar. E não fatores ainda não materializados (…).


Tendo em conta a realidade o legislador consagrou para a determinação do valor patrimonial tributário desta espécie de prédios (terrenos para construção) a regra específica a considerar é a constante do supra referido artigo 45 do CIMI e não outra, onde reitera-se se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no nº 3 do artigo 42, tendo em conta o projeto de construção aprovado, quando exista, e o disposto no nº 2 do artigo 45 do C.I.M.I, mas não outras características ou coeficientes.


Isto só pode significar que na determinação do seu valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38º do CIMI onde expressamente se prevê, entre outros o coeficiente, aqui discutido, de qualidade e conforto relacionado com o prédio a construir. O que, faz todo o sentido e dá coerência ao sistema de tributação do IMI uma vez que os coeficientes previstos nesta fórmula só podem ter a ver com o que já está edificado, o que não é o caso dos terrenos para construção alvo de tributação específica, sim, mas na qual não podem ser considerados para efeitos de avaliação patrimonial fatores ainda não materializados. E, sendo verdade que para calcular o valor da área de implantação do edifício a construir a lei prevê que se pondere o valor das edificações autorizadas ou previstas (artº 45º nº 2 do CIMI) para tal desiderato, salvo melhor opinião não necessitamos/devemos entrar em linha de conta, necessariamente, desde logo, com o coeficiente de qualidade e conforto pois que não estando materializado não é medível/quantificável, sendo consabido da experiência comum que um projeto de edificação contemplando possibilidades modernas de inserção acessória de equipamentos vulgarmente associados ao conceito de conforto tais como ar condicionado, videovigilância robótica doméstica, luzes inteligentes etc., se edificado/realizado com defeitos pode não se traduzir em qualquer comodidade ou bem estar, antes pelo contrário ser fonte de problemas/insatisfações e dispêndios financeiros.”

 

Tal entendimento tem sido reafirmado pelo Supremo Tribunal Administrativo em variados acórdãos, bem como pelo CAAD, em diversas decisões, entendimento esse, que sufragamos, e nessa linha, tem de se concluir em consonância com a Requerente, no sentido de que a Requerida não devia ter aplicado aos terrenos para construção acima identificados os coeficientes de afetação, localização, qualidade e conforto que geraram as liquidações de AIMI de imposto em excesso, referentes aos anos de 2018, 2019 e 2020, julgando-se a ação procedente nesta parte.

Já no que diz respeito à liquidação de AIMI de 2021, que tomou em linha de conta o valor patrimonial tributário fixado com recurso aos aludidos coeficientes, no que concerne ao terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... e ... sob o artigo U-..., sempre se dirá que a mesma não enferma de qualquer ilegalidade, por lhe ser aplicável a nova redação do artigo 45.º do CIMI, que veio a consagrar expressamente os coeficientes de afetação e de localização.

IV.3.4 DA INJUSTIÇA GRAVE OU NOTÓRIA

 

Por fim, há que aferir da verificação do último pressuposto – injustiça grave ou notória –.

 

Estipula o n.º 5, do artigo 78.º, da LGT, que:

 

“Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.”

 

Em linha com a jurisprudência dominante, afigura-se ser manifesta a natureza grave da injustiça provocada com as avaliações em apreço, dado que, além do imposto liquidado a mais, a Requerida reconheceu que havia avaliado erradamente os terrenos para construção, corrigiu esse erro, mas não assumiu tal atuação em relação à situação tributária objeto do presente processo arbitral nem corrigiu as liquidações referentes aos três anos anteriores àquele em que o pedido de revisão foi apresentado como lhe impunha o poder dever a que se refere o n.º 4, do artigo 78.º, da LGT. 

 

Face a todo exposto, e verificados todos os requisitos de que depende a revisão oficiosa da matéria tributável, nos termos dos n.º s 4 e 5, do artigo 78.º, da LGT, deveria a Autoridade Tributária e Aduaneira ter efetuado a mesma e anulado parcialmente as liquidações relativas aos anos de 2018, de 2019 e de 2020, mas já não a referente ao ano de 2021, por se encontrar em conformidade com o previsto expressamente na lei (artigo 45.º do CIMI, redação que lhe foi dada pela Lei n.º 75/2020, de 31 de Dezembro).

 

Pelo que, se justifica a anulação parcial das ditas liquidações (relativas aos anos de 2018, de 2019 e de 2020), nas partes em que excederam o que seria devido se tivessem tido como pressupostos avaliações realizadas nos termos legais.

 

V. DO REEMBOLSO DA QUANTIA PAGA EM EXCESSO E DO PEDIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

A Requerente peticiona o valor pago em excesso, a título de AIMI, na importância total de €12.880,80, correspondente ao:

 

  1. Montante pago em excesso no montante €3.730,05, referente ao ato tributário de liquidação de AIMI relativo ao ano de 2018;
  2. Montante pago em excesso no montante €3.775,32, referente ao ato tributário de liquidação de AIMI relativo ao ano de 2019;
  3. Montante pago em excesso no montante €3.860,03, referente ao ato tributário de liquidação de AIMI relativo ao ano de 2020;
  4. Montante pago em excesso no montante €1.515,40, referente ao ato tributário de liquidação de AIMI relativo ao ano de 2021;

 

O pedido de pronúncia arbitral apenas irá proceder, conforme já se referiu, quanto ao AIMI dos anos 2018, 2019 e 2020, pelo que, como consequência da anulação parcial das liquidações relativas a esses anos, a Requerente tem direito a ser reembolsada na quantia de €11.365,40.

 

No que respeita a juros indemnizatórios (peticionados pela Requerente), o n.º 1, do artigo 43.º, da LGT, estabelece que:

 

São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

O pedido de revisão oficiosa do ato tributário é equiparável a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, a que se refere o n.º 1, do artigo 78.º, da LGT, contudo, e conforme jurisprudência pacífica, quando não é apresentada dentro daquele prazo, apenas, há direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto na alínea c), do n.º 3, do artigo 43.º, da LGT:

 

(...)

3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
(...)
c) Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

 

Ora, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 30.11.2021, pelo que apenas a partir de 01.12.2022 haverá direito a juros indemnizatórios, pois o pedido não foi apreciado pela Requerida.

 

***

Mais, ao abrigo da proibição da prática de atos no processo inúteis e desnecessários, prevista no artigo 130.º, do CPC, subsidiariamente aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões submetidas à apreciação deste Tribunal.

 

VI. DECISÃO

Nestes termos e com a fundamentação acima descrita, decide-se:

  1. Anular parcialmente as liquidações de AIMI, relativas ao ano de 2018, de 2019 e de 2020, quanto ao valor total de €11.365,40;
  2. Julgar parcialmente procedente o pedido de reembolso da quantia paga em excesso, no montante de €11.365,40;
  3.  Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a efetuar o pagamento, na importância de €11.365,40, à Requerente;
  4. Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios.

 

  1. VALOR DA CAUSA

Fixa-se ao processo o valor de €12.880,80, nos termos do artigo 97.º-A do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

  1. CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €918,00, nos termos da tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente na percentagem de 11,76% e a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira na percentagem de 88,24%.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 22 de dezembro de 2022

 

(Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT)

 

A Árbitra,

Susana Mercês de Carvalho