Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 719/2021-T
Data da decisão: 2022-07-25  IMI  
Valor do pedido: € 227.366,19
Tema: IMI e AIMI – Terrenos para construção (Determinação do VPT); Revisão do Ato tributário.
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SUMÁRIO:

  1. Os atos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são atos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objeto de impugnação autónoma, não podendo na impugnação dos atos de liquidação que com base neles sejam efetuadas discutir-se a legalidade daqueles atos.
  2. Nos termos do artigo 78.º, n.º 4, da LGT, "O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente, nos três anos posteriores ao do ato tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte".
  3. Não tendo, oportunamente, sido impugnados, nos termos e nos prazos legais, os atos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI, e não se verificando qualquer dos pressupostos do n.º 4 do artigo 78.º da LGT, não pode discutir-se a legalidade daqueles atos.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros, Professor Doutor Fernando Borges de Araújo (na qualidade de árbitro-presidente), Dr. Rui Ferreira Rodrigues e Dr. Nuno Maldonado Sousa (na qualidade de árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (adiante designado apenas por CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral Coletivo, acordam no seguinte:

1. Relatório

  1. – A..., S.A., contribuinte n.º..., com sede na Rua ..., n.º..., Lisboa, designada por «Requerente», vem, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por «RJAT», e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, requerer a constituição de tribunal arbitral coletivo, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “Requerida” ou “AT”).

 

  1. - O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 5 de novembro de 2021, tem por objeto a anulação parcial das seguintes liquidações do adicional ao imposto municipal sobre imóveis (AIMI), efetuadas em 30 de junho de cada um dos anos respetivos.

Liquidação n.º 2017..., referente ao ano de 2017, no montante total de 126 279,83 €;

Liquidação n.º 2018..., referente ao ano de 2018, no montante total de 126 279,83 €;

Liquidação n.º 2019..., referente ao ano de 2019, no montante total de 107 266,74 €; e

Liquidação n.º 2020..., referente ao ano de 2020, no montante total de 104 203,49 €.

A Requerente pede ainda que a AT seja condenada ao reembolso do AIMI pago em excesso, no montante global de 227.366,19 €, e ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, até ao reembolso integral do montante referido.

A título subsidiário, requer que seja desaplicada a norma pretensamente se extraída do artigo 45.º do Código do IMI, na redação vigente à data da verificação dos factos tributários, no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do CIMI deveriam ter aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção, por manifesta inconstitucionalidade, por violação do princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i), n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º, ambos da CRP e, consequentemente, ser declarada a ilegalidade dos atos tributários de liquidação de AIMI sub judice, porque assentes em normas inconstitucionais, sendo os mesmos prontamente anulados, com todas as consequências legais.

 

1.3 – Com o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente juntou cinco documentos, procuração forense e comprovativo do pagamento da taxa de arbitragem inicial.

 

1.4 - A Requerente optou por não designar árbitro.

 

1.5 O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AT em 10 de novembro de 2021.

 

1.6 - Os signatários foram designados pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD como árbitros do tribunal arbitral coletivo, nos termos do disposto no artigo 6.º do RJAT, e comunicada a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

1.7 - Em 27 de dezembro de 2021, as Partes foram notificadas dessa designação, não se tendo oposto à mesma, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

1.8 - Por despacho da Subdiretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira para o Património, de 14-12-2021, as avaliações efetuadas nos anos de 2018 e 2019 aos prédios urbanos (terrenos para construção) propriedade da Requerente, a seguir identificados, foram objeto de anulação administrativa, nos termos dos artigos 165.º, n.º 2 e 168.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, com efeitos retroativos e fundamento em invalidade, em virtude de a AT ter acolhido o entendimento preconizado pelos tribunais superiores no sentido de que na determinação do VPT dos terrenos para construção, releva a regra específica constante do artigo 45.º do CIMI e não outra, pelo que não devem ser considerados os coeficientes previstos na expressão matemática do artigo 38.º do CIMI, tais como os coeficientes de localização, de afetação, de qualidade e conforto.

 

Artigo

VPT (€) 2017

VPT (€) 2018

VPT (€) 2019

VPT (€) 2020

Data das avaliações

...

986 109,23

986 109,23

745 000,00

745 000,00

06-03-2014

08-10-2018

 

...

484 675,23

484 675,23

387 530,00

387 530,00

06-03-2014

08-10-2018

 

...

1 148 799,20

1 148 799,20

874 220,00

874 220,00

06-03-2014

08-10-2018

 

...

513 284,78

513 284,78

498 430,00

379 220,00

06-03-2014

08-10-2018

 

...

513 284,78

513 284,78

498 430,00

379 220,00

06-03-2014

10-10-2018

 

...

749 697,00

749 697,00

562 080,00

562 080,00

06-03-2014

08-10-2018

 

...

912 386,98

912 386,98

691 290,00

691 290,00

07-03-2014

08-10-2018

 

...

509 266,35

509 266,35

401 540,00

401 540,00

06-03-2014

08-10-2018

06-03-2019

...

509 266,35

509 266,35

401 540,00

401 540,00

06-03-2014

08-10-2018

06-03-2019

...

509 266,35

509 266,35

401 540,00

401 540,00

06-03-2014

08-10-2018

 

...

509 266,35

509 266,35

401 540,00

401 540,00

06-03-2014

08-10-2018

 

...

614 174,85

614 174,85

491 590,00

491 590,00

06-03-2014

08-10-2018

 

...

947 857,50

947 857,50

700 130,00

700 130,00

06-03-2014

08-10-2018

 

...

496 975,90

496 975,90

410 810,00

402 380,00

06-03-2014

09-10-2018

06-03-2019

...

484 675,23

484 675,23

387 530,00

387 530,00

06-03-2014

09-10-2018

 

...

626 465,30

626 465,30

501 620,00

508 520,00

06-03-2014

09-10-2018

06-03-2019

...

675 984,98

675 984,98

508 350,00

508 350,00

06-03-2014

09-10-2018

 

...

675 984,98

675 984,98

508 350,00

508 350,00

06-03-2014

09-10-2018

 

...

986 109,23

986 109,23

745 010,00

745 010,00

06-03-2014

09-10-2018

 

...

1 001 364,93

1 001 364,93

766 790,00

766 790,00

06-03-2014

20-11-2018

 

...

513 284,78

513 284,78

498 430,00

379 220,00

06-03-2014

09-10-2018

06-03-2019

...

749 697,00

749 697,00

562 080,00

562 080,00

07-03-2014

09-10-2018

 

...

513 284,78

513 284,78

498 430,00

379 220,00

07-03-2014

09-10-2018

06-03-2019

...

513 284,78

513 284,78

498 430,00

379 220,00

07-03-2014

09-10-2018

06-03-2019

...

513 284,78

513 284,78

498 430,00

379 220,00

07-03-2014

09-10-2018

06-03-2019

...

513 284,78

513 284,78

498 430,00

379 220,00

07-03-2014

09-10-2018

06-03-2019

...

234 120,80

234 120,80

234 120,00

237 632,61

19-04-2010

 

 

...

709 216,23

709 216,23

649 980,00

649 980,00

07-03-2014

09-10-2018

 

...

1 158 976,96

1 158 976,96

1 158 976,96

1 176 361,61

19-04-2010

 

 

...

9 010 648,33

9 010 648,33

7 550 080,00

7 550 080,00

07-03-2014

08-10-2018

 

 

28 283 978,72

28 283 978,72

23 530 707,76

22 715 604,22

As avaliações realizadas nos anos de 2010 e 2014 não foram objeto de anulação administrativa

 

1.9 – Por despacho do Presidente do CAAD, de 11 de janeiro de 2022, foi a Requerente notificada para informar, querendo, se mantinha interesse no prosseguimento do procedimento, vindo a mesma declarar afirmativamente, cfr. n.º 2 do artigo 13.º do RJAT.

 

1.10 – Deste modo o pedido ficou reduzido às liquidações de AIMI de 2017 relativas a todos os 30 terrenos para construção e ainda às liquidações dos anos de 2018 a 2020, mas quanto a estas apenas as relativas aos terrenos para construção inscritos na matriz com os n.ºs ... e ..., por haverem sido avaliados no ano de 2010. 

1.11 - Assim, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o tribunal arbitral coletivo ficou constituído em 14 de janeiro de 2022. O prazo para decisão foi prorrogado por dois meses, por despacho, devidamente fundamentado, proferido pelo Presidente deste Tribunal, em 11-07-2022.

 

1.12 - A AT foi notificada, por despacho arbitral de 14 de janeiro de 2022, nos termos do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, para, no prazo de 30 dias, apresentar Resposta, querendo, e solicitar a produção de prova adicional.

 

1.13 - Mais foi notificada para, no mesmo prazo, apresentar o processo administrativo (PA) referido no artigo 111.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

 

1.14 – Em 21 de fevereiro de 2022, a Requerida apresentou a sua Resposta, defendendo-se por impugnação, pugnando pela extinção do processo arbitral por inutilidade superveniente da lide, na parte respeitante às liquidações dos anos de 2018 a 2020, resultantes das avaliações anuladas, em conformidade com o previsto no disposto na alínea c) do artigo 277.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, e quanto ao restante pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não provado, e absolvida a Requerida de todos os restantes pedidos.

Optou pela não junção do PA, anexando apenas um documento e cópia das decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 40/2021-T e 510/2021-T.

 

1.15 – Considerando que as Partes não requereram a produção de qualquer prova, para além da documental junta ao processo, o Tribunal Arbitral, face aos princípios da autonomia na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidades processuais, ínsitos nos artigos 16.º e 29.º, n.º 2, do RJAT, por despacho de 23 de fevereiro de 2022, dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do mesmo diploma, tendo ainda decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas, facultativas, por prazo sucessivo de 10 dias.

 

1.16 - Pelo mesmo despacho foi determinado que a decisão arbitral seria proferida até 14 de julho de 2022, devendo até essa data a Requerente efetuar o pagamento da taxa de arbitragem subsequente, cfr. n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

1.17 – Em 7 de março de 2022 a Requerente apresentou as suas alegações, pronunciando-se pela procedência do pedido de pronúncia arbitral, expurgado das liquidações resultantes das avaliações anuladas administrativamente, com efeitos retroativos e fundamento em invalidade, cfr. artigo 6.º das alegações.

 

1.18 – Em 22 de março de 2022 a Requerida, em face de todos os elementos constantes do processo, da posição assumida em sede de Resposta e sob pena de incorrer numa mera repetição inútil de tudo quanto ali se explanou, optou por não apresentar alegações finais, dando por integralmente reproduzido todo o aduzido no referido articulado.

 

1.19 – As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112/A2011, de 22 de março), encontram-se devidamente representadas e o processo não enferma de nulidades. 

 

Posição das Partes

Da Requerente -

Sustenta o seu pedido de pronúncia arbitral, sinteticamente, da seguinte forma:

A Autoridade Tributária e Aduaneira não se pronunciou sobre o pedido de revisão oficiosa.

No presente processo, a AT não questiona que ocorreram os erros na determinação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção invocados pela Requerente e até refere que já os corrigiu, acolhendo jurisprudência dos Tribunais Superiores (artigo 11.º da Resposta).

A ilegalidade das liquidações assenta em VPTs que foram fixados pela AT com recurso a uma fórmula de cálculo ilegal, uma vez que foi aplicada a fórmula prevista no artigo 38.º do CIMI em vez da do artigo 45.º

Termina, requerendo a procedência do pedido arbitral, por fundado e provado, e, em consequência, a anulação parcial da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado (ato imediato do presente pedido arbitral) e a anulação parcial das Liquidações Contestadas (atos mediatos do presente pedido arbitral) com base em todos os vícios elencados e com todas as consequências legais incluindo o reembolso do imposto indevidamente pago, no montante de 227 366,19 €, acrescido de juros indemnizatórios calculados à taxa legal em vigor de 4% por ano sobre o valor de imposto pago em excesso, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.

A título subsidiário requer que seja desaplicada a norma pretensamente se extraída do artigo 45.º do Código do IMI, na redação vigente à data da verificação do facto tributário, no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do mesmo compêndio legal deveriam ter aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção, por manifesta inconstitucionalidade, por violação do princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º, ambos da CRP e, consequentemente, peticiona que seja declarada a ilegalidade dos atos tributários de liquidação de AIMI sub judice, porque assentes em normas inconstitucionais, sendo os mesmos prontamente anulados, com todas as consequências legais.

 

Da Requerida -

Defendendo-se por impugnação invoca os seguintes argumentos:

Que acolheu o entendimento preconizado pelos tribunais superiores no sentido que na determinação do VPT dos terrenos para construção, releva a regra específica constante do artigo 45.º do CIMI e não outra, pelo que não devem ser considerados os coeficientes previstos na expressão matemática do artigo 38.º do CIMI, tais como os coeficientes de localização, de afetação, de qualidade e conforto.

Por despacho da Sra Subdiretora-geral dos Impostos para o património de 14-12-2021, as avaliações efetuadas nos anos de 2018 e 2019 foram objeto de anulação administrativa, com efeitos retroativos e fundamento em invalidade, nos termos dos artigos 165.º, n.º 2, e 168.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo.

Na sequência da anulação destas avaliações as liquidações que tiveram por base os respetivos VPT também terão que ser anuladas parcialmente.

Já as avaliações realizadas nos anos de 2010 e 2014 não puderam ser anuladas administrativamente por haver decorrido o período de cinco anos a contar da emissão, cfr. n.º 1 do referido artigo 168.º do CPA.

Que a pretensão da Requerente, relativamente às liquidações resultantes das avaliações que foram anuladas, mostra-se satisfeita ficando o pedido esvaziado de conteúdo e desprovido de utilidade, devendo o procedimento ser extinto por impossibilidade superveniente da lide.

Relativamente às liquidações de AIMI de 2017 e as dos anos de 2018 a 2020 relativas  aos  terrenos para construção inscritos na matriz sob os artigos ... e ... não se verifica qualquer ilegalidade dos atos impugnados, nem qualquer erro por parte dos serviços, pois a Administração Tributária limitou-se a dar integral cumprimento ao disposto na lei.

Que o prazo para ser autorizada a revisão da matéria tributável pelo dirigente máximo do serviço não é o previsto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, mas o prazo reduzido aos «três anos posteriores ao do ato tributário», previsto no n.º 4 do artigo 78.º da mesma norma, sendo o pedido intempestivo.

Os vícios do ato que definiu o valor patrimonial tributário (VPT) não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo.

Os atos de avaliação consolidaram-se na ordem jurídica por não ter sido requerido quer a 1.ª quer a 2.ªavaliações.

O princípio da impugnação unitária é expressamente afastado neste caso pelo artigo 86.º da Lei Geral Tributária (LGT).

Não está em causa a violação do princípio da igualdade, mas sim o da consolidação dos atos de fixação de valores patrimoniais.

O Tribunal Arbitral não pode julgar seguindo a equidade.

A Autoridade Tributária e Aduaneira está vinculada ao princípio da legalidade.

Termina, pugnando pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral e pela absolvição da Requerida, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários impugnados e não anulados, uma vez que as liquidações controvertidas consubstanciam uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei por erro nos pressupostos.

 

2. Saneamento

2.1 - As Partes têm personalidade e capacidades judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

                

2.2 - O processo não enferma de nulidades.

 

2.3 - Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

2.4 - O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

 

3. Matéria de Facto

3.1 - Factos provados

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

  1. Em 1 de janeiro dos anos de 2017 a 2020, a Requerente era proprietária dos prédios urbanos (terrenos para construção) referidos em 1.8 do Relatório supra, sitos na freguesia de..., concelho de ..., distrito de Faro, inscritos na respetiva matriz predial urbana com os valores patrimoniais tributários resultantes de avaliações efetuadas nos termos do Código do Imposto sobre Imóveis (CIMI), cfr. documento n.º 2 junto com o PPA, cujo teor se dá como reproduzido.
  2. Em 30 de junho de cada um dos anos supra referidos (2017 a 2020), a AT procedeu à liquidação do AIMI, para pagamento no mês de setembro de cada ano, tendo por base o valor tributável correspondente à soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos (os 30 terrenos para construção referidos na alínea a) supra e 22 outros prédios urbanos propriedade da Requerente), reportados a 1 de janeiro de cada ano e à taxa de 0,4%, cfr. documento n.º 2 junto com o ppa.

Anos

N.º liquidação

Valores tributáveis

Taxa

AIMI

2017

2017 ...

31.569.956,32 €

0,4%

126.279,83 €

2018

2018 ...

31.569.956,32 €

0,4%

126.279,83 €

2019

2019 ...

26.816.685,36 €

0,4%

107.266,74 €

2020

2020 ...

26.050.871,49 €

0,4%

104.203,49 €

TOTAL

464.029,87 €

 

  1. O AIMI relativo aos terrenos para construção encontra-se incluído nas liquidações antes referidas, nos seguintes montantes:

Anos

N.º liquidação

Valores tributáveis

Taxa

AIMI

2017

2017 ...

28.283.978,72 €

0,4%

113.135,91 €

2018

2018 ...

28.283.978,72 €

0,4%

113.135,91 €

2019

2019 ...

23.530.707,76 €

0,4%

94.122,83 €

2020

2020 ...

22.715.604,22 €

0,4%

90.862,42 €

TOTAL

411.257,07 €

 

  1. Nas referidas avaliações, para determinação do valor patrimonial tributário (VPT) dos terrenos para construção, foram considerados os coeficientes previstos na expressão matemática do artigo 38.º do CIMI, tais como os coeficientes de localização, de afetação, de qualidade e conforto e não apenas a regra específica constante do artigo 45.º do mesmo código, cfr. documento n.º 1 junto com a resposta da Requerida;
  2. São as seguintes as diferenças entre os VPT’s dos terrenos para construção consoante o cálculo:
  1. Seja feito considerando os coeficientes de valorização, identificados no artigo 38.º do CIMI para efeitos de cálculo da determinação da coleta de AIMI dos referidos anos; e
  2. Seja feito sem considerar a aplicação dos citados coeficientes de valorização, mas seja, ao invés, feito de acordo com o método de cálculo e respetiva coleta de AIMI nos termos previstos no artigo 45.º, n.º 1 do CIMI, cfr. documento n.º 5 junto com o ppa:

 

 

2017

Freguesia

Artigo matricial

VPT (liquidação de AIMI)

VPT

Desconsiderando coeficientes

Taxa AIMI

Coleta IMI

(segundo liquidação de AIMI)

Coleta AIMI

(Desconsiderando coeficientes)

Diferenças de coletas (valor a restituir)

...

...

€ 986 109,23

€ 372 498,67

0,40%

€ 3 944,44

€ 1 489,99

€ 2 454,44

 

 

€ 484 675,23

€ 193 760,78

0,40%

€ 1 938,70

€ 775,04

€ 1 163,66

 

 

€ 1 148 799,20

€ 437 108,67

0,40%

€ 4 595,20

€ 1 748,43

€ 2 846,76

 

 

€ 513 284,78

€ 185 907,79

0,40%

€ 2 053,14

€ 743,63

€ 1 309,51

 

 

€ 513 284,78

€ 185 907,79

0,40%

€ 2 053,14

€ 743,63

€ 1 309,51

 

 

€ 749 697,00

€ 281 037,86

0,40%

€ 2 998,79

€ 1 124,15

€ 1 874,64

 

 

€ 912 386,98

€ 345 644,85

0,40%

€ 3 649,55

€ 1 382,58

€ 2 266,97

 

 

€ 509 266,35

€ 200 767,16

0,40%

€ 2 037,07

€ 803,07

€ 1 234,00

 

 

€ 509 266,35

€ 200 767,16

0,40%

€ 2 037,07

€ 803,07

€ 1 234,00

 

 

€ 509 266,35

€ 200 767,16

0,40%

€ 2 037,07

€ 803,07

€ 1 234,00

 

 

€ 509 266,35

€ 200 767,16

0,40%

€ 2 037,07

€ 803,07

€ 1 234,00

 

 

€ 614 174,85

€ 245 794,50

0,40%

€ 2 456,70

€ 983,18

€ 1 473,52

 

 

€ 947 857,50

€ 350 060,31

0,40%

€ 3 791,43

€ 1 400,24

€ 2 391,19

 

 

€ 496 975,90

€ 197 263,97

0,40%

€ 1 987,90

€ 789,06

€ 1 198,85

 

 

€ 484 675,23

€ 193 760,78

0,40%

€ 1 938,70

€ 775,04

€ 1 163,66

 

 

€ 626 465,30

€ 249 297,69

0,40%

€ 2 505,86

€ 997,19

€ 1 508,67

 

 

€ 675 984,98

€ 254 170,65

0,40%

€ 2 703,94

€ 1 016,68

€ 1 687,26

 

 

€ 675 984,98

€ 254 165,71

0,40%

€ 2 703,94

€ 1 016,68

€ 1 687,26

 

 

€ 986 109,23

€ 372 501,68

0,40%

€ 3 944,44

€ 1 490,01

€ 2 454,43

 

 

€ 1 001 364,93

€ 383 393,67

0,40%

€ 4 005,46

€ 1 533,57

€ 2 471,89

 

 

€ 513 284,78

€ 185 907,79

0,40%

€ 2 053,14

€ 743,63

€ 1 309,51

 

 

€ 749 697,00

€ 281 037,86

0,40%

€ 2 998,79

€ 1 124,15

€ 1 874,64

 

 

€ 513 284,78

€ 185 907,79

0,40%

€ 2 053,14

€ 743,63

€ 1 309,51

 

 

€ 513 284,78

€ 185 907,79

0,40%

€ 2 053,14

€ 743,63

€ 1 309,51

 

 

€ 513 284,78

€ 185 907,79

0,40%

€ 2 053,14

€ 743,63

€ 1 309,51

 

 

€ 513 284,78

€ 185 907,79

0,40%

€ 2 053,14

€ 743,63

€ 1 309,51

 

 

€ 234 120,80

€ 222 294,29

0,40%

€ 936,48

€ 889,18

€ 47,31

 

 

€ 709 216,23

€ 295 443,35

0,40%

€ 2 836,86

€ 1 181,77

€ 1 655,09

 

 

€ 1 158 976,96

€ 976 170,06

0,40%

€ 4 635,91

€ 3 904,68

€ 731,23

 

 

€ 9 010 648,33

€ 3 431 850,76

0,40%

€ 36 042,59

€ 13 727,40

€ 22 315,19

€ 28 283 978,72

€ 11 441 679,32

 

€ 113 135,91 €

€ 45 766,72 €

€ 67 369,20

 

2018

Freguesia

Artigo matricial

VPT (liquidação de AIMI)

VPT

Desconsiderando coeficientes

Taxa AIMI

Coleta IMI

(segundo liquidação de AIMI)

Coleta AIMI

(Desconsiderando coeficientes)

Diferenças de coletas (valor a restituir)

...

...

€ 986 109,23

€ 372 498,67

0,40%

€ 3 944,44

€ 1 489,99

€ 2 454,44

 

 

€ 484 675,23

€ 193 760,78

0,40%

€ 1 938,70

€ 775,04

€ 1 163,66

 

 

€ 1 148 799,20

€ 437 108,67

0,40%

€ 4 595,20

€ 1 748,43

€ 2 846,76

 

 

€ 513 284,78

€ 185 907,79

0,40%

€ 2 053,14

€ 743,63

€ 1 309,51

 

 

€ 513 284,78

€ 185 907,79

0,40%

€ 2 053,14

€ 743,63

€ 1 309,51

 

 

€ 749 697,00

€ 281 037,86

0,40%

€ 2 998,79

€ 1 124,15

€ 1 874,64

 

 

€ 912 386,98

€ 345 644,85

0,40%

€ 3 649,55

€ 1 382,58

€ 2 266,97

 

 

€ 509 266,35

€ 200 767,16

0,40%

€ 2 037,07

€ 803,07

€ 1 234,00

 

 

€ 509 266,35

€ 200 767,16

0,40%

€ 2 037,07

€ 803,07

€ 1 234,00

 

 

€ 509 266,35

€ 200 767,16

0,40%

€ 2 037,07

€ 803,07

€ 1 234,00

 

 

€ 509 266,35

€ 200 767,16

0,40%

€ 2 037,07

€ 803,07

€ 1 234,00

 

 

€ 614 174,85

€ 245 794,50

0,40%

€ 2 456,70

€ 983,18

€ 1 473,52

 

 

€ 947 857,50

€ 350 060,31

0,40%

€ 3 791,43

€ 1 400,24

€ 2 391,19

 

 

€ 496 975,90

€ 197 263,97

0,40%

€ 1 987,90

€ 789,06

€ 1 198,85

 

 

€ 484 675,23

€ 193 760,78

0,40%

€ 1 938,70

€ 775,04

€ 1 163,66

 

 

€ 626 465,30

€ 249 297,69

0,40%

€ 2 505,86

€ 997,19

€ 1 508,67

 

 

€ 675 984,98

€ 254 170,65

0,40%

€ 2 703,94

€ 1 016,68

€ 1 687,26

 

 

€ 675 984,98

€ 254 165,71

0,40%

€ 2 703,94

€ 1 016,68

€ 1 687,26

 

 

€ 986 109,23

€ 372 501,68

0,40%

€ 3 944,44

€ 1 490,01

€ 2 454,43

 

 

€ 1 001 364,93

€ 383 393,67

0,40%

€ 4 005,46

€ 1 533,57

€ 2 471,89

 

 

€ 513 284,78

€ 185 907,79

0,40%

€ 2 053,14

€ 743,63

€ 1 309,51

 

 

€ 749 697,00

€ 281 037,86

0,40%

€ 2 998,79

€ 1 124,15

€ 1 874,64

 

 

€ 513 284,78

€ 185 907,79

0,40%

€ 2 053,14

€ 743,63

€ 1 309,51

 

 

€ 513 284,78

€ 185 907,79

0,40%

€ 2 053,14

€ 743,63

€ 1 309,51

 

 

€ 513 284,78

€ 185 907,79

0,40%

€ 2 053,14

€ 743,63

€ 1 309,51

 

 

€ 513 284,78

€ 185 907,79

0,40%

€ 2 053,14

€ 743,63

€ 1 309,51

 

 

€ 234 120,80

€ 222 294,29

0,40%

€ 936,48

€ 889,18

€ 47,31

 

 

€ 709 216,23

€ 295 443,35

0,40%

€ 2 836,86

€ 1 181,77

€ 1 655,09

 

 

€ 1 158 976,96

€ 976 170,06

0,40%

€ 4 635,91

€ 3 904,68

€ 731,23

 

 

€ 9 010 648,33

€ 3 431 850,76

0,40%

€ 36 042,59

€ 13 727,40

€ 22 315,19

€ 28 283 978,72

€ 11 441 679,32

 

€ 113 135,91 €

€ 45 766,72 €

€ 67 369,20

 

2019

Freguesia

Artigo matricial

VPT (liquidação de AIMI)

VPT

Desconsiderando coeficientes

Taxa AIMI

Coleta IMI

(segundo liquidação de AIMI)

Coleta AIMI

(Desconsiderando coeficientes)

Diferenças de coletas (valor a restituir)

...

...

€ 745 000,00

€ 372 498,67

0,40%

€ 2 980,00

€ 1 489,99

€ 1 490,01

 

 

€ 387 530,00

€ 193 760,78

0,40%

€ 1 550,12

€ 775,04

€ 775,08

 

 

€ 874 220,00

€ 437 108,67

0,40%

€ 3 496,88

€ 1 748,43

€ 1 748,45

 

 

€ 498 430,00

€ 185 907,79

0,40%

€ 1 993,72

€ 743,63

€ 1 250,09

 

 

€ 498 430,00

€ 185 907,79

0,40%

€ 1 993,72

€ 743,63

€ 1 250,09

 

 

€ 562 080,00

€ 281 037,86

0,40%

€ 2 248,32

€ 1 124,15

€ 1 124,17

 

 

€ 691 290,00

€ 345 644,85

0,40%

€ 2 765,16

€ 1 382,58

€ 1 382,58

 

 

€ 401 540,00

€ 200 767,16

0,40%

€ 1 606,16

€ 803,07

€ 803,09

 

 

€ 401 540,00

€ 200 767,16

0,40%

€ 1 606,16

€ 803,07

€ 803,09

 

 

€ 401 540,00

€ 200 767,16

0,40%

€ 1 606,16

€ 803,07

€ 803,09

 

 

€ 401 540,00

€ 200 767,16

0,40%

€ 1 606,16

€ 803,07

€ 803,09

 

 

€ 491 590,00

€ 245 794,50

0,40%

€ 1 966,36

€ 983,18

€ 983,18

 

 

€ 700 130,00

€ 350 060,31

0,40%

€ 2 800,52

€ 1 400,24

€ 1 400,28

 

 

€ 410 810,00

€ 197 263,97

0,40%

€ 1 643,24

€ 789,06

€ 854,18

 

 

€ 387 530,00

€ 193 760,78

0,40%

€ 1 550,12

€ 775,04

€ 775,08

 

 

€ 501 620,00

€ 249 297,69

0,40%

€ 2 006,48

€ 997,19

€ 1 009,29

 

 

€ 508 350,00

€ 254 170,65

0,40%

€ 2 033,40

€ 1 016,68

€ 1 016,72

 

 

€ 508 350,00

€ 254 165,71

0,40%

€ 2 033,40

€ 1 016,68

€ 1 016,74

 

 

€ 745 010,00

€ 372 501,68

0,40%

€ 2 980,04

€ 1 490,01

€ 1 490,03

 

 

€ 766 790,00

€ 383 393,67

0,40%

€ 3 067,16

€ 1 533,57

€ 1 533,59

 

 

€ 498 430,00

€ 185 907,79

0,40%

€ 1 993,72

€ 743,63

€ 1 250,09

 

 

€ 562 080,00

€ 281 037,86

0,40%

€ 2 248,32

€ 1 124,15

€ 1 124,17

 

 

€ 498 430,00

€ 185 907,79

0,40%

€ 1 993,72

€ 743,63

€ 1 250,09

 

 

€ 498 430,00

€ 185 907,79

0,40%

€ 1 993,72

€ 743,63

€ 1 250,09

 

 

€ 498 430,00

€ 185 907,79

0,40%

€ 1 993,72

€ 743,63

€ 1 250,09

 

 

€ 498 430,00

€ 185 907,79

0,40%

€ 1 993,72

€ 743,63

€ 1 250,09

 

 

€ 234 120,80

€ 222 294,29

0,40%

€ 936,48

€ 889,18

€ 47,31

 

 

€ 649 980,00

€ 295 443,35

0,40%

€ 2 599,92

€ 1 181,77

€ 1 418,15

 

 

€ 1 158 976,96

€ 976 170,06

0,40%

€ 4 635,91

€ 3 904,68

€ 731,23

 

 

€ 7 550 080,00

€ 3 431 850,76

0,40%

€ 30 200,32

€ 13 727,40

€ 16 472,92

€ 23 530 707,76

€ 11 441 679,32

 

€ 94 122,83

€ 45 766,72

€ 48 356,11

 

2020

Freguesia

Artigo matricial

VPT (liquidação de AIMI)

VPT

Desconsiderando coeficientes

Taxa AIMI

Coleta IMI

(segundo liquidação de AIMI)

Coleta AIMI

(Desconsiderando coeficientes)

Diferenças de coletas (valor a restituir)

 

 

€ 745 000,00

€ 372 498,67

0,40%

€ 2 980,00

€ 1 519,65

€ 1 460,35

 

 

€ 387 530,00

€ 193 760,78

0,40%

€ 1 550,12

€ 790,47

€ 759,65

 

 

€ 874 220,00

€ 437 108,67

0,40%

€ 3 496,88

€ 1 783,23

€ 1 713,65

 

 

€ 379 220,00

€ 185 907,79

0,40%

€ 1 516,88

€ 758,43

€ 758,45

 

 

€ 379 220,00

€ 185 907,79

0,40%

€ 1 516,88

€ 758,43

€ 758,45

 

 

€ 562 080,00

€ 281 037,86

0,40%

€ 2 248,32

€ 1 146,52

€ 1 101,80

 

 

€ 691 290,00

€ 345 644,85

0,40%

€ 2 765,16

€ 1 410,09

€ 1 355,07

 

 

€ 401 540,00

€ 200 767,16

0,40%

€ 1 606,16

€ 819,05

€ 787,11

 

 

€ 401 540,00

€ 200 767,16

0,40%

€ 1 606,16

€ 819,05

€ 787,11

 

 

€ 401 540,00

€ 200 767,16

0,40%

€ 1 606,16

€ 819,05

€ 787,11

 

 

€ 401 540,00

€ 200 767,16

0,40%

€ 1 606,16

€ 819,05

€ 787,11

 

 

€ 491 590,00

€ 245 794,50

0,40%

€ 1 966,36

€ 1 002,74

€ 963,62

 

 

€ 700 130,00

€ 350 060,31

0,40%

€ 2 800,52

€ 1 428,11

€ 1 372,41

 

 

€ 402 380,00

€ 197 263,97

0,40%

€ 1 609,52

€ 804,76

€ 804,76

 

 

€ 387 530,00

€ 193 760,78

0,40%

€ 1 550,12

€ 790,47

€ 759,65

 

 

€ 508 520,00

€ 249 297,69

0,40%

€ 2 034,08

€ 1 017,04

€ 1 017,04

 

 

€ 508 350,00

€ 254 170,65

0,40%

€ 2 033,40

€ 1 016,68

€ 996,48

 

 

€ 508 350,00

€ 254 165,71

0,40%

€ 2 033,40

€ 1 036,92

€ 996,51

 

 

€ 745 010,00

€ 372 501,68

0,40%

€ 2 980,04

€ 1 036,92

€ 1 460,38

 

 

€ 766 790,00

€ 383 393,67

0,40%

€ 3 067,16

€ 1 519,66

€ 1 503,07

 

 

€ 379 220,00

€ 185 907,79

0,40%

€ 1 516,88

€ 758,43

€ 758,45

 

 

€ 562 080,00

€ 281 037,86

0,40%

€ 2 248,32

€ 1 146,52

€ 1 101,80

 

 

€ 379 220,00

€ 185 907,79

0,40%

€ 1 516,88

€ 758,43

€ 758,45

 

 

€ 379 220,00

€ 185 907,79

0,40%

€ 1 516,88

€ 758,43

€ 758,45

 

 

€ 379 220,00

€ 185 907,79

0,40%

€ 1 516,88

€ 758,43

€ 758,45

 

 

€ 379 220,00

€ 185 907,79

0,40%

€ 1 516,88

€ 758,43

€ 758,45

 

 

€ 237 632,61

€ 222 294,29

0,40%

€ 950,53

€ 889,18

€ 61,35

 

 

€ 649 980,00

€ 295 443,35

0,40%

€ 2 599,92

€ 1 205,29

€ 1 394,63

 

 

€ 1 176 361,61

€ 976 170,06

0,40%

€ 4 705,45

€ 3 913,32

€ 792,13

 

 

€ 7 550 080,00

€ 3 431 850,76

0,40%

€ 30 200,32

€ 14 000,59

€ 16 199,73

€ 22 715 604,22

€ 11 441 679,32

 

€ 90 862,42

€ 46 590,74

€ 44 271,68

  1. Em 18 de junho de 2021 a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa, nos termos conjugados dos artigos 115.º e 129.º do CIMI e artigo 78.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, dos atos tributários de liquidação do AIMI referidos na alínea c) supra, dos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020, no qual solicitou a anulação parcial dos mesmos, porque OS considerou ilegais em resultado de errónea coleta de imposto relativamente a valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção determinados com base numa fórmula que lhe pareceu ilegal, solicitando ainda o reembolso do imposto liquidado e pago em excesso, no montante global de 227.366,19 €, acrescido de juros indemnizatórios, cfr. documento n.º 1 junto com o PPA.
  2. O pedido de revisão oficiosa não foi decidido até 5 de novembro de 2021, data em que a Requerente apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo da alínea a) do número 1 do artigo 2.º e do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que deu origem ao presente processo.
  3. Por despacho da Subdiretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira para o Património, de 14-12-2021, as avaliações efetuadas nos anos de 2018 e 2019 aos prédios urbanos (terrenos para construção) propriedade da Requerente, constantes do 1.8 do relatório, foram objeto de anulação administrativa, nos termos dos artigos 165.º, n.º 2 e 168.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, com fundamento em invalidade e efeitos retroativos, em virtude de a AT ter acolhido o entendimento preconizado pelos tribunais superiores no sentido de que na determinação do VPT dos terrenos para construção, releva a regra específica constante do artigo 45.º do CIMI e não outra, pelo que não devem ser considerados os coeficientes previstos na expressão matemática do artigo 38.º do CIMI, tais como os coeficientes de localização, de afetação, de qualidade e conforto.
  4. Por despacho do Presidente do CAAD, de 11 de janeiro de 2022, a Requerente foi notificada para informar, querendo, se mantinha interesse no prosseguimento do procedimento, vindo a mesma declarar em sentido afirmativo, cfr. n.º 2 do artigo 13.º do RJAT.
  5. Assim o pedido de pronúncia arbitral ficou reduzido às liquidações de AIMI de 2017 relativas a todos os 30 terrenos para construção referidos em 1.8 do relatório e ainda aos anos de 2018 a 2020, mas quanto a estes, apenas, aos terrenos inscritos na matriz com os n.ºs ... e ... . 

 

 3.2 - Factos não provados         

Com relevo para a decisão da causa, inexistem factos que devam considerar-se como não provados.

 

3.3 - Motivação

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta(m) o pedido formulado pelo autor [(cfr. artigos 596º, nº 1 e 607º, nºs 2 a 4 do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT)] e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. artigo 123º, nº 2 do CPPT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607.º, n.º 5 do CPC). Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação. 

Assim, a convicção do Tribunal fundou-se no acervo documental junto aos autos bem como nas posições assumidas pelas partes.

 

 

4 - Matéria de Direito (fundamentação)

A questão que constitui o thema decidendum consiste em aferir sobre a impugnabilidade dos atos de liquidação de AIMI e IMI com fundamento em vícios próprios dos atos de fixação dos respetivos valores patrimoniais tributários.

 

Inicialmente, o pedido de pronúncia arbitral consistiu na anulação parcial das liquidações de AIMI dos anos de 2017 a 2020.

Porém, como já referido, por despacho da Subdiretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira para o Património, de 14-12-2021, as avaliações efetuadas nos anos de 2018 e 2019 aos terrenos para construção, propriedade da Requerente, foram objeto de anulação administrativa, nos termos dos artigos 165.º, n.º 2 e 168.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, com fundamento em invalidade e efeitos retroativos, em virtude de a AT ter acolhido o entendimento preconizado pelos tribunais superiores no sentido de que na determinação do VPT dos terrenos para construção, releva a regra específica constante do artigo 45.º do CIMI e não outra, pelo que não devem ser considerados os coeficientes previstos na expressão matemática do artigo 38.º do CIMI, tais como os coeficientes de localização, de afetação, de qualidade e conforto.

 

4.1 - Da (in)tempestividade do pedido de revisão oficiosa

Em 1 de janeiro dos anos de 2017 a 2020, a Requerente era proprietária dos prédios urbanos (terrenos para construção) sitos na freguesia de ..., concelho de ..., distrito de Faro, inscritos na respetiva matriz predial com os valores patrimoniais tributários (VPT’s) resultantes de avaliações efetuadas nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), nos montantes globais de 28 283 978,72 €, 28 283 978,72 €, 23 530 707,76 € e 22 715 604,22 €, respetivamente, cfr. alínea c) do probatório.

 

Nos termos dos n.ºs 1 e 4 do artigo 135.º-G do CIMI, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), em 30 de junho de cada um dos anos supra referidos (2017 a 2020) procedeu às seguintes liquidações do adicional ao IMI (AIMI):

Liquidação n.º 2017..., referente ao ano de 2017, no montante total de 126 279,83 €;

Liquidação n.º 2018..., referente ao ano de 2018, no montante total de 126 279,83 €;

Liquidação n.º 2019..., referente ao ano de 2019, no montante total de 107 266,74 €; e

Liquidação n.º 2020..., referente ao ano de 2020, no montante total de 104 203,49 €.

 

Em 18 de junho de 2021, a Requerente apresentou no Serviço de Finanças de Lisboa 2 um pedido de revisão oficiosa das referidas liquidações de AIMI, nos termos do termos dos artigos 115.º e 129.º, ambos do Código do Imposto sobre Imóveis e do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), peticionando a anulação parcial dos atos tributários de liquidação de AIMI referentes a 2017, 2018, 2019 e 2020.

Nos termos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, a revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

As liquidações em causa respeitam ao Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) previsto nos artigos 135.º-A a 135.º-M do Código do IMI (CIMI), referem-se aos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020 e foram efetuadas no dia 30 de junho dos anos a que respeitam.  

Assim, a sua revisão deveria ocorrer, se efetuada por iniciativa da Requerente, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou no prazo de quatro anos após a liquidação, se efetuada por iniciativa da Autoridade Tributária e Aduaneira.

Porém, vem sendo entendimento da jurisprudência e da doutrina que a revisão do ato tributário por iniciativa da administração tributária pode ser efetuada a pedido do contribuinte, como resulta do artigo 78.º, n.º 1, da LGT e do artigo 86.º, n.º 4, alínea a), do CPPT, no prazo de quatro anos contados da liquidação (ou a todo o tempo, no caso de o tributo não ter sido pago), ficando com isso investido de um direito a uma decisão sobre o pedido formulado. E o “erro imputável aos serviçosa que alude o artigo 78.º, nº 1, in fine, da LGT compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como, também, o erro de direito, e essa imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação afetada pelo erro.[1]-[2]-[3]-[4]

No mesmo sentido Jorge Lopes de Sousa e outros[5] quando referem: “(…) De qualquer forma, o dever de a Administração concretizar a revisão de actos tributários, a favor do contribuinte, quando detectar uma situação desse tipo por sua iniciativa ou do contribuinte, existe em relação a todos os tributos, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua actividade (art. 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT), impõem que sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei (…). Assim, é de concluir que, o facto de ter transcorrido o prazo de reclamação graciosa e de impugnação judicial do acto de liquidação, não impede o contribuinte de pedir a revisão oficiosa e impugnar contenciosamente o acto de indeferimento desta”.

Deste modo, considerando que as liquidações impugnadas foram efetuadas em 30 de junho de cada um dos anos a que respeitam e que o pedido de revisão foi apresentado 18 de junho de 2021, terá de concluir-se pela sua tempestividade, uma vez que não foi excedido o prazo de quatro anos referido no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, cfr. o disposto nas alíneas b), e c) do artigo 279.º do Código Civil, por remissão expressa do n.º 1 do artigo 20.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e do n.º 3 do artigo 57.º da LGT.

Por outro lado, nos termos do n.º 1 do artigo 57.º da LGT, o procedimento tributário deve ficar concluído no prazo de quatro meses, o que não se verificou, quedando-se a AT pelo silêncio, referindo o n.º 5 do mesmo preceito que o incumprimento do referido prazo, contado a partir da entrada da petição do contribuinte no serviço competente da administração tributária, faz presumir o seu indeferimento para efeitos de recurso hierárquico, recurso contencioso ou impugnação judicial.

Deste modo, considerando que o pedido de revisão oficiosa deu entrada nos serviços em 18 de junho de 2021, formou-se a presunção de indeferimento tácito em 18 de outubro de 2021. Por consulta ao Sistema de Gestão Processual (SGP) do CAAD verifica-se que o pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 05 de novembro de 2021, ou seja, no prazo de 90 dias previsto na alínea a), n.º 1 do artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, contado a partir de 18 de outubro de 2021, ou seja, da formação da presunção de indeferimento tácito, de acordo com o previsto na alínea d), n.º 1 do artigo 102.º do CPPT.

Nos artigos 24.º a 26.º da Resposta, a Requerida invoca exceção perentória de intempestividade do pedido de revisão oficiosa relativamente aos atos de fixação da matéria tributável, ou seja, aos atos de fixação dos valores patrimoniais. Porém, quer do pedido de revisão oficiosa, quer do pedido de pronúncia arbitral, resulta claro que o pedido da Requerente consiste na anulação parcial das liquidações efetuadas, pelo que o prazo para dedução do pedido de revisão conta-se nos termos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT e não do seu n.º 4. 

Deste modo é entendimento do Tribunal Arbitral que o pedido de revisão oficiosa é tempestivo, não tendo a AT razão quanto a esta questão.

 

4.2 - Da errónea determinação do valor patrimonial tributário dos “terrenos para construção”

Nos termos do n.º 1 do artigo 135.º-B do CIMI, o adicional ao imposto municipal sobre imóveis incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular, reportados a 1 de janeiro do ano a que respeita o adicional, cfr. n.º 1 do artigo 135.º-C do mesmo código.

O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é determinado nos termos do n.º 1 do artigo 45.º do CIMI, na redação vigente à data dos factos tributários que originaram as liquidações de AIMI, ou seja, em 1 de janeiro de cada um dos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020 (redação anterior à introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro).

Na determinação do VPT dos terrenos para construção releva a regra específica constante do artigo 45.º do CIMI e não outra, pelo que não devem ser considerados, como erroneamente foram, os coeficientes previstos na expressão matemática do artigo 38.º do CIMI, tais como os coeficientes de localização, de afetação, de qualidade e conforto.

Este erro nas avaliações efetuadas nos anos de 2010, relativamente aos terrenos para construção inscritos na respetiva matriz sob os artigos ... e .., e nos anos de 2014, 2018 e 2019, relativamente aos restantes 28 terrenos para construção, é por demais evidente nos mapas constantes da alínea e) do probatório, sendo inclusivamente reconhecido pela Autoridade Tributária e Aduaneira, conforme despacho da Subdiretora-Geral para o Património, de 14-12-2021, que procedeu à anulação administrativa das avaliações que o n.º 1 do artigo 168.º do Código do Procedimento Administrativo ainda permitia, ou seja, das realizadas nos anos de 2018 e 2019, uma vez que as de 2010 e 2014 excederam o prazo de cinco anos previsto naquele preceito, que refere: “Os atos administrativos podem ser objeto de anulação administrativa no prazo de seis meses, a contar da data do conhecimento pelo órgão competente da causa de invalidade, ou, nos casos de invalidade resultante de erro do agente, desde o momento da cessação do erro, em qualquer dos casos desde que não tenham decorrido cinco anos, a contar da respetiva emissão”.

Assim, como em 1 de janeiro de 2017 os VPT’s constantes da matriz resultaram de avaliações efetuadas em 2010, relativamente aos terrenos para construção inscritos na respetiva matriz sob os artigos ... e ..., e em 2014 para os restantes 28 terrenos, tais avaliações não foram anuladas administrativamente por já haver decorrido o período de cinco anos contados da sua realização.

Deste modo a liquidação do AIMI de 2017 teve por base os referidos VPT’s no montante de € 28.283.978,72, resultando imposto na quantia de € 113.135,91, que este Tribunal Arbitral entende corretamente liquidado.

O mesmo se diga quanto às liquidações de AIMI dos anos 2018, 2019 e 2020, respeitantes aos terrenos para construção inscritos na matriz sob os artigos ... e ..., uma vez que serviram de base os VPT’s constantes da matriz em 1 de janeiro de cada um dos anos. Assim, quanto ao terreno para construção inscrito sob o artigo ..., nas liquidações dos anos de 2018 e 2019, serviu de base o VPT no montante de € 234.120,80, e na liquidação de 2020 o VPT de € 237.632,61. Quanto ao terreno para construção inscrito sob o artigo ..., nas liquidações dos anos de 2018 e 2019, serviu de base o VPT no montante de € 1.158.976,96, e na liquidação de 2020 o VPT de € 1.176.361,16.

 

4.3 - Da consolidação na ordem jurídica dos atos tributários que fixaram os VPT’s em vigor nos períodos de tributação (2017 a 2020)

De acordo com o documento n.º 5 junto ao ppa e a informação da Direção de Serviços de Avaliações de 13-12-2021 (Processo n.º ...2021...) que constitui o documento n.º 1 junto à Resposta da AT, os terrenos para construção em causa foram avaliados para efeitos de IMI, servindo de base à liquidação do AIMI os VPT’s constantes da matriz predial em 1 de janeiro do ano a que o mesmo imposto respeita, conforme mapa constante em 1.8 do relatório supra.

Os atos de avaliação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de 90 dias após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade, mas apenas depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação, ou seja, a segunda avaliação prevista no artigo 76.º do CIMI, como determina o n.º 7 do artigo 134.º do CPPT.

No caso dos autos, a Requerente não lançou mão do pedido de segunda avaliação, que constituía condição de procedência da impugnação. Não o fazendo nos termos previstos nas normas do artigo 76.º do CIMI, tornou inviável o seu recurso à via contenciosa ou arbitral pois só do resultado das segundas avaliações cabe impugnação, como decorre logo da norma do artigo 77.º, n.º 1 do CIMI. Este procedimento de segunda avaliação é processualmente uma condição da ação, i.e. um requisito prévio que o impugnante tem de cumprir para lançar mão da impugnação. Note-se até que esta condição da ação não é apenas imposta sobre o contribuinte; também a câmara municipal ou a junta de freguesia que seja beneficiária da receita, só pode reclamar contenciosamente do resultado da 2.ª avaliação (artigo 77.º-3 do CIMI). Esta condição da ação, que tem caráter substantivo, tem depois tratamento processual na norma do artigo 134.º, n.º 7, 2.ª parte, do CPPT que a trata de forma singular; ao contrário do que faz nas restantes normas deste artigo, nos n.ºs 1 a 6. Enquanto nestes primeiros números o legislador se debruça sobre a tramitação da impugnação (causas e prazo de propositura), na 2.ª parte a norma surge claríssima: a impugnação “só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação”. Como a Requerente não requereu a 2.ª avaliação, para esgotar os meios graciosos, a impugnação não poderá ter lugar, como da própria dedução desta.

 

Os atos de avaliação do VPT também podem ser objeto de revisão oficiosa, nos termos do n.º 4 do artigo 78.º da LGT, nos três anos posteriores ao do ato tributário com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte, como indubitavelmente se verifica no caso dos autos em que é manifesto o vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, uma vez que a AT procedeu à determinação do VPT através de uma expressão não prevista no artigo 45.º do CIMI.

O pedido de revisão oficiosa em causa nos presentes autos foi apresentado em 18 de junho de 2021, mas teve por objeto as liquidações de AIMI efetuadas em 30 de junho de cada um dos anos a que respeitam (2017, 2018, 2019 e 2020) e não os atos de fixação do VPT, como se conclui pelo petitório “Deferido o presente pedido de revisão oficiosa e que, consequentemente se proceda à anulação parcial dos actos tributários de liquidação de AIMI sub judice referentes a 2017, 2018, 2019 e 2020, porque manifestamente ilegais em resultado de errónea colecta de imposto relativamente a valores patrimoniais tributários de terrenos para construção determinados com uma fórmula que, ao aplicar os coeficientes acima mencionados (refere-se aos coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto), não lhes era legalmente aplicável”.

Assim o vício na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios deveria ter sido objeto de segunda avaliação nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 76.º do CIMI, e não de pedido de revisão oficiosa ao abrigo do artigo 115.º do CIMI e n.º 1 do artigo 78.º da LGT, como efetivamente foi, por respeitar a vícios das liquidações de AIMI.

Com efeito, a Requerente não imputa aos atos sindicados (liquidações de AIMI) qualquer vício específico da liquidação, questionando apenas os VPT’s dos terrenos para construção por ilegalidade na determinação dos mesmos (inobservância do disposto no artigo 45.º do CIMI).

Por nos parecer extremamente relevante, passamos a transcrever o seguinte excerto do CPPT, Jorge Lopes e Sousa, anotado e comentado, ed. Áreas Editora, 6.ª edição, pág. 433, com o qual concordamos:

“ (…) 5 – Impugnação autónoma

Como resulta dos n.ºs 1 e 2 deste art. 134.º do CPPT, os actos de fixação de valores patrimoniais podem ser impugnados autonomamente, com fundamento em qualquer ilegalidade.

Esta impugnabilidade autónoma está em sintonia com o preceituado no art. 86.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que os actos de avaliação directa são directamente impugnáveis.

Estes actos, assim, quando inseridos num procedimento de liquidação de um tributo, são actos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa.

Tratando-se de actos destacáveis e inexistindo qualquer restrição relativa às ilegalidades que podem ser objecto de impugnação contenciosa, os vícios de que enferme o referido acto de avaliação apenas poderão ser arguidos em impugnação do acto de avaliação e não do acto de liquidação que seja praticado com base naquele, já que a atribuição da natureza de acto destacável tem por fim, precisamente, autonomizar os vícios deste acto para efeitos de impugnação contenciosa.

Sendo assim, não haverá possibilidade de apreciação da correção do mesmo acto em impugnação do acto de liquidação, tendo aí de ter-se como pressuposto o valor fixado na avaliação.

Esse entendimento do valor fixado no acto de avaliação para praticar o acto de liquidação, verifica-se mesmo que o acto de avaliação venha a ser impugnado, pois a impugnação deste não tem efeito suspensivo (n.º 7 deste art. 134.º).

Nestes casos, se vier a ser reconhecida razão ao contribuinte no processo de impugnação do acto de avaliação, o acto de liquidação que nele assentou cairá, por passar a estar afectado de nulidade, como acto consequente [alínea i) do n.º 2 do artigo 133.º do CPA]”.

Igualmente, transcrevemos parte do acórdão arbitral de 30-04-2020 (Processo n.º 540/2020-T do CAAD), a cujo coletivo presidiu o Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousa e que acompanhamos:

 “ (…) Na verdade, por força do preceituado no artigo 15.º do CIMI a avaliação dos prédios urbanos é directa e, por isso, ela é «susceptível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa» (artigo 86.º, n.º 1, da LGT).

Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo 86.º da LGT, «a impugnação da avaliação directa depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão».

Os termos da impugnação da avaliação directa de valores patrimoniais constam do artigo 134.º do CPPT e, que se estabelece que:

– «os atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de três meses após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade» (n.º 1); e

– «a impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação» (n.º 7).

Como decorre do n.º 1 do artigo 134.º, ao fixar um prazo especial de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais e do n.º 7 do mesmo artigo, ao exigir o esgotamento dos meios graciosos, está afastada a possibilidade de essa impugnação se fazer, por via indirecta, na sequência da notificação de actos de liquidação que a tenham como pressuposto, como são os de IMI, sem observância do prazo de impugnação referido e sem esgotamento dos meios de revisão previstos no procedimento de avaliação.

No âmbito do IMI, quando o sujeito passivo não concordar com o resultado da avaliação directa de prédios urbanos, pode requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado (artigo 76.º, n.º 1, do CIMI).

Só do resultado das segundas avaliações (que esgotam os meios graciosos do procedimento de avaliação) cabe impugnação judicial nos termos do CPPT (artigo 77.º, n.º 1 do CIMI).

Isto significa que os actos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são actos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objecto de impugnação autónoma, não podendo na impugnação dos actos de liquidação que com base neles sejam efectuadas discutir-se a legalidade daqueles actos.

Assim, o sujeito passivo de IMI pode impugnar as liquidações, mas não são relevantes como fundamentos de anulação eventuais vícios dos antecedentes actos de fixação de valores patrimoniais, que se firmaram na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos n.ºs 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT.

Na verdade, não sendo impugnado tempestivamente o acto de fixação de valores patrimoniais, forma-se caso decidido ou resolvido sobre a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de IMI, sendo que «o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita» (artigo 113.º do CIMI).

A natureza de actos destacáveis que é atribuída aos actos de avaliação de valores patrimoniais é, há muito, reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, desde o tempo em que regime idêntico ao do artigo 134.º, n.ºs 1 e 7 do CPPT, previsto nos n.ºs 1 e 6 do artigo 155.º do Código de Processo Tributário de 1991, quer em sede de Sisa, quer de contribuição autárquica, quer de IMI quer de IMT, como pode ver-se pelos seguinte acórdãos:

– de 30-06-1999, processo n.º 023160;

– de 02-04-2003, processo n.º 02007/02;

– de 06-02-2011, processo n.º 037/11;

– de 19-09-2012, processo n.º 0659/12;

– de 05-02-2015, processo n.º 08/13;

– de 13-7-2016, processo n.º 0173/16; e

– de 10-05-2017, processo n.º 0885/16”.

 

Também José CASALTA NABAIS, in “Direito Fiscal”, Almedina, p. 253, que acompanhamos, refere que: “Traduzindo-se a liquidação stricto sensu na determinação da coleta através da aplicação da taxa à matéria coletável constitui um ato administrativo distinto de todos os que o precederam no respetivo procedimento, como seja o da avaliação do valor patrimonial”.

Este entendimento, de resto, está em conformidade com a posição do Tribunal Constitucional vertida no acórdão n.º 718/2017, no qual se entendeu, em suma, que: “Ora, configurando o ato (...), como se viu, um ato administrativo autónomo, com efeitos próprios e que se estendem para além do ato de liquidação do imposto que imediatamente se lhe segue, nada parece haver de anómalo, do ponto de vista da ratio subjacente a um tal regime, que a sua impugnação autónoma constitua para o contribuinte um ónus e não uma mera faculdade; ou, numa formulação mais próxima da seguida pela recorrente nas suas alegações, na regra segundo a qual, se aquele ato não for judicialmente impugnado, no prazo legalmente fixado para o efeito, não mais o poderá ser, excluindo-se a possibilidade de impugnação do ato consequente - como o de liquidação do tributo -, com fundamento em vícios que atinjam aquele seu ato pressuposto.”

Assim, os atos que fixaram o VPT mostram-se consolidados na ordem jurídica, uma vez que a Requerente não lançou mão de nenhum dos meios de reação antes referidos (impugnação judicial prevista no n.º 1 do artigo 134.º do CPPT, depois de esgotados os meios previstos no procedimento de avaliação (segunda avaliação prevista no artigo 76.º do CIMI), como determina o n.º 7 daquele artigo ou pedido de revisão oficiosa nos termos dos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT).

Por isso tem razão a Autoridade Tributária e Aduaneira quanto a esta questão.

 

4.4 - Da faculdade de a AT anular todos e quaisquer atos de fixação do VPT, praticados ao longo do tempo ou apenas os que tenham ocorrido há menos de cinco anos

A revogação e a anulação dos atos administrativos em matéria tributária, estão previstas no artigo 79.º da Lei Geral Tributária (LGT), sendo subsidiariamente aplicável o regime previsto nos artigos 165.° a 174.° do Código de Procedimento Administrativo (CPA), por força da alínea c) do artigo 2.º da LGT.

O n.º 1 do artigo 165.º do CPA define revogação, como o ato administrativo que determina a cessação dos efeitos de outro ato, por razões de mérito, conveniência ou oportunidade.

Por outro lado o n.º 2 do mesmo artigo define anulação administrativa como o ato administrativo que determina a destituição de outro ato, com fundamento em invalidade.

A AT acolheu o entendimento preconizado pelos tribunais superiores e tribunais arbitrais no sentido de que na determinação do VPT dos terrenos para construção, releva a regra específica constante do artigo 45.º do CIMI e não outra, pelo que não devem ser considerados os coeficientes previstos na expressão matemática do artigo 38.º do CIMI, tais como os coeficientes de localização, de afetação, de qualidade e conforto.

O que motivou que o referido artigo 45.º fosse alterado pelo artigo 392.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2021, por força do disposto no artigo 445.º da mesma lei.

Deste modo, para corrigir tal invalidade, que tem como consequências as previstas no artigo 172.º do mesmo diploma, a AT lançou mão do artigo 168.º do CPA, o qual no seu n.º 1 refere: “Os atos administrativos podem ser objeto de anulação administrativa no prazo de seis meses, a contar da data do conhecimento pelo órgão competente da causa de invalidade, ou, nos casos de invalidade resultante de erro do agente, desde o momento da cessação do erro, em qualquer dos casos desde que não tenham decorrido cinco anos, a contar da respetiva emissão”.

E no n.º 5 refere ”Quando, nos casos previstos nos n.ºs 1 e 4, o ato se tenha tornado inimpugnável por via jurisdicional, o mesmo só pode ser objeto de anulação administrativa oficiosa.

Neste sentido se pronunciou o Tribunal Central Administrativo Sul, de 14.10.2021, Acórdão n.º 23/16.8BELRS:

“I. Não constando da LGT nem do CPPT norma definidora do prazo para a revogação e anulação administrativas dos atos tributários, hão-de acolher-se as regras constantes dos artigos 165° a 174° do Código de Procedimento Administrativo (CPA).

II. Os atos administrativos podem ser objeto de anulação administrativa no prazo de 6 meses, a constar da data do conhecimento do órgão da causa da invalidade ou, nos casos de invalidade resultante de erro do agente, desde o momento da cessação do erro e em qualquer caso, desde que não tenham decorrido 5 anos, a contar da respetiva emissão – artigo 168/1 CPA”.

 

Como referido no documento n.º 1 da Resposta da AT, dos 30 terrenos para construção, 28 foram avaliados em 2014, 2018 e 2019 e apenas os inscritos na matriz predial com os artigos ... e ... foram avaliados em 19 de abril de 2010.

Deste modo, relativamente aos atos de avaliação de 2010 e 2014 já havia decorrido o prazo de cinco anos previsto no n.º 1 do artigo 168.º do CPA, pelo que não se mostra legalmente permitido proceder à sua anulação administrativa.

Já quanto às avaliações ocorridas nos anos de 2018 e 2019, por despacho da Subdiretora-Geral da AT para o Património, de 14-02-2021, foram anuladas administrativamente, com efeitos retroativos, nos termos do n.º 1 do artigo 168.º do CPA, por ainda não ter decorrido o prazo de cinco anos.

Assim, como refere a AT no artigo 19.º da sua resposta: “Face ao disposto na lei, desde já se afirma, que quanto às liquidações de AIMI de 2017 dos supra referidos 28 terrenos para construção e quanto às liquidações de 2017 a 2020 dos terrenos respeitantes às matrizes com os números ... e ... não se verifica qualquer ilegalidade dos atos impugnados, nem qualquer erro por parte dos serviços, pois a Administração Tributária limitou-se a dar integral cumprimento ao disposto na lei”.

Pelo que, como refere no artigo 22.º: “Assim, podemos concluir que as liquidações de 2017 dos 28 imóveis identificados e as liquidações de todos os anos referentes aos imóveis ... e..., tiveram por base os valores patrimoniais válidos e consolidados na data de 1 de janeiro do ano da liquidação (cf. artº 135.º-A, n.º 3 do CIMI), sendo por isso válidas e legais”. 

 

Nos termos do artigo 13.º, n.º 2, do RJAT, a Requerente foi notificada da anulação das referidas avaliações e aguarda a anulação parcial das liquidações, vindo a mesma, em 14-01-2022, pronunciar-se pelo interesse no prosseguimento do procedimento, cfr. documento de 14-01-2022 junto aos autos.  

  

4.5 - Da anulabilidade (parcial) dos atos tributários de liquidação de AIMI em resultado da errónea determinação do valor patrimonial tributário dos “terrenos para construção”

Quanto ao pedido de anulação parcial das liquidações contestadas por as mesmas assentarem em valores patrimoniais tributários (VPT’s) determinados com recurso a uma fórmula de cálculo ilegal (i.e., com aplicação dos coeficientes de localização, afetação, qualidade e conforto e da majoração constantes do artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI, que não podem ser aplicados na avaliação dos terrenos para construção), o Tribunal Tributário propende pela improcedência do mesmo.

Com efeito, as referidas liquidações de AIMI incidem sobre a soma dos VPT’s dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo é titular, cfr. n.º 1 do artigo 135.º-B do CIMI, correspondendo o valor tributável à soma dos VPT’s reportados a 1 de janeiro do ano a que respeita o AIMI dos prédios que constam nas matrizes prediais na titularidade do sujeito passivo, cfr. n.º 1 do artigo 135.º-C do mesmo código.

No caso concreto serviram de base à liquidação do AIMI os VPT’s constantes das matrizes em 1 de janeiro dos anos a que o imposto respeita, ou seja, 2017, 2018, 2019 e 2020.

Assim os vícios na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios deveriam ter sido objeto de segunda avaliação nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 76.º do CIMI, e não de pedido de revisão oficiosa ao abrigo do artigo 115.º do CIMI e n.º 1 do artigo 78.º da LGT, como efetivamente foram, por respeitarem a vícios das liquidações de IMI.

Já os atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de 90 dias após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade, mas apenas depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação, ou seja, a segunda avaliação prevista no artigo 76.º do CIMI, como determina o n.º 7 do artigo 134.º do CPPT, podendo também ser objeto de pedido de revisão nos termos dos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT.

Com efeito a Requerente não imputa aos atos sindicados (liquidações de AIMI) qualquer vício específico da liquidação, questionando apenas os VPT’s dos terrenos para construção por ilegalidade na determinação dos mesmos (inobservância do disposto no artigo 45.º do CIMI).

Pelo exposto, os alegados vícios dos actos de avaliação invocados pela Requerente não foram objecto de impugnação tempestiva autónoma, pelo que não podem ser fundamento de anulação da liquidação de AIMI, improcedendo necessariamente o pedido de pronúncia arbitral.

O princípio constitucional invocado pela Requerente nos artigos 105.º a 108.º do ppa, designadamente o da legalidade tributária, consagrado na alínea i), n.º 1 do artigo 165.º e n.º 2 do artigo 103.º da Constituição de República Portuguesa, não contende com tal regime de impugnação autónoma dos atos de avaliação de valores patrimoniais.

Na verdade, este regime de impugnação autónoma justifica-se por razões de coerência do sistema jurídico tributário inerentes ao facto de cada ato de avaliação poder servir de suporte a uma pluralidade de atos de liquidação de impostos (liquidações anuais de IMI e eventuais liquidações de IMT) e ser relevante para vários efeitos a nível de IRS, IRC e Imposto do Selo, o que não se compagina com a possibilidade de plúrima avaliação incidental que se reconduzisse à fixação de diferentes valores patrimoniais tributários para o mesmo prédio, no mesmo momento.

Por outro lado, a caducidade do direito de ação derivada da inércia do lesado por atos administrativos durante um prazo razoável, é generalizadamente justificada por razões de segurança jurídica, necessária para adequado funcionamento da administração pública, que também é um valor constitucional ínsito no princípio do Estado de Direito democrático e é reconhecida generalizadamente em matéria administrativa e tributária.

O prazo de impugnação de três meses para impugnação de atos de fixação de valores patrimoniais é perfeitamente razoável, sendo o prazo geral previsto na lei para a impugnação da generalidade dos atos administrativos com fundamentos geradores de vícios de anulabilidade (artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigo 102.º do CPPT).

Num Estado de Direito, assente no primado da Lei (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa), estando os tribunais arbitrais obrigados a decidir «de acordo com o direito constituído» (artigo 2.º, n.º 2, do RJAT), o intérprete tem de acatar os ditames legislativos que não colidam qualquer norma de hierarquia superior, não podendo sobrepor ao entendimento legislativo manifestado na lei os critérios classificativos pessoais que ele próprio eventualmente adoptaria se, em vez de ser intérprete, fosse o legislador.

Como referido no acórdão arbitral de 15-02-2022 (Processo n.º 676/2021-T do CAAD), a cujo coletivo presidiu o Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousa e que acompanhamos:

“Pelo exposto, as ilegalidades dos actos de avaliação invocados pela Requerente, que não foram objecto de impugnação tempestiva autónoma, não podem considerar-se ilegalidades dos actos de liquidação de AIMI, susceptíveis de serem invocadas em processo impugnatório destes actos.

(…) Ora, os actos de liquidação de AIMI, em si mesmos, não enfermam de qualquer erro imputável aos serviços, pois, por força do disposto no artigo 135.º-C, n.º 1, do CIMI «o valor tributável corresponde à soma dos valores patrimoniais tributários, reportados a 1 de janeiro do ano a que respeita o adicional ao imposto municipal sobre imóveis, dos prédios que constam nas matrizes prediais na titularidade do sujeito passivo».

Assim, tendo as liquidações sido efectuadas com base nos valores patrimoniais dos prédios que constavam das matrizes a 1 de Janeiro dos anos a que respeita o AIMI, não há erro da Administração Tributária ao efectuar as liquidações e, por isso, o pedido de revisão oficiosa não podia ser deferido ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT”.

Por isso, as liquidações de AIMI não podem ser anuladas com fundamento nos alegados erros nas avaliações dos terrenos para construção.

Neste sentido podem ver-se, entre outras, as seguintes decisões arbitrais proferidas nos processos do CAAD: 15-02-2022 (Proc. 676/2021-T); 25-01-2022 (Proc. 510/2021-T); 30-09-2021 (Proc. 597/2020-T); 30-04-2020 (Proc. 540/2021-T); 10-05-2021 (487/2020-T) e 23-02-2022 (Proc. 484/2020-T).

Pelo exposto, a Autoridade Tributária e Aduaneira tem razão quanto a esta questão.

 

Porém, não obstante a Requerente ter pedido a revisão oficiosa nos termos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, dirigido aos atos de liquidação, também o podia fazer nos termos dos n.ºs 4 e 5 do mesmo artigo, mas destinado à revisão da matéria tributária, inclusivamente de atos de fixação de valores patrimoniais quando são eles que definem a matéria tributável, após a normal consolidação que decorre da não impugnação das avaliações nos prazos legais.

Com efeito, como é referido no Processo n.º 676/2021-T do CAAD “(..) O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente, nos três anos posteriores ao do ato tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte, (…) apenas se considerando notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.   

Da revisão da matéria tributável prevista no n.º 4 do artigo 78.º decorrerá a anulação dos actos consequentes que a tenham como pressuposto, como são os actos de liquidação de IMI ou AIMI, embora sem os efeitos retroactivos previstos para a impugnação tempestiva, designadamente a nível de juros indemnizatórios, como decorre dos n.ºs 1 e 3 alíneas b) e c) do artigo 43.º da LGT.

Apesar de no n.º 4 do artigo 78.º da LGT se referir que «o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente» a «revisão da matéria tributável», trata-se de um poder-dever, estritamente vinculado, cujo cumprimento é sujeito a controle jurisdicional, como tem entendido o Supremo Tribunal Administrativo:

– «o facto de a lei determinar que “o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente,” a revisão, não obsta à possibilidade de convolação da reclamação graciosa em pedido de revisão com fundamento em injustiça grave ou notória pois tal poder de autorização não é mera faculdade mas, antes, um verdadeiro poder-dever»; trata-se de «um poder estritamente vinculado»; ( )

– «a previsão constante do dito art. 78.º n.º 4, como excepcional, é de entender como correspondendo a um poder-dever que implica a sua aplicação a todos os casos, verificados que sejam os referidos requisitos».

(…) O prazo para ser autorizada a revisão da matéria tributável pelo dirigente máximo do serviço não é o previsto no n.º 1, mas sim o prazo reduzido aos «três anos posteriores ao do acto tributário», previsto no n.º 4 do artigo 78.º.

Os «três anos posteriores ao do acto tributário» terminam no dia 31 de Dezembro do terceiro ano posterior àquele em que foi praticado o acto tributário”.

Passando ao caso concreto, verifica-se que as liquidações sobre escrutínio respeitam ao AIMI dos anos de 2017 (todos os 30 terrenos para construção) e ainda dos anos de 2018, 2019 e 2020, mas relativamente a estes aos inscritos na matriz sob os artigos ... e ... .

Assim, tendo o pedido de revisão sido apresentado em 18 de junho de 2021, o mesmo é intempestivo quanto ao ano de 2017, uma vez que deveria ter sido apresentado até 31 de dezembro de 2020, ou seja, nos três anos posteriores ao do ato tributário.

Já quanto aos restantes anos (2018 a 2020) respeitantes àqueles artigos matriciais, o pedido de revisão é tempestivo porque foi apresentado antes de 31 de dezembro dos três anos posteriores ao dos atos tributários de liquidação.

Assim, improcede a pretensão da Requerente quanto à anulação parcial da liquidação n.º 2017 ... do AIMI do ano de 2017, no montante de € 67 369,20.

Mas, quanto às liquidações do AIMI dos anos de 2018, 2019 e 2020, relativas aos terrenos para construção inscritos na matriz sob os artigos ... e ..., procede a pretensão da Requerente quanto à anulação parcial, nos seguintes montantes:

Liquidação n.º 2018 ..., do ano de 2018, no montante de 778,54 €, respeitante aos seguintes artigos matriciais:

..., no montante de 47,31 €, correspondente à diferença entre o liquidado (936,48 €) e o resultante da desconsideração dos coeficientes indevidamente aplicados (889,18 €); e

..., no montante de 731,23 €, correspondente à diferença entre o liquidado (4 635,91 €) e o resultante da desconsideração dos coeficientes indevidamente aplicados (3 904,68 €).

 

Liquidação n.º 2019 ..., do ano de 2019, no montante de 778,54 €, respeitante aos seguintes artigos matriciais:

..., no montante de 47,31 €, correspondente à diferença entre o liquidado (936,48 €) e o resultante da desconsideração dos coeficientes indevidamente aplicados (889,18 €); e

..., no montante de 731,23 €, correspondente à diferença entre o liquidado (4 635,91 €) e o resultante da desconsideração dos coeficientes indevidamente aplicados (3 904,68 €).

 

Liquidação n.º 2020 ..., do ano de 2020, no montante de 853,48 €, respeitante aos seguintes artigos matriciais:

..., no montante de 61.35 €, correspondente à diferença entre o liquidado (950,53 €) e o resultante da desconsideração dos coeficientes indevidamente aplicados (889,18 €); e

..., no montante de 792,13 €, correspondente à diferença entre o liquidado (4 705,45 €) e o resultante da desconsideração dos coeficientes indevidamente aplicados (3 913,32 €).

 

Verificam-se, assim, todos os requisitos de que depende a revisão da matéria tributável prevista nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT, pelo que em vez do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, a Autoridade Tributária e Aduaneira deveria ter efetuado a revisão e anulado parcialmente as liquidações de AIMI relativas aos anos de 2018, 2019 e 2020 e aos terrenos para construção inscritos na matriz sob os artigos ... e ... .

O mesmo não sucede com a liquidação relativa ao ano de 2017, por não ter sido apresentado pedido de revisão no prazo previsto no n.º 4 do artigo 78.º da LGT.

Pelo exposto, justifica-se a anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão nas partes respeitantes aos anos de 2018, 2019 e 2020, quanto à revisão da matéria tributável bem como as anulações parciais das consequentes liquidações de AIMI, nas partes em que excederam o que seria devido se tivessem tido como pressupostos avaliações realizadas nos termos legais, isto é, 778,54 €, em 2018, € 778,54 € em 2019 e 853,48 €, em 2020 [artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT].

 

 

4.6 – Pedido subsidiário

O pedido subsidiário visa a desaplicação, por inconstitucionalidade, do artigo 45.º do CIMI.

Como resulta do exposto, há consenso das Partes quanto à ilegalidade da fixação de valores patrimoniais à face do referido artigo 45.º, pelo que fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento da referida questão da inconstitucionalidade.

 

 

4.7 - Do pedido de condenação da AT no reembolso parcial do AIMI liquidado e pagamento de juros indemnizatórios

A Requerente pede o reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios.

Como consequência da anulação parcial das liquidações há lugar a reembolso da quantia indevidamente paga, no montante de 2.410,56 €, relativa às liquidações dos anos de 2018, 2019 e 2020, valor que a Autoridade Tributária e Aduaneira não contesta.

O n.º 1 do artigo 43.º da LGT reconhece o direito como quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços.

O pedido de revisão do ato tributário é equiparável a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, que se refere no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, como consta do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido no processo n.º 402/06.

Como também se refere no mesmo acórdão, «nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) (...) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT».

No caso em apreço, a norma à face da qual tem de ser aferida a existência de direito a juros indemnizatórios é a alínea c) deste n.º 3 do artigo 43.º da LGT, que estabelece que eles são devidos «quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária».

Como decorre da matéria de facto fixada, o pedido de revisão foi apresentado em 18 de junho de 2021, pelo que apenas a partir de 19 de junho de 2022 haveria direito a juros indemnizatórios.

Tendo a Requerente optado por impugnar o indeferimento tácito, formado antes daquela datas, não tem direito a juros indemnizatórios.

 

5. Decisão

De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar procedente o pedido relativo às liquidações dos anos de 2018 a 2020 e  improcedente quanto ao ano de 2017;

b) Julgar procedente o pedido de reembolso e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente o montante indevidamente pago; e

c) Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira deste pedido.

 

Valor do Processo

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se ao processo o valor de 227.366,19 € (duzentos e vinte e sete mil, trezentos e sessenta e seis euros e dezanove cêntimos), indicado pela Requerente e não impugnado pela Requerida, correspondente à utilidade económica do pedido.

 

Custas

Nos termos do artigo 4.º, n.º 4 do citado RCPAT e artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em 4.284,00 € (quatro mil, duzentos e oitenta e quatro euros), nos termos da Tabela I, anexa àquele regulamento, a pagar pelas Partes na proporção dos respetivos decaimentos, fixando em 1.269,36 € (29,63%) a parte a cargo da Requerente e em 3.014,64 € (70,37%) a parte a cargo da Requerida. 

 

Lisboa, 25 de julho de 2022.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo

O Árbitro Presidente,

 

Fernando Araújo

 

 

(Vota vencido, junta declaração)

 

 

O Árbitro vogal (Relator),

 

 

(Rui Ferreira Rodrigues)

 

 

O Árbitro vogal,

 

 

(Nuno Maldonado Sousa)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

SUMÁRIO:

 

  1. O problema: fixação incorrecta do VPT de terrenos para construção
  2. A ilegalidade até finais de 2020: um problema sistémico e não de qualquer avaliação em particular
  3. As normas mais relevantes à data dos factos
  4. Duplicação e sobreposição de coeficientes: a reacção jurisprudencial e a réplica legal (com suspeitas de subsistente inconstitucionalidade)
  5. O poder-dever de revisão oficiosa, e a iniciativa dos particulares
  6. O problema da preclusão: real? relevante?
  7. Preclusão: interpretação subtractiva
  8. Preclusão: interpretação ampliativa
  9. A “válvula de escape” do art. 78º da LGT
  10. O reconhecimento, pela AT, da necessidade de revisão oficiosa – em documentos seus
  11. A revisão oficiosa por parte da AT – na prática
  12. O equívoco da confusão entre prazos de revisão oficiosa e prazos de impugnação judicial: o momento da verdadeira consolidação do acto
  13. O novo direito administrativo (CPA e CPTA) e a nova interpretação ampliativa
  14. O triunfo da impugnação unitária e o ocaso do ónus de impugnação de actos procedimentais
  15. A nova defesa “ampliativa” do princípio da legalidade
  16. O erro sistémico numa aplicação informática não é um erro de avaliação: a irrelevância, no caso, dos actos “destacáveis”
  17. A questão da “segunda avaliação”
  18. A dupla irrelevância procedimental em processos arbitrais tributários
  19. Direitos acrescidos de impugnação no novo Direito Administrativo e Tributário
  20. Conclusões

 

1. O PROBLEMA: FIXAÇÃO INCORRECTA DO VPT DE TERRENOS PARA CONSTRUÇÃO

 

O presente caso integra-se numa família de litígios resultantes da incorrecta avaliação de terrenos para construção, e das consequências em termos de liquidação do IMI – e ocasionalmente do AIMI.

Isso permite-nos enquadrarmos mais amplamente os contornos jurídicos do caso, falando com alguma generalidade de toda esta situação.

Comecemos por recordar que se consideram terrenos para construção os situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que tenham sido declarados dessa forma no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos relativamente aos quais as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes ou áreas protegidas, ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infraestruturas ou equipamentos públicos.

Durante vários anos, nomeadamente na vigência da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, e até à entrada em vigor da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, na determinação do valor patrimonial tributário (doravante, VPT) de terrenos para construção, a AT aplicou a fórmula prevista no art. 45º do CIMI, mas fê-lo estendendo o seu âmbito através da adição de fórmulas de cálculo estabelecidas nos arts. 38º e seguintes do CIMI, fórmulas concebidas para serem aplicadas exclusivamente na avaliação de prédios edificados – nomeadamente, os coeficientes multiplicadores de VPT: coeficientes de localização, de afectação, de qualidade e de conforto.

Essa extensão fez-se por pretensa “analogia”, e ela ocorreu de modo sistemático – para todas as avaliações, e não, que se saiba, para umas avaliações mas não para outras.

 

2. A ILEGALIDADE ATÉ FINAIS DE 2020: UM PROBLEMA SISTÉMICO E NÃO DE QUALQUER AVALIAÇÃO EM PARTICULAR

 

Criou-se, assim, um problema sistémico, como o reconheceu a alteração legislativa ocorrida no final do ano de 2020, com a Lei do Orçamento de Estado de 2021 (a mencionada Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro), a qual, removendo os obstáculos que tinham tornado necessária a extensão pseudo-analógica do art. 45º do CIMI, tornava legal aquilo que, a contrario, fora até então ilegal – ilegal num triplo sentido:

  1. seja no sentido de desprovido de base legal,
  2. seja no sentido de transgressor directo de uma vedação legal de recurso a analogia, estabelecida pelo art. 11º, 4 da LGT,
  3. seja ainda no sentido de violador dos princípios constitucionais da legalidade e da reserva de lei que aparecem consagrados no art. 103º, 2 da Constituição – sendo que estas incidências constitucionais serão enfatizadas no Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 23 de Outubro de 2019, proferido no processo n.º 170/16.6BELRS 0684/17.

Conclui-se, portanto, que o que está em causa não são os aspectos formais relativos ao procedimento de avaliação, mas sim questões de natureza substantiva atinentes à aplicação da lei no tocante à identificação e à aplicação de critérios para efeitos de atribuição do VPT aos terrenos para construção.

Como veremos, aspectos procedimentais e processuais referentes a acidentes comuns da avaliação de terrenos para construção e da fixação do VPT perdem aqui alguma da sua validade, e revelam-se inidóneos para fazerem frente, e resolverem, um problema sistémico desta natureza e desta amplitude.

 

3. AS NORMAS MAIS RELEVANTES À DATA DOS FACTOS

 

Era esta a redacção do art. 45º do CIMI à data dos factos (essencialmente, a redacção introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro):

Artigo 45º (Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção)

1 - O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.

2 - O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.

3 - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º

4 - O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º.

5 - Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respetiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente.

Por sua vez, o artigo 42º, para que remetia o n.º 3 deste artigo 45º, estabelece o seguinte (novamente, na redacção introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)):

Artigo 42.º (Coeficiente de localização)

[…]

3 - Na fixação do coeficiente de localização têm-se em consideração, nomeadamente, as seguintes características:

a) Acessibilidades, considerando-se como tais a qualidade e variedade das vias rodoviárias, ferroviárias, fluviais e marítimas;

b) Proximidade de equipamentos sociais, designadamente escolas, serviços públicos e comércio;

c) Serviços de transportes públicos;

d) Localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário.

4 - O zonamento consiste na determinação das zonas homogéneas a que se aplicam os diferentes coeficientes de localização do município e as percentagens a que se refere o n.º 2 do artigo 45.º

Note-se que a própria remissão para os artigos 42º e 40º do CIMI, constante do artigo 45º, 3 e 4, e mesmo a redacção dada ao artigo 46º, relativo ao valor patrimonial tributário dos prédios da espécie “outros”, em que expressamente se refere que “o valor patrimonial tributário é determinado nos termos do artigo 38.º com as necessárias adaptações”, é demonstrativo de que, na determinação do VPT dos terrenos para construção, não entravam outros factores que não fossem o valor da área da implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação: é que a própria remissão feita para os artigos 42º e 40º do CIMI não consagra a aplicação dos coeficientes aí referidos, mas apenas acolhe, respectivamente, as características que hão de determinar o valor do coeficiente a utilizar, e o modo de cálculo.

Sucede ainda que, em algumas avaliações, se aplicou também, aos terrenos para construção, a majoração de 25% prevista no art. 39º, 1 do CIMI.

Ora esse preceito, na redacção anterior à Lei nº 75-B/2020, de 31 de Dezembro, tinha por epígrafe “valor base dos prédios edificados” e estabelecia que “o valor base dos prédios edificados (Vc) corresponde ao valor médio de construção, por metro quadrado, adicionado do valor do metro quadrado do terreno de implantação fixado em 25% daquele valor”.

Na redacção da Lei nº 75-B/2020, de 31 de Dezembro, desapareceu a menção a “prédios edificados”, ficando somente “prédios”.

Mas também aqui fica claro que, até a esse momento, o disposto no art. 39º, 1 do CIMI era exclusivo para prédios edificados, deixando de fora do seu âmbito os terrenos para construção – uma conclusão reforçada pela circunstância de o art. 45º do CIMI não remeter, nem na anterior redacção nem na actual, para o art. 39º do CIMI.

 

4. DUPLICAÇÃO E SOBREPOSIÇÃO DE COEFICIENTES: A REACÇÃO JURISPRUDENCIAL E A RÉPLICA LEGAL (COM SUSPEITAS DE SUBSISTENTE INCONSTITUCIONALIDADE)

 

Daqui se infere que essa sobreposição de factores e coeficientes causou uma aplicação duplicada das bases de cálculo do VPT, com a mesma realidade a ser considerada de forma sobreposta, e a influenciar duplamente o resultado, primeiro da avaliação, depois da liquidação.

Cedo a doutrina reagiu:

dada a coincidência de serem os mesmos factores que estão na base da construção do coeficiente de localização e das percentagens, parece também ser defensável a ideia de que não seria aplicável na fórmula de avaliação dos terrenos para construção o coeficiente de localização” – José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 2010, pp. 53 e 103 e ss..

Seguiu-se a reacção jurisprudencial dos tribunais superiores, a reconhecer que, dessa sistemática interpretação e aplicação ilegais das normas do CIMI, resultou uma determinação excessiva do VPT dos terrenos para construção, que consistiu na adição, aos coeficientes de valorização já previstos no art. 45º do CIMI, dos coeficientes de localização e de afectação previstos no art. 38º do mesmo CIMI – tudo traduzido numa valorização redundante, duplicadora, excessiva, irrealista e injusta, com repercussão directa na incidência do imposto.

Reagindo a uma massa de casos concretos que se ia avolumando, a jurisprudência reconhecia ainda que, de forma indiscriminada e persistente, os coeficientes do art. 38º do CIMI, multiplicadores do VPT, tinham sido aditados à fórmula do art. 45º do CIMI, invocando-se (erradamente) a analogia para tanto, com o efeito já assinalado de alterarem a base tributária, e de, por essa via, repercutirem na incidência do imposto – nomeadamente duplicando o factor da localização, já incluído na percentagem prevista no art. 45º, 3 do CIMI e novamente nos coeficientes do art. 38º do CIMI.

Seguia-se a inferência lógica de um tal entendimento:

Na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse fator de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art.º 45.º do CIMI” – Acórdãos do STA, de 5 de Abril de 2017, Processo n.º 01107/16, de 28 de Junho de 2017, Processo n.º 0897/16, de 14 de Novembro de 2018, Processo n.º 0133/18, ou ainda acórdãos de 16 de Maio de 2018, Processo n.º 0986/16, ou de 23 de Outubro de 2019, Processo n.º 170/16.6BELRS 0684/17.

Mais ainda, os tribunais superiores tinham por certo que, até à entrada em vigor da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, ou seja, até ao último dia de 2020, não se encontrava qualquer apoio na lei para se alegar similitudes entre edifícios construídos e terrenos para construção; e em verdade, estando previstas, no art. 45º do CIMI, as fórmulas de cálculo para os terrenos para construção, não se descortinava qualquer lacuna que legitimasse o recurso a uma verdadeira interpretação analógica – se porventura tal legitimação fosse possível – Acórdãos do STA de 13 de Janeiro de 2021, Processo n.º 0732/12.0BEALM 01348/17, de 23 de Março de 2022, Processo n.º 0653/09.4BELLE.

E o mesmo se diria, até àquela data, da majoração de 25% estabelecida no artigo 39º do Código do IMI, que se aplicava exclusivamente aos prédios edificados, não devendo ser considerada na fórmula de cálculo do VPT dos terrenos para construção – e daí que a Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, tenha tido o cuidado de expressamente remover, daquele art. 39º, a menção a “prédios edificados”, permitindo que, a partir de 1 de Janeiro de 2021, passasse a ser legal – deixasse de ser ilegal – aplicar a mesma majoração a prédios não edificados, nomeadamente a terrenos para construção.

Vamos deixar de lado, porque irrelevante para o caso em apreço, a questão de saber se as modificações introduzidas pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, resolvem o problema da sobre-tributação dos terrenos para construção, na medida em que, consagrando a livre sobreposição e duplicação de critérios, possa desfavorecer os prédios não-edificados e violar o princípio da capacidade contributiva. Mas não é difícil adivinhar que o problema se suscitará no futuro.

Assentemos apenas no facto, assaz impressionante, de haver uma jurisprudência uniforme no STA relativamente à injustiça e ilegalidade da sobreposição de critérios exclusivos de prédios edificados (destinados a habitação, comércio, indústria e serviços) com os critérios próprios do cálculo do VPT de terrenos para construção, ao menos desde o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 21 de Setembro de 2016, no Processo nº 1083/13 – reiterado em acórdãos do Pleno de 3 de Julho de 2019, Processo n.º 16/10.9BELLE, e acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do STA, como os de 5 de Abril de 2017, Processo n.º 1107/16; de 28 de Junho de 2017, Processo n.º 897/16; de 16 de Maio de 2018, Processo n.º 986/16; de 14 de Novembro de 2018, Processo n.º 398/08.2BECTB (133/18); de 9 de Outubro de 2019, Processo n.º 165/14.4BEBRG; de 23 de Outubro de 2019, Processo n.º 170/16.6BELRS (684/17); de 13 de Janeiro de 2021, Processo n.º 732/12.0BEALM (1348/17); de 7 de Abril de 2021, Processo n.º 919/07.8BEBRG; de 6 de Outubro de 2021, Processo n.º 118/09.4BEVIS (1293/17).

Essa interpretação uniforme passou também a abranger o entendimento de que a nova redacção introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, ao consagrar expressamente a aplicação do coeficiente de localização na fórmula para determinação do VPT dos terrenos para construção, “não tem, manifestamente, carácter interpretativo, antes constituindo uma clara alteração das regras até então vigentes” (STA, Acórdão de 23 de Março de 2022, Processo nº 0635/09.4BELLE).

Em síntese, essa jurisprudência uniforme dos tribunais superiores afasta, do cálculo do VPT de terrenos para construção, os coeficientes que, até final de 2020, não estivessem expressamente consagrados no art, 45º do CIMI, ou para os quais este artigo não remetesse expressamente.

Como se lê num acórdão recente:

Tais coeficientes respeitam apenas ao edificado, mas não têm base real de sustentação na potencialidade que o terreno para construção oferece. Nos terrenos para construção visa-se taxar o valor da capacidade construtiva, geradora de acréscimo de valor patrimonial ou riqueza para o seu proprietário; e não factores ainda não materializados. [§] A aplicação destes factores na determinação do VPT dos terrenos de construção só poderia ser levada a cabo por analogia, que se deve ter por proibida, nos termos do disposto no art. 11.º da LGT, na medida em que a aplicação dos mesmos tem influência na base tributável, reflectindo-se na norma de incidência. [§] Assim os coeficientes de afectação, de localização e de qualidade e conforto relacionados com o prédio a construir não podiam nem deviam ser tidos em conta na avaliação do VPT do terreno para construção. [§] Não encontramos motivo para nos afastarmos dessa jurisprudência, antes se nos impondo o respeito pela mesma, atento o disposto no n.º 3 do art. 8.º do Código Civil” (STA, Acórdão de 23 de Março de 2022, Processo nº 0635/09.4BELLE)

Segue-se, deste juízo, o corolário da ilegalidade: a Autoridade Tributária não está autorizada a efectuar liquidações que extravasem os limites estritos da lei, pois à lei ela deve obediência, nos termos do art. 103º, 3, in fine da Constituição, e do art. 8º da LGT.

A mesma conduta decorre, aliás, dos princípios a que a AT está adstrita no procedimento tributário. Determina o art. 55º da LGT:

A administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários”.

 

5. O PODER-DEVER DE REVISÃO OFICIOSA, E A INICIATIVA DOS PARTICULARES

 

Daqui decorre que, sempre que a AT toma conhecimento de um erro que lhe seja imputável, ou de uma ilegalidade que tenha nascido de erro seu, tem a obrigação de proceder à correcção do erro e à sanação da ilegalidade, revendo o acto tributário “no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços”, como se estabelece no art. 78º, 1 da LGT – um corolário mais do princípio da legalidade, que levou a que a jurisprudência viesse a adoptar a interpretação, ora dominante, de que a revisão oficiosa da iniciativa da AT, nos prazos de que a mesma dispõe para o efeito, pode também ela ser colocada em marcha por um requerimento dos sujeitos passivos: veja-se nesse sentido os Acórdãos do  STA de 24 de Maio de 2006, Processo n.º 01155/05; de 12 de Julho de 2006, Processo n.º 0402/06; de 15 de Novembro de 2006, Processo n.º 028/06; de 22 de Março de 2011, Processo n.º 01009/10; de 14 de Março de 2012, Processo n.º 01007/11; de 6 de Fevereiro de 2013, Processo n.º 0839/11; de 2 de Julho de 2014, Processo n.º 01950/13; de 18 de Novembro de 2015, Processo n.º 01509/13; de 4 de Maio de 2016, Processo n.º 0407/15; de 9 de Novembro de 2016, Processo n.º 01524/15; de 3 de Fevereiro de 2021, Processo n.º 02683/14.5BELRS 0181/18.

Como pode ler-se num desses arestos,

É hoje jurisprudência consolidada que, podendo a AT, por sua iniciativa, proceder à revisão oficiosa do acto tributário, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços (art. 78.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária), também o contribuinte pode, naquele prazo da revisão oficiosa, pedir esta mesma revisão com aquele fundamento” (Acórdão do STA de 4 de Maio de 2016, Processo n.º 0407/15).

Com efeito, a jurisprudência do STA passou a conceber a revisão oficiosa como um poder de natureza vinculada, um “poder-dever” que decorre da subordinação da AT aos princípios da justiça, da igualdade e de legalidade (art. 266º, 2 da Constituição, art. 55º da LGT), e que se traduz na obrigação de que “sejam oficiosamente corrigidos todos os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de tributo em montante superior ao que seria devido à face da lei” (Acórdão do STA de 3 de Fevereiro de 2021, Processo n.º 02683/14.5BELRS 0181/18).

Daí, a mesma jurisprudência retirou o argumento de que a revisão oficiosa é admissível ainda que não tenha sido sequer interposta a reclamação graciosa prevista no art. 131.º do CPPT, ou ainda que seja ultrapassado o prazo para o efeito, entendendo-se que a revisão oficiosa não pode depender da reclamação prévia, pois a interpretação contrária seria injustificadamente restritiva dos direitos do contribuinte, estabelecidos no nº 7 do art. 78ºda LGT.

Conclui-se que “o facto de ter transcorrido o prazo de reclamação graciosa não impede o impugnante de pedir a revisão oficiosa e impugnar contenciosamente o acto de indeferimento desta” – Acórdão do STA de 29 de Outubro de 2014, Processo n.º 01540/13. Ver ainda acórdãos do STA de 12 de Setembro de 2012, Processo n.º 476/12; de 14 de Junho de 2012, Processo n.º 259/12; de 14 de Março de 2012, Processo n.º 1007/11; de 29 de Maio de 2013, Processo n.º 140/13; de 14 de Dezembro de 2011, Processo n.º 366/11; de 20 Novembro de 2007, Processo n.º 536/07; e de 02 de Fevereiro de 2005, Processo n.º 1171/04.

 

6. O PROBLEMA DA PRECLUSÃO: REAL? RELEVANTE?

 

Ora, sendo admissível o pedido de revisão oficiosa pelo contribuinte, nos termos e no prazo em que o mesmo é admissível para a AT, ainda que após o esgotamento do decurso do prazo de reclamação graciosa, ou quando a mesma não chegue sequer a ser interposta, impende sobre a AT o dever de aceitar o pedido de revisão oficiosa apresentado pelo contribuinte, ou, se for o caso, convolar em revisão oficiosa a reclamação graciosa que tenha sido apresentada fora do prazo da reclamação graciosa, mas dentro do prazo da revisão oficiosa, ou remeter oficiosamente o pedido para a entidade competente para apreciá-lo – nos termos dos arts. 19º e 52º do CPPT –, não sendo aceitável que a AT se escude em formalismos para reduzir os direitos do contribuinte, o que violaria o princípio da colaboração, e ainda eventualmente os princípios da celeridade e da eficiência, a que a AT deve respeito (arts. 55º e 59º da LGT, art. 48º, 1 do CPPT) – Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), Acórdão de 15 de Abril de 2021, Processo nº 02010/12.6BEPRT.

A conjugação deste quadro legal e jurisprudencial coloca em crise, neste contexto, o conceito tradicional de preclusão – especificamente, no caso, a preclusão resultante da ultrapassagem dos prazos estabelecidos nos arts. 71º a 77º do CIMI quanto a primeiras e segundas avaliações, e quanto à impugnação judicial nos termos gerais do CPPT, ou no art. 20.º do Dec.-Lei 287/2003, de 12 de Novembro, relativo à reclamação da actualização do VPT, e subsequente impugnação judicial.

A preclusão respeitaria à possibilidade de impugnação autónoma da fixação do VPT – tornando este um acto destacável, visto que a sua impugnação passava a ser possível independentemente da existência, ou não, de liquidação – por conjugação do art. 15º, 2 do CIMI com o art. 86º, 1 da LGT, que estabelece, para a avaliação directa, a susceptibilidade de impugnação contenciosa directa, uma impugnação autónoma nos termos do art. 134º, 1 do CPPT, com a consequência de a impugnação depender do esgotamento dos meios administrativos previsto para a revisão, como resultaria dos arts. 86º, 2 da LGT e 134º, 7 do CPPT –.

 

7. PRECLUSÃO: INTERPRETAÇÃO SUBTRACTIVA

 

Ao estabelecer este regime específico para a contestação do acto de fixação do VPT, isto parece constituir, por si só, um desvio, por opção legislativa, ao regime da impugnação unitária previsto no artigo 54.º do CPPT, o que alegadamente subtrairia a sua apreciação da impugnação judicial da subsequente liquidação de IMI (mais adiante voltaremos a esta interpretação subtractiva que transforma a preclusão numa diminuição das garantias do contribuinte).

Todavia, como se lê num acórdão arbitral representativo de grande número de outros,

Sem prejuízo de a lei consagrar a via da impugnação contenciosa direta do ato destacável de fixação do VPT e a condicionar ao esgotamento dos meios administrativos (leia-se, ao pedido de segunda avaliação de prédios urbanos) com efeitos preclusivos, não pode acolher-se, sem mais, a consequência de que as liquidações a coberto desse VPT fariam caso decidido, consolidando-se juridicamente” – Processo n.º 486/2020‐T, de 26 de Novembro de 2021 (árbitros Alexandra Coelho Martins, Carla Alexandra Pacheco de Almeida Rocha da Cruz e Eduardo Paz Ferreira).

Uma via possível de salvar o conceito, que tem tido amplo acolhimento em sede arbitral, é a de conjugar “preclusão” com uma “válvula de escape”: ou seja, admitir que houve uma preclusão verdadeira e própria quanto à possibilidade de sindicar um VPT erradamente calculado, mas que (algo contraditoriamente no que respeita a efeitos preclusivos) isso não impediria uma reacção do contribuinte às liquidações assentes naquele VPT.

Assim, não negando que a fixação do VPT constituísse um acto administrativo em matéria tributária, destacável, e, por isso, passível de impugnação autónoma, uma decisão pioneira do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), Acórdão de 31 de Outubro de 2019, Processo nº 2765/12.8BELRS, estabelecia que:

De facto, deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o VPT, nem assim fica impossibilitado de arguir a ilegalidade do VPT fixado, embora com efeitos restritos às liquidações posteriores à reclamação. Defender o contrário é o mesmo que defender a perpetuidade da conduta ilegal da Administração, o que repugna ao bom senso e ao Direito admitir. [§] Assim, no plano do Direito o artigo 115.º do CIMI constitui uma válvula de escape para tais situações, devendo o respectivo mecanismo ser desencadeado pela Administração, por sua iniciativa ou a impulso do interessado. [§] Ora, uma das hipóteses contempladas neste normativo é a eliminação de erros de que resulte uma colecta de montante superior ao devido [al. c) do n.º 1]. [§] Por conseguinte, não se pode falar em verdadeira impropriedade do meio, sendo certo que ainda que se admita essa hipótese, como a administração apreciou o direito da recorrida, tal apreciação fez nascer na esfera jurídica desta o direito à impugnabilidade da decisão, nos termos do artigo 268.º, n.º 4, da CRP. [§] Restringir ou eliminar essa impugnabilidade constituiria, outrossim, uma agressão manifesta ao princípio da tutela jurisdicional efectiva, plasmado nessa norma constitucional.”

E como chegava este tribunal a esse entendimento?

Subscrevendo a noção, que adiante exploraremos mais a fundo, de que a impugnação autónoma dos actos destacáveis soma-se à garantia dos administrados, não se subtrai a ela – pelo que, logicamente, a preclusão não deve contribuir para a diminuição das garantias do contribuinte, mormente as procedimentais e processuais, nem deve colocar o contribuinte, artificiosamente, numa situação pior do que aquela que motivaria a impugnação unitária de actos lesivos da sua esfera jurídica.

Admitir-se-ia somente que, tendo havido impugnação autónoma do acto interlocutório, essa circunstância se apresentasse como prejudicial (em termos de litispendência ou de caso julgado) no caso de os mesmos vícios do acto destacável servirem de fundamento à impugnação unitária da decisão final. Mas esta hipótese não está aqui em causa.

 

8. PRECLUSÃO: INTERPRETAÇÃO AMPLIATIVA

 

O princípio da impugnação unitária está consagrado no art. 54º do CPPT:

Salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.”

A impugnabilidade autónoma constitui, nos termos deste artigo, um desvio ao princípio da impugnação unitária, o qual postula que em princípio só é possível impugnar o acto final do procedimento tributário, por só este apresentar, novamente em princípio, efeitos lesivos na esfera jurídica do contribuinte.

Distinguindo-se aqui a garantia jurisdicional dos meros actos destacáveis, que resultará das leis e da construção jurisprudencial, da garantia contra os actos lesivos (enumerados exemplificativamente no art. 95º, 2 da LGT), que estão cobertos pela cláusula de protecção jurisdicional efectiva inscrita no art. 268.º, 4 da Constituição:

É garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas.” (cfr. também o art. 20º da Constituição, “Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva”)

Daí que esse art. 54º do CPPT preveja expressamente que todos os actos instrumentais, preparatórios ou prodrómicos de uma decisão final podem ser sempre impugnados através da impugnação dessa decisão final, haja ou não susceptibilidade de impugnação autónoma.

Por um lado, o “sem prejuízo” da letra do artigo indica que fica sempre salvaguardada a possibilidade de “ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.”

Por outro lado, já que essa possibilidade de impugnação unitária, a final, fica sempre aberta, a impugnação autónoma dos actos interlocutórios do procedimento, quando ela seja possível, nunca representa um ónus do contribuinte, representando apenas uma mera faculdade do contribuinte, um “mais” que se adiciona às garantias de defesa, e não um “menos” que, por não-exercício do contribuinte, por não preenchimento do ónus, viesse a impedir a impugnação judicial das decisões finais de liquidação do imposto com fundamento em vícios dos actos interlocutórios.

Embora o legislador disponha de uma ampla margem de liberdade na concreta modelação do processo, não sendo incompatível com a tutela jurisdicional a imposição de determinados ónus às partes, o que é certo é que o direito ao processo inculca que os regimes adjectivos devem revelar -se funcionalmente adequados aos fins do processo e conformar-se com o princípio da proporcionalidade, não estando, portanto, o legislador autorizado a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva.

É essa negação da interpretação subtractiva do art. 54º do CPPT que resulta clara do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 410/2015, de 19 de Novembro:

Julga inconstitucional a interpretação do artigo 54.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário que, qualificando como um ónus e não como uma faculdade do contribuinte a impugnação judicial dos atos interlocutórios imediatamente lesivos dos seus direitos, impede a impugnação judicial das decisões finais de liquidação do imposto com fundamento em vícios daqueles.”

É também nesse contexto que o Tribunal Central Administrativo Sul chegou à interpretação ampliativa segundo a qual:

A impugnação autónoma dos actos destacáveis tem como propósito oferecer uma maior garantia aos administrados, permitindo-lhes reagir atempadamente de molde a evitar a produção de efeitos lesivos, que se projectam no acto final do procedimento ou em actos externos a este” – TCAS, Acórdão de 31 de Outubro de 2019, Processo nº 2765/12.8BELRS.

Como se trata de “oferecer uma maior garantia aos administrados”, segue-se que a preclusão tem que ficar limitada, de forma a que os actos destacáveis não se convertam em veículos de menor garantia dos administrados, através da consolidação jurídica de actos que não tenham sido impugnados nos prazos estabelecidos por lei.

Tratar-se-ia de encarar a impugnabilidade imediata como propiciadora de maiores garantias ao particular – tendo essa intencionalidade de consagração de um meio de garantia mais amplo, e não um intuito de restrição dos meios normais de garantia.

Lê-se numa decisão arbitral:

Em resumo, entendemos que a previsão da impugnabilidade autónoma de atos destacáveis visa, em geral, conferir maiores garantias aos particulares e não reduzir o âmbito das garantias que a lei, em geral, prevê. [§] Assim, tal previsão legal não deve ser entendida - salvo existindo razões substanciais que a tal se oponham, o que não acontece no presente caso - como precludindo a possibilidade de impugnação dos vícios do ato instrumental (fixação do VPT) em processo de impugnação do ato conclusivo do procedimento (liquidação).[6]

 

9. A “VÁLVULA DE ESCAPE” DO ART. 78º DA LGT

 

Daí a já mencionada “válvula de escape”, a necessidade – decorrente de uma exigência constitucional – de uma norma que, sobrepondo-se aos efeitos da preclusão “clássica”, na prática anulando tais efeitos, permita à Administração rever as suas próprias decisões, a fim de corrigir as ilegalidades que possa ter cometido.

E será essa a função do art. 78º da LGT, ao prever a possibilidade de revisão dos actos tributários com fundamento em ilegalidade ou erro:

O artigo 78.º da LGT consagra um verdadeiro direito do contribuinte, permitindo-lhe exigir da administração tributária que expurgue da ordem jurídica, total ou parcialmente, um acto ilegal, bem como a restituição do que tenha sido ilegalmente cobrado, com base no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que não permite a cobrança de tributos, nem os respectivos montantes, que não estejam previstos na lei.” – TCAS, Acórdão de 31 de Outubro de 2019, Processo nº 2765/12.8BELRS.

Dir-se-á que, sendo a fixação do VPT um simples acto administrativo em matéria fiscal, e não um acto tributário stricto sensu, o art. 78º da LGT não se lhe aplica.

Mas a verdade é que esta distinção não pode permitir que se produzam actos tributários que são ilegais, porque assentam em valores ilegalmente apurados, e que esses actos se tornem inimpugnáveis em si mesmos com a alegação, patentemente absurda, de que, sendo identificável a causa da invalidade desses actos, é essa causa que deve ser impugnada, e não os actos; como se, mais especificamente, identificada a causa da invalidade do acto tributário de liquidação, o acto tributário deixasse de ser inválido, para ser inválida apenas a “causa”, o acto administrativo da fixação do VPT. Era como se, em suma, identificada uma doença, o paciente deixasse ipso facto de estar doente dela…

Numa síntese do entendimento dominante no seio da arbitragem tributária, leia-se:

tal como se pode ler expressamente na decisão arbitral proferida a 2 de julho de 2021 no Processo n.º 760/2020-T, a questão não é a de saber se, como alega a Requerida, “a lei configura a fixação do VPT como um ato destacável, prevendo a sua impugnação judicial autónoma – o que é um facto –” (ou, como alega a Requerida, a sua contestação por via do disposto no artigo 168.º n.º 1 do CPA), “mas sim saber se existem razões que obstem a que tal ato, quando surja como instrumental relativamente a um ato de liquidação, possa, também, ser objeto de apreciação em processo dirigido à impugnação desta”. Com efeito, “a previsão da impugnabilidade autónoma de atos destacáveis visa, em geral, conferir maiores garantias aos particulares e não reduzir o âmbito das garantias que a lei, em geral, prevê. Assim, tal previsão legal não deve ser entendida - salvo existindo razões substanciais que a tal se oponham, o que não acontece no presente caso - como precludindo a possibilidade de impugnação dos vícios do ato instrumental (fixação do VPT) em processo de impugnação do ato conclusivo do procedimento (liquidação)”.” – Processo n.º 408/2021‐T, de 12 de Janeiro de 2022 (árbitro Ana Paula Rocha)

Não tendo existido, ou não tendo sido alegado, qualquer comportamento negligente por parte do contribuinte, e dado que os erros detectados ocorreram num procedimento desencadeado, concretizado e liderado pela AT, sem qualquer possibilidade de interferência por parte do sujeito passivo da relação tributária, segue-se que a Administração teria o dever estrito de desencadear, por sua iniciativa, a revisão dos actos tributários com fundamento em erro imputável aos serviços, nos termos do art. 78º, 1 da LGT e do art. 115º, 1, c) do CIMI.

Ou, caso o art. 78º, 1 da LGT não fosse, por qualquer razão, inteiramente aplicável – por se entender que o que é visado é a fixação do VPT e não os actos de liquidação de IMI –, a Administração teria o mesmo dever estrito de desencadear, por sua iniciativa, a revisão dos actos tributários com fundamento em erro gerador de injustiça grave ou notória, nos termos do art. 78º, 4 e 5 da LGT – já que é indiscutível, no caso em apreço, que houve uma fixação de VPT e uma resultante liquidação que claramente excederam o que seria computável por uma aplicação não-incorrecta da lei[7].

Ambas as vias de anulação administrativa (que, veremos, há que demarcar da impugnação judicial ou arbitral) terão somente como limite temporal o prazo de cinco anos estabelecido no art. 168º, 1 do CPA – uma anulação que inequivocamente abrange tanto actos administrativos simples – como a fixação do VPT – como actos tributários proprio sensu – como é o caso das liquidações de IMI e AIMI –.

E, como referimos, é hoje pacífico na jurisprudência que a iniciativa de revisão pela administração pode ser desencadeada a impulso do interessado, quando tenha ocorrido erro imputável aos serviços. E o mesmo entendimento consensual se verifica na doutrina[8].

Sem esquecermos que, ainda que a letra do art. 78º, 4 da LGT aponte para uma faculdade (“o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente”), a verdade é que a objectividade da “injustiça grave ou notória” permite redefinir esse poder em termos de estrita funcionalização, como um poder-dever, estritamente vinculado, da AT, cujo cumprimento é sujeito a controlo jurisdicional (note-se que o art. 78º, 4 da LGT estabelece uma alternativa, “grave ou notória”, não sendo, portanto, um requisito cumulativo).

 

10. O RECONHECIMENTO, PELA AT, DA NECESSIDADE DE REVISÃO OFICIOSA – EM DOCUMENTOS SEUS

 

Ora o facto é que, em numerosos processos – ao menos na jurisdição arbitral isso é notório –, a AT, reconhecendo a ilegalidade da avaliação a que procedeu, e na qual, por analogia, aplicou coeficientes que se destinavam exclusivamente à avaliação de prédios edificados, toma a iniciativa de anular administrativamente as avaliações relativamente às quais não esteja ultrapassado o prazo de cinco anos, e informa os sujeitos passivos de que iniciará um novo procedimento de avaliação nos termos do art. 130º do CIMI, a que se seguirá uma liquidação assente no novo VPT que venha a ser apurado. Nos demais casos em que tenha já decorrido o prazo de cinco anos desde a realização das avaliações, a AT informa que já não pode ocorrer a anulação administrativa, conforme decorre do art. 168º, 1, do CPA.

Retenhamos, desde logo, que passou a ser incontestada a ilegalidade das avaliações em que assentam as liquidações em crise.

A ilustrá-lo, veja-se o teor da Instrução de Serviço n.º 60318/2021, de 5 de Abril de 2021, emitida pela Direção de Serviços de Justiça Tributária. Trata-se de um documento não disponibilizado pela AT nos presentes autos, mas é um documento cuja junção seria sempre possível, ao abrigo do disposto no art. 436º do CPC, aplicável ex vi arts. 2º, e) e 13º do CPPT, e 29º, 1, e) do RJAT.

Nessa Instrução de Serviço n.º 60318/2021 da DSJT reconhece-se a insusceptibilidade de adição dos coeficientes do art. 38º do CIMI à regra constante do art. 45º do CIMI, e determina-se que a AT:

Profira despacho favorável ao contribuinte nos procedimentos de contencioso administrativo pendente de decisão (…) Promova, nos termos e nos prazos previstos no artigo 112.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, pela revogação do ato impugnado nos processos de impugnação judicial (…) Na pendência da impugnação judicial, observe o que resulta da «Instrução n.º 15 – Divulgação de entendimento quanto à revisão oficiosa de ato tributário impugnado judicialmente»”.

Essa mesma Instrução de Serviço n.º 60318/2021 da DSJT determina ainda que as decisões favoráveis aos contribuintes em procedimentos e processos pendentes implicam que a AT:

Promova a correção (anulação parcial) dos atos de liquidação que constituem o objeto do litígio entre os contribuintes e a administração tributária (…), cumprindo o desígnio legal de “reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado”, conforme disposto no artigo 100.º da Lei Geral Tributária”.

O que, de certo modo, equivale a um reconhecimento genérico da existência de erro imputável aos serviços, um erro sistémico que afecta todo um universo de avaliações e liquidações: reconhecimento a que a AT chega por ser confrontada com uma jurisprudência uniforme e consolidada nesse sentido.

E a mesma Instrução de Serviço n.º 60318/2021 da DSJT acrescenta que:

A anulação do ato administrativo de avaliação do terreno para construção, e a consequente determinação do VPT, pode ter lugar no prazo de seis meses contados desde a data do conhecimento do órgão competente (cf. artigo 169.º do CPA), DESDE QUE se contenha no prazo de cinco anos da sua emissão, isto é, no prazo de cinco anos contados da data em que foi realizada a determinação do VPT pela respetiva avaliação. (cf. Artigo 168.º, n.º 1, do CPA, aplicável ex vi alínea c) do artigo 2.º da LGT)”.

Daqui decorre que a própria AT reconhece claramente que as limitações procedimentais e temporais relativas à reacção dos contribuintes à fixação do VPT não servem para obstar à impugnação dos actos de liquidação assentes em VPTs erróneos – pelo que inevitável se torna concluir que alegações de “inimpugnabilidade do ato de liquidação com base em vícios da fixação do valor patrimonial tributário” não resultam apenas de deliberado desrespeito pela jurisprudência que a AT conhece e deve conhecer, mas traduzem ainda uma oposição às próprias orientações da Instrução de Serviço n.º 60318/2021 da DSJT.

Para esclarecimento cabal da posição da Administração, deve acrescentar-se que a Instrução de Serviço n.º 60318/2021 da DSJT segue fielmente o entendimento já plasmado num outro documento da AT, o seu Manual de Avaliação de Prédios Urbanos – Versão 7.0, de 29 de Outubro de 2020[9], no qual pode ler-se (a páginas 6 e 37):

No que respeita à avaliação dos terrenos para construção, o presente manual de avaliação dos prédios urbanos incorpora o entendimento fixado pela jurisprudência dos tribunais no sentido de que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não há lugar à consideração do coeficiente de afetação e do coeficiente de localização, pelo que foram desconsiderados os referidos coeficientes e, consequentemente, eliminados da respetiva fórmula de cálculo.[10]

Voltemos ainda à Instrução de Serviço n.º 60318/2021 da DSJT. Para elucidação dos pontos aqui relevantes, nela se lê ainda que:

A Aplicação de Gestão das Avaliações (AGA) foi já alterada e ajustada para que o algoritmo de cálculo do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção deixasse de ter em conta os coeficientes de localização e de afetação, dando-se cumprimento ao despacho de 04-03-2020 da Sra. Diretora-Geral e à jurisprudência recente do STA e dos tribunais centrais administrativos

Em suma, da leitura dos referidos Manual de Avaliação de Prédios Urbanos – Versão 7.0 e da Instrução de Serviço n.º 60318/2021 da DSJT resulta claramente que a AT passou a reconhecer um dever genérico de revisão oficiosa, e já não propriamente a título excepcional, por erro sistemático imputável aos serviços.

Poderá, portanto, legitimamente depreender-se que o expresso reconhecimento deste erro determina a necessidade de reposição da legalidade, genericamente e caso a caso, ou seja, de reconstituição na esfera dos contribuintes da situação que existiria caso tal ilegalidade não tivesse sido cometida – independentemente do momento em que ela ocorreu pela primeira vez, para todo um universo de casos e não somente para aqueles que lancem mão de meios administrativos, judiciais ou arbitrais para tutela dos seus direitos feridos.

 

11. A REVISÃO OFICIOSA POR PARTE DA AT – NA PRÁTICA

 

Para ser inteiramente justa, essa revisão deveria, portanto, ser genuinamente oficiosa, ou seja, operar-se para todo o universo de casos afectados pela ilegalidade, sem aguardar qualquer impulso da parte dos contribuintes, e sem correr o risco de discriminar contra aqueles que, pela mais variada ordem de razões, incluindo o desconhecimento, não tenham reagido ou não venham a reagir através dos meios jurídicos disponíveis.

Sucede que, em inúmeros casos submetidos à arbitragem no CAAD, a AT tem respondido, seja através do art. 13º do RJAT, seja posteriormente à constituição dos tribunais, com a anulação administrativa oficiosa com efeitos retroactivos, nos termos dos n.os 1 e 5 do art. 168º e do nº 3 do art. 171º CPA, com fundamento em invalidade– não se vislumbrando qualquer razão para deixar de fazê-lo, por sua iniciativa e sem necessidade de impulso dos particulares, em todos os processos similares, evitando uma desigualdade de atitudes, e – sublinhe-se – o que seria (ou será) uma injustificável discriminação entre contribuintes, o que por sua vez constituiria (ou constituirá) uma nova injustiça, tanto ou mais grave do que a injustiça iniciada com as ilegalidades no cálculo dos VPT dos terrenos para construção.

Insista-se: não seria admissível aqui uma atitude errática e arbitrária de discriminação entre contribuintes em situações idênticas, tal como não seria admissível que a AT revisse oficiosamente as liquidações de imposto somente quando de tal revisão resultasse mais imposto a pagar pelos contribuintes, e deixasse de o fazer, ou negasse aos contribuintes a possibilidade de solicitarem a revisão de tais liquidações, sempre que de tal revisão resultasse um reembolso a favor dos contribuintes.

Como é que, na prática, a AT tem dado execução às directrizes da Instrução de Serviço n.º 60318/2021 da DSJT?

Em diversos casos, a AT, ao mesmo tempo que reconhece que se impõe revogar alguns actos de fixação de VPT, nos termos do art. 79º da LGT e do art. 168º, 1 do CPA (este aplicável ex vi art. 2º da LGT), recorda que o prazo para proceder à anulação administrativa é de 6 meses a contar do conhecimento da causa de invalidade pelo órgão competente, e desde que não tenham decorrido 5 anos após a data em que foi proferido o despacho de fixação do VPT; e, com base nisso, procede a uma triagem em 3 categorias:

  1. A primeira situação refere-se às avaliações que foram efetuadas e notificadas há mais de 5 anos, sem avaliações posteriores.
  2. A segunda situação está relacionada com as avaliações também realizadas há mais de 5 anos, mas com avaliações posteriores realizadas há menos de 5 anos. A partir do momento em que o VPT determinado na nova avaliação é inscrito na matriz, passa a produzir os respetivos efeitos matriciais, sucedendo, naturalmente, à avaliação anterior que deixou de vigorar na ordem jurídica, e, como tal, de produzir efeitos, o que torna impossível proceder à anulação administrativa das avaliações anteriores, mas possibilita a anulação das avaliações que lhes sucederam.
  3. A terceira situação está relacionada com as avaliações realizadas dentro do prazo dos 5 anos previsto no artigo 168.º do CPA, o que possibilita a sua anulação administrativa.

Só nos casos 2) e 3) é que a AT tem procedido à anulação administrativa das avaliações, com efeitos retroactivos, com fundamento em invalidade, nos termos dos arts. 163º, 4, 165º, 2, 168º, 1 e 5, e 171º, 3 do CPA, determinando a realização de novas avaliações que não considerem os coeficientes de localização e afetação.

Nos casos da categoria 1), a AT tem invocado a impossibilidade de impugnar liquidações de IMI com fundamento em vícios de actos de fixação de valores patrimoniais, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.ºda LGT, e tem-no feito frequentemente por excepção, o que é impróprio[11], e alegando que o que os contribuintes questionam é a fixação do VPT e não qualquer vício específico das liquidações – o que por sua vez é falacioso, visto que o erro da avaliação do VPT é o próprio vício da liquidação, sendo que esta fica contaminada pela ilegalidade e pelo erro cometidos a montante.

Acresce que isso é, manifestamente, desconsiderar os problemas das liquidações pretéritas que tenham ocorrido com base nas avaliações anuladas, e os problemas de liquidações futuras até que as novas avaliações produzam os seus efeitos.

Com efeito, a anulação administrativa de avaliações é somente o primeiro passo para a substituição de liquidações, visto que a anulação das avaliações não equivale a uma anulação oficiosa das liquidações, e concomitante reembolso do imposto em excesso, pago em resultado das liquidações anuladas – pelo que a simples comunicação da anulação de avaliações não produz qualquer efeito jurídico automático nas liquidações pretéritas, e apenas o produz nas liquidações de IMI e AIMI futuras[12], razão pela qual aquela comunicação não faz perder o interesse do contribuinte na impugnação que tome por objecto essas liquidações pretéritas.

Além disso, relativamente aos terrenos para construção cujas avaliações tenham sido realizadas há mais de cinco anos (a tal categoria 1), supra), o facto de não se poder proceder à anulação administrativa das liquidações não pode constituir um obstáculo à sua anulação judicial, visto que tais actos continuam a existir na ordem jurídica e continuam a padecer de ostensiva ilegalidade.

Se, em desconsideração da proeminência do princípio da impugnação unitária, consagrado no art. 54º do CPPT, propendêssemos para aceitar a inimpugnabilidade de liquidações com base na inimpugnabilidade de vícios de fixação do VPT que alicerçam aquelas, isso teria como consequência prática a perpétua emissão de actos de liquidação subsequentemente ilegais, que seriam, eles próprios, inimpugnáveis, violando-se assim frontalmente o princípio fundamental do acesso ao direito, consagrado no artigo 20.º da Constituição.

 

12. O EQUÍVOCO DA CONFUSÃO ENTRE PRAZOS DE REVISÃO OFICIOSA E PRAZOS DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL: O MOMENTO DA VERDADEIRA CONSOLIDAÇÃO DO ACTO

 

Mesmo que, portanto, se conclua estarem ultrapassados os prazos para que a AT proceda à anulação administrativa das liquidações de IMI e de AIMI, isso não pode impedir a anulação dessas liquidações pela via judicial, na medida em que tais actos de fixação de VPT, não obstante parecerem abrigados numa barreira de preclusão, continuam a existir na ordem jurídica, continuam a ser ilegais e continuarão a servir de base a liquidações, presentes e futuras.

No início de cada ano dá-se uma nova liquidação, nos termos do art. 113º, 1 e 2 do CIMI, e nesse momento a AT incorre em novo erro e comete nova ilegalidade, que consiste em liquidação de IMI em excesso, resultando no pagamento de prestação tributária indevida, e assim sucessivamente, até ao momento em que o quadro legal da tributação dos terrenos para construção foi alterado (e, insiste-se, pode até dar-se o caso de essa modificação legal não ter resolvido tudo, se porventura vier a determinar-se que ela é inconstitucional nalguns dos seus aspectos).

Por outras palavras, a ideia de que, precludido o prazo para anulação administrativa do acto que fixa o VPT (os cinco anos a que alude o art. 168º, 1 do CPA), este acto se encontra sanado e passa a produzir efeitos jurídicos, nomeadamente para efeitos de cálculo de IMI, assenta num evidente equívoco[13].

É que o decurso do prazo para a Administração proceder à anulação administrativa de um acto administrativo (anulação administrativa que corresponde à antiga “revogação anulatória”) não sana os vícios de que o acto possa padecer, implicando apenas que os seus efeitos se tornam definitivos, adquirindo a força jurídica de caso decidido ou caso resolvido: significando que o acto administrativo, enquanto decisão de uma autoridade administrativa, define o direito do caso concreto de forma estável.

Só que o caso decidido apenas releva na relação entre a Administração e o particular, não impedindo que o interessado lance mão dos meios processuais de impugnação contenciosa contra o acto administrativo, ainda que a Administração não possa já anulá-lo administrativamente.

Aliás, a única consequência da anulação administrativa, se ocorresse antes do final do processo, seria a de extinguir a instância por inutilidade superveniente da lide, deixando o contribuinte de ter interesse processual. É o que decorre do nº 3 do art. 168º do CPA:

Quando o ato tenha sido objeto de impugnação jurisdicional, a anulação administrativa só pode ter lugar até ao encerramento da discussão.

A preclusão por esgotamento do prazo para anulação administrativa não pode, pois, de modo algum, determinar a consolidação na ordem jurídica do acto administrativo anulável.

Pelo contrário, essa consolidação, na ordem jurídica, do acto administrativo anulável só pode operar quando tenha decorrido o prazo legalmente previsto para o interessado deduzir o competente meio processual de impugnação, na medida em que só pelo decurso desse prazo é que o acto se torna inimpugnável jurisdicionalmente.

Como bem se observa na fundamentação do acórdão arbitral de 5 de Maio de 2022, Processo n.º 835/2021‐T:

Qualquer outra solução constituiria um absurdo, confundindo a atividade administrativa com a função jurisdicional e contrariando flagrantemente o princípio da tutela jurisdicional efectiva. [§] Uma vez que a anulação administrativa é um ato administrativo que se desenrola no âmbito de procedimento administrativo, e cuja prática se encontra na exclusiva disponibilidade da Administração, é claro que as vicissitudes quanto à possibilidade de o ato ser anulado ainda no âmbito do procedimento, não interfere em nada com o direito processual dos interessados recorreram a uma instância jurisdicional. [§] E, assim, não só os vícios do ato de fixação valor patrimonial tributário se não encontram sanados com o caso decidido, como também o contribuinte não está impedido de impugnar jurisdicionalmente os atos de liquidação de IMI, com fundamento na errónea quantificação do valor patrimonial tributário.”

Consequentemente, o regime da anulação administrativa não é relevante para a decisão do caso, não causando, nem podendo causar, a consolidação do acto tributário que determinou o VPT, não existindo assim qualquer violação do princípio da segurança jurídica nem do princípio da igualdade.

E ainda que, por hipótese, se considerasse haver uma restrição desses princípios, sempre se deveria entender que a admissibilidade legal de revisão oficiosa do acto de liquidação, na qual possam ser apreciados os respectivos pressupostos de direito, configura um meio adequado, necessário e proporcional para a salvaguarda do núcleo essencial dos princípios da justiça e da tutela jurisdicional efectiva, que a segurança jurídica e a igualdade não podem subalternizar ou sacrificar.

 

13. O NOVO DIREITO ADMINISTRATIVO (CPA E CPTA) E A NOVA INTERPRETAÇÃO AMPLIATIVA

 

Voltando à alegação de que os contribuintes, ao pretenderem sindicar as liquidações, não apresentam nenhum vício específico dessas liquidações, insistamos que consideramos falaciosa a afirmação, visto que o que parece implícito nela é a ideia de que, sendo a fixação do VPT um acto destacável, verificada a preclusão, essa fixação deixa de ser invocável como vício das liquidações – aquilo que já designámos por interpretação subtractiva do regime dos actos interlocutórios, e que se nos afigura inteiramente incompatível com o disposto no art. 54º do CPPT, em especial após o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 410/2015, de 19 de Novembro.

Preferindo nós a interpretação ampliativa inaugurada pelo acórdão de 31 de Outubro de 2019 do TCAS, Processo nº 2765/12.8BELRS, a qual vê no art. 78º da LGT um reforço das garantias de defesa dos contribuintes e uma elevação dos meios de tutela das respectivas posições substantivas, sem que tal colidisse com o princípio fundamental da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito, visto que esse reforço concedido pelo art. 78º da LGT seria circunscrito a um quadro temporal pré-definido, de 4 ou 3 anos, consoante estivesse em causa a aplicação do seu n.º 1 ou do seu n.º 4. (uma posição expressa no acórdão arbitral de 26 de Novembro de 2021, proferido no Processo n.º 486/2020‐T [árbitros Alexandra Coelho Martins, Carla Alexandra Pacheco de Almeida Rocha da Cruz e Eduardo Paz Ferreira].)

Aproveitemos para esclarecer o que, sem grande preocupação de rigor doutrinal, temos designado por interpretação ampliativa.

Cremos que ela não corresponde senão àquilo que, afinal, mais não é do que o conceito mais recente de acto destacável impugnável, e a interpretação inovadora do princípio da impugnação unitária.

O conceito tradicional era o de que são destacáveis os actos que produzem efeitos jurídicos externos, ainda que não ponham fim a um procedimento nem a um seu incidente autónomo – sendo que, em função dessa produção de efeitos externos, devem poder ser directamente impugnáveis, sem ter que se aguardar pelo fim do procedimento[14].

Só que a nova definição de acto administrativo, no art. 148º do CPA, e o alargamento do conceito de acto impugnável contenciosamente, no art. 51º do CPTA, vieram alterar subtilmente o quadro teórico nestes domínios, passando a concentrar-se a atenção na eficácia externa dos actos, na susceptibilidade de interferência relevante nas relações entre Administração e particulares, independentemente de se tratar, ou não, de mero acto procedimental.

Estabelece o art. 51º, 1 do CPTA:

Ainda que não ponham termo a um procedimento, são impugnáveis todas as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta, incluindo as proferidas por autoridades não integradas na Administração Pública e por entidades privadas que atuem no exercício de poderes jurídico-administrativos.

Sublinhemos: “Ainda que não ponham termo a um procedimento, são impugnáveis todas as decisões”: este alargamento abre caminho à possibilidade de impugnação contenciosa de quaisquer actos procedimentais, e não apenas de actos que ponham termo ao procedimento ou a uma fase autónoma desse procedimento, abolindo, assim, o requisito de definitividade horizontal.

 

14. O TRIUNFO DA IMPUGNAÇÃO UNITÁRIA E O OCASO DO ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO DE ACTOS PROCEDIMENTAIS

 

Leia-se agora o art. 51º, 3 do CPTA:

Os atos impugnáveis de harmonia com o disposto nos números anteriores que não ponham termo a um procedimento só podem ser impugnados durante a pendência do mesmo, sem prejuízo da faculdade de impugnação do ato final com fundamento em ilegalidades cometidas durante o procedimento, salvo quando essas ilegalidades digam respeito a ato que tenha determinado a exclusão do interessado do procedimento ou a ato que lei especial submeta a um ónus de impugnação autónoma.

Com este preceito, toda a impugnação de actos procedimentais passa a ser facultativa, nunca impedindo que o interessado possa impugnar o acto final, com base nos vícios que afectem o acto intermédio, excluindo apenas os casos em que o acto em causa tenha determinado a exclusão do interessado no procedimento (hipótese em que o acto praticado no decurso do procedimento representa já decisão final relativamente ao interessado excluído), bem como os demais casos em que a lei imponha especialmente, e expressamente, o ónus de impugnação tempestiva de actos procedimentais.

Este art. 51º, 3 do CPTA reforça a noção de que se operou uma radical abertura na impugnabilidade de actos procedimentais, pois ele mais não visa do que evitar que essa abertura se faça em detrimento da posição processual dos privados – estabelecendo que, quando o interessado não tenha impugnado um acto interlocutório susceptível de produzir efeitos lesivos na sua esfera jurídica, não fica precludida a faculdade de dirigir a impugnação contra o acto final do procedimento[15].

Quanto à referência ao ónus de impugnação autónoma no final do art. 51º, 3 do CPTA, ficam ressalvados somente os casos em que a lei expressamente o estabeleça, em termos de excluir que os vícios de um acto interlocutório objecto desse ónus de impugnação possam ser invocados na reacção jurisdicional que venha a ser dirigida contra a decisão final do procedimento – não bastando a mera menção, em lei especial, de que certo acto procedimental é passível de impugnação administrativa.[16]

É a esta nova luz que deve ser interpretado o art. 54º do CPPT, quando estabelece o princípio da impugnação unitária, e é a essa luz que o Tribunal Constitucional leu esse artigo, no Acórdão n.º 410/2015, de 19 de Novembro – repudiando a interpretação subtractiva que, na base do entendimento tradicional da preclusão da impugnabilidade de actos procedimentais destacáveis na impugnação contra o acto final do procedimento, na prática reduzia, ou subtraía, direito dos particulares.

A não se entender assim, a preclusão redundaria numa violação contínua de alguns princípios e preceitos constitucionais e legais, com implicações directas no próprio processo arbitral tributário, nos termos dos arts. 17º, 3 e 25º, 1 do RJAT.

Pense-se no princípio da legalidade tributária, e a sua tradução no art. 103º, 3 da Constituição, “Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos (…) cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei”.

Pense-se ainda no art. 8º, 2, a) da LGT, que estabelece que “Estão ainda sujeitos ao princípio da legalidade tributária: (…) A liquidação e cobrança dos tributos, incluindo os prazos de prescrição e caducidade”.

Bastariam estes dois preceitos para se perceber como é insustentável a perpetuação de liquidações ilegais e injustas, porque assentes em erros não-sanados.

 

15. A NOVA DEFESA “AMPLIATIVA” DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

 

Não esqueçamos ainda que a defesa do princípio da legalidade sobreleva, evidentemente, a questões administrativas, procedimentais ou processuais que, isoladamente, se apresentem como obstáculos àquela defesa – como expressivamente o estabelece o art. 99º do CPPT, ao estatuir “Constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade”, exemplificando na sua alínea a) que entre essas ilegalidades se conta a “Errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários”.

Assim, ao argumento de que as avaliações são actos destacáveis, que é um argumento conceptualmente válido, terá que se contrapor a proeminência do interesse da defesa do princípio constitucional da legalidade tributária, a reclamar que se mantenha em aberto a possibilidade de sindicância judicial ou arbitral dos actos de liquidação assentes em erros de determinação das bases tributáveis – erros materiais que não se convalidam pela simples circunstância de já não poderem ser separadamente, individualmente, revistos. E não deixa de ser invocável aqui ainda outro princípio constitucional, o da subordinação da actuação da Administração Pública ao “respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos” (art. 266º, 1 da Constituição).

A natureza de actos destacáveis das avaliações não é, nem pode ser, a última palavra, nem a segurança que essa natureza dos actos visa é o valor mais alto da ordem jurídico-fiscal, como bem o enfatiza a proeminência constitucional do princípio da legalidade, a deixar aberta a via para a defesa procedimental e processual desse valor mais elevado.

Assim se entende facilmente o triunfo jurisprudencial do entendimento de que, mesmo que precludida a possibilidade de sindicar directamente a fixação de um VPT, na medida em que a determinação desse VPT possa constituir um acto destacável, nem por isso fica o contribuinte impossibilitado de arguir a ilegalidade do VPT fixado. Defender o contrário seria, insistamos, o mesmo que defender a perpetuidade da conduta ilegal da Administração, liquidação após liquidação, o que repugna ao bom senso e ao Direito admitir.

Daí também que se tenha vindo a entender que, esgotados ou não os prazos dos pedidos de revisão oficiosa das avaliações, as reclamações ou impugnações apresentadas contra as liquidações assentes naquelas avaliações podem, e devem, ser convoladas em revisões oficiosas, já que, atento o princípio da legalidade e a sua proeminência jurídico-constitucional, tal convolação representa um poder-dever da Administração Fiscal, além de representar um corolário dos princípios de colaboração célere e eficiente da Administração com os contribuintes, como resulta da combinação dos arts. 55º e 59º da LGT, e do art. 48º, 1 do CPPT (veja-se a esse respeito o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte [TCAN], de 15 de Abril de 2021, Processo nº 02010/12.6BEPRT).

 

16. O ERRO SISTÉMICO NUMA APLICAÇÃO INFORMÁTICA NÃO É UM ERRO DE AVALIAÇÃO: A IRRELEVÂNCIA, NO CASO, DOS ACTOS “DESTACÁVEIS”

 

Voltemos à questão dos “actos destacáveis”: não houve, em cada um dos inúmeros casos em que foi detectada a ilegalidade dos VPT atribuídos aos terrenos para construção, verdadeiramente um erro material específico, naquele caso em particular, seja da parte dos contribuintes, seja da AT, nem existiu ou existe qualquer divergência naquela avaliação em particular, traduzida numa interpretação conflituante dos coeficientes ou da sua aplicação ao caso concreto – sendo que só nestes casos faria sentido convocar a figura dos actos destacáveis, para com ela se invocar a necessidade de sedimentação e cristalização de valores.

Aqui não é disso que se trata, mas sim de um erro sistémico, persistente, que inquinou todo um universo de liquidações: sendo que, se vedássemos a possibilidade de qualquer reacção contra ele, estaríamos a perpetuar actos ostensivamente ilegais num universo de casos, e a repetição e generalização de liquidações inquinadas nos seus pressupostos de facto e de direito, dando apoio a uma injustiça grave e notória que durou pelo menos até à mudança da lei, no início de 2021 – momento até ao qual, dada a persistência do erro sistémico, existiu um  enriquecimento sem causa do credor de imposto.

De facto, não estamos aqui perante erros materiais na determinação das áreas, localização, andares, elementos de qualidade e conforto considerados nas avaliações, resultantes de erros nas declarações apresentadas pelos contribuintes, ou de erros dos peritos avaliadores na análise da documentação e da informação, ou ainda de divergência de critérios adoptados pelos peritos e pelos contribuintes, que são os únicos casos em que poderia fazer sentido chamar à colação o regime dos actos destacáveis.

Dito de forma mais simples: declarações verdadeiras, rigorosas, foram corrompidas por um algoritmo concebido de forma ilegal, na tal AGA – Aplicação de Gestão das Avaliações, já mencionada: é um elemento distante do procedimento de avaliação, pelo que a questão não se resolve através de primeiras avaliações ou de segundas avaliações, resolve-se com o reconhecimento do erro causado pelo algoritmo, que gerava resultados ilegais por ter sido concebido com base numa interpretação ilegal dos preceitos aplicáveis.

Isto nada tem a ver, insiste-se, com o regime dos actos destacáveis, e certamente não é com esse regime que se vai resolver o efeito cumulativo de anos e anos de liquidações ilegais – não de uma ou outra liquidação em particular, mas de todas as liquidações de IMI e de AIMI que incidiram, enquanto durou o erro, nos terrenos para construção.

Esta é matéria somente de revisão oficiosa, ex officio, por dever – por dever da Administração.

O art. 8º da LGT, lembremo-lo, não consente que perdurem na ordem jurídica liquidações de imposto alicerçadas em ilegalidades: o que, por sua vez, justifica a solução genérica do art. 99º, a) do CPPT):

Constitui fundamento de impugnação qualquer ilegalidade, designadamente:

a) Errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários

E lembremos também, mais uma vez, que o art. 103º, 3 da Constituição exonera os cidadãos do pagamento de impostos ilegalmente liquidados.

Isso manifestamente sobreleva a outras considerações: e é por isso mesmo que, quando esteja já fechada a porta da reclamação graciosa, ou a porta da convolação em revisão oficiosa, deve subsistir, nos seus prazos próprios, o puro pedido de revisão oficiosa.

Daí a referida “válvula de escape” para lidar com situações de ilegalidade flagrante e disseminada, a revisão dos actos tributários com fundamento em ilegalidade ou erro, e o poder-dever da administração tributária de expurgar da ordem jurídica, total ou parcialmente, um acto ilegal, bem como o de restituir o que tenha sido ilegalmente cobrado, em nome do princípio da legalidade constitucionalmente consagrado, e para que não ocorra enriquecimento sem causa.

Assim, se, contra a jurisprudência dominante dos tribunais superiores e arbitrais, invocássemos a natureza de actos destacáveis das avaliações dos terrenos, para concluirmos que a avaliação dos terrenos para construção estava cristalizada, decidida e juridicamente consolidada, impedindo, assim, a possibilidade de qualquer reacção (seja através de pedido de revisão oficiosa seja, principalmente, através de reclamação graciosa ou de impugnação contenciosa), por parte dos contribuintes, por exemplo contra o indeferimento expresso ou tácito das reclamações graciosas, o direito constitucionalmente consagrado de acesso ao direito e à justiça seria negado, e seriam mantidos na ordem jurídica actos ostensivamente ilegais, e, com eles, uma situação de injustiça grave ou notória, traduzida em locupletamento injustificado por parte do credor de imposto.

Por outras palavras, a circunstância de os actos de fixação do VPT serem “destacáveis”, isto é, autonomamente sindicáveis, o que é inegável, é ao mesmo tempo irrelevante, porque não tem a susceptibilidade de impedir que os actos de liquidação emitidos com base no VPT sejam naturalmente sindicáveis – até porque são as próprias liquidações, e não as avaliações, correctas ou incorrectas, em que as liquidações assentam, os verdadeiros actos lesivos de direitos e interesses dos particulares, cuja tutela jurisdicional efectiva a Constituição garante, em defesa dos contribuintes e dos meios de tutela das respectivas posições substantivas.

Mas insistamos: tal regime dos actos destacáveis pura e simplesmente não tem, nem poderia ter, aplicação adequada em casos destes, porque neles estamos perante uma situação em que os contribuintes declararam correctamente todos os elementos, e os peritos avaliadores consideraram correctamente todos os elementos declarados pelos contribuintes, mas em que, fruto de uma fórmula pré-estabelecida e incorporada no sistema informático da AT –  ou seja, fruto de um acto prévio aos procedimentos de avaliação, e inacessível para modificação ou emenda por parte dos avaliadores –, os VPTs que foram fixados na sequência da inclusão da informação declarada pelos contribuintes, e inseridos no ficheiro electrónico da AT, se tornaram ostensivamente ilegais (essa proeminência do factor informático e do algoritmo é devidamente sublinhada no ponto 3.2 do Acórdão do STA de 14 de Novembro de 2018, Processo nº 0398/08.2BECTB 0133/18).

Estamos aqui, portanto, perante um elemento prévio aos procedimentos de avaliação, e sobre o qual nem os contribuintes nem os peritos avaliadores têm qualquer influência, seja em sede de primeiras avaliações seja em sede de segundas avaliações, o que bastará para retirar relevância ao tema dos “actos destacáveis”.

Bastará formular esta pergunta: dado o vício no algoritmo que determinou o erro sistémico nas avaliações, como poderíamos nós ter a certeza de que uma segunda avaliação corrigiria os erros da primeira avaliação?

A reacção à injustiça criada tem de encontrar-se, como é evidente, noutro plano.

Resulta claro que não foi para casos destes que o legislador estabeleceu o regime dos actos destacáveis: certamente que o legislador nunca teria a intenção de criar um regime que anulasse totalmente as garantias dos contribuintes em casos deste tipo, nos quais se veio a constatar, tantos anos depois da aprovação do Código do IMI, que a fórmula assumida pelo sistema informático da AT tinha sido contaminada por erro e se tornara ostensivamente ilegal.

 

17. A QUESTÃO DA “SEGUNDA AVALIAÇÃO”

 

Quanto à referida “segunda avaliação” prevista no art. 76º do CIMI, e respectiva impugnação prevista no art. 77º do CIMI, convirá lembrar a distinção entre reclamações e recursos necessários e facultativos, assente na circunstância de depender, ou não, da sua prévia utilização a possibilidade de acesso aos meios contenciosos – e a consequência explícita de todas as reclamações e recursos terem carácter facultativo, a menos que uma disposição legal estabeleça expressamente o contrário.

Melhor será transcrevermos os n.os 1 e 2 do art. 185º do CPA:

1 - As reclamações e os recursos são necessários ou facultativos, conforme dependa, ou não, da sua prévia utilização a possibilidade de acesso aos meios contenciosos de impugnação ou condenação à prática de ato devido.

2 - As reclamações e os recursos têm caráter facultativo, salvo se a lei os denominar como necessários.

Ora, como a segunda avaliação não é obrigatória, nem está prevista no art. 77º, 1 do CIMI uma impugnação administrativa necessária – o que, insistamos, teria que ocorrer expressamente, por força do estabelecido no art. 185º, 2 do CPA –, também não existe um ónus de impugnação judicial do acto de fixação do VPT que tenha resultado da segunda avaliação: uma segunda avaliação que, de resto, o particular não está sequer vinculado a requerer, porque no art. 76º, 1 não se prevê essa segunda avaliação como uma forma de impugnação administrativa necessária, destinada a permitir o ulterior acesso à via contenciosa [17].

 

18. A DUPLA IRRELEVÂNCIA PROCEDIMENTAL EM PROCESSOS ARBITRAIS TRIBUTÁRIOS

 

Não tem fundamento, portanto, a alegação – aliás frequente – de que o legislador estabeleceu um regime específico para a contestação do acto de fixação do VPT, e com ele gerou um desvio propositado ao regime-regra de impugnação unitária previsto no art. 54º do CPPT, bloqueando por preclusão a sua apreciação na impugnação judicial da subsequente liquidação de IMI.

Aliás, mesmo que o tivesse feito, ainda dele estaria isento o processo arbitral tributário, no qual não é exigível o esgotamento dos meios graciosos previstos no procedimento de avaliação – isto porque não há qualquer referência aos actos de fixação do VPT no art. 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, a norma na qual se estabelecem as excepções à vinculação da Administração à jurisdição dos tribunais arbitrais.

É que, como já vimos anteriormente, não é por essa via que se chega à consolidação jurídica dos actos de fixação do VPT ou das liquidações, formando caso decidido – seja pela circunstância genérica, já sublinhada, de essa consolidação só poder decorrer do esgotamento dos meios jurisdicionais, seja pela circunstância específica de estarem previstos mecanismos de revisão oficiosa no art. 78º da LGT e no art. 115º CIMI – este último, aliás, sem qualquer barreira temporal –.

Isto sem perdermos de vista o já assinalado: que os actos de avaliação se repercutem, ano após ano, em liquidações de imposto de valor superior ao que resultaria da correcta aferição da base de incidência, gerando todos os anos novos erros de direito, novas ilegalidades e novas injustiças notórias – cada uma a merecer um similar nível de tutela jurídica, já que gera imposto em excesso – um excesso que a Constituição desobriga os cidadãos de pagar.

 

19. DIREITOS ACRESCIDOS DE IMPUGNAÇÃO NO NOVO DIREITO ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO

 

Ora, como já determinámos que as excepções ao princípio da impugnação unitária (previsto no art. 54º do CPPT) são muito menos abundantes do que aquilo que tradicionalmente se concebia, convirá relembrar que o sistema jurídico que operou essa transformação o fez com o objectivo de ampliar as garantias dos contribuintes, de conferir-lhes “direitos acrescidos de impugnação[18], e de continuar a fazê-lo até que a revisão das liquidações e dos seus pressupostos dê lugar, de modo definitivo (jurisdicionalmente definitivo) a liquidações expurgadas dos factores de ilegalidade: o objectivo, relembremos, foi o de permitir uma defesa autónoma por adição a uma impugnação unitária que se mantinha incólume, e não por subtracção e erosão das possibilidades dessa impugnação unitária.

E, de facto, a jurisprudência dominante, como já vimos, tem consistentemente afirmado que, se a errónea quantificação dos VPT constitui ilegalidade que fundamenta a apresentação de impugnações judiciais de actos tributários de liquidação do IMI e do AIMI, não tem razão de ser que tal fundamento seja afastado pelo mero facto de o acto de quantificação desses valores patrimoniais ser susceptível de impugnação prévia e autónoma pelo contribuinte.

Entender de outro modo, reafirmemo-lo, equivaleria a esvaziar totalmente a susceptibilidade de impugnação judicial de liquidações de IMI e AIMI com base em fundamento de errónea fixação do VPT no cálculo da base tributável daqueles impostos.

Seria enveredar por um caminho que o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 410/2015, de 19 de Novembro, na sua interpretação do art. 54º do CPPT, declarou inconstitucional – além de o considerar ilegal, por contradição com o art. 66º, 2 da LGT que estabelece que a reclamação de qualquer acto interlocutório não preclude o direito de “recorrer ou impugnar a decisão final com fundamento em qualquer ilegalidade”.

Convirá lembrar não somente que o direito à tutela jurisdicional efectiva é um direito fundamental, que deve levar-nos a afastar interpretações meramente ritualistas e formais (art. 20º, 1 da Constituição), mas também que a reforma da justiça administrativa condenou expressamente o excesso de formalismo (“Para efetivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas.” – art. 7º do CPTA). E dir-se-á que o moderno direito processual, começando pelo CPC, visa, sempre que possível, a prevalência do fundo sobre a forma, bem como a sanação das irregularidades processuais e dos obstáculos ao normal prosseguimento da instância, tendo em vista o máximo aproveitamento dos actos processuais.

Daí que, no âmbito da ponderação dos pressupostos processuais, os princípios antiformalistas, “pro actione” e “in dubio pro favoritate instantiae” impõem uma interpretação que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva, pelo que, suscitando-se quaisquer dúvidas interpretativas nesta área, deve optar-se por aquela que favoreça a acção, e assim se apresente como a mais capaz de garantir a real tutela jurisdicional dos direitos invocados pela parte.[19]

 

20. CONCLUSÕES

 

Recapitulando:

  1. É consensual que a fixação do VPT de terrenos para construção foi universalmente viciada durante alguns anos.
  2. O erro / ilegalidade na fixação desse VPT situou-se num algoritmo utilizado pela AT, sem intervenção dos particulares e sem que estes pudessem sequer aperceber-se disso.
  3. A solução de uma segunda avaliação não resolveria, pois, o problema, dado que o algoritmo continuava viciado.
  4. Essa segunda avaliação é, à luz dos mais recentes desenvolvimentos do Direito Administrativo (CPA, CPTA), meramente facultativa, não representando um ónus do contribuinte.
  5. Só a AT dispunha de meios para resolver a situação gerada pelo algoritmo viciado, através de uma revisão oficiosa de todo o universo de VPT de terrenos para construção, no período em que o algoritmo operou.
  6. É consensual que essa revisão oficiosa pode resultar, indiferentemente, de iniciativa da Administração ou da iniciativa dos particulares.
  7. A revisão oficiosa, por imperativo constitucional e em harmonia com a primazia do princípio da impugnação unitária, reforçado pelo actual Direito Administrativo, não pode ser condicionada pela falta de exercício de meras faculdades procedimentais relativas a actos interlocutórios “destacáveis”.
  8. Mesmo que esse condicionamento existisse para a impugnação judicial em geral, ele continuaria a ser irrelevante em processos arbitrais tributários, por força do disposto na Portaria “de vinculação”.
  9. A possibilidade de impugnação autónoma desses actos “destacáveis” visa somente aumentar – por antecipação – as garantias dos particulares, não reduzir essas garantias quando os particulares se socorram, a final, da impugnação unitária.
  10. Os actos tributários só se consolidam quando se esgotam os prazos de impugnação judicial – não quando se esgotam os prazos da anulação administrativa, se estes terminarem antes daqueles, pois entender de outro modo redundaria em violação directa dos princípios constitucionais da justiça e da tutela jurisdicional efectiva.
  11. Todas as liquidações inquinadas por fixação ilegal do VPT, causada por um erro do algoritmo de uma “Aplicação de Gestão das Avaliações” utilizada pela AT, devem ser anuladas, dentro dos prazos de impugnação judicial, salvo se tiverem sido anteriormente sanadas por anulação administrativa, por restituição do imposto pago em excesso, acrescido de juros, e por realização de novas avaliações expurgadas do erro no VPT dos terrenos para construção.

De tudo o que precede decorre a procedência total do pedido de anulação das liquidações, com todas as suas consequências legais.

Ocorrendo a anulação das liquidações, deve ser reconhecido, igualmente, para lá do direito à restituição do imposto pago em excesso, o direito a juros indemnizatórios, nos termos e para os efeitos previstos no art. 24º, 5 do RJAT, no art. 43º, 3, c), da LGT e no art. 61º do CPPT.

 

 

 

 

(Fernando Araújo)

 



[1] Acórdão do STA de 19-11-2014 (P. 0886/14)

[2] Acórdão do STA de 14-03-2012 (P. 01007/11)

[3] Acórdão do STA de 20-03-2002 (P. 026580)

[4] Acórdão do TCAS de 25-11-2009 (P. 02842/09)

[5] Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in “Lei Geral Tributária”, anotada e comentada, Encontro da Escrita, 4.ª edição, 2012, pp. 704/706

[6] Processo n.º 760/2020‐T, de 2 de Julho de 2021 (árbitro Rui Duarte Morais)

[7] Não consigo acompanhar a inferência que é estabelecida, a partir da distinção de prazos, entre os n.os 1 e 6 do art. 78º da LGT e os n.os 4 e 5, reservando àqueles os actos de liquidação, e a estes os actos de fixação de VPT, por exemplo no acórdão arbitral do Processo n.º 487/2020‐T, de 10 de Maio de 2021 (árbitros Jorge Lopes de Sousa, Arlindo José Francisco e Jesuíno Alcântara Martins): se é possível reagir a uma liquidação porque ela está contaminada por uma avaliação ilegal, essa avaliação ilegal pode ser indiferentemente apreciada, mediata ou imediatamente, em qualquer daqueles n.os do art. 78º da LGT. OU, como se refere na fundamentação de outro acórdão arbitral, “na medida em que esses atos de avaliação se repercutem em liquidações de imposto de valor superior ao que resultaria da correta aferição da base de incidência, não existe razão para que não mereçam um nível de tutela similar” - Acórdão arbitral de 26 de Novembro de 2021, proferido no Processo n.º 486/2020‐T (árbitros Alexandra Coelho Martins, Carla Alexandra Pacheco de Almeida Rocha da Cruz e Eduardo Paz Ferreira).

[8] Veja-se, por todos, Rocha, Joaquim Freitas da (2021), Lições de Procedimento e Processo Tributário, 5.ª edição, Coimbra, Almedina, págs. 227-228; Neto, Serena Cabrita & Carla Castelo Trindade (2017), Contencioso Tributário, I- Procedimento, Princípios e Garantias, Coimbra, Almedina, pág. 605; Leonardo Marques dos Santos (2013), “A Revisão do Acto Tributário, as Garantias dos Contribuintes e a Fiscalidade Internacional”, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Alberto Xavier, Vol. II, págs. 14 e ss..

[9]Foi revisto e aprovado e divulgado, em 29-10-2020, um novo Manual de Avaliação de Prédios Urbanos, tendo-se alterado o entendimento e as instruções administrativas relativas á avaliação dos terrenos para construção, de modo a conformar esse entendimento com a jurisprudência do STA e dos tribunais centrais administrativos.” – Instrução de Serviço n.º 60318/2021 da DSJT.

[10] Também quanto a este Manual se dirá que se trata de um documento não disponibilizado pela AT nos presentes autos, mas que é um documento cuja junção seria sempre possível, ao abrigo do disposto no art. 436º do CPC, aplicável ex vi arts. 2º, e) e 13º do CPPT, e 29º, 1, e) do RJAT.

[11]Embora [a] Autoridade Tributária e Aduaneira qualifique esta quest[ão] como uma excepção, ela não tem essa natureza, pois a alegada impossibilidade, a verificar-se será uma razão para improcedência e não um obstáculo ao conhecimento do mérito do pedido de pronúncia arbitral” – Processo n.º 41/2021‐T, de 27 de Julho de 2021 (árbitros Jorge Lopes de Sousa, André Festas da Silva e Nuno Cunha Rodrigues).

[12] Refira-se, de passagem, que o erro verificado ao nível da determinação dos Valores Patrimoniais Tributários se revela-se apto a alterar a colecta do AIMI nos mesmos termos em que se revelaria apta a alterar a colecta do IMI, o que, por exemplo, permite deduzir o procedimento de contestação do AIMI, que o legislador não regulou expressamente nos artigos 135.º-A a 135.º-M do CIMI.

[13] Nos próximos parágrafos, seguimos de perto a fundamentação contida no acórdão arbitral de 5 de Maio de 2022, Processo n.º 835/2021‐T (árbitros Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Leonardo Marques dos Santos e Arlindo José Francisco).

[14] Seguimos, nos próximos parágrafos, a fundamentação contida no acórdão arbitral de 5 de Maio de 2022, Processo n.º 835/2021‐T (árbitros Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Leonardo Marques dos Santos e Arlindo José Francisco).

[15] Cfr. Almeida, Mário Aroso de & Carlos Fernandes Cadilha (2021), Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5.ª edição, Coimbra, Almedina, pág. 374.

[16] Novamente seguimos, neste ponto, a fundamentação contida no acórdão arbitral de 5 de Maio de 2022, Processo n.º 835/2021‐T (árbitros Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Leonardo Marques dos Santos e Arlindo José Francisco).

[17] Também neste ponto seguimos a fundamentação contida no acórdão arbitral de 5 de Maio de 2022, Processo n.º 835/2021‐T (árbitros Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Leonardo Marques dos Santos e Arlindo José Francisco).

[18] Uma expressão que retivemos da fundamentação do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 410/2015, de 19 de Novembro.

[19] Seguimos aqui a fundamentação da decisão arbitral proferida em 4 de Outubro de 2021, Processo n.º 759/2020‐T (árbitro André Festas da Silva).