Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 56/2022-T
Data da decisão: 2022-09-28  IMI  
Valor do pedido: € 16.350,84
Tema: AIMI. Avaliação de terrenos para construção.
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SUMÁRIO: I. A fórmula prevista no artigo 45.º do CIMI, na redação vigente nos anos de 2017 a 2020, não previa que na fixação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção fossem aplicados os coeficientes de afectação, de localização e de qualidade e conforto, previstos no artigo 38.º do mesmo Código, que eram aplicáveis apenas na avaliação dos prédios urbanos edificados.

II. Os erros cometidos na avaliação de prédios urbanos são autonomamente impugnáveis, depois de requerida segunda avaliação, no prazo de três meses após o mesmo se tornar definitivo, não sendo susceptíveis de ser impugnados contra o ato de liquidação lançada com base nesse valor.

 III. A título excecional, no prazo de três anos após o ano em que foi praticado o ato tributário da liquidação, pode ser autorizada a revisão da matéria tributável com base em injustiça grave ou notória, não devendo a revisão ser recusada se se verificar que a manutenção do referido ato configura esse tipo de injustiça.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

  1. RELATÓRIO
  1. O pedido

 

A..., S.A. com o número de identificação fiscal ... e com sede na Rua ..., n.º ..., ...‐... Lisboa, vem, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto‐Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAT”) e dos artigos 1.ºe 2.º da Portaria n.º 112‐A/2011, de 22 de março, requerer a CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL para se pronunciar sobre a ilegalidade do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado em 24 de Setembro de 2021 ao abrigo do artigo 78.º da LGT, indeferimento este formado em 23 de Janeiro de 2022, e, sobre a ilegalidade parcial dos actos tributários de liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre os Imóveis (AIMI), no montante global de € 16.350,84, referentes aos anos de 2017 a 2020, requerendo a sua anulação e reembolso.

A entidade requerente (doravante Requerente) invoca como causa de pedir a errónea determinação do valor patrimonial tributário de “terrenos para construção” de que era titular nos anos a que respeita o imposto impugnado, resultante da aplicação ilegal, na fórmula de avaliação prevista no artigo 45.º do CIMI, dos coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto.

Invoca também, a título subsidiário, a inconstitucionalidade do artigo 45.º do CIMI e termina pedindo a liquidação de juros indemnizatórios ao abrigo dos artigos 43.º e 100.º da LGT.

  1. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT ou Requerida)

 

  1. Tramitação processual

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado e aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 04.02.2022 e de seguida notificado à AT e à Requerente;

 

Em 25.03.2022 o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação, pelo Exmo Senhor Presidente do Conselho Deontológico, do Árbitro singular signatário da presente decisão arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 7 do artigo 11.º do RJAT.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º sem que as Partes se tivessem oposto, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 12.04.2022.

 

Por despacho arbitral de 26.04.2022 foi determinada a notificação do dirigente máximo da AT para, no prazo de 30 dias, apresentar Resposta.

 

A Requerida apresentou Resposta em 18.05.2022 e, invocando os documentos apresentados pela Requerente, pediu dispensa de juntar o processo administrativo, petição a que a Requerente nada disse.

 

Por despacho arbitral de 18.06.2022 foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e, pelo mesmo despacho, foi determinada a notificação das Partes para, querendo, apresentarem alegações escritas no prazo simultâneo de 20 dias, tendo ainda sido indicado que a decisão arbitral final seria proferida até ao dia 30 de Setembro de 2022.

Pelo mesmo despacho foi determinado que a Requerente deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente.

 

Em 11.07.2022 a Requerente informou o tribunal que nada tinha a opor quanto à dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e que não tencionava apresentar alegações escritas.

 

 

  1. Resumo da fundamentação invocada pelas partes no PPA e na Resposta

 

  1. Pela Requerente

 

4.1.1. Diz o pedido de pronúncia arbitral (doravante PPA) que a Requerente era proprietária de diversos prédios, incluindo terrenos para construção, em relação aos quais foi notificada dos seguintes atos tributários de liquidação de AIMI:

i. Liquidação com o n.º 2017 ..., referente ao ano 2017;

ii. Liquidação com o n.º 2018 ..., referente ao ano 2018;

iii. Liquidação com o n.º 2019..., referente ao ano 2019;

iv. Liquidação com o n.º 2020..., referente ao ano 2020.

4.1.2. As ditas liquidações incidiram sobre o valor patrimonial tributário dos terrenos fixado segundo a fórmula erroneamente adotada à data pela AT, a qual considerava a aplicação de coeficientes de (i) localização, (ii) de afetação e / ou (iii) de qualidade e conforto, conforme demonstrado nas cadernetas prediais urbanas que juntou ao PPA (Cfr. DOC 3 anexo ao PPA).

4.1.3. Ora, continua a Requerente, através de reavaliações efetuadas em 2020/21, face ao expressamente consagrado no artigo 45.º do Código do IMI e nos termos preconizados pela jurisprudência constante do STA, a AT veio corrigir o cálculo e a fixação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, deixando de aplicar tais coeficientes (Cfr. DOC 4 anexo ao PPA).

4.1.4. Deste modo, nos anos sub judice (2017 a 2020), relativamente aos terrenos para construção em apreço, a AT liquidou um montante de AIMI superior ao legalmente devido face aos valores patrimoniais tributários que deveriam ter sido considerados.

4.1.5. Ora, acrescenta a Requerente, pese embora a AT ter corrigido a fórmula de cálculo dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, incluindo de alguns de que a mesma era proprietária, igual procedimento não foi adotado em relação às liquidações de AIMI objeto do presente pedido arbitral.

4.1.6. Relativamente ao conjunto de terrenos para construção objeto dos atos tributários de liquidação de AIMI sub judice (Cfr. DOC 5 anexo ao PPA), afigura‐se claro, diz a Requerente, que, se expurgarmos os coeficientes de localização, de afectação e / ou de qualidade e conforto aplicados aos valores patrimoniais tributários destes terrenos que serviram de base para o cálculo da colecta de AIMI referente aos anos 2017, 2018, 2019 e 2020, resultam diferentes valores patrimoniais tributários de montantes inferiores àqueles que foram efectivamente utilizados para efeitos do cálculo do imposto.

4.1.7.Consequentemente, estamos perante um erro na interpretação dos pressupostos de facto e de direito do qual resultaram ilegais liquidações (parciais) de AIMI, especificamente um erro na determinação da matéria tributável que originou uma coleta ilegal de imposto, contra o que foi apresentado o referido pedido de revisão oficiosa ao abrigo do artigo 78.º da LGT.

4.1.8. Quanto ao enquadramento legal da situação tributária em causa, a Requerente começa por anotar que a Lei de Orçamento do Estado para 2021 (Lei n.º 75‐B/2020, de 31 de dezembro) veio alterar o artigo 45.º do Código do IMI, modificando a fórmula de cálculo dos valores patrimoniais tributários dos “terrenos para construção”, sendo que tal alteração só produziu efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2021 – i.e. para efeitos de liquidações de AIMI referentes a anos anteriores a 1 de Janeiro de 2021 dever‐se‐á aplicar a redação do referido artigo 45.º e respectiva fórmula que vigoravam antes desta alteração efetuada pelo legislador.

Por seu lado, nos termos do n.º 1 do referido artigo 45.º, na redação vigente à data dos factos tributários, “[o] valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor dos terrenos adjacentes à implantação”.

Ora, à luz do n.º 2 do referido preceito legal, “[o] valor da área de implantação variava entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas”, sendo que face ao n.º 3 do mesmo artigo «[n]a fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm‐se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º».

4.1.9. É assim inegável, segundo a Requerente, que os coeficientes de afetação (estabelecido no artigo 41.º), de localização (definido no artigo 42.º), de qualidade e conforto (regulado no artigo 43.º) e de vetustez (consagrado no artigo 44.º) não eram aplicáveis aos “terrenos para construção”, não fazendo parte da fórmula de cálculo consagrada no n.º 1 do artigo 45.º do Código do IMI na redacção vigente à data dos factos tributários relevantes para efeitos dos atos tributários de liquidação de AIMI sub judice.

No caso específico dos “terreno para construção”, anota a Requerente, como o fator de localização era já considerado na percentagem prevista no n.º 3 do citado artigo 45.º, daí decorria uma duplicação em que incorria a fórmula interpretada e aplicada pela Requerida.

4.1.10. A Requerente invoca a jurisprudência do STA, citando vários Acórdãos, dizendo que a mesma tem sido constante e reiterada no sentido de que a fórmula de cálculo / determinação do valor patrimonial tributário dos “terrenos para construção” não deve considerar (i) o coeficiente de localização, (ii) o coeficiente de afetação, e (iii) o coeficiente de qualidade e conforto, jurisprudência esta que foi fundamental para a recente alteração do paradigma da fórmula final que deverá ser aplicada para a avaliação dos prédios que integram a espécie de terrenos para construção, introduzida recentemente pela AT.

De entre a jurisprudência citada, a Requerente alude ao Acórdão do STA de 23 de Outubro de 2019, proferido no processo n.º 0170/16.6BELRS 0684/17, que resume, numa única decisão, a jurisprudência deste douto Tribunal quando à ilegal aplicação destes três coeficientes na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.

4.1.11. Neste contexto, conclui a Requerente, os valores patrimoniais tributários dos “terrenos para construção” detidos nos anos 2017, 2018, 2019 e 2020 ainda consideravam a aplicação (errónea, conforme supra demonstrado) dos coeficientes de localização, de afetação e / ou de qualidade e conforto, existindo um erro flagrante nos pressupostos de facto e de direito quanto à determinação dos valores patrimoniais tributários dos mesmos, erro este da responsabilidade exclusiva da AT, o que determina que as ditas liquidações devem ser anuladas na parte correspondente ao montante de imposto liquidado em excesso.

4.1.12. Como fundamento legal para a sua pretensão, a Requerente invoca a alínea c) do n.º 1 do artigo 115.º do Código do IMI, segundo a qual as liquidações deverão ser oficiosamente revistas quando “tenha havido erro de que tenha resultado colecta de montante diferente do legalmente devido”, invoca a alínea a) do artigo 99.º do CPPT que determina que é fundamento para impugnação judicial de ilegalidade, a “errónea qualificação e quantificação, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários”, considerando que está assim preenchido o requisito para a revisão oficiosa (e respectiva rectificação / anulação) das liquidações do AIMI incorretamente emitidas e, uma vez que os erros cometidos são “erros imputáveis aos serviços”, está plenamente justificada a admissibilidade de pedidos de revisão oficiosa nos termos gerais do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

4.1.13. Para suportar a sua conclusão a Requerente louva-se também no Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 31 de outubro de 2019, proferido no processo n.º 2765/12.8BELRS, que refere que não obstante o pedido de revisão oficiosa previsto no artigo 78.º da LGT ser “inaplicável aos actos de fixação do VPT (actos administrativos em matéria fiscal)”, tal “não quer dizer que [o pedido de revisão oficiosa] seja de todo imprestável para o caso subjudice, visto que a coberto de um VPT ilegal foram produzidas liquidações de tributo (IMI) que foram exigidas à recorrida”, mormente quando  o erro se traduza “numa injustiça grave e notória concretizada na fixação de um VPT em valor claramente  superior ao que resultaria das disposições legais que deveriam ter sido aplicadas”.

4.1.14. Para além da jurisprudência supra citada, existe também vária jurisprudência dos tribunais arbitrais que, no dizer da Requerente, reconhece “a anulabilidade de acto tributário de liquidação de AIMI com fundamento em vícios na fixação dos valores patrimoniais tributários de terrenos para construção, correspondentes à errónea consideração dos coeficientes acima elencados, e dos quais resultaram uma colecta de tributo superior à legalmente devida”, de que destaca as decisões arbitrais proferidas nos processos n.º 760/2020-T, de 2 de julho de 2021, n .º 254/2020‐T, de 5 de outubro de 2021, n.º 405/2021‐T, de 11 de dezembro de 2021, n.º 408/2021‐T, de 12 de janeiro de 2022 e n.º 410/2021‐T, de 12 de janeiro de 2022.

4.1.15. Em resultado da ilegalidade cometida, conclui a Requerente que os valores patrimoniais tributários dos seus terrenos para construção foram “sobrevalorizados”, e, nesta sequência, a colecta de AIMI para cada um deles foi apurada em montante superior ao que seria legalmente devido caso os valores desta matéria tributável tivessem sido fixados de acordo com o artigo 45.º do Código do IMI, donde resultaram liquidações de excesso de AIMI nos seguintes montantes, consoante detalhado nas tabelas juntas como Documento 5:

a) Com referência ao acto tributário de liquidação de AIMI relativo ao ano 2017, foi liquidado imposto em excesso no montante total de € 1.160,55;

b) Com referência ao acto tributário de liquidação de AIMI relativo ao ano 2018, foi liquidado imposto em excesso no montante total de € 1.593,14;

c) Com referência ao acto tributário de liquidação de AIMI relativo ao ano 2019, foi liquidado imposto em excesso no montante total de € 6.572,06;

d) Com referência ao acto tributário de liquidação de AIMI relativo ao ano 2020, foi liquidado imposto em excesso no montante total de € 7.025,08.

4.1.16. A título subsidiário a Requerente invoca ainda a inconstitucionalidade do artigo 45.º do CIMI, nos seguintes termos:

Acresce que, sempre será de referir que a aplicação do artigo 38.º do Código do IMI – em concreto, a aplicação dos coeficientes de avaliação ali previstos – na determinação do VPT de terrenos para construção sempre será manifestamente contrária ao princípio da legalidade tributária, conforme consagrado na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).

Com efeito, nos termos supra expendidos e demonstrados, a determinação do VPT de terrenos para construção sempre deverá ser efectuada (exclusivamente) com base no regime consagrado no artigo 45.º do Código do IMI (à data dos factos tributários).

Pelo que, a interpretação do artigo 45.º do Código do IMI, no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do Código do IMI devem ser atendidos no apuramento do VPT deste tipo de prédios – por analogia ou outra técnica de interpretação –, sempre atentará contra o princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º, ambos da CRP.

Nestes termos, sempre será inconstitucional a norma pretensamente extraída do artigo 45.º do Código do IMI, quando interpretada no sentido de os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do mesmo compêndio terem aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção.

4.1.17. A terminar, a Requerente pede que o pedido seja julgado procedente e, em consequência:

a) Seja declarada a legalidade do pedido de revisão oficiosa acima identificado e declarada a ilegalidade do seu indeferimento (tacitamente presumido);

b) Se anulem os actos tributários que constituem o seu objecto, relativos às liquidações de AIMI supra identificadas, no montante de € 16.350,84, porque manifestamente ilegais; e,

c) Seja a AT condenada a reembolsar a Requerente o valor do AIMI pago em excesso, no montante global de € 16.350,84, relativamente às liquidações sub judice, acrescido de juros indemnizatórios, com as demais consequências legais.

A título subsidiário, e sem prescindir, requer ainda que seja desaplicada, no caso concreto, a norma pretensamente extraída do artigo 45.º do Código do IMI, na redacção vigente à data da verificação do facto tributário, no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do mesmo compêndio legal deveriam ter aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção, por manifesta inconstitucionalidade, por violação do princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º, ambos da CRP e, consequentemente, seja declarada a ilegalidade dos actos tributários de liquidação de AIMI sub judice, porque assentes em normas inconstitucionais, sendo os mesmos prontamente anulados, com todas as consequências legais.

 

  1. Resumo da Resposta apresentada pela Requerida:

 

4.2.1. Segundo a Requerida, o que a Requerente pretende é a anulação de atos de liquidação de AIMI, não com fundamento em qualquer ilegalidade desses atos, mas sim com base em vícios dos atos que fixaram o valor patrimonial tributário (VPT) sobre os quais o imposto incidiu.

Assim, para a Requerida, o que está em causa, é, apenas e só, o ato destacável de fixação do VPT e não o ato de liquidação.

Acontece, continua a Requerida, que os vícios do ato que definiu o valor patrimonial tributário (VPT) não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo.

4.2.2. A Requerida considera que a pretensão do Requerente não pode proceder, desde logo porque no artigo 78.º da LGT, invocado pela Requerente, não está legalmente prevista a revisão oficiosa dos atos de avaliação de valores patrimoniais.

Isto, porque os atos de avaliação patrimonial não são atos tributários (n.º 1 do artigo 78.ºda LGT) nem são atos de apuramento da matéria tributável (n.º 3 do artigo 78.º da LGT).

Por outro lado, o artigo 78.º da LGT não dá acolhimento à revisão oficiosa deste tipo de atos, tendo em conta, nomeadamente, os meios impugnatórios pré-existentes ao dispor do contribuinte para defesa da sua posição.

Acrescendo ainda o facto de as liquidações de AIMI impugnadas terem sido lançadas com base nos valores constantes nas matrizes no dia 1 de janeiro do ano a que respeitam, sendo que tal valor não poderá ser alterado sob pena de se por em causa a validade dos efeitos jurídicos de diferentes e variados atos que para diferentes efeitos assumem como referencial o valor patrimonial tributário de um imóvel constante da matriz predial.

E mesmo que assim se não entendesse, considera a Requerida que o fundamento da injustiça grave ou notória do nº 4 do art.º. 78° da LGT, não é invocável quando a liquidação do IMI tenha sido efetuada de acordo com o nº 1 do artigo 113º do CIMI, tal como se refere na Decisão arbitral n.º 667/2021-T do Dr. Lima Guerreiro.

4.2.3. Mesmo que se admitisse a possibilidade de apresentação de revisão oficiosa, o prazo para ser autorizada a revisão da matéria tributável pelo dirigente máximo do serviço não é o previsto no n.º 1, mas sim o prazo reduzido aos «três anos posteriores ao do ato tributário», previsto no n.º 4 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária, como foi considerado nas decisões arbitrais proferidas nos processos 487/2020-T, 540/2021-T e 40/2021-T.

Por isso, uma vez que as avaliações foram concretizadas entre 2006 e 2017, o pedido de revisão oficiosa apresentado em 24-09-2021 seria intempestivo.

4.2.4. O procedimento avaliativo constitui um ato autónomo e destacável para efeito de impugnação arbitral, que, se não for impugnado nos termos e prazo fixado, se consolida na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, semelhante ao caso julgado, que a posterior liquidação tem de acolher.

Ora, não tendo o Requerente colocado em causa o valor patrimonial obtido pela 1.ª avaliação, requerendo uma 2.ª avaliação, o mesmo fixou-se, não sendo possível conhecer na posterior liquidação, de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação.

Ou seja, a errónea qualificação e quantificação do valor patrimonial apenas pode ser conhecida em sede de impugnação da 2.ª avaliação que não na posterior liquidação consequente, como tem sido consignado nas decisões arbitrais invocadas, também nos Acórdãos Arbitrais n.º 510/2021-T4, 614/2021-T e 538/2021-T, bem como pela jurisprudência do STA, de que é exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 633/14 de 15/2/2017.

Em face de todo o exposto, fácil é de concluir, que por estar consolidada a fixação do valor patrimonial tributário, não podem os atos de liquidação ser anulados com fundamento em erros no cálculo do VPT.

Com efeito, reafirma a Requerida, conforme jurisprudência assente, quer dos Tribunais judiciais quer dos Tribunais arbitrais, bem como da mais abalizada doutrina, o ato de avaliação do valor patrimonial tributável é um ato destacável que se não for autonomamente impugnável se consolida e o que nele se decidiu ficará assente no procedimento tributário em que esteja inserido ou conexionado, não podendo a decisão final do procedimento ser impugnada com fundamentos em vícios do acto destacável.

4.2.5. A Requerida invoca de seguida vasta jurisprudência do STA e do TCA que, no essencial, qualifica os atos de fixação dos valores patrimoniais como atos destacáveis diretamente suscetíveis de impugnação autónoma, que, se não atacados na forma e no tempo próprios, se consolidam na ordem jurídica e a posterior liquidação não poderá deixar de acatar.

Assim, em apoio da sua posição, a Requerida invoca, os seguintes acórdãos do STA: Processo n.º 0885/16 de 10.05.2017, n.º 1808/12.0BEPRT de 18.10.2018 e n.º 633/14 de 15.2.2017; e do TCAS: Processo n.º 5964/12 de 20/12/2012, n°03586/09 de 25,04.2010, n.º 02125/07 de 12.02.2008, destacando igualmente algumas decisões arbitrais como, por exemplo, as proferidas nos processos n.º 540/2020-T e n.º 487/2020-T, que, por sua vez, convocam outros acórdãos do STA.

4.2.6. A Requerida passa de seguida a analisar em que termos e sob que condições os atos de avaliação dos prédios urbanos terrenos para construção que tenham considerado esses coeficientes podem ser objecto de anulação administrativa, concluindo que, face ao artigo 168.º do CPA, apenas são passíveis de anulação os atos de fixação dos VPT que contrariam o recente entendimento jurisprudencial nos casos em que não tenham decorrido cinco anos desde a respetiva emissão, como foi consignado no acórdão do TCAS n.º 23/16.8BELRS de 14.10.2021, prazo esse que já se encontra precludido.

4.2.7. Sobre a alegada violação do princípio constitucional da legalidade tributária invocada pela Requerente em relação ao artigo 45.º do CIMI, diz a Requerida que “o que importa referir nesta sede não é a violação do princípio da legalidade tributária, mas sim a constitucionalidade do regime da consolidação dos atos administrativos tributários por falta da sua impugnação atempada” não podendo obter-se por esta via os efeitos típicos da impugnação que não foi efetuada no devido tempo pela Requerente.

Assim, não só não se se verifica qualquer violação de princípios Constitucionais, como a prevalecer a argumentação do Requerente, essa sim, acarretaria uma violação do princípio da igualdade tributária privilegiando os contribuintes que em tempo não contestaram o VPT face àqueles que o fizeram tempestivamente.

4.2.8. Em reforço da sua argumentação, diz a Requerida que não sendo os VPTs suscetíveis de serem anulados administrativamente, pelas razões expostas, as liquidações suportadas nesses VPT não padecem de qualquer erro.

Assim, uma vez que o Tribunal Arbitral está obrigado a julgar de acordo com o direito constituído, estando impedido de julgar o processo de acordo com critérios da equidade, como decorre do n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro que aprovou o RJAT, a pretensão arbitral da Requerente deve ser julgada improcedente.

4.2.9. Finalmente, a Requerida invoca a vinculação da Administração Tributária ao princípio da legalidade previsto no artigo 266º da Constituição da República Portuguesa e concretizado nos artigos 55.º da Lei Geral Tributária, acrescentando que a instituição da arbitragem não significa uma desjuridificação do processo tributário, na medida em que é vedado o recurso à equidade, devendo os árbitros julgar de acordo com o direito constituído.”

4.2.10 Sobre o pedido de juros indemnizatórios a Requerida diz que não assiste qualquer razão à Requerente, dado que não se verificam os pressupostos legais para esse efeito, não se verificando erro imputável aos serviços uma vez que, à data dos factos, a Administração Tributária fez a aplicação da lei, vinculadamente, não estando na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu por estar sujeita ao princípio da legalidade (cfr. artigo 266.º, n.º 2, da CRP e artigo 55.º da LGT).

4.2.11. Concluindo que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, com as devidas e legais consequências.

 

  1.  Saneamento

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 4.º, ambos do RJAT, e supra se demonstra. 

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

 

O processo não enferma de nulidades.

 

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

 

  1. Factos dado como provados

 

Com base nos documentos juntos aos autos com o PPA e face à expressa aceitação dos mesmos por parte da Requerida, dão-se por provados os seguintes factos:

 

1.1. No dia 24 de Setembro de 2021, a Requerente apresentou, ao abrigo do disposto artigo 78.º da Lei Geral Tributária, um Pedido de Revisão Oficiosa parcial das seguintes liquidações de AIMI: 

i. Liquidação n.º 2017 ..., referente ao ano de 2017;

ii. Liquidação n.º 2018 ..., referente ao ano de 2018;

iii. Liquidação n.º 2019 ..., referente ao ano de 2019;

iv. Liquidação n.º 2020 ..., referente ao ano de 2020.

 

O Documento 2 em anexo ao PPA apresenta fotocópia das referidas liquidações, lançadas em nome da instituição bancária Requerente, constando nas mesmas a data da sua emissão, os valores totais de imposto a pagar e a data limite de pagamento. O PPA informa, sem contestação da Requerida, que o imposto se encontra pago.

1.2. Não tendo o dito pedido de revisão oficiosa sido objecto de decisão expressa no prazo legalmente previsto, formou-se indeferimento tácito em 23 de janeiro de 2022, tendo o Requerente apresentado em 02-02-2022 o pedido de pronúncia arbitral sub judice;

1.3. Foi junto ao PPA o Documento n.º 3 do qual consta a seguinte informação que se dá por provada:

i. Cópia de 24 cadernetas prediais, extraídas do portal das finanças via internet em diversas datas do mês de dezembro de 2020, referentes a igual número de terrenos para construção, cuja titularidade fiscal pertencia à instituição bancária Requerente na data da sua extração;

ii. Constam nas ditas cadernetas prediais as datas das avaliações iniciais dos referidos terrenos para construção, as quais ocorreram entre os anos de 2006 e 2017;

iii. Constata-se que na fórmula de avaliação dos terrenos para construção listados foram utilizados, além dos demais elementos referentes à sua composição, os coeficientes de localização (cl), de afectação (ca) e de qualidade e conforto (cq), donde resultaram valores de avaliação (VPT) influenciados pelos ditos coeficientes.

Anota-se, no entanto, que os referidos coeficientes não influenciaram da mesma maneira todos os valores fixados pelas avaliações uma vez que, em diversos casos, a sua influência foi neutra dado que utilizaram o coeficiente 1,00.   

A informação sobre as datas das avaliações iniciais e das reavaliações operadas em 2020/2021, quando a AT procedeu à mudança do procedimento avaliativo previsto no artigo 45.º do CIMI, encontra-se sintetizada no Mapa resumo a seguir (com identificação dos terrenos para construção) elaborado pela AT e apresentado na Resposta:

 

                                                                 Datas da                           Datas da

Freguesia        Artigo matricial              Avaliação Inicial,             Reavaliação

...,                U-... (anterior U-... ...),           11-11-2014,                  31-12-2020

...,                 U-... (anterior U-...),                18-04-2011,                 02-02-2021

...,                 U-... (anterior U-...),                20-07-2012,                 08-01-2021

...                  U-...anterior U-...),                    20-07-2012,               08-01-2021

...,                 U-... (anterior U-...),                 20-07-2012,                08-01-2021

...,                 U-... (anterior U-...),                 20-07-2012,                08-01-2021

...,                 U-... (anterior U-...),                 20-07-2012,                26-02-2021

...,                 U-... (anterior U-...),                 20-07-2012,                26-02-2021

...,                 U-... (anterior U-...),                 20-07-2012,                26-02-2021

...,                 U-... (anterior U-...,)                 20-07-2012,                26-02-2021

...,                 U-... (anterior U-...),                 20-07-2012,                26-02-2021

...,                 U-... (anterior U-...),                  31-10-2008,               31-12-2020

...,                 U-... (anterior U-...),                  31-12-2008,               31-12-2020

...,                 U-... (anterior U-...),                  30-10-2008,               31-12-2020

...,                  U-...,                                        06-01-2015                 04-01-2021

...,                  U-...,                                         26-12-2007                04-01-2021

...,                  U-... (anterior U-...),                10-01-2013,                15-01-2021

...,                    U-...,                                       17-10-2017,                09-02-2021

...,                    U-...,                                       04-12-2006,               06-01-2021

...,                    U-... (anterior U-...),              23-01-2009,               18-01-2021

...,                    U-... (anterior U-...),              20-01-2013,               13-01-2021

...,                     U-...,                                      08-11-2016,               22-03-2021

...,                     U-...,                                      17-11-2008,               12-01-2021

...,                     U-...,                                      14-10-2016,               06-01-2021

 

1.4. No Documento n.º 4 junto ao PPA constam cópias de notificações (sem data) e de cadernetas prediais (extraídas via internet em 2021-07-29), nas quais estão indicadas novas avaliações dos mesmos 24 terrenos para construção, efetuadas ao abrigo do artigo 45.º do CIMI em finais de 2020 e início de 2021, verificando-se que em tais reavaliações já não foram utilizados os coeficientes que tinham sido utilizados nas avaliações iniciais entre 2006 e 2017.

1.5. Dá-se por provado que em 2020 a AT corrigiu a maneira como vinha interpretando e aplicando a fórmula de avaliação prevista no artigo 45.º do CIMI, em relação à avaliação dos terrenos para construção, mas não procedeu à correcção dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção de que a Requerente era titular e sobre os quais incidiram as liquidações impugnadas de AIMI referentes a 2017, 2018, 2019 e 2020, nem tão pouco procedeu à correcção das atualizações desses mesmos VPTs que efetuou em 2017, 2018 e 2019, como supra se dá conta.

1.6. No Documento 5, cujos mapas se reproduzem nas páginas a seguir, a Requerente procedeu ao cálculo do imposto pago em excesso comparando o VPT constante na matriz em cada um dos anos a que respeitam as liquidações impugnadas com o VPT fixado nas reavaliações de 2020/2021 e aplicou a taxa à diferença entre os referidos VPTs.

Como veremos infra este método não se coaduna com o disposto na lei e conduz a resultados não rigorosos quanto ao imposto pago em excesso.

Assim,

Mapas da responsabilidade da Requerente com o cálculo do imposto pago em excesso em cada um dos anos a que respeitam as liquidações impugnadas:

 

2. Factos não provados 

 Não há outros factos relevantes para a apreciação e decisão da causa que não se tenham provado. 

 3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

O Tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão, discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. art. 123.º, n.º 2, do CPPT, e art. 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi art. 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). 

 Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objeto do litígio no direito aplicável (vd. art. 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

  1. MATÈRIA DE DIREITO

 

  1. Questões que ao tribunal cumpre apreciar e decidir

O pedido arbitral tem por objeto imediato o indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa ao abrigo do artigo 78.º da LGT, apresentado pela Requerente em 24 de setembro de 2021 e, por objeto mediato, liquidações de AIMI referentes aos anos de 2017, 2018 e 2019 e 2020, supra identificadas, as quais incidiram sobre o valor patrimonial tributário de 24 lotes de terreno para construção de que a mesma era proprietária, em cuja avaliação, efetuada nos termos do artigo 45.º do CIMI, foram indevidamente aplicados os coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto a que se refere o artigo 38.º do mesmo Código.

 

Para sustentar a sua pretensão de ver anuladas as ditas liquidações, a Requerente reconduz toda a sua argumentação às ilegalidades cometidas nas avaliações iniciais dos ditos terrenos para construção, efetuadas nos anos de 2006 a 2017, que, tendo-se mantido nos VPTs constantes nas matrizes em 1 de janeiro dos anos de 2017 a 2020, afetaram o valor e a legalidade dessas liquidações.

 

Na sua Resposta, a Requerida defende que os vícios dos atos de fixação dos valores patrimoniais tributários não são impugnáveis nos atos de liquidação lançados com base nesses valores.

 

Assim, conclui a Requerida, uma vez que a Requerente não questionou o valor patrimonial tributário fixado pela 1.ª avaliação, através de um pedido de 2.ª avaliação, nem deduziu impugnação judicial contra tais atos, o valor patrimonial tributário tornou-se definitivo e inimpugnável. 

 

Quanto à possibilidade de se proceder à reparação das ilegalidades cometidas através da revisão prevista no artigo 78.º da LGT, como pretende a Requerente, a Requerida considera que tal pretensão não pode proceder, desde logo porque no artigo 78.º da LGT não está legalmente prevista a revisão oficiosa dos atos de avaliação de valores patrimoniais, acrescentando que mesmo que por mera hipótese se admitisse a revisão o pedido foi apresentado para lá do prazo legal.

No essencial é sobre as questões enunciadas que versa o litígio colocado à apreciação do presente tribunal arbitral e que o mesmo passa a apreciar e decidir.

 

Vejamos,

 

Como se anotou supra, o pedido arbitral tem como objeto imediato a decisão de indeferimento tácito de um pedido de revisão ao abrigo do artigo 78.º da LGT e como objeto mediato liquidações de AIMI referentes aos anos de 2017 a 2020.

 

Como também se dá por demonstrado, o pedido arbitral não incide sobre a totalidade das referidas liquidações, mas apenas sobre a parte do que foi liquidado em excesso devido à aplicação ilegal da fórmula de avaliações prevista no artigo 45.º do CIMI.

 

Mais especificamente, a causa de pedir prende-se exclusivamente com a aplicação incorreta do referido artigo 45.º do CIMI, devido ao facto de terem sido indevidamente aplicados os coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto a que se refere o artigo 38.º do mesmo Código.

 

Constata-se assim que o único vício imputado pela Requerente às liquidações impugnadas se prende com ilegalidades cometidas nos atos de avaliação, sendo que estes atos, como decorre dos documentos juntos pela Requerente e supra se dá por provado, tiveram lugar entre os anos de 2006 e 2017.

 

Dá-se também por assente, facto este em que Requerente e Requerida convergem, que os erros cometidos nas avaliações iniciais dos 24 terrenos para construção em causa não foram atempadamente contestados através dos meios administrativos e judiciais ao dispor do sujeito passivo interessado.

 

  1. Apreciação do tribunal arbitral

 

  1. Da inimpugnabilidade das liquidações de AIMI com fundamento em ilegalidades cometidas na fixação do valor patrimonial tributário sobre o qual as mesmas incidiram

 

O presente tribunal acompanha a posição da Requerida na parte em que esta defende que os atos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são atos destacáveis, autonomamente impugnáveis, não podendo na impugnação das liquidações que com base neles sejam efetuadas discutir-se a legalidade daqueles atos.

 

Na verdade, por força do previsto no artigo 15.º do CIMI, a avaliação dos prédios urbanos é uma avaliação direta e, por isso, “susceptível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa”, depois de esgotados os meios administrativos previstos para a sua revisão (artigo 86.º, 1 e 2 da LGT).

 

Por sua vez, no artigo 134.º, n.º 1, do CPPT, é estabelecido que “os actos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de três meses após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade”, determinando o seu n.º 7 que “a impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação”.

 

Os preceitos transcritos são reafirmados no Código do IMI com a exigência, no seu artigo 77.º, de se esgotarem previamente os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação, impondo aos interessados, como condição de impugnabilidade, o ónus de requererem uma segunda avaliação nos termos do artigo 76.º do mesmo Código.

 

Esta posição é acolhida por diversa jurisprudência dos Tribunais Superiores, parte da mesma nomeada pela Requerida, e também por várias decisões arbitrais.

 

Como consta no processo 487/2020-T o sujeito passivo de IMI pode impugnar as liquidações, mas não são relevantes como fundamentos de anulação eventuais vícios dos antecedentes actos de fixação de valores patrimoniais, que se firmaram na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos n.ºs 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT.

 

A natureza de atos destacáveis que é atribuída aos atos de avaliação de valores patrimoniais é, há muito, reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, desde o tempo em que regime idêntico ao do artigo 134.º, n.ºs 1 e 7 do CPPT, estava previsto nos n.ºs 1 e 6 do artigo 155.º do Código de Processo Tributário de 1991, quer em sede de Sisa, quer de contribuição autárquica, quer de IMI quer de IMT, como pode ver-se pelos acórdãos de 30-06-1999, processo n.º 023160; de 02-04-2003, processo n.º 02007/02; de 06-02-2011, processo n.º 037/11; de 19-09-2012, processo n.º 0659/12; de 5-02-2015, processo n.º 08/13; de 13-7-2016, processo n.º 0173/16 e de 10-05-2017, processo n.º 0885/16.

 

Trata-se, em conclusão, de um mecanismo específico do sistema fiscal quanto às condições de acesso à via contenciosa que em nada contende com o princípio da legalidade previsto no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República.

 

E com isto o tribunal arbitral está também a pronunciar-se sobre a invocada inconstitucionalidade argumentada pela Requerente dizendo que a aplicação do artigo 38.º do Código do IMI – em concreto, a aplicação dos coeficientes de avaliação ali previstos – na determinação do VPT de terrenos para construção sempre será manifestamente contrária ao princípio da legalidade tributária, conforme consagrado na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).

Quanto a esta invocação da Requerente o que se constata é que a mesma não imputa ao referido artigo 45.º do CIMI a violação de qualquer norma ou princípio constitucional. A Requerente discorda apenas da interpretação e aplicação que a AT fez do referido preceito legal, o que não é a mesma coisa.

 

Concorda-se quanto à referida ilegalidade – que, aliás, vai ser parcialmente reparada pela via excepcional prevista nos números 4 e 5 do artigo 78.º da LGT – observando-se que tal reparação só não é total porque a própria Requerente não usou atempadamente os meios próprios ao seu dispor para esse efeito.

 

Quanto à impugnabilidade autónoma dos erros cometidos em avaliações de imóveis, concordando mais uma vez com o que, a este respeito, foi consignado no citado processo arbitral 487/2020-T – este regime de impugnação autónoma justifica-se por razões de coerência do sistema jurídico tributário inerentes ao facto de cada acto de avaliação poder servir de suporte a uma pluralidade de actos de liquidação de impostos (liquidações anuais de IMI e eventuais liquidações de IMT) e ser relevante para vários efeitos a nível de IRS (   ), IRC (   ) e Imposto do Selo (   ), o que não se compagina com a possibilidade de plúrima avaliação incidental que se reconduzisse à fixação de diferentes valores patrimoniais tributários para o mesmo prédio, no mesmo momento.

 

Por outro lado, continua a referida decisão arbitral, a caducidade do direito de acção derivada da inércia do lesado por actos administrativos durante um prazo razoável, é generalizadamente justificada por razões de segurança jurídica, necessária para adequado funcionamento da administração pública, que também é um valor constitucional ínsito no princípio do Estado de Direito democrático e é reconhecida generalizadamente em matéria administrativa e tributária.

O prazo de impugnação de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais é perfeitamente razoável, sendo o prazo geral previsto na lei para a impugnação da generalidade dos actos administrativos com fundamentos geradores de vícios de anulabilidade (artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigo 102.º do CPPT).

 

Acrescendo que num Estado de Direito, assente no primado da Lei (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa), estando os tribunais arbitrais obrigados a decidir «de acordo com o direito constituído» (artigo 2.º, n.º 2, do RJAT), o intérprete tem de acatar os ditames legislativos que não colidam qualquer norma de hierarquia superior, não podendo sobrepor ao entendimento legislativo manifestado na lei os critérios classificativos pessoais que ele próprio eventualmente adoptaria se, em vez de ser intérprete, fosse o legislador.

 

Em coerência com as posições acabadas de descrever, sufragadas por parte da jurisprudência, uma das soluções possíveis seria julgar o pedido improcedente e absolver a Requerida do mesmo.

 

Porém, tal como outra parte da jurisprudência vem considerando, com a qual este tribunal se identifica, não deve ser esta a solução definitiva para situações tributárias como a que constitui o objeto do PPA.

 

Vejamos,

 

  1. Da aplicabilidade da revisão oficiosa prevista no artigo 78.º da LGT

 

Na verdade, em determinadas situações e condições, o sistema normativo aceita que, excepcionalmente, haja um desvio às regras enunciadas e possam anular-se liquidações de AIMI incidentes sobre o valor patrimonial tributário de prédios em que o único vício que lhe é imputado esteja justamente na determinação desse valor, ou seja, na avaliação fiscal desses prédios.

 

Excecionalidade esta que, há que reconhecê-lo, tem assento na Lei Geral Tributária que, como é sabido, assume a qualidade de lei dotada de primado lógico que condiciona o conteúdo normativo, quer do Código do IMI, quer do CPPT.

 

Aqui chegados há ainda que emitir pronúncia sobre um dos argumentos invocados pela Requerida, que não se contesta, no sentido de que o tribunal arbitral não deve julgar segundo regras de equidade.

Não se contesta este argumento mas não deixa de se observar, com o devido respeito, que não se reconhece oportunidade ou cabimento para a sua invocação, desde logo porque foi a Requerente que veio suscitar o indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa que formulou ao abrigo do artigo 78.º da LGT, limitando-se o tribunal, como é seu dever, a proceder à apreciação desse pedido e a identificar, interpretar e a declarar o direito aplicável segundo os critérios que considera mais ajustados.

 

O PPA invoca, pois, o artigo 78.º da LGT como suporte para suscitar a apreciação das ilegalidades cometidas em avaliações de terrenos para construção de que era proprietária, que não foram atempadamente contestadas, e que inquinaram as consequentes liquidações de AIMI.

 

Sobre a aplicação deste preceito têm efetivamente sido proferidas decisões arbitrais nem sempre coincidentes.

 

Com efeito, em várias dessas decisões, de que se continua a dar como exemplo a decisão proferida no processo arbitral 487/2020, que este tribunal arbitral acompanha, considera-se inaplicável a revisão prevista no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, uma vez que este preceito se refere a revisão de liquidações ilegais, o que não é a mesma coisa que liquidações lançadas com base em valores patrimoniais ilegais, sendo que só por aplicação dos números 4 e 5 deste mesmo artigo 78.º é que se considera admissível rever atos tributários de liquidação de tributos lançados sobre valores tributários ilegais, e mesmo assim com a limitação temporal de 3 anos a contar do ato tributário da liquidação a rever.

 

O n.º 4 do artigo 78.º da LGT admite, excepcionalmente, a possibilidade de revisão oficiosa de atos de fixação da matéria tributável, a que se reconduzem os atos de fixação de valores patrimoniais, “com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte”.

 

No mesmo sentido se orienta, por exemplo, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 31 de outubro de 2019, proferido no processo n.º 2765/12.8BELRS, invocado pela Requerente, que refere que não obstante o pedido de revisão oficiosa previsto no artigo 78.º da LGT ser “inaplicável aos actos de fixação do VPT (actos administrativos em matéria fiscal)”, tal “não quer dizer que [o pedido de revisão oficiosa] seja de todo imprestável para o caso subjudice, visto que a coberto de um VPT ilegal foram produzidas liquidações de tributo (IMI) que foram exigidas à recorrida”, mormente quando  o erro se traduza “numa injustiça grave e notória concretizada na fixação de um VPT em valor claramente  superior ao que resultaria das disposições legais que deveriam ter sido aplicadas”.

Como veremos infra, quanto às liquidações referentes a 2018, 2019 e 2020, este tribunal arbitral considera verificados os requisitos da referida excecionalidade.

 

2.2.1. Das normas invocadas pela Requerente e apreciação sobre a sua aplicabilidade

 

A Requerente invoca, como fundamento do pedido de revisão e da consequente anulação das liquidações de AIMI impugnadas, a alínea c) do n.º 1 do artigo 115.º do CIMI e o artigo 78.º da LGT.

O primeiro preceito dispõe o seguinte:

Artigo 115.º. 1. Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária, as liquidações são oficiosamente revistas:

 (...)

c) Quando tenha havido erro de que tenha resultado colecta de montante diferente do legalmente devido;

Por sua vez, o n.º 1 do artigo 78.º da LGT determina o seguinte:

Revisão dos actos tributários

1. A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

 

Ora, como se constata, os preceitos transcritos são aplicáveis à revisão das liquidações, não à revisão da matéria tributável. Sendo certo que a Requerente não imputa qualquer ilegalidade às liquidações que foram lançadas com base nos “valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita” (artigo 113., n.º 1, do CIMI), sendo que no caso do AIMI é o valor constante na matriz em 1 de janeiro do ano a que o imposto respeita (artigo 135.º-C do CIMI).

 

Assim, com base nos preceitos legais acabados de transcrever e como supra foi desenvolvido, os pedidos apresentados pela Requerente só poderiam improceder.

 

2.3.Da admissibilidade de revisão oficiosa ao abrigo dos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT

 

Os números 4 e 5 do artigo 78.º da LGT dispõem o seguinte:

4. O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

5. Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.

(…)

Como passa a expor-se, este tribunal arbitral considera que, relativamente às liquidações impugnadas referentes ao ano de 2018, ao ano de 2019 e ao ano de 2020, estão reunidas as condições previstas nos preceitos transcritos para suportar a correcção da matéria tributável que serviu de base ao lançamento dessas liquidações e, com base na matéria colectável corrigida, determinar o excesso do imposto devido.

 

Quanto ao prazo, a norma transcrita prevê que a revisão possa ocorrer nos três anos posteriores ao ano em que foi praticado o ato tributário da liquidação lançada com base na matéria tributável a corrigir.

 

Assim, os três anos posteriores ao de cada ato tributário de liquidação terminam no final do terceiro ano posterior àquele em que esse ato foi praticado.

Ora, quando o pedido de revisão foi apresentado, em 24 de setembro de 2021, tinham já decorrido mais de 3 anos sobre o final do ano de 2017, ano em que foi emitida a liquidação de AIMI referente a esse mesmo ano.

 

Assim, considera este tribunal que o PPA referente à revisão da matéria tributável que serviu de base à liquidação referente ao ano de 2017 deve improceder por intempestividade.

 

Quanto à revisão da matéria tributável com base na qual foram lançados os atos de liquidação referentes aos anos de 2018, 2019 e 2020, o pedido de revisão é tempestivo.

 

2.4.Haverá pois que averiguar se os demais requisitos da revisão se verificam.

 

2.4.1.A primeira exigência é que o erro tenha sido cometido pelos serviços da AT e não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

 

Quanto a este requisito observa-se desde logo que o processo não fornece qualquer elemento que permita concluir que os erros cometidos na avaliação dos terrenos para construção sobre os quais incidiram as liquidações de AIMI referentes a 2018, 2019 e 2020 ficaram a dever-se a qualquer erro informativo fornecido pelo proprietário ora Requerente ou a qualquer outro comportamento negligente do mesmo.

 

Ao contrário, o que se constata é que, como amplamente demonstrado e reconhecido no presente processo, foram os serviços da Requerida que procederam à avaliação com base em interpretação errada do artigo 45.º do CIMI.

 

Com efeito, deu-se por provado, que na avaliação dos terrenos para construção sobre os quais incidiram as ditas liquidações, foram aplicados coeficientes de avaliação como se se tratasse da avaliação de prédios edificados.

 

Vejamos,

 

O artigo 45.º do CIMI, na redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (vigente até à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro) dispõe o seguinte:

Artigo 45.º

Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção:

1 - O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.

2 - O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.

3 - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º

4 - O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º.

5 - Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respectiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente (aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30-12).

 

Por sua vez, o artigo 42.º, para que remete o n.º 3 deste artigo 45.º, dispõe o seguinte, na parte aqui relevante:

Artigo 42.º

Coeficiente de localização

(...)

3 - Na fixação do coeficiente de localização têm-se em consideração, nomeadamente, as seguintes características:

a) Acessibilidades, considerando-se como tais a qualidade e variedade das vias rodoviárias, ferroviárias, fluviais e marítimas;

b) Proximidade de equipamentos sociais, designadamente escolas, serviços públicos e comércio;

c) Serviços de transportes públicos;

d) Localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário.

4 - O zonamento consiste na determinação das zonas homogéneas a que se aplicam os diferentes coeficientes de localização do município e as percentagens a que se refere o n.º 2 do artigo 45.º

 

Ora, o STA tem vindo a decidir, uniformemente, na esteira do Acórdão do Pleno de 23-10-2019, processo n.º 170/16.6BELRS 0684/17, que:

I – Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45.º do Código do IMI, não havendo lugar à consideração do coeficiente de qualidade e conforto (cq).

II – O artigo 45 do CIMI é a norma específica que regula a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.

III – O coeficiente de qualidade e conforto, factor multiplicador do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços não pode ser aplicado analogicamente por ser susceptível de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto.

 

Como se dá conta no processo arbitral 487/2020-T esta jurisprudência foi reafirmada em vários outros acórdãos do STA.

 

Em conclusão, atentando na formulação das normas supra transcritas especificamente aplicáveis à avaliação dos terrenos para construção, vigentes nos anos em que esses prédios foram avaliados e sobre os quais incidiram as liquidações impugnadas, e face à jurisprudência citada, deve concluir-se pela clara ilegalidade das referidas avaliações tendo em conta que foram considerados coeficientes de avaliação aplicáveis aos prédios edificados, mormente os coeficientes de avaliação, de afetação e de qualidade e conforto, donde resultou um valor patrimonial tributário superior ao que resultaria da aplicação adequada das referidas disposições legais.

 

Esta mesma conclusão é extraída da análise das últimas versões do “manual de avaliação de prédios urbanos”, instrução administrativa elaborado pela Direção de Serviços da AT para utilização dos peritos avaliadores, a saber, a versão 5.0 de Maio de 2011, a versão 6.0 de Janeiro de 2018 e a versão 7.0 de Outubro de 2020.

Constata-se que na versão de 2011, na fórmula de avaliações dos terrenos para construção, eram considerados os coeficientes de afectação (ca), de localização (cl) e também de qualidade e conforto (cq), que na versão de 2018 ainda se mandavam aplicar os coeficientes de afectação e de localização e que só com a versão de 2020 é que foi assumido que a avaliação desses bens deveria adaptar-se à jurisprudência entretanto proferida e que deveriam deixar de se aplicar os coeficientes de afectação e de localização.

 

2.4.2. Requisito da injustiça grave ou notória

 

O último requisito da revisão oficiosa prevista no n.º 4 do artigo 78.º da LGT é o de que a tributação decorrente da matéria tributável erradamente fixada se traduza numa “injustiça grave ou notória”.

 

O n.º 5 do artigo 78.º esclarece o alcance do referido requisito, dizendo que “para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional”.

Em linha com a jurisprudência dominante, afigura-se ser manifesta a natureza grave da injustiça provocada com as avaliações em apreço dado que, além do imposto liquidado a mais, a Requerida reconheceu que estava a avaliar erradamente os terrenos para construção, corrigiu esse erro a partir do ano de 2020, mas não assumiu tal erro corrigindo as liquidações referentes aos três anos anteriores como lhe impunha o poder dever a que se refere o citado n.º 4 do artigo 78.º da LGT.

 

2.4.3. Conclusão

 

Verificando-se, assim, os requisitos de que depende a revisão da matéria tributável ao abrigo dos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT, deveria a AT, em vez da omissão de pronúncia dos pedidos de revisão oficiosa que lhe foram dirigidos, ter efetuado essa revisão e anulado as liquidações de AIMI que incidiram sobre os terrenos para construção de que a Requerente era proprietária em 1 de Janeiro de 2018, em 1 de janeiro de 2019 e em 1 de janeiro de 2020.

 

Em reforço desta conclusão invoca-se o Acórdão do STA de 17.02.2021, processo 0578/18, conde expressamente se assumiu que uma vez verificados os requisitos previstos no artigo 78.º, n.º 4 da LGT, é de entender que tal corresponde a um poder-dever que implica a sua aplicação a todos os casos.

 

Essa revisão só não deveria abranger as liquidações respeitantes ao ano de 2017 dado que o pedido de revisão, como supra se demonstrou, foi apresentado para lá do prazo de 3 anos previsto no n.º 4 do artigo 78.º da LGT.

 

3. Anulação e reembolso das quantias pagas e liquidação de juros indemnizatórios

 

A Requerente pede que seja anulada e reembolsada a quantia total de € 16.350,84 (valores parciais indicados supra em I.4.1.15) e que sejam liquidados juros indemnizatórios a incidir sobre a referida quantia.

 

Não obstante considerar procedente a parte do PPA referente às avaliações de terrenos para construção que fixaram os valores patrimoniais tributários sobre os quais incidiram as liquidações de AIMI referentes a 2018 a 2020, como se referiu, o tribunal considera que não há exatidão quanto ao apuramento dos referidos valores e dos montantes de imposto pagos em excesso, cujo método de cálculo foi apresentado no PPA, conforme mapas juntos como DOC 5 (Vd. supra em III 1.6).

 

Com efeito, desde logo, o cálculo do AIMI pago a mais através da metodologia acima apresentada viola o disposto no artigo 135.º-C, n.º 1, do CIMI, segundo o qual o AIMI é liquidado anualmente e incide sobre o VPT inscrito nas matrizes em nome do sujeito passivo no dia 1 de janeiro de cada ano.

 

Assim, para calcular o AIMI devido em relação a determinado ano, para calcular liquidações adicionais ou para anular imposto pago a mais, é necessário respeitar a regra da periodicidade anual do imposto, reportada à situação verificada no dia 1 de janeiro de cada.

Esta regra é indisponível e não pode o intérprete, para facilitar os cálculos, inventar as regras que possam dar mais jeito.

 

Ora, no caso em apreço, a Requerente calculou o AIMI pago a mais comparando o VPT inscrito na matriz em cada um dos referidos anos com o VPT apurado em avaliações efectuadas em 2020 e 2021, aplicando a taxa à diferença entre tais valores.

 

Este método, salvo o devido respeito, além de não ter qualquer apoio legal, dá um resultado errado porque alguns fatores de avaliação não se mantiveram os mesmos ao longo dos anos em causa.

 

É o caso, por exemplo, do fator vc (valor por m2), cuja utilização a Requerente não contestou, e cujo valor tem oscilado ao longo dos anos. 

Assim, tal valor era de 615 euros entre 2006 e 2008, em 2009 baixou para os 609 euros, um ano depois, registava nova descida, para os 603 euros, patamar onde se manteve congelado até 2018, tendo avançado para os 615 euros em 2019, valor que se manteve até 2021.

Sendo certo que a Requerida não achou relevante contestar os valores de imposto calculados pela Requerente, tal não pode valer como aceitação por confissão (artigo 110.º, n.º 6, do CPPT).

 

Assim, à Requerida incumbirá quantificar devidamente os montantes que efetivamente foram pagos a mais em relação aos terrenos para construção de que a Requerente era proprietária em 1 de janeiro dos anos de 2018 a 2020, obedecendo às disposições legais aplicáveis, em execução e com observância do decidido na presente decisão arbitral.

 

No que concerne a juros indemnizatórios, o n.º 1 do artigo 43.º da LGT reconhece o direito a tais juros quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços.

 

O pedido de revisão do acto tributário, para este efeito, é equiparável a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa a que alude o n.º 1 do artigo 78.º da LGT (Vd. ACD STA de 12-7-2006, processo n.º 0402/06).

 

Porém, acrescenta-se no referido ACD, “nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) (...) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 3, da LGT”.

 

No caso em apreço, a norma à face da qual tem de ser aferida a existência de direito a juros indemnizatórios é a alínea c) deste n.º 3 do artigo 43.º da LGT, que estabelece que eles são devidos “quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”.

 

Como decorre da matéria de facto fixada, uma vez que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 24 de setembro de 2021 e não foi apreciado, haverá lugar a juros indemnizatórios a partir de 24 de setembro de 2022.

 

Os juros indemnizatórios devem ser contados com base nos valores que forem apurados em execução da presente decisão arbitral desde a referida data de 24-09-2022 até ao integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

 

  1. DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, o presente Tribunal Arbitral singular, decide:

 

Julgar parcialmente procedente o pedido de anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa quanto às liquidações de AIMI supra identificadas referentes aos anos de 2018, 2019 e 2020;

 

Julgar parcialmente procedente o pedido de anulação das liquidações de AIMI referentes aos mesmos anos, cujos montantes de imposto pago a mais devem ser quantificados em execução da presente decisão arbitral;

 

Julgar parcialmente procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los à Requerente, contados com base nos valores de imposto pago a mais apurados em execução da presente decisão arbitral e desde 24-09-2022 até ao integral reembolso desses valores;

 

Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à anulação do indeferimento tácito da revisão oficiosa e à anulação da liquidação de AIMI, referentes ao ano de 2017, bem como de pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios, absolvendo a Autoridade Tributária e Aduaneira dessa parte dos pedidos.

 

 

VALOR DO PROCESSO

 

De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor indicado no PPA pela Requerente, não contestado pela Requerida, de € 16.350,84.

 

 

CUSTAS

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente na percentagem de 7% e a cargo da Requerida na percentagem de 93%.

 

Lisboa, 28 de setembro de 2022

 

O árbitro,

 

(Joaquim Silvério Mateus)