Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 267/2022-T
Data da decisão: 2022-12-05  IMI  
Valor do pedido: € 41.551,02
Tema: IMI - Adicional ao IMI (AIMI) de 2017 a 2020. Valor Patrimonial Tributário (VPT) dos terrenos para construção. Artigo 45º do CIMI na redacção anterior à Lei nº 75-B/2020 de 1 de Janeiro.
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Sumário

I – As liquidações de AIMI efectuadas com base em valores patrimoniais que constem nas matrizes em 01 de Janeiro do ano a que se reportam, não enfermam de erro da Autoridade Tributária, pelo que um pedido de revisão oficiosa que coloque em causa esses valores, não pode ser deferido ao abrigo do nº 1 do artigo 78º da LGT;

II – A revisão da matéria colectável de AIMI, com fundamento em injustiça grave ou notória prevista nos nºs 4 e 5º do artigo 78º da LGT, não no artigo 115º do CIMI que se reporta a actos de liquidação e não a valores patrimoniais, pode ser promovida oficiosamente pela AT ou pelo contribuinte, no prazo de 3 anos.

III – Da revisão da matéria colectável, prevista nos nº 4 e 5 do artigo 78º da LGT, decorre a anulação dos actos consequentes que a tenham como pressuposto, como o são os actos de liquidação de IMI e AIMI.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

I – Relatório

 

  1. FUNDO DE GESTAO DE PATRIMÓNIO IMOBILIÁRIO – A...,

doravante designado por “Requerente”, NIPC ..., representado pela sociedade gestora B...– SOCIEDADE GESTORA DE ORGANISMOS DE INVESTIMENTO COLETIVO, S.A. (“Sociedade Gestora”), NIPC..., com morada na Rua ... n.º ..., ... andar, ...‐... Lisboa, veio ao abrigo do disposto nos artigos 2º nº 1 a) e 10º nº 1 a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), apresentar pedido de constituição de Tribunal Arbitral(PPA), na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito do Pedido de Revisão Oficiosa apresentado pelo Requerente junto da Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação (parcial) dos actos tributários de liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (“AIMI”), nºs 2017..., 2018..., 2019... e 2020..., com referência aos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020, no montante de € 41.551,02.

 

  1. Termina pedindo que o PPA seja julgado procedente e em consequência:
  1. Seja declarada a legalidade do Pedido de Revisão Oficiosa ... e declarada a ilegalidade do seu indeferimento (tacitamente presumido)”;
  2. Se anulem os actos tributários que constituem o seu objeto, relativos às liquidações de AIMI supra identificadas, porque contrários à lei, por padecerem de erro nos pressupostos de facto e de direito;
  3. Seja a AT condenada a reembolsar ao Requerente do valor de AIMI pago em excesso, no montante de € 41.551,02, relativamente às liquidações sub judice e, bem assim, condenada ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, até ao reembolso integral do montante referido”.
  4.  A título subsidiário, e sem prescindir, requer seja desaplicada, no caso concreto, a norma pretensamente extraída do artigo 45.º do Código do IMI, na redacção vigente à data da verificação dos factos tributários, no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do mesmo compêndio legal deveriam ter aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção, por manifesta inconstitucionalidade, por violação do princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º, ambos da CRP e, consequentemente, seja declarada a ilegalidade do acto tributário de liquidação de AIMI sub judice, porque assentes em normas inconstitucionais, sendo os mesmos prontamente anulados, com todas as consequências legais”.

 

  1. É demandada a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, adiante designada por Requerida ou AT.

 

  1. O Requerente fundamenta o pedido de pronúncia arbitral (PPA) nos seguintes termos:
  1. No âmbito da sua actividade, ... é proprietário de diversos prédios, incluindo terrenos para construção e neste contexto, o foi notificado dos seguintes actos tributários de liquidação de AIMI: i. Liquidação com o nº 2017..., referente ao ano 2017, no montante total de € 150.114,69; ii) Liquidação com o nº 2018..., referente ao ano 2018, no montante total de € 131.297,41; iii) Liquidação com o nº 2019..., referente ao ano 2019, no montante total de €37.783,27; iv) Liquidação com o nº 2020..., referente ao ano de 2020, no montante total de €6.677,95” ... tendo procedido “ao pagamento, integral e atempado, das respectivas liquidações de AIMI supra identificadas, conforme informação disponível no Portal das Finanças”.
  2.  No entanto “em parte, as liquidações de AIMI ... tiveram por base, para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante de AIMI a pagar pelo Requerente, os valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção de que o Requerente era titular à data dos factos tributários ...  ocorrendo o facto tributário de AIMI, a 1 de Janeiro de cada ano, valores estes que estavam fixados segundo a fórmula erroneamente adoptada à data pela AT, a qual considerava a aplicação de coeficientes de (i) localização, (ii) de afectação e / ou (iii) de qualidade e conforto”.
  3. E acrescenta que “... recentemente, face ao expressamente consagrado no artigo 45.º do Código do IMI (na redacção vigente nos anos objecto das liquidações de AIMI in casu), é jurisprudência constante do STA que a AT tem procedido a uma errónea aplicação dos coeficientes acima mencionados na determinação dos valores patrimoniais de terrenos para construção”, pelo que “na sequência desta jurisprudência reiterada do STA, e no decorrer do ano 2020, a AT corrigiu a fórmula de cálculo e a fixação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, deixando de aplicar tais coeficientes”.
  4.  “Deste modo, nos anos sub judice (2017, 2018, 2019 e 2020), relativamente aos terrenos para construção em apreço, a AT liquidou um montante de AIMI superior ao montante legalmente devido face aos valores patrimoniais tributários que deveriam ter sido considerados para efeitos de cálculo da colecta de imposto referente a cada um destes anos. Porém, relativamente aos terrenos para construção detidos pelo Requerente e que foram igualmente objecto da reavaliação acima mencionada (e com a consequente redução dos valores patrimoniais tributários), a AT não rectificou as respectivas colectas de AIMI, mantendo‐se assim na ordem jurídica a existência de um montante de AIMI superior ao montante legal e efectivamente devido” ... não tendo a AT procedido “à revisão das liquidações de AIMI anteriores, apesar de ter conhecimento de ter procedido erroneamente à fixação dos valores patrimoniais tributários dos referidos imóveis”.
  5. Acrescenta que “... relativamente ao conjunto de terrenos para construção objecto dos actos tributários de liquidação de AIMI ..., se expurgarmos os coeficientes de localização, de afectação e/ou de qualidade e conforto aplicáveis aos valores patrimoniais tributários destes terrenos que serviram de base para cálculo da colecta de AIMI destas liquidações (coeficientes estes que ... não deveriam ter sido aplicados para efeitos de determinação destes valores), resultam diferentes valores patrimoniais tributários de montantes inferiores àqueles que foram efectivamente utilizados para efeitos deste cálculo do imposto”. Pelo que “... resulta evidente que estamos perante um erro na interpretação dos pressupostos de facto e direito do qual resultou em ilegais liquidações (parciais) de AIMI, especificamente um erro na determinação da matéria tributável deste imposto que originou uma colecta ilegal de tributo”.
  6. Face ao exposto o Requerente “não se podendo conformar com a posição da AT quanto aos actos tributários de liquidação de AIMI ..., apresentou, no dia 25 de Novembro de 2021 ..., ao abrigo do disposto no artigo 78.º da LGT, correspondente Pedido de Revisão Oficiosa destes actos tributários”.
  7. Passados 4 meses contados desde 25.11.2021 a AT não proferiu qualquer decisão pelo que considera que o “... Pedido de Revisão Oficiosa veio presumir‐se tacitamente indeferido, por inércia da AT em emitir uma decisão dentro do prazo de 4 meses previsto no n.º 1 do artigo 57.º da LGT”.
  8. Em 18.04.2021 apresentou o presente PPA, alegando, em resumo as seguintes desconformidades com a lei das liquidações impugnadas:
  1. Errónea determinação do valor patrimonial tributário dos “terrenos para construção” resultante da aplicação ilegal dos coeficientes de localização, de afectação e de qualidade e conforto;
  2. Pelo que quanto aos “terrenos para construção resulta a anulabilidade (parcial) dos actos tributários de liquidação de AIMI”;
  3. Por outro lado, sempre será inconstitucional a norma pretensamente extraída do artigo 45.º do Código do IMI, quando interpretada no sentido de os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do mesmo compêndio terem aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção, uma vez que a aplicação do artigo 38.º do Código do IMI – em concreto, a aplicação dos coeficientes de avaliação ali previstos – na determinação do VPT de terrenos para construção sempre será manifestamente contrária ao princípio da legalidade tributária, conforme consagrado na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).
  1. Refere: “a AT tipicamente calculava o valor patrimonial tributário dos “terrenos para construção” com base na fórmula prevista no n.º 1 do artigo 38.º do Código do IMI para prédios urbanos, edificados, classificados como habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, considerando os coeficientes de localização, de afectação ou de qualidade e conforto (só não era aplicado o coeficiente de vetustez referente à idade do prédio” o que ocorreu com os prédios do Requerente cuja liquidação de AIMI aqui impugna.
  2. No entanto, “... a Lei de Orçamento do Estado para 2021 (Lei n.º 75‐B/2020, de 31 de Dezembro) veio alterar este artigo 45.º do Código do IMI, modificando a fórmula de cálculo dos valores patrimoniais tributários dos “terrenos para construção”, mas “... tal modificação legislativa à redacção do artigo 45.º do Código do IMI só produziu efeitos (e, consequentemente, a nova fórmula só é aplicável) a partir de 1 de Janeiro de 2021 – i.e. para efeitos de liquidações de AIMI referentes a anos anteriores a 1 de Janeiro de 2021 dever‐se‐á aplicar a redacção deste artigo 45.º e respectiva fórmula que vigoravam antes desta alteração efectuada pelo legislador”.
  3. Assim, “nos termos do n.º 1 do referido artigo 45.º, na redacção vigente à data dos factos tributários em apreço, “[o] valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor dos terrenos adjacentes à implantação”.
  4. À luz do n.º 2 do referido preceito legal na redacção vigente à data destes factos tributários, “[o] valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas”. Refere‐se, ainda, no n.º 3 do artigo 45.º, igualmente na redacção vigente à data dos factos tributários relevantes in casu, que «[n]a fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º».
  5. E conclui: “deste modo, é inegável que os coeficientes de afectação (estabelecido no artigo 41.º), de localização (definido no artigo 42.º), de qualidade e conforto (regulado no artigo 43.º) e de vetustez (consagrado no artigo 44.º) não eram aplicáveis aos “terrenos para construção”, não fazendo parte da fórmula de cálculo consagrada no n.º 1 do artigo 45.º do Código do IMI na redacção vigente à data dos factos tributários relevantes para efeitos dos actos tributários de liquidação de AIMI sub judice”.
  6. Em face da jurisprudência do STA “a própria AT reconheceu, recentemente, o erro por si cometido ao longo dos últimos anos quanto à determinação (e avaliação) destes valores patrimoniais tributários, tendo alterado o método (ilegal) por si utilizado para estes efeitos, passando a desconsiderar, conforme os termos fixados na lei, os coeficientes de localização, de afectação e de qualidade e conforto”, pelo que resulta “inequivocamente, que fica demonstrado que o erro de consideração dos coeficientes acima mencionados para efeitos de cálculo dos valores patrimoniais tributários dos “terrenos para construção” resulta única e exclusivamente de uma errónea aplicação das normas legais por parte da AT”.

 

  1. A Requerida, Autoridade Tributária, apresentou resposta em 19.09.2022 referindo o seguinte:
  1. A Requerente pretende a anulação dos atos de liquidação de AIMI com fundamento em vícios, não dos atos de liquidação, mas sim dos atos que fixaram o Valor patrimonial Tributário (VPT)” acrescentando que “aos atos impugnados não é imputado qualquer vício específico da operação de liquidação ou do seu procedimento ou da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa”.
  2. Pelo que “o que está em causa, ou seja, o que a Requerente contesta é, apenas e só, o ato destacável de fixação do VPT e não o ato de liquidação”, mas “acontece que os vícios do ato que definiu o valor patrimonial tributário (VPT) não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo”.
  3. Acrescenta: “a origem do diferendo que opõe a Requerente à Autoridade Tributária diz respeito à fórmula  de cálculo do valor patrimonial dos terrenos para construção”,  mas “importa desde já sublinhar que a Autoridade Tributária tem vindo a acolher o entendimento preconizado pelos tribunais superiores no sentido que na determinação do VPT dos terrenos para construção, releva a regra específica constante do artigo 45.º do CIMI e não outra, não sendo considerados os coeficientes previstos na expressão matemática do artigo 38.º do CIMI, tais como os coeficientes de localização, de afetação, de qualidade e conforto”.
  4. Considera a Requerida que a pretensão do Requerente não pode proceder porquanto: 
  1. Não está legalmente prevista a revisão oficiosa dos atos de avaliação de valores patrimoniais;
  2.  Mas, se assim não fosse, os pedidos de revisão oficiosa não são tempestivos;
  3. O ato que fixou o VPT em vigor no período de tributação dos presentes autos está consolidado na ordem jurídica;
  4. Eventuais vícios próprios e exclusivos do VPT não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo;
  5. A Administração Tributária não pode anular todos e quaisquer atos de fixação do VPT, praticados ao longo do tempo, mas apenas os que tenham ocorrido há menos de cinco anos”.
  1. Quanto à inadmissibilidade da revisão oficiosa refere que “os atos de avaliação patrimonial não são atos tributários (n.º 1 do artigo 78.ºda LGT), nem são atos de apuramento da matéria tributável (n.º 3 do artigo 78.º da LGT)”, sendo “claro e notório que o artigo 78.º da LGT, não dá acolhimento à revisão oficiosa deste tipo de atos, tendo em conta nomeadamente os meios impugnatórios pré-existentes ao dispor do contribuinte para defesa da sua posição”.
  2. E que “mesmo que assim não se entendesse, o fundamento da injustiça grave ou notória do nº 4 do art.º. 78° da LGT, não é invocável quando a liquidação do IMI tenha sido efetuada de acordo com o nº 1 do artigo 113º do CIMI, tal como se refere na Decisão arbitral n.º 667/2021-T.…”  
  3. Sobre a intempestividade do pedido de revisão oficiosa refere que “mesmo que se admitisse a possibilidade de apresentação de revisão oficiosa, o prazo para ser autorizada a revisão da matéria tributável pelo dirigente máximo do serviço não é o previsto no n.º 1, mas sim o prazo reduzido aos «três anos posteriores ao do ato tributário», previsto no n.º 4 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária”, conforme “as decisões arbitrais número 487/2020-T, 540/2021-T   e 40/2021-T  onde se apreciou a mesma questão, onde se refere o seguinte: (...) das várias situações de revisão oficiosa previstas no artigo 78.º da LGT, as referidas nos ̧ n.ºs 1 e 6 reportam-se a actos de liquidação (como se infere do termo inicial do prazo de quatro anos previsto no n.º 1).  Apenas as situações previstas nos seus n.ºs 4 e 5 se referem a actos de fixação da matéria tributável, categoria a que se reconduzem os actos de fixação de valores patrimoniais.” 
  4. Quanto à consolidação do acto tributário que determinou o VPT refere que “o procedimento avaliativo constitui um ato autónomo e destacável para efeito de impugnação arbitral, que, se não for impugnado nos termos e prazo fixado, se consolida na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, semelhante ao caso julgado, que a posterior liquidação tem de acolher. E cuja impugnação não abrange os erros ou vícios que eventualmente tenham ocorrido nessa avaliação. Não tendo o Requerente colocado em causa o valor patrimonial obtido pela 1.ª avaliação, requerendo uma 2.ª avaliação, o mesmo fixou-se, não sendo possível conhecer na posterior liquidação, de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação.  Ou seja, a errónea qualificação e quantificação do valor patrimonial apenas pode ser conhecida em sede de impugnação da 2.ª avaliação que não na posterior liquidação consequente”.
  5. Cita a seguinte jurisprudência que sustenta o seu ponto de vista: acórdão STA processo 633/14 de 15.02.2017; decisão singular CAAD 40/2021; e decisões colectivas CAAD 510/2021, 614/2021 e 538/2021.
  6. Sobre a impugnabilidade dos atos de liquidação com fundamento em vícios próprios do ato de fixação do VPT, refere que “o Tribunal Arbitral está limitado pelo princípio do pedido, vide n.º 1 do art.º 609º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art.º 29.º do RJAT. O pedido é o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor, a quem incumbe dizer com precisão o que pretende do tribunal, que efeito jurídico quer obter com a ação. Assim, importa lugar delimitar com exatidão o âmbito do pedido de pronúncia arbitral e da causa de pedir tal como o Requerente o configura. Constitui jurisprudência assente, quer dos Tribunais judiciais quer dos Tribunais arbitrais, bem como da mais abalizada doutrina, o entendimento que o ato de avaliação do valor patrimonial tributável é um ato destacável, autonomamente impugnável”.
  7. E conclui: “ora, os atos de fixação do VPT não são atos de liquidação, são atos autónomos e individualizados com eficácia jurídica própria e diretamente sindicáveis”. “Aliás, o princípio da impugnação unitária é expressamente afastado neste caso pelo artigo 86.º da Lei Geral Tributária. (LGT)”, pelo que
  8. “Uma vez que os vícios da fixação do VPT, não são sindicáveis na análise da legalidade do ato de liquidação, porquanto os mesmos, sendo destacáveis e antecedentes destes, já se consolidaram na ordem jurídica não é, nem legal, nem admissível, a apreciação da correção do VPT em sede de impugnação do ato de liquidação”.
  9. Relativamente ao regime de anulação administrativa a AT cita o recente acórdão de 14.10.2021 do TCAS – processo 23/16.8BELRS, de onde se extrai que “a Administração Tributária não pode anular todos e quaisquer atos de fixação do VPT, praticados ao longo do tempo, mas apenas os que tenham ocorrido há menos de cinco anos desde a respectiva emissão” por força da aplicação do nº 1 do artigo 168º do CPA.
  10. Relativamente à alegada violação do princípio constitucional da legalidade tributária refere que “o que importa referir nesta sede não é a violação do princípio da legalidade tributária, mas sim a constitucionalidade do regime da consolidação dos atos administrativos tributários por falta da sua impugnação atempada. Sendo inatacável o ato que fixe o VPT a lei veda a possibilidade de se tornear a falta de impugnação contenciosa tempestiva reabrindo a usa impugnabilidade no sentido de vir a obter por esta via os efeitos típicos da impugnação que não foi efetuada no devido tempo”.
  11. E conclui que: “... por um lado, que não se verifica qualquer violação de princípios constitucionais, mas também que a prevalecer a argumentação do Requerente, essa sim, acarretaria uma violação do princípio da igualdade tributária privilegiando os contribuintes que em tempo não contestaram o VPT face àqueles que o fizeram tempestivamente. Na verdade, a não ser assim, haveria contribuintes que estariam sujeitos à caducidade processual, ao passo daqueles outros que, pelo contrário ficavam isentos das consequências processuais de preclusão do direito impugnatório.  Situação em que resulta uma clara violação do princípio constitucional da igualdade”.
  12. E acrescenta: “... cumpre referir que a atual interpretação da forma de cálculo do VPT dos terrenos para construção já está alinhada com o mais recente entendimento do Supremo Tribunal Administrativo pelo que se afigura prejudicada a controvérsia sobre a aplicação do artigo 38º ou do 45º do Código do IMI na avaliação dos terrenos para construção”.  
  13. Quanto à proibição de pronúncia arbitral conforme a equidade refere que “... uma vez que esses VPT não são suscetíveis de serem anulados administrativamente, ... as liquidações suportadas nesses VPT não padecem de qualquer erro. Ora, acontece que o Tribunal Arbitral está obrigado a julgar de acordo com o direito constituído, estando impedido de julgar o processo de acordo com critérios da equidade”, pelo que “pretensão arbitral do Requerente não está sustentada nem na lei nem no direito constituído, devendo ser julgada improcedente”.
  14. Finalmente refere a ATpor estar a Administração Tributária vinculada ao princípio da legalidade previsto no artigo 266º da Constituição da República Portuguesa e concretizado nos artigos 55.º da Lei Geral Tributária e no artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo não pode deixar de dar integral cumprimento aos normativos que o legislador ordinário criou em vigor no ordenamento jurídico, conforme se verificou no caso em apreço”.

 

  1. Conclui pela manutenção dos actos tributários impugnados e pela total improcedência do PPA, incluindo quanto ao pedido de juros indemnizatórios.

 

  1. Por despacho do Tribunal Arbitral Singular (TAS) de 30.06.2022 foi a Requerida notificada para contestar, tendo respondido em 19.09.2022 e não juntou o PA., mas pediu a dispensa da sua junção.

 

Notificado o Requerente para exercer o contraditório quanto à não junção do PA veio em 20.09.2022 referir que não se opunha ao peticionado pela AT. Em face do exposto vai deferido o pedido de não junção do PA, até porque, os documentos que o podiam integrar (o pedido de revisão oficiosa de liquidações de AIMI) foram juntos em anexo ao PPA.

 

  1. Por despacho do TAS de 20.09.2022 foi dispensada a realização da reunião de partes a que se refere o artigo 18º do RJAT. Foi ainda fixado, um prazo de 20 dias, para alegações simultâneas, não tendo as partes alegado.

 

  1. O pedido de constituição do tribunal arbitral (PPA) foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228. ° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular (TAS) o signatário desta decisão, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes foram oportuna e devidamente notificadas da designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6. ° e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 29 de Junho de 2022.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades e foi invocada a excepção de caducidade do direito à liquidação.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

 

 

II - Fundamentação

Matéria de facto

 

  1. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes:
  1. O Requerente foi em data não apurada notificado dos actos tributários de liquidação de AIMI com
  1. o nº 2017..., referente ao ano 2017, no montante total de € 150.114,69 (período de 01.01.2017 a 31.12.2017 – registo CTT de 2017-08-03);
  2. com o nº 2018..., referente ao ano 2018, no montante total de € 131.297,41 (período de 01.01.2018 a 31.12.2018 – registo CTT de 2018-08-14);
  3. com o nº 2019..., referente ao ano 2019, no montante total de €37.783,27 (período de 01.01.2019 a 31.12.2019 – registo CTT de 2019-08-28);
  4. e com o nº 2020..., referente ao ano de 2020, no montante total de €6.677,95 (período de 01.01.2020 a 31.12.2020 – registo CTT de 2020-07-31),

tendo procedido ao seu pagamento - conforme artigos 29º e 30º do PPA, artigos 35º e 36º do documento nº 1 e documento nº 2 juntos com o PPA dada a não impugnação da AT;

  1. Os valores patrimoniais tributários dos prédios do Requerente, aqui em causa, foram fixados em 2004 (1), 2005 (1), 2013 (1), 2014 (12) e 2019 (1) não tendo sido promovida uma 2ª avaliação – conforme Documento nº 3 em anexo ao PPA e artigo 31º da resposta da AT;
  2. Em parte, as liquidações de AIMI tiveram por base, para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante de AIMI a pagar, os valores patrimoniais tributários de terrenos para construção de que o Requerente era titular à data dos factos tributários, (tendo presente que o facto tributário de AIMI ocorre a 1 de Janeiro de cada ano) tendo os valores sido fixados segundo a fórmula que considerou a aplicação de coeficientes de localização,  de afectação e/ou de qualidade e conforto – conforme artigo 31º do PPA, artigo 36º do documento nº 1 e documento nº 4 em anexo ao PPA, dada a não impugnação da AT;
  3. Na data da entrega do pedido de revisão oficiosa alguns terrenos para construção detidos pelo Requerente já não constavam no património predial do mesmo, em resultado de alienações, mas encontravam‐se na sua titularidade nos anos de 2017 a 2020 – conforme artigo 32º do PPA e artigo 37º do documento nº 1 em anexo ao PPA, dada a não impugnação da AT;
  4. Perante jurisprudência do STA sobre a não aplicação dos coeficientes referidos em B), para a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, a AT corrigiu, no decorrer de 2020, a fórmula de cálculo e a fixação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, deixando de aplicar tais coeficientes, não o tendo feito relativamente aos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020 – conforme artigos 33º a 35º do PPA e artigo 60º da Resposta da AT;
  5. Por carta registada em 25.11.2021 o Requerente apresentou à AT um pedido de revisão oficiosa parcial das liquidações referidas em A) “ao abrigo dos artigos 115º e 129º, ambos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis ("IMI"), e do artigo 78º da Lei Geral Tributária ("LGT")”, peticionando a “revisão parcial dos actos tributários de liquidação de AIMI ...  com vista à aplicação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, segundo a fórmula legalmente estabelecida no artigo 45º do Código do IMI na sua redacção vigente à data dos factos tributários das liquidações de AIMI ... sem aplicação dos coeficientes de localização, de afectação e/ou qualidade e conforto, e da correspondente restituição do imposto indevidamente pago, num montante de € 41.551,02”. – conforme parte inicial do Documento nº 1 em anexo ao PPA, artigo 22º do PPA e artigo 10º da Resposta da AT e Documento nº 3 em anexo ao PPA;
  6. A AT não se pronunciou sobre o pedido de revisão oficiosa no prazo de quatro meses referido o nº 1 do artigo 57º da LGT – conforme artigos 22º e 24 do PPA;
  7. As diferenças entre os valores de AIMI que foram liquidados e os que seriam liquidados se não tivessem sido considerados nas avaliações os coeficientes de localização, de afectação e/ou de qualidade e conforto são de € 13 318,53 quanto à liquidação de 2017, € 14 640,96 quanto à liquidação de 2018, € 12 238,07 quanto à liquidação de 2019 e € 1 353,48 quanto à liquidação de 2020, o que perfaz € 41 551,02– conforme tabelas em anexo ao artigo 36º do PPA e não contestação da AT;
  8. O Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral em 18 de Abril de 2022 – conforme registo no SGP do CAAD.

 

Factos não provados

 

Não há factos não provados que possam ser considerados relevantes para a decisão da causa.

Motivação da fixação da matéria de facto

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos factos articulados no PPA e na Resposta da AT que estão em conformidade com a posição assumida por ambas as partes (considerando ainda a não impugnação especificada dos factos articulados no PPA) e bem assim com base nos documentos juntos com o PPA que não mereceram reparo pela AT.

 

Matéria de direito

 

 

  1. Sobre a questão de fundo que se coloca neste dissídio existem várias decisões contraditórias proferidas no âmbito dos tribunais arbitrais constituídos no CAAD e existe, pelo menos, o acórdão do TCA Sul de 31.10.2019, prolactado no âmbito do Processo 2765/12.8BELRS.

 

Quanto aos tribunais arbitrais constituídos no CAAD, existem, pelo menos, as seguintes decisões, nem todas com os mesmos fundamentos, que podem considerar-se que abordam a questão de fundo aqui em debate, a saber:

 

Questão de fundo: podem ser objecto de revisão as liquidações de AIMI (ou IMI) com fundamento em errada fixação do valor patrimonial tributário (VPT) de prédio urbano que se consolidou por falta de oportuna impugnação?

 

Podem ser

Não podem ser

Processo

Árbitros

Voto vencido

Processo

Árbitros

Voto de vencido

487/2020-T

3

Não

510/2021-T

3

Não

760/2020-T

1

 

528/2021-T

1

 

254/2021-T

3

Não

538/2021-T

3

Sim

634/2021-T

1

 

667/2021-T

1

 

497/2021-T

3

Sim

 

 

 

806/2021-T

1

 

 

 

 

 

Pelo menos 12 árbitros (considerando os votos de vencido e o facto do mesmo árbitro ter integrado mais que um dos tribunais) que integraram tribunais no âmbito do CAAD, sufragaram, com diferentes fundamentações e diversos pontos de vista, o entendimento geral de que a revisão oficiosa em causa é, em termos gerais, possível no actual ordenamento jurídico-fiscal.

Por outro lado, pelo menos 8 árbitros (considerando os votos de vencido e o facto do mesmo árbitro ter integrado mais que um dos tribunais) consideram que não é legalmente possível.

 

O signatário desta decisão integrou o colectivo de árbitros que formou o Tribunal Arbitral no âmbito do Processo nº 254/2021-T, presidido pelo Exmo. Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, onde se tratou uma situação em tudo idêntica àquela que se coloca neste processo.

 

Naturalmente, não poderá aqui adoptar-se uma decisão que não esteja em conformidade com o que aí se decidiu.

 

  1. O Requerente estruturou o PPA (e o pedido de revisão oficiosa) tendo por base o que foi decidido no acórdão do TCA Sul de 31.10.2019, prolactado no âmbito do Processo 2765/12.8BELRS, ou seja, em resumo, conforme alínea F) dos factos provados “ao abrigo dos artigos 115º e 129º, ambos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis ("IMI"), e do artigo 78º da Lei Geral Tributária ("LGT")”, peticionando a “revisão parcial dos actos tributários de liquidação de AIMI ...  com vista à aplicação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, segundo a fórmula legalmente estabelecida no artigo 45º do Código do IMI na sua redacção vigente à data dos factos tributários das liquidações de AIMI ... sem aplicação dos coeficientes de localização, de afectação e/ou qualidade e conforto, e da correspondente restituição do imposto indevidamente pago, num montante de € 41.551,02”. 

 

No presente processo a AT defende que os vícios dos actos de avaliação de valores patrimoniais não podem servir de fundamento à anulação de actos de IMI ou AIMI que os tenham como pressuposto.

 

No entanto, este obstáculo à pretensão do Requerente invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira não constitui uma excepção processual (obstáculo ao conhecimento do mérito) mas sim um fundamento de improcedência.

 

  1. Vamos seguir, como se referiu o que foi decidido no Processo CAAD nº 254/2021-T, onde se tratou um caso similar ao deste processo.

Vejamos o que aí se escreveu (intercalando-se alguns aspectos referentes a este caso concreto aqui em discussão):

 

“3.1. Questão da possibilidade de conhecer vícios de actos de avaliação em impugnação de actos de liquidação que neles se basearam.

 

São meios processuais diferentes, com efeitos distintos a impugnabilidade directa de actos de liquidação, com os efeitos retroactivos próprios da declaração de anulabilidade e direito a juros indemnizatórios, e a possibilidade de revisão oficiosa, com os fundamentos previstos no artigo 78º da LGT, com efeitos mais limitados, designadamente a nível de direito a juros indemnizatórios, como resulta do disposto no artigo 43º, nºs 1 e 3 da LGT. (Sobre os diferentes efeitos da impugnação judicial ou reclamação graciosa nos prazos respectivos e os efeitos da revisão oficiosa pedido para além desses prazos, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-07-2006, processo nº 0402/06.)

No caso em apreço, não foi apresentada reclamação graciosa ou impugnação judicial dos actos de liquidação de AIMI nos prazos respectivos (previstos nos artigos 70º, nº 1, e 102º n.º 1, do CPPT), mas foi pedida a revisão oficiosa que, nos termos do artigo 78º da LGT, além de outros casos, pode ser pedida no prazo de quatro anos a contar dos actos de liquidação com fundamento em erro imputável aos serviços nos termos do seu nº 1, ou no prazo de três anos com fundamento em injustiça grave e notória, nos termos dos seus nºs 4 e 5.

Da revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, prevista nos nºs 4 e 5 do artigo 78º LGT, decorre a anulação dos actos de liquidação que se tenham baseado nessa matéria tributável, pois são actos consequentes.

Em qualquer caso, a revisão ou iniciativa da administração tributária (dita oficiosa), tanto da liquidação (nº 1) como da matéria tributável (nºs 4 e 5), é admitida também a pedido do contribuinte, como se conclui do teor expresso do nº7 do artigo 78º ao referir que «interrompe o prazo da revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização».

Esta questão da invocação de vícios de actos de avaliação em procedimento de revisão oficiosa foi apreciada no acórdão proferido em 10-05-2021, no processo arbitral CAAD nº 487/2020T, cuja jurisprudência aqui se reafirma, no essencial.

Por força do preceituado no artigo 15º do CIMI a avaliação dos prédios urbanos é directa e, por isso, ela é «susceptível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa» (artigo 86º, nº 1, da LGT).

Nos termos do nº 2 do mesmo artigo 86.º da LGT, «a impugnação da avaliação directa depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão».

Os termos da impugnação da avaliação directa de valores patrimoniais constam do artigo 134º do CPPT, em que se estabelece que: 

- «os atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de três meses após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade» (nº 1); e

- «a impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação» (nº 7).

 

Como decorre do nº 1 do artigo 134º, ao fixar um prazo especial de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais,  “com fundamento em qualquer ilegalidade”, e do nº 7 do mesmo artigo, ao exigir o esgotamento dos meios graciosos, está afastada a possibilidade de essa impugnação com fundamento em ilegalidade se fazer, por via indirecta, na sequência da notificação de actos de liquidação que a tenham como pressuposto, como são os de IMI, sem observância do prazo de impugnação referido e sem esgotamento dos meios de revisão previstos no procedimento de avaliação.

No âmbito do IMI e do AIMI, quando o sujeito passivo não concordar com o resultado da avaliação directa de prédios urbanos, pode requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado (artigo 76º, nº 1, do CIMI).

Só do resultado das segundas avaliações (que esgotam os meios graciosos do procedimento de avaliação) cabe impugnação judicial nos termos do CPPT (artigo 77º, nº 1 do CIMI).

Isto significa que os actos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são actos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objecto de impugnação autónoma, não podendo na impugnação dos actos de liquidação que com base neles sejam efectuadas discutir-se a legalidade daqueles actos.

Assim, o sujeito passivo de IMI ou de AIMI pode impugnar as liquidações, mas não são relevantes como fundamentos de anulação eventuais ilegalidades dos antecedentes actos de fixação de valores patrimoniais, que se firmaram na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos nºs 1 e 7 do artigo 134º do CPPT.

Na verdade, não sendo impugnado tempestivamente o acto de fixação de valores patrimoniais, forma-se caso decidido ou resolvido sobre a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de IMI, sendo que «o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita» (artigo 113º do CIMI).

Este regime de impugnação autónoma justifica-se por razões de coerência do sistema jurídico tributário inerentes ao facto de cada acto de avaliação poder servir de suporte a uma pluralidade de actos de liquidação de impostos (liquidações anuais de IMI e eventuais liquidações de IMT) e ser relevante para vários efeitos a nível de IRS (artigos 10º nº 6, alínea d), 31º nº 13, alínea d), 41º nº 4, 43º nº 2 alínea d), 46º nº 3, e 51º nº 2 do CIRS), IRC (artigos 56º nº 2, 64º nºs 2 e 3, alínea a) e b), 4 e 5, 139º nº 1, 2, do CIRC) e Imposto do Selo (artigos 13º nºs 1, 6 e 7, 31º nº 2 e 32º do CIS) , o que não se compagina com a possibilidade de plúrima avaliação incidental que se reconduzisse à fixação de diferentes valores patrimoniais tributários para o mesmo prédio, no mesmo momento.

Por outro lado, a caducidade do direito de acção derivada da inércia do lesado por actos administrativos durante um prazo razoável, é generalizadamente justificada por razões de segurança jurídica, necessária para adequado funcionamento da administração pública, que é um valor constitucional ínsito no princípio do Estado de Direito democrático e é reconhecida generalizadamente em matéria administrativa e tributária.

O prazo de impugnação de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais é perfeitamente razoável, sendo o prazo geral previsto a lei para a impugnação da generalidade dos actos administrativos com fundamentos geradores de vícios de anulabilidade (artigo 58º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigo 102º do CPPT).

A natureza de actos destacáveis que é atribuída aos actos de avaliação de valores patrimoniais é, há muito, reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, desde o tempo em que regime idêntico ao do artigo 134º, nºs 1 e 7 do CPPT, previsto nos nºs 1 e 6 do artigo 155º do Código de Processo Tributário de 1991, quer em sede de Sisa, quer de contribuição autárquica, quer de IMI quer de IMT, como pode ver-se pelos seguintes acórdãos:

  • De 30-06-1999, processo nº 023160 (publicado em https://dre.pt/web/guest/pesquisa/3997226/details/normal?q=23160)
  • de 02-04-2003, processo nº 02007/02;
  • de 06-02-201 1, processo nº 037/11;
  • de 19-09-2012, processo n 0659/12 (Refere-se neste aresto: “Na verdade, em sede de IMI, a lei prevê um procedimento de determinação da matéria tributável — a avaliação do prédio (art. 14º do CIMI) — que termina com o acto de fixação do VPT que serve de base à liquidação do imposto. Este acto, como é sabido, é um acto destacável para efeitos de impugnação contenciosa, pelo que é autonomamente impugnável, numa excepção ao princípio da impugnação unitária que, em regra, vigora no processo tributário (conforme art. 134º do CPPT) e que se encontra «em sintonia com o preceituado no art. 86º, nº 1, da LGT, em que se estabelece que os actos da avaliação directa são directamente impugnáveis»

(...) tratando-se de actos destacáveis e inexistindo qualquer restrição relativa às ilegalidades que podem ser objecto de impugnação contenciosa, os vícios de que enferme o referido acto de avaliação apenas poderão ser arguidos em impugnação do acto de avaliação e não do acto de liquidação que seja praticado com base naquele, já que a atribuição da natureza de acto destacável tem por fim, precisamente, autonomizar os vícios deste acto para efeitos de impugnação contenciosa»

  • de 5-2-2015, processo nº 08/13;
  • de 13-7-2016, processo n 0173/16;
  • de 10-05-2017, processo nº 0885/16.

Pelo exposto, as ilegalidades dos actos de avaliação invocados pela Requerente, que não foram objecto de impugnação tempestiva autónoma, não podem considerar-se ilegalidades dos actos de liquidação de AIMI, susceptíveis de serem invocadas em processo impugnatório destes actos.

Por outro lado, o pedido de revisão não foi efectuado no prazo a reclamação administrativa a que se refere a primeira parte do nº 1 do artigo 78.º da LGT, pelo que só poderia ser feita a revisão com fundamento em erro imputável aos serviços, nos termos da segunda parte daquele número.

Ora, os actos de liquidação de AIMI, em si mesmos, não enfermam de qualquer erro imputável aos serviços, pois, por força do disposto no artigo 135º-C, nº 1, do CIMI «o valor tributável corresponde à soma dos valores patrimoniais tributários, reportados a 1 de janeiro do ano a que respeita o adicional ao imposto municipal sobre imóveis, dos prédios que constam nas matrizes prediais na titularidade do sujeito passivo».

Assim, tendo as liquidações sido efectuadas com base nos valores patrimoniais dos prédios que constavam das matrizes a 1 de Janeiro dos anos a que respeita o AIMI, não há erro da Administração Tributária ao efectuar as liquidações e, por isso, o pedido de revisão oficiosa não podia ser deferido ao abrigo do nº 1 do artigo 78º da LGT.

 

3.2. Questão da admissibilidade de revisão oficiosa dos actos com fundamento em injustiça grave ou notória

 

Diferente da questão da impugnabilidade dos actos de liquidação de AIMI com fundamento em ilegalidade, ao abrigo do nº 1 do artigo 78º da LGT, é a da possibilidade da revisão da matéria tributável com fundamento em injustiça grave ou notória, prevista no nº 4 do artigo 78º da LGT ...” que a Requerente de certa forma pediu ao reportar-se v.g. no artigo 101º da revisão oficiosa ao reportar uma parte do acórdão do TCAS de 31.10.2019 Processo 2765/12.8BELRS. Por outro lado, o Requerente formulou o pedido de revisão oficiosa e o PPA ao abrigo “... do artigo 78º da Lei Geral Tributária ("LGT")”, não o restringindo apenas ao nº 1 do artigo 78º da LGT

“Na verdade, a utilidade prática da revisão com fundamento em injustiça grave ou notória verifica-se apenas após o decurso do prazo da reclamação administrativa, precisamente quanto a actos que não podem ser impugnados com fundamento em qualquer ilegalidade ou em erro imputável aos serviços.

A possibilidade de revisão oficiosa de actos de avaliação de valores patrimoniais não está prevista no CIMI. Designadamente, o artigo 115º do CIMI reporta-se a actos de liquidação e não a actos de fixação de valores patrimoniais.

Assim, só à face do regime geral da revisão oficiosa, previsto no artigo 78º da LGT, se pode aventar a possibilidade de revisão, nos termos dos seus nºs 4 e 5, que estabelecem o seguinte:

4-O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

5-Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional”.

Da revisão da matéria tributável prevista no nº 4 do artigo 78.º decorrerá a anulação dos actos consequentes que a tenham como pressuposto, como são os actos de liquidação de IMI” ou AIMI.

Apesar de neste nº 4 do artigo 78º da LGT se referir que «o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente» a «revisão da matéria tributável», trata-se de um poder-dever, estritamente vinculado, cujo cumprimento é sujeito a controle jurisdicional, como tem entendido o Supremo Tribunal Administrativo:

  • «o facto de a lei determinar que "o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, "a revisão, não obsta à possibilidade de convolação da reclamação graciosa em pedido de revisão com fundamento em injustiça grave ou notória pois tal poder de autorização não é mera faculdade mas, antes, um verdadeiro poder-dever»; trata-se de «um poder estritamente vinculado»; (acórdão do STA de 07.10.2009, processo nº 0476/09. No mesmo sentido os acórdãos do STA de 02.11.2011, processo nº 329/11 e de 14.12.2011, processo nº 366/11)
  • «a previsão constante do dito art. 78º nº 4, como excepcional, é de entender como correspondendo a um poder-dever que implica a sua aplicação a todos os casos, verificados que sejam os referidos requisitos». (Neste sentido o acórdão do STA de 17.02.2021, processo nº 39/14.9BEPDL de 0578/18)

Por outro lado, como decorre do nº 7 do artigo 78º das LGT, esta revisão com fundamento em injustiça grave ou notória pode ser efectuada a pedido do contribuinte e, neste caso, pode ser efectuada após o prazo de três anos, pois o pedido do contribuinte interrompe o prazo inicial, contando-se um novo prazo a partir da apresentação do pedido. (como está ínsito no conceito de “interrupção”, explicitado no artigo 326º do Código Civil).

Nestas situações em que o erro está na fixação da matéria tributável e não propriamente nos subsequentes actos de liquidação, a revisão não depende da existência de erro imputável aos serviços ou de ilegalidade desses actos, mas apenas que se esteja perante «injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte».

Por outro lado, como entendeu o Supremo Tribunal Administrativo no citado acórdão de 17-02-2021, a previsão da autorização como excepcional, não afasta o «poder-dever que implica a sua aplicação a todos os casos, verificados que sejam os referidos requisitos».

 

3.2.1. Tempestividade do pedido de revisão oficiosa para efeitos do nº 4 do artigo 78º da LGT

 

O prazo para ser autorizada a revisão da matéria tributável pelo dirigente máximo do serviço não é o previsto no nº 1, mas sim o prazo reduzido aos «três anos posteriores ao do acto tributário», previsto no nº 4 do artigo 78º” da LGT.

Os «três anos posteriores ao do acto tributário» terminam no dia 31 de Dezembro do terceiro ano posterior àquele em que foi praticado o acto tributário”.

 

As liquidações foram emitidas em (1) 2017 (notificada em 03.08.2017), (2) 2018 (notificada em 14.08.2018), (3) 2019 (notificada em 28.08.2019) e (4) 2020 (notificada em 31.07.2020), pelo que os três anos posteriores à primeira terminaram em 31-12-2020, os três anos posteriores à segunda terminaram em 31-12-2021, os três posteriores à terceira terminarão em 31-12-2022 e os três anos posteriores à quarta terminarão em 31.12.2023.

 

A Requerente apresentou o pedido de revisão oficiosa em 25-11-2021, pelo que tem de se concluir que o pedido só foi apresentado tempestivamente, quanto às três últimas liquidações (de 2018, 2019 e 2020).

 

Em face do exposto o PPA quanto à impugnação da liquidação de AIMI de 2017 não poderá proceder, uma vez que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado para lá do prazo legal.

 

Retomando o que foi decidido no Processo CAAD nº 254/2021-T:

 

Assim, é necessário apreciar se se verificam os requisitos restantes requisitos da revisão.

3.2.2. Exigência de que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte

 

A fixação da matéria tributável foi efectuada pela Administração, com base numa fórmula prevista na lei, sem que se tenha demonstrado que a Requerente tenha fornecido qualquer informação errada quanto à natureza dos prédios, pelo que o eventual erro na aplicação na fórmula de avaliação invocado pela Requerente não pode ser considerado imputável a um seu comportamento negligente.

 

3.2.3. O erro imputado pelo Requerente à fixação de valores patrimoniais relativo à aplicação de coeficientes aplicáveis a prédios edificados

 

O erro que o Requerente imputa à fixação de valores patrimoniais é o de ter aplicado à avaliação de terrenos para construção, normas legais relativas às avaliações dos prédios edificados.

Os artigos 39º, 41º, 42º e 45º do CIMI, nas redacções da Lei nº 64-B/2011, de 30 de Dezembro (vigente até à Lei nº 75-B/202o, de 31 de Dezembro), estabelecem o seguinte, no que aqui interessa:

Artigo 39º

Valor base dos prédios edificados

1 - O valor base dos prédios edificados (Vc) corresponde ao valor médio de construção, por metro quadrado, adicionado do valor do metro quadrado do terreno de implantação fixado em 25% daquele valor.

(...)

Artigo 41º

Coeficiente de afectação

O coeficiente de afectação (Ca) depende do tipo de utilização dos prédios edificados, de acordo com o seguinte quadro:

(...)

Artigo 42º

Coeficiente de localização

            (...)

  1. - Na fixação do coeficiente de localização têm-se em consideração, nomeadamente, as seguintes características:
  1. Acessibilidades, considerando-se como tais a qualidade e variedade das vias rodoviárias, ferroviárias, fluviais e marítimas;
  2. Proximidade de equipamentos sociais, designadamente escolas, serviços públicos e comércio:
  3. Serviços de transportes públicos;
  4. Localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário.
  1. -  O zonamento consiste na determinação das zonas homogéneas a que se aplicam os diferentes coeficientes de localização do município e as percentagens a que se refere o nº 2 do artigo 45º

Artigo 45º

Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção

  • O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.
  • - O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.
  • - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no nº 3 do artigo 42º.
  • - O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do nº 4 do artigo 40º.
  • - Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respectiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente. (aditado pela Lei nº 64-B/2011, de 30-12)

 

O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a decidir, uniformemente, na esteira Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 23-10-2019, processo nº 170/16.6BELRS 0684/17, que

  1. Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45º do Código do IMI, não havendo lugar à consideração do coeficiente de qualidade e conforto (cq).
  2. O artigo 45º do CIMI é a norma específica que regula a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.
  3. O coeficiente de qualidade e conforto, factor multiplicador do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38º do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços não pode ser aplicado analogicamente por ser susceptível de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto.

 

Na fundamentação deste acórdão refere-se o seguinte:

O terreno em causa nos autos integra uma das espécies de prédios urbanos na categoria de terreno para construção. E, tratando-se de uma das espécies de prédio urbano o valor patrimonial deverá ser determinado por avaliação directa (nº 2 do artigo 15º do CIMI) devendo ser avaliado de acordo com o disposto no artigo 45º do mesmo compêndio normativo pois que a fórmula prevista no n º 1 do artigo 38º do CIMI (Vt= vc x A x CA x CL x Cq x cv) apenas tem aplicação aos prédios urbanos aí discriminados ou seja àqueles que já edificados estão para habitação, comércio, indústria e serviços (assim se decidiu no ac. deste STA de 20/04/2016 tirado no recurso 0824/15 disponível no site da DGSI - Jurisprudência do STA) onde se expendeu:

(...)

Todavia o legislador não incluiu aí os terrenos para construção que também classifica de prédios urbanos no artigo 6º do CIMI.

Para a determinação do valor patrimonial tributário dos mesmos há a norma do artigo 45º já referida onde apenas é relevada a área de implantação do edifício a construir e o terreno adjacente e as características do nº 3 do artigo 42º

Os restantes coeficientes não estão aí incluídos porquanto apenas podem respeitar aos edifícios, como tal.

O coeficiente de afectação só pode relevar face à comprovada utilização do prédio edificado e bem assim o de conforto e qualidade.

Tais coeficientes multiplicadores do valor patrimonial tributário apenas respeitam ao edificado, mas não têm base real de sustentação na potencialidade que o terreno para construção oferece.

A aplicação destes factores valorizadores na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos de construção só poderia ser levada a cabo por analogia com o disposto no artigo 38º do CIMI.

Mas porque a aplicação desses factores tem influência na base tributável tal analogia está proibida por força do disposto no nº 4 do artigo 11º da LGT por se reflectir na norma de incidência na medida em que é susceptível de alterar o valor patrimonial tributário.

A aplicação desses coeficientes na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção seria violadora do princípio da legalidade e da reserva de lei consagrado no artigo 103º nº 2 da CRP.

A própria remissão para os artigos 42º e 40º do CIMI constante do artigo 45º e mesmo a redacção dada ao artigo 46º relativo ao valor patrimonial tributário dos prédios da espécie "outros " em que expressamente se refere que "o valor patrimonial tributário é determinado nos termos do artigo 38º com as necessárias adaptações "é demonstrativo de que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não entram outros factores que não sejam o valor da área da implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação.

É que mesmo a remissão feita para os artigos 42º e 40º do CIMI não consagra a aplicação dos coeficientes aí referidos, mas apenas acolhe, respectivamente as características que hão-de determinar o valor do coeficiente a utilizar e o modo de cálculo.

O que se compreende face à definição de terrenos para construção do n .º 3 do artigo 6 do C.I.M.I.(...)

Concordando e não olvidando a doutrina expressa por José Maria Fernandes Pires in Lições de Impostos Sobre o Património e do Selo 2012, 2ª edição pp 104 de que "o valor de um terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio ou prédios com determinadas características e com determinado valor" e que para a avaliação de terrenos para construção a lei manda separar duas partes do terreno (uma primeira parte a do terreno onde vai ser implantado o edifício a construir) e uma segunda parte a restante constituída pelo terreno que fica livre no lote de terreno para construção expressando que para alcançar o valor da primeira parte é necessário proceder à avaliação do edifício a construir como se ele já estivesse construído.

Com o devido respeito, não se acolhe integralmente esta doutrina pelas dúvidas e imprecisões que pode acarretar e que em matéria fiscal devem ser evitadas. Desde logo a lei, no artº 60º nº 3 do CIMI classifica de terrenos para construção como realidades que não têm aprovado qualquer projecto de construção pelo que a sua inexistência determina por si só a inviabilidade de ejectuar o cálculo da chamada área de implantação do edifício porque inexistente mesmo em projecto e por outro lado, nos casos em que existe esse projecto (...) cumpre salientar que a qualidade e o conforto têm de ser efectivos o que se compreende porque o direito tributário se preocupa com realidades e verdades materiais não podendo a expectativa ou potencial construção de um edifício com anunciados/programados índices de qualidade e conforto integrar um conceito que objectivamente, só é palpável e medível se efectivada a construção e se, realizada sem desvios ao constante da comummente conhecida "memória descritiva " que acompanha cada projecto de construção. Também é certo que a valorização imediata do prédio por efeito da atribuição do alvará de terreno para construção não deixará de ser levada em conta para efeitos de tributação, em caso de alienação, com a tributação noutra sede tributária.

Como se expressou no acórdão deste STA a que supra fizemos referência (...) efectivamente o coeficiente de afectação tem a ver com o tipo de utilização do prédio já edificado e o mesmo se diga do coeficiente de qualidade e conforto.

Nos terrenos em construção as edificações aprovadas são meramente potenciais e é o valor dessa capacidade construtiva, geradora de acréscimo de valor patrimonial ou riqueza para o seu proprietário que se procura taxar. E não factores ainda não materializados.

Tendo em conta a realidade o legislador consagrou para a determinação do valor patrimonial tributário desta espécie de prédios a regra específica constante do supra referido artigo 45º do CIMI e não outra, onde reitera-se se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no nº 3 do artigo 42º, tendo em conta o projecto de construção aprovado, quando exista, e o disposto no nº 2 do artigo 45º do C.I.M.I, mas não outras características ou coeficientes.

Isto só pode significar que na determinação do seu valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38º do CIMI onde expressamente se prevê, entre outros o coeficiente, aqui discutido, de qualidade e conforto relacionado com o prédio a construir. O que, faz todo o sentido e dá coerência ao sistema de tributação do IMI uma vez que os coeficientes previstos nesta fórmula só podem ter a ver com o que já está edificado, o que não é o caso dos terrenos para construção alvo de tributação específica, sim, mas na qual não podem ser considerados para efeitos de avaliação patrimonial factores ainda não materializados. E, sendo verdade que para calcular o valor da área de implantação do edifício a construir a lei prevê que se pondere o valor das edificações autorizadas ou previstas (artº 45º nº 2 do CIMI) para tal desiderato, salvo melhor opinião não necessitamos/devemos entrar em linha de conta, necessariamente, com o coeficiente de qualidade e conforto pois que não estando materializado não é medível/quantificável, sendo consabido da experiência comum que um projecto de edificação contemplando possibilidades modernas de inserção acessória de equipamentos vulgarmente associados ao conceito de conforto tais como ar condicionado, videovigilância robótica doméstica, luzes inteligentes etc., se edificado/realizado com defeitos pode não se traduzir em qualquer comodidade ou bem estar, antes pelo contrário ser fonte de problemas/insatisfações e dispêndios financeiros.

 

Esta jurisprudência foi posteriormente reafirmada pelo Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se, entre vários outros, pelos acórdãos seguintes acórdãos:

  • de 05-04-2017, processo nº 01107/16 («Na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse factor de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI»);
  • de 28-06-2017, processo nº 0897/16 («II — Os coeficientes de afectação e conforto, factores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38º do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto. III — Na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse factor de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI»).
  • de 16-05-2018, processo n. 0986/16 («O coeficiente de qualidade e conforto, factor multiplicador do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38º do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afectação não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI)»;
  • de 14-11-2018, processo nº 0133/18 («No cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse factor de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI»;
  • de 23-10-2019, processo nº 170/16.6BELRS 0684/17 («os coeficientes de localização, qualidade e conforto, factores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afectação não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI).»  
  • de 13-01-2021, processo nº 0732/12.0BEALM 01348/17 («Re1ativamente à avaliação de terrenos para construção, sobre o que regula o art. 45º do C.I.M.I., não são de aplicar os coeficientes ou características não especificamente previstos, entre os quais o coeficiente de qualidade e conforto».

 

Na linha desta jurisprudência, é de entender que a avaliação dos terrenos para construção devia ser efectuada sem aplicação dos coeficientes não especificamente previstos, entre os quais os coeficientes de localização, de qualidade e conforto e de afectação”.

 

No caso em apreço, como se vê pelas cadernetas prediais juntas como documento nº 4, foram aplicados os coeficientes de localização, afectação e qualidade e conforto nas avaliações efectuadas nos anos referidos em B) dos factos provados (e a própria AT não contestou que assim não tenha ocorrido tal como o Requerente alega). Estas avaliações foram aquelas em que se basearam as liquidações relativas aos anos de 2018 a 2020.

 

Retomando novamente o que foi decidido no Processo CAAD nº 254/2021-T:

 

Assim, à face da jurisprudência referida, tem de se concluir que a fixação de valores patrimoniais destes prédios enferma dos erros que o Requerente lhes imputa, que são exclusivamente imputáveis à Administração Tributária que praticou os actos de avaliação.

 

3.2.4. Injustiça grave ou notória

 

O último requisito da revisão oficiosa ao abrigo do nº 4 do artigo 78º da LGT é o de o apuramento da matéria tributável consubstanciar «injustiça grave ou notória».

O n.º 5 do artigo 78º esclarece o alcance destes conceitos, estabelecendo que «para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional».

Aquele requisito é exigido em alternativa, como se depreende do uso da conjunção «ou»”.

 

No caso em apreço, basta atentar nas tabelas juntas pelo Requerente em anexo ao artigo 36º do PPA, para se concluir pela manifesta a natureza «grave» da injustiça gerada com as erradas avaliações, pois, a tributação em IMI dos prédios referidos foi consideravelmente superior ao devido, em cerca de mais de 100% do que seria devido.

De facto, a diferença entre os VPT que serviram de base à liquidação e aqueles que o Requerente apresenta nas tabelas em anexo ao artigo 36º do PPA, como sendo os valores correctos - e não foram contestados - evidenciam que os VPT que foram considerados nas liquidações são genericamente superiores em cerca de 100%.

 

Retomando mais uma vez o que foi decidido no Processo CAAD nº 254/2021-T:

 

“3.2.5. Conclusão

 

Verificam-se, assim, todos os requisitos de que depende a revisão da matéria tributável prevista nos nºs 4 e 5 do artigo 78º da LGT, pelo que em vez do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, a Autoridade Tributária e Aduaneira deveria ter efectuado a revisão e anulado parcialmente as liquidações der AIMI relativas aos” ... anos de 2018 a 2020.

“Pelo exposto, justifica-se a anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão, quanto à revisão da matéria tributável, bem como as anulações parciais das consequentes liquidações de AIMI, nas partes em que excederam o que seria devido se tivessem tido como pressupostos avaliações realizadas nos termos legais [artigo 163º, nº 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2º, alínea c), da LGT]”.

 

  1. Outros pedidos subsidiários

 

Sendo de jugar procedente o pedido principal, fica prejudicado o conhecimento de outros pedidos subsidiários [artigos 554º, nº 1, e 608.º, nº 2, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea e), do RJAT].

O pedido de desaplicação da norma do artigo 45º do CIMI na dimensão que o Requerente refere estar em desconformidade com as normas da alínea i) do nº 1 do artigo 165º e do nº 2 do artigo 103º, ambas da CRP, perde sentido prático, posto que a solução que se propugna nesta decisão, aplica a leitura da referida norma que resulta de decisões do Supremo Tribunal Administrativo.

 

 

 

 

  1. Reembolso de quantias pagas

 

Reembolso

 

O Requerente pede o reembolso do imposto indevidamente pago (€ 41 551,02) acrescido de juros indemnizatórios.

Provou-se que pagou a totalidade das liquidações parcialmente impugnadas (A) dos factos provados).

Como consequência da procedência parcial do PPA e da sequente anulação parcial das liquidações há lugar a reembolso da quantia indevidamente paga, no montante de € 28 232,51, valor que a Autoridade Tributária e Aduaneira não contesta.

 

  1. Juros indemnizatórios

 

O nº 1 do artigo 43º da LGT reconhece o direito a juros quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços.

O pedido de revisão do acto tributário é equiparável a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, que se refere no nº 1 do artigo 78º da LGT, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido no processo nº 402/06.

Como também se refere no mesmo acórdão, «nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) (...) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do artigo 43º nº 3, da LGT».

No caso em apreço, a norma à face da qual tem de ser aferida a existência de direito a juros indemnizatórios é a alínea c) deste nº 3 do artigo 43º da LGT, que estabelece que eles são devidos «quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária».

Como decorre da matéria de facto fixada, o pedido de revisão foi apresentado em 25.11.2021, pelo que apenas a partir de 26-12-2022 haveria direito a juros indemnizatórios, se a decisão sobre aquele pedido não tivesse sido apreciada.

Tendo o Requerente optado por impugnar o indeferimento tácito, formado antes daquela data de 26-12-2022, não tem direito a juros indemnizatórios.

 

III - Decisão

 

Termos em que se decide:

  1. Julgar parcialmente procedente o pedido arbitral quanto às liquidações de AIMI dos anos de 2018, 2019 e 2020;
  2. Anular parcialmente as liquidações de AIMI dos anos de 2018, 2019 e 2020, referidas nos pontos II, III e IV da alínea A) dos factos provados e o correspondente acto presumido de indeferimento tácito;
  3. Julgar procedente o pedido de reembolso de AIMI no montante de € 28 232,51;
  4. Julgar parcialmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à anulação das liquidações e AIMI de 2017 a que se alude no ponto I) da alínea A) dos factos provados e absolver a AT deste pedido;
  5. Julgar improcedente o pedido de reembolso de € 13 318,53 relativos ao AIMI de 2017 e absolver a AT deste pedido;
  6. Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios e absolver a AT deste pedido.

 

 

Valor da causa

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 41 551,02, que não foi contestado pela Requerida, pelo que nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT, fixa-se em 41 551,02 euros o valor da causa.

 

Custas

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 3, do RJAT, e 5.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela II anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 2 142,00, fica a cargo da Requerida 67,95% (€ 1 455,50) e a cargo do Requerente 32,05% (€ 686,50) em função dos decaimentos.

 

Notifique.

Lisboa, 05 de Dezembro de 2022

 

Tribunal Arbitral Singular, 

 

 

(Augusto Vieira)