Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 29/2022-T
Data da decisão: 2022-08-02  IMI Outros 
Valor do pedido: € 15.650,28
Tema: AIMI – Terrenos para construção - Impugnação do Valor Patrimonial Tributário precedida de pedido de revisão do ato tributário.
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I.              Sumário 

 

I - Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula consagrada no artigo 38.º do Código do IMI, por existirem regras específicas previstas no artigo 45.º do mesmo Código.

II – Sobre a AT recai um verdadeiro poder dever de rever os atos tributários de que resulte a arrecadação de imposto superior ao devido;

III - O tribunal arbitral é competente para apreciar a legalidade dos atos de liquidação de Adicional ao IMI, quando a impugnação tenha como fundamento a quantificação errónea do valor patrimonial tributário dos prédios em causa e foi precedida do pedido de revisão oficiosa do ato tributário tacitamente indeferido;

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

 

II.            Relatório 

A A...com o número de identificação fiscal [...]e com sede na [...], doravante designada por “Requerente, veio, nos termos da alínea a) do  n.º 1 do artigo 2.º, n.º 2, do artigo 5.º, n.º 1 do artigo 6.º e dos artigos 10.º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem (RJAT), em conjugação com a alínea a) do artigo 99.º e das alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 102.º, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), requerer a constituição do Tribunal Arbitral, pedindo:

a.     Que na sequência do indeferimento tácito do Pedido de Revisão Oficiosa seja declarada a ilegalidade e anulação parcial dos atos tributários do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (“AIMI”) n.os [...] e[...], com referência, respetivamente, aos anos de 2019 e 2020 no montante global de € 15.650,28,; 

b.     A Condenação da AT a reembolsar a Requerente do valor do imposto pago em excesso;

c.     A condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, até ao reembolso integral do montante do imposto indevidamente pago.

 

É requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”),

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, a qual comunicou a aceitação da designação dentro do prazo.

 

Em 8 de março de 2022, as partes foram notificadas da designação do árbitro não tendo arguido qualquer impedimento.

 

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 28 de março de 2022.

 

Notificada para o efeito por despacho de 28 de março 2022, a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada de Requerida ou AT, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

Por despacho de 24-05-2022, o Tribunal dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e notificou as partes para apresentarem alegações escritas, querendo, com carácter sucessivo.

 

Ambas as partes prescindiram de apresentar alegações.

 

 

III.          Descrição sumária dos factos 

 

III. 1 Posição da Requerente

 

A Requerente intentou a presente impugnação no seguimento do indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI), submetido em 27 de agosto de 2021, com referência aos anos de 2019 e 2020, com fundamento em manifesto erro imputável aos serviços.

 

Não se conformando nem com o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa nem com ilegalidade dos atos de liquidação do AIMI referentes aos anos de 2019 e 2020, a Requerente suscitou junto do Tribunal Arbitral a apreciação da legalidade dos atos, requerendo a sua anulação, parcial.

A Requerente cujo objeto é a compra e venda de imóveis era proprietária de dois terrenos para construção, cada um com um VPT superior a um milhão de euros.

A AT calculou erradamente o AIMI, ao arrepio do disposto no artigo 45.º do IMI, porque considerou os coeficientes de (i) localização; (ii) afetação e (iii) de qualidade e conforto.

O método de avaliação dos terrenos para construção, regulado no artigo 45.º do Código do CIMI que remete para a alínea c) do n.º 1 e n.º 3 do artigo 6.º, sendo inegável que os coeficientes de afetação (estabelecidos no artigo 41.º do CIMI), de localização (definidos no artigo 42.º) e de qualidade e conforto (regulado no artigo 43.º) e de vetustez (consagrado no artigo 44.º) não eram aplicáveis aos terrenos para construção, não fazendo parte da fórmula de cálculo para efeitos de AIMI.

Expurgados os aludidos coeficientes resultam diferentes valores patrimoniais tributários em montantes inferiores aos que foram utilizados para efeitos de cálculo deste adicional.

Existe um erro nos pressupostos de facto e direito na determinação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos, ou seja, existe um erro flagrante na determinação da matéria coletável e que resultou numa cobrança (coleta) ilegal de € 15.650,28, exclusivamente imputável à AT.

 

Por conseguinte, foi efetuada uma liquidação (e pagamento) em excesso de AIMI nos seguintes montantes:

a)     Com referência ao ato tributário de liquidação de AIMI relativo ao ano 2019, foi liquidado imposto em excesso no montante total de € 7.825,14;

b)    Com referência ao acto tributário de liquidação de AIMI relativo ao ano 2020, foi liquidado imposto em excesso no montante total de € 7.825,14.

 

Qualquer erro nos pressupostos de facto e / ou de direito do qual resulte um erróneo cálculo dos valores patrimoniais tributários dos imóveis sobre os quais incide o ato tributário de liquidação de AIMI que importe a determinação de valores patrimoniais tributários em montante superior àquele que resultaria da aplicação correta das normas de determinação daqueles valores, e, consequentemente, seja liquidado AIMI num montante superior àquele que seria legalmente devido, implica a anulação da liquidação de AIMI na parte correspondente ao montante de imposto liquidado em excesso, emresultado direto de ter sido considerado, para efeitos de cálculo deste imposto, um valor de matéria tributável superior àquele que deveria ter sido verificado.

Da alínea c) do n.º 1 do artigo 115.º do Código do IMI resulta que as liquidações deverão ser oficiosamente revistas quando “tenha havido erro de que tenha resultado colecta de montante diferente do legalmente devido

Considerando que é a AT a entidade responsável pela determinação concreta dos valores patrimoniais tributários dos prédios, tais erros nesta determinação são “erros imputáveis aos serviços” que justificam plenamente a admissibilidade de pedidos de revisão oficiosa nos termos gerais do artigo 78.º da LGT.

Por último, defende a inconstitucionalidade da aplicação do artigo 38.º do CIMI, em concreto, a aplicação dos coeficientes de avaliação nele previstos aos terrenos para construção é contrário ao princípio da legalidade tributária, conforme consagrado na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e do n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa.

            Por isso, será inconstitucional a norma pretensamente extraída do artigo 45.º do Código do IMI, quando interpretada no sentido de os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do mesmo diploma legal terem aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção.

 

III.2 Posição da Requerida

            A origem do diferendo que opõe a Requerente à Autoridade Tributária diz respeito à fórmula de cálculo do valor patrimonial do terreno para construção devidamente identificados no pedido de pronúncia arbitral.

Em causa nos presentes autos estão as seguintes avaliações:

a)     Avaliação realizada em 07-05-2018 ao artigo [...] da União das freguesias [...], que fixou o VPT do terrenoem 1.567.830,00 € e teve em consideração o coeficiente de localização de 1,60 e de afetação de 1,10 – ficha de avaliação n.º [...], com origem na declaração modelo 1 do IMI n.º [...], rececionada em 27-04-2018;

b)    Avaliação realizada em 07-05-2018 ao artigo [...] da União das freguesias de [...], que fixou o VPT doterreno em 1.537.930,00 € e teve em consideração o coeficiente de localização de 1,60 e de afetação de 1,10– ficha de avaliação n.º [...], com origem na declaração modelo 1 do IMI n.º [...], rececionada em 27-04-2018;

c)     Avaliação realizada em 07-05-2018 ao artigo [...]da União das freguesias de[...], que fixou o VPT do terrenoem 1.546.390,00 € e teve em consideração o coeficiente de localização de 1,60 e de afetação de 1,10 – ficha de avaliação n.º [...], com origem na declaração modelo 1 do IMI n.º [...], rececionada em 27-04-2018.

 

A Requerente pretende a anulação do ato impugnado com fundamento em vícios, não do ato de liquidação, mas sim dos atos que fixaram o Valor Patrimonial Tributário (VPT), insuscetível de ser impugnado no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo.

Por conseguinte, coloca-se a questão de saber se o ato de fixação do VPT em vigor no período de tributação dos presentes autos está consolidado na ordem jurídica, e caso não o estivesse se poderia ser impugnado no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo.

Sendo certo que não tendo a Requerente colocado em causa o valor patrimonial obtido pela 1ª avaliação, e tendo requerido uma 2ª avaliação, o valor patrimonial obtido com a 1ª avaliação fixou-se, não sendo possível conhecer na posterior liquidação, de eventuais erros ou vícios cometidos no cálculo do VPT.

Entende a AT que o procedimento avaliativo constitui um ato autónomo e destacável para efeito deimpugnação arbitral, que, se não for impugnado nos termos e prazo fixado se consolida na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, semelhante ao caso julgado, que a posterior liquidação tem de acolher.

Nesta senda, porque o ato de fixação do VPT é um ato destacável e autonomamente impugnável, sendo o princípioda impugnação unitária expressamente afastado neste caso pelo artigo 86.º da Lei Geral Tributária (LGT), decorre que os vícios da fixação do VPT, não são sindicáveis na análise da legalidade do ato de liquidação e, portanto, o Tribunal Arbitral não tem competência para conhecer das matérias dos presentes autos.

            Defende ainda a AT que os atos de avaliação patrimonial são atos de determinação da matéria tributável e não atos tributários previstos no artigo 78.º da LGT. Um eventual erro de liquidação traduzir-se-ia na consideração de um VPT diferente do que à data constava da matriz predial, o que não é o caso.

            Mais refere a AT que o fundamento da injustiça grave ou notória do nº 4 do artigo 78° da LGT, não éinvocável quando a liquidação do IMI tenha sido efetuada de acordo com o nº 1 do artigo 113º do CIMI.

            

Por último e quanto à questão da inconstitucionalidade, a AT nega qualquer violação do princípio da legalidade tributária, defendendo em contrapartida a constitucionalidade do regime da consolidação dos atos administrativos tributários por falta de impugnação atempada.

Não tendo sido atacado o ato que fixou o VPT a lei veda a possibilidade de se tornear a falta de impugnação contenciosa tempestiva reabrindo a sua impugnabilidade no sentido de vir a obter por esta via os efeitos típicos da impugnação que não foi efetuada no devido tempo.

 

IV.          Matéria de Facto 

 

III.1 Factos Provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

1.     A Requerente é uma sociedade anónima que tem como objeto social a compra e venda de imóveis.

2.     A Requerente é proprietária de diversos prédios, incluindo terrenos para construção.

3.     A Requerente foi notificada dos seguintes atos tributários de liquidação de AIMI:

a.     Liquidação n.º [...], referente ao ano 2019, no montante total de € 18.608,60;

b.     Liquidação n.º [...], referente ao ano 2020, no montante total de € 18.608,60.

4.     Para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante de AIMI a pagar pela Requerente, os valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção de que a Requerente era titular à data dos factos tributários resultam da avaliação realizada em 07-05-2018. (cfr. Doc. nº 4)

5.     A determinação dos VPT’s dos imóveis aplicou os coeficientes de (i) localização, (ii) de afetação e  (iii) dequalidade e conforto. (cfr. Documento n.º 4 e confissão da AT)

6.     Na sequência da jurisprudência reiterada do STA no sentido da inaplicação, para efeito da determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos de construção, dos coeficientes de afetação, de localização e de qualidade e conforto, a Autoridade Tributária, no decorrer do ano 2020, corrigiu a fórmula de cálculo aplicável a esses prédios, deixando de aplicar esses coeficientes

7.     Em 15-06-2021 a Requerente requereu novas avaliações de IMI, que estão em vigor desde 07-05-2021.

8.     A AT não retificou oficiosamente as coletas de IMI:

Uma imagem com mesa

Descrição gerada automaticamente

 

Uma imagem com mesa

Descrição gerada automaticamente

9.     Os montantes do(s) imposto(s) liquidados pela AT foram pagos pela Requerente.

10.  No dia 27 de agosto de 2021, a Requerente apresentou o Pedido de Revisão Oficiosa destes atos tributários, ao abrigo do disposto no do artigo 78.º da LGT.

11.  O referido Pedido de Revisão Oficiosa veio a presumir‐se tacitamente indeferido, por inércia da AT em emitir umadecisão dentro do prazo de 4 meses

 

IV.2 Factos não Provados

 

Não existem factos essenciais não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação da competência material do Tribunal foram considerados provados.

 

IV.3 Motivação da Matéria de facto 

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e pela confissão expressa.

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, de resto não contestados pelas partes.

 

V.            Saneamento 

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

 

As partes gozam de capacidade e personalidade jurídica (artigo 4.º e 10.º n.º 2 do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

 

O processo não enferma de nulidades.

 

Foram suscitadas, pela Requerida duas exceções que poderiam contender com a competência do Tribunal Arbitral

a.     a inimpugnabilidade do ato de liquidação com base em vícios de fixação do valor patrimonial tributário (VPT) porque os atos de fixação dos valores patrimoniais devem ser impugnados autonomamente, não podendo os seus vícios ser apreciados na impugnação dos atos de liquidação subsequentes (artigo 86.º da LGT e 134.º do CPPT).

AT invoca assim, por esta via, um fundamento para a improcedência do pedido formulado pela Requerente.

b.    A AT defende a inadmissibilidade da revisão oficiosa dos atos de avaliação dos valores patrimoniais e, consequentemente, a incompetência dos tribunais arbitrais para conhecer da impugnação suscitada do indeferimento tácito.

 

 AT invoca assim a exceção de incompetência do tribunal arbitral, com base na inimpugnabilidade dos atos de liquidação decorrente de se ter consolidado na ordem jurídica o ato de fixação do valor patrimonial.

A este propósito importa salientar que os atos aqui sindicados são os atos de liquidação do AIMI, que foram precedidos de um pedido de revisão oficiosa dos atos de avaliação ao abrigo do artigo 78.º n.º 1 da LGT, tacitamente indeferida.

Ora, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é definida, em primeira linha, pelo artigo 2.º, n.º 1 do RJAT, que estabelece o seguinte:

“1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

 a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;”

            Pelo que, o Tribunal Arbitral é competente para conhecer da (i)legalidade da liquidação do AIMI.

Por seu turno, os atos de fixação dos valores patrimoniais tributários são autonomamente impugnáveis nos termos do artigo 134.º do CPPT, desde que esgotados os meios graciosos previstos no CIMI. Donde, estes atos são também suscetíveis de apreciação em sede arbitral, nos termos da parte final da alínea b), do n.º1, artigo 2º do RJAT.

Ademais, os Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD têm as competências que são atribuídas aos Tribunais judiciais em processo de impugnação judicial (artigo 124.º n.º 2 da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril) incluindo das decisões de indeferimento de pedidos de revisão de atos administrativos que comportem a apreciação da legalidade dos atos de liquidação (n.º 4 alínea a) do mesmo artigo).

Também o artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, viabiliza a apresentação de pedidos de pronuncia arbitral relativamente a atos de fixação de valores patrimoniais que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa.

Neste sentido, tem vindo a decidir uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo e os tribunais arbitrais a funcionar junto do CAAD.

Na linha desta jurisprudência do STA e dos tribunais arbitrais, é de entender que o ato ficcionado quando ocorre indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa é um ato que comporta a apreciação da legalidade do ato de liquidação cuja revisão foi pedida, dando resposta negativa aos fundamentos invocados, pelo que o meio contencioso adequado para o impugnar é o processo de impugnação judicial e o processo arbitral.

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa

 

VI.          Do Mérito 

Objeto dos Autos

 

Invocada a ilegalidade das liquidações de AIMI acima melhor identificadas, calculadas com base no VPT determinado em 07-05-2018 com a aplicação dos coeficientes de (i) localização, (ii) de afetação e (iii) de qualidade econforto, cuja liquidação foi efetuada, respetivamente, em 30/06/2019 e 30/06/2020, impõe-se ao Tribunal apurar:

a.     Se os vícios na determinação do VPT são suscetíveis de ser impugnados na liquidação que seja praticado tendo por base tal VPT;

b.      Admissibilidade e prazo para a revisão oficiosa dos atos de avaliação dos valores patrimoniais ao abrigo do artigo 78.º da LGT;

c.     Impugnabilidade da liquidação que se tenha baseado na decisão que recair sobre o pedido de revisão oficiosa.

 

VII.        Matéria de Direito 

 

VII.a Da possibilidade de conhecer os vícios dos atos de avaliação em impugnação dos atos de liquidação que nele se basearam

A Requerente veio suscitar a ilegalidade parcial dos atos de liquidação do Adicional de IMI, com fundamente em erro dos atos de avaliação de valores patrimoniais, pedindo a sua anulação com fundamento num erro flagrante nos pressupostos de facto e de direito na determinação dos valores patrimoniais.

A Requerida alega, por exceção, a inimpugnabilidade do ato de liquidação com base em vícios de fixação do valor patrimonial tributário (VPT) porque os atos de fixação dos valores patrimoniais devem ser impugnados autonomamente, não podendo os seus vícios ser apreciados na impugnação dos atos de liquidação subsequentes (artigo 86.º da LGT e 134.º do CPPT).

  Esta questão suscitada pela AT é um fundamento da improcedência do pedido formulado pela Requerente, por isso, antes de mais, impõe-se esclarecer se os vícios de atos de avaliação de valores patrimoniais podem ser invocados em impugnação de atos de liquidação de Adicional IMI que os têm como pressupostos.

Ora, por força do preceituado no artigo 15.º do CIMI a avaliação dos prédios urbanos é direta e, por isso, suscetível de impugnação contenciosa direta nos termos da lei (artigo 86.º n.º 1 da LGT). 

De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 86.º da LGT «a impugnação da avaliação direta depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão». 

Os termos da impugnação da avaliação direta de valores patrimoniais constam do artigo 134.º do CPPT, em que se estabelece que: «os atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de três meses após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade» (nº1); e «a impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação» (nº.7).          

Como decorre do n.º 1 do artigo 134.º, ao fixar um prazo especial de três meses para impugnação de atos de fixação de valores patrimoniais, «com fundamento em qualquer ilegalidade», e do n.º 7 do mesmo artigo, ao exigir o esgotamento dos meios graciosos, está afastada a possibilidade de essa impugnação com fundamento em ilegalidade se fazer, por via indireta, na sequência da notificação de atos de liquidação que a tenham como pressuposto, como são os de IMI e AIMI, sem observância do prazo de impugnação referido e sem esgotamento dos meios de revisão previstos no procedimento de avaliação.

No âmbito do IMI e do AIMI, quando o sujeito passivo não concordar com o resultado da avaliação direta de prédios urbanos, pode requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado (artigo 76.º, n.º 1, do CIMI).

Só do resultado das segundas avaliações (que esgotam os meios graciosos do procedimento de avaliação) cabe impugnação judicial nos termos do CPPT (artigo 77.º, n.º 1 do CIMI).

Isto significa que os atos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são actos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objeto de impugnação autónoma, não podendo na impugnação dos atos de liquidação que com base neles sejam efetuadas discutir-se a legalidade daqueles atos.

Assim, o sujeito passivo de IMI ou de AIMI pode impugnar as liquidações, mas não são relevantes como fundamentos de anulação eventuais ilegalidades dos antecedentes atos de fixação de valores patrimoniais, que se firmaram na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos n.ºs 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT.

Na verdade, não sendo impugnado tempestivamente o ato de fixação de valores patrimoniais, forma-se caso decidido ou resolvido sobre a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de IMI, sendo que «o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita» (artigo 113.º do CIMI).       

 

A natureza de atos destacáveis que é atribuída aos atos de avaliação de valores patrimoniais é, há muito, reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo[1], bem assim como pela jurisprudência dos tribunais arbitrais que funcionam junto do CAAD[2].                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           

Sem necessidade de maiores desenvolvimentos entendemos que não sendo impugnado tempestivamente o ato de fixação de valores patrimoniais, após o esgotamento dos meios administrativos legalmente previstos, estes tornam-se definitivos para a liquidação de impostos que sobre eles recaiam.

Como os tribunais arbitrais estão obrigados a decidir em consonância com o direito, reafirma-se aqui o doutamente decidido no processo n.º 254/2021-T, no sentido de que “as ilegalidades dos atos de avaliação invocados pela Requerente, que não foram objeto de impugnação tempestiva autónoma, não podem considerar-se ilegalidades dos atos de liquidação de AIMI, suscetíveis de serem invocados em processo impugnatório destes atos”.

Sumariando, as liquidações de AIMI em causa não poderão ser anuladas com fundamento nos alegados erros nas avaliações que fixaram os valores patrimoniais dos terrenos para construção, perfeitamente consolidados à data das liquidações.

No entanto, o artigo 78º da LGT, prevê a possibilidade de revisão oficiosa de atos tributários de liquidação, bem assim como de fixação da matéria tributável, a que se reconduzem os atos de fixação de valores patrimoniais, a título excecional, com base em injustiça grave ou notória e desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte[3].

 

 

VII.b Da admissibilidade do pedido de revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da LGT 

 

            O Código do IMI prevê a utilização da revisão oficiosa da liquidação quando tenha havido erro de que tenha resultado coleta em montante diferente do legalmente devido, sem prejuízo do artigo 78.º da LGT.

Como resulta do teor expresso deste artigo 115.º, ele reporta-se a revisão oficiosa de atos de liquidação de IMI e não a atos de avaliação de valores patrimoniais.

De acordo com as normas de incidência do IMI, este imposto é devido pelo proprietário do prédio em 31 de dezembro do ano a que o mesmo respeitar[4], sendo o imposto liquidado anualmente com base nos valores patrimoniais tributários e em relação aos sujeitos passivos que constem nas matrizes em 31 de dezembro do ano a que o mesmo respeita.

O VPT uma vez tornado definitivo releva igualmente para efeitos da liquidação do Imposto Municipal sobre Transmissões (IMT), Imposto de Selo (IS) e Adicional ao IMI.

Por força do artigo 135.º - C, n.º 1 do CIMI o valor tributável corresponde à soma dos valores patrimoniais tributários, reportados a 1 de janeiro do ano a que respeita o adicional ao imposto municipal sobre imóveis, dos prédios que constam nas matrizes prediais na titularidade do sujeito passivo.

            Pelo que os atos de liquidação de AIMI não enfermam de qualquer erro imputável aos serviços. 

Não obstante tudo quanto acima se disse, prevendo as normas especiais do CIMI a aplicação do disposto no artigo 78.º da LGT, a possibilidade de revisão oficiosa está limitada às condições aí indicadas, p.i., quando o pedido de revisão não é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, nos termos do n.º 1 do preceito em análise, a revisão só pode ser efetuada se existir erro imputável aos serviços com fundamento em injustiça grave ou notória.

 

Vejamos:

A Requerente foi notificada, em 30-06-2019, da liquidação referente ao AIMI de 2019 e em 30-06-2020 da liquidação referente a 2020 e pediu a revisão oficiosa dos atos tributários de liquidação do AIMI no dia 27 de agosto de 2021, ao abrigo do artigo 78.º da LGT, invocando erro imputável aos serviços na determinação do VPT.

 

O artigo 78.º da LGT - Revisão dos atos tributários- estabelece o seguinte:

1. A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

2. Revogado.

3. A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.

4. O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

5. Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.

6. A revisão do acto tributário por motivo de duplicação de colecta pode efectuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos.

7. Interrompe o prazo da revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização.

Das várias situações de revisão oficiosa previstas no artigo 78.º da LGT, as dos n.ºs 1 e 6 reportam-se a atos de liquidação (como se infere do termo inicial do prazo de quatro anos previsto no n.º 1).

Apenas as situações previstas nos seus n.ºs 4 e 5 deste artigo 78.º se reportam a atos de fixação da matéria tributável, categoria em que se integram os atos de fixação de valores patrimoniais. Na verdade, no âmbito do IMI, e consequentemente do AIMI, os atos de fixação dos valores patrimoniais são os atos que fixam a matéria tributável.

Da revisão da matéria tributável prevista no n.º 4 do artigo 78.º decorrerá a anulação dos atos consequentes que a tenham como pressuposto, como são os atos de liquidação de AIMI.

O prazo para ser autorizada a revisão da matéria tributável pelo dirigente máximo do serviço não é o previsto no n.º 1, mas sim o prazo reduzido aos «três anos posteriores ao do acto tributário», previsto no n.º 4 do artigo 78.º.

Os três anos posteriores ao do ato tributário terminam no dia 31 de Dezembro do terceiro ano posterior àquele em que foi praticado o ato tributário.

As liquidações foram emitidas em 2019 e 2020, tendo a requerente apresentado o pedido de revisão oficiosa em 27 de agosto de 2021, ou seja, antes de decorridos os 3 anos relativamente a ambas as liquidações.

E, pese embora o n.º 4 do artigo 78.º da LGT refira que «o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente» a «revisão da matéria tributável», trata-se de um poder-dever, estritamente vinculado, cujo cumprimento é sujeito a controle jurisdicional, como tem entendido o Supremo Tribunal Administrativo[5]:

– «o facto de a lei determinar que “o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente,” a revisão, não obsta à possibilidade de convolação da reclamação graciosa em pedido de revisão com fundamento em injustiça grave ou notória pois tal poder de autorização não é mera faculdade mas, antes, um verdadeiro poder-dever»; trata-se de «um poder estritamente vinculado»; (   )

– «a previsão constante do dito art. 78.º n.º 4, como excecional, é de entender como correspondendo a um poder-dever que implica a sua aplicação a todos os casos, verificados que sejam os referidos requisitos».  (   )

Ou seja, o dever de rever atos injustos é um corolário do dever de atuação segundo o princípio da justiça constitucionalmente consagrado. Na verdade, os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a Administração Tributária tem de observar na sua atividade (artigos 266.º n.º 2 da CRO e 55.º da LGT) impõem que sejam oficiosamente corrigidos erros nas liquidações que beneficiem a Administração.

A AT está assim obrigada a corrigir oficiosamente todos os erros que tenham conduzido à arrecadação de tributo em excesso.

Nestas situações em que erro está na fixação da matéria tributável e não propriamente nos subsequentes atos de liquidação, a revisão depende da verificação de uma «injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte».

Ora, in casu, o Contribuinte em nada contribuiu para a fixação do VPT dos imóveis, por isso, não lhe pode ser assacada nenhuma responsabilidade. Neste sentido, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.º 2765/12.8BELRS onde se pode ler “a errada fixação do VPT (…) pode ser arguida através do pedido de revisão oficiosa das liquidações, nos termos conjugados dos artigos 78.º da LGT e 115.º do CIMI, ainda que o Contribuinte não tenha reagido atempadamente contra essa fixação.”

Quanto à excecionalidade da autorização e à verificação da injustiça grave OU notória, é entendimento doutrinal e jurisprudencial comummente aceite que a revisão oficiosa com base em erro imputável aos serviços não exclui o dever de revisão em todos os casos em que se constatar dentro do prazo em que a revisão é possível, que foi liquidado tributo em excesso[6].

In casu, os valores patrimoniais dos terrenos para construção estão sobrevalorizados e, consequentemente, a coleta de AIMI para cada um dos terrenos foi apurada em montante superior ao que seria legalmente devido caso os valores tivessem sido fixados de acordo com o artigo 45.º do IMI sem recurso à fórmula erroneamente aplicada nos terrenos pela AT:

a.     Com referência ao ato tributário de liquidação de AIMI relativo ao ano de 2019, foi liquidado imposto em excesso no montante total de € 7.825,14;

b.     Com referência ao ato tributário de liquidação de AIMI relativo ao ano de 2020, foi liquidado imposto em excesso no montante total de € 7.825,14.

A sobrevalorização dos terrenos teve como consequência uma arrecadação de receita superior a 40% do que seria devido caso os terrenos tivessem sido avaliados apenas com recurso ao disposto no artigo 45.º do CIMI. Razão pela qual se pode afirmar que estamos perante uma injustiça não só grave como notória, de per si suficiente para justificar a revisão do ato tributário.

 

VII.c Determinação do Valor Patrimonial Tributário dos terrenos para construção 

 

De acordo com o disposto n.º 1 do artigo 1.º do Código do IMI “incide sobre o valor patrimonial tributário dos prédios rústicos e urbanos situados no território português”.

Resulta assim que existem duas grandes tipologias de prédios para efeitos de IMI em particular e demais impostos em geral: (i) os prédios rústicos, definidos no artigo 3.º do Código deste imposto, e (ii) os prédios urbanos, definidos no artigo 4.º deste mesmo compêndio tributário2.

 

Relativamente aos prédios urbanos, o n.º 1 do artigo 6.º do Código do IMI divide os mesmos segundo as seguintes “espécies” ou (sub)tipos:

a.     Habitacionais;

b.     Comerciais, industriais ou para serviços;

c.     Terrenos para construção;

d.     Outros.

 

Os “terrenos para construção”, enquanto uma das tipologias de prédio urbano definido para efeitos de IMI e de AIMI (e demais impostos sobre o património), são definidos como “terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando‐se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais deordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra‐estruturas ou equipamentos públicos”, conforme estabelecido no n.º 3 do artigo 6.º do Código do IMI.

Neste contexto, o n.º 1 do artigo 7.º do Código do IMI estatui de forma expressa que o “valor patrimonial tributário dos prédios”, nomeadamente os terrenos para construção, “é determinado nos termos do presente Código”.

Relativamente à determinação dos valores patrimoniais tributários de prédios urbanos, o Código do IMI prevê, de forma clara e expressa, diferentes métodos de avaliação consoante as espécies de prédios urbanos definidas nos termos da classificação estatuída no artigo 6.º deste mesmo Código, a saber:

a.     Método de avaliação para a “determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços”, regulamentado no artigo 38.º e seguintes do Código do IMI – i.e. método aplicável a prédios urbanos definidos nos termos da alínea a) e b) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 6.º deste Código3;

b.     Método de avaliação para “terrenos para construção”, regulamentado no artigo 45.º do Código do IMI – i.e.método aplicável a prédios urbanos definidos nos termos da alínea do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 6.º deste Código;

c.     Método de avaliação para a “determinação do valor patrimonial tributário dos prédios [urbanos] da espécie «Outros»” regulamentado no artigo 46.º do Código do IMI – i.e. método aplicável a prédios urbanos definidos nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código.

 

As regras para a determinação do VPT dos terrenos para construção encontram-se previstas no artigo 45.º do CIMI, cuja redação vigente, à data dos factos, era a seguinte: “o valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação doedifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor dos terrenos adjacentes à implantação.”

Nos termos do n.º 2 do artigo 45.º do CIMI, na redação vigente à data dos factos, “o valor de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.”

E de acordo com o n.º 3 do preceito normativo em análise “na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as caraterísticas do n.º 3 do artigo 42.º.”

O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a decidir, uniformemente, na esteira Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 23-10-2019, processo n.º 170/16.6BELRS 0684/17, que

I - Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45.º do Código do IMI, não havendo lugar à consideração dos coeficientes de localização, qualidade e conforto.

II - O artigo 45 do CIMI é a norma específica que regula a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.

III - Os coeficientes de localização, qualidade e conforto, factores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afectação não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI).

É hoje entendimento unânime na jurisprudência dos nossos tribunais superiores, bem assim como na jurisprudência arbitral que a fórmula de cálculo/determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não deve considerar os coeficientes de (i) localização; (ii) afetação e (iii) qualidade e conforto.

A própria AT, em 2020, reconheceu que, legalmente, não podia considerara os coeficientes de localização, afetação e de qualidade e conforto na avaliação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.

No caso em análise, temos, comprovadamente uma determinação dos Valores Patrimoniais Tributários dos imóveis propriedade da Requerente, fundadas em erro.

E, na ausência de uma decisão da AT, sobre o pedido de revisão oficiosa formulado pela Requerente no prazo de 4 meses, formou-se a presunção de indeferimento tácito nos termos do artigo 57.º da LGT.

 

Conclusão

 

Atento tudo quanto acima foi expendido, é entendimento deste Tribunal que a AT fez uma aplicação errónea dos coeficientes de localização, afetação e de qualidade e conforto na determinação do VPT dos prédios propriedade da Requerente.

Erro que se estende à liquidação do AIMI uma vez que este incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular[7].

Por conseguinte, do erro na determinação da matéria tributável para efeitos de AIMI – i.e. erro na determinação do(s) valor(es) patrimonial(is) tributário(s) do(s) prédio(s) – resulta, inquestionavelmente, numa coleta de imposto bastante superior ao legalmente devido.

Posto isto, é inelutável que se verificam os requisitos AT estava obrigada a efetuar a revisão da matéria tributável prevista nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT, pelo que em vez do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, a AT deveria ter efetuado a revisão e anulado parcialmente as liquidações de AIMI referentes aos anos de 2019 e 2020.

Por último refira-se que, a limitação de competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD ao conhecimento de pedidos de declaração de ilegalidade de atos para que é  adequado o processo de impugnação judicial, não é obstáculo à apreciação do cumprimento pela Autoridade Tributária e Aduaneira do dever de efetuar a revisão oficiosa de atos de fixação da matéria tributável com fundamento em injustiça grave e notória, pois, como também esclareceu o Supremo Tribunal Administrativo, «a forma processual adequada à apreciação do pedido de anulação do acto de fixação da matéria tributável com fundamento em injustiça grave ou notória é, igualmente, a impugnação judicial (arts. 78º nº 3 da LGT e 97º nº 1 al. b) do CPPT)». (   )

Justificando-se assim, a anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão, bem como as consequentes anulações parciais do AIMI.

 

VIII.      Vícios de conhecimento prejudicado 

 

Face à solução que se chega, no plano do direito constituído, fica prejudicado o conhecimento da constitucionalidade suscitada pela Requerente bem como o pedido formulado pela Requerida sobre a ilegalidade da pronúncia arbitral conforme a equidade.

 

 

IX.          Dos Juros indemnizatórios

 

Pede a Requerente o reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios.

A este propósito dispõe o artigo 43.º da LGT:

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – (…)

3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

(...)

c)    Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária;

 

Nos termos desta alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, independentemente de a ilegalidade ser ou não imputável a Autoridade Tributária e Aduaneira, há direito da Requerente a juros, em caso de procedência do pedido que determine a ilegalidade da liquidação. 

Igualmente, segundo jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo, considera-se verificada a existência de erro imputável aos serviços, sempre que se verificar a procedência da reclamação graciosa ou impugnação judicial do ato de liquidação (no mesmo sentido, as decisões nos processos arbitrais, referindo-se a título de exemplo as decisões com os n.ºs 218/2013-T, 467/2019-T).

 

            O pedido de revisão do ato tributário é equiparado a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, a que se refere o n.º 1 do artigo 78.º da LGT[8]

            Não o tendo sido feito, o direito a juros indemnizatórios no caso de pedido de revisão afere-se nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, sendo devidos juros depois de decorrido um ano após a iniciativa do contribuinte e não desde o desembolso da quantia liquidada, constituindo este o entendimento jurisprudencial corrente (cfr. Entre outros os acórdãos do STA de 18-01-2017, processo n.º 0890/16 e de 10-05-2017, processo n.º 01159/14).

No caso, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 21 de agosto de 2021, sendo devidos juros desde, ou seja, a partir de um ano depois da apresentação do pedido de revisão oficiosa, até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

X.             Decisão 

 

Nestes termos, em conformidade com o acima exposto, decide-se, julgar procedente o pedido de pronuncia arbitral e, em consequência:

a.     Julgar improcedentes as exceções suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira;

b.     Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular parcialmente as liquidações de AIMI n.ºs [...] e [...], referentes ao ano de 2019 e 2020 nas partes em que tiveram como pressupostos valores patrimoniais em que foram considerados coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto;

c.     Condenar a Requerida a restituir a quantia de € 15.650,28, acrescida de juros indemnizatórios, que se vierem a vencer desde 28.08.2022 até ao integral pagamento do montante de que deve ser restituído;

d.     Condenar a Requerida nas custas do processo face ao decaimento.

 

XI.          Valor do processo:

Fixa-se em € 15.650,28 (quinze mil seiscentos e cinquenta euros e vinte e oito cêntimos) nos termos do disposto nos artigos 315.º do CPC, artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT bem assim como do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

XII.        Custas:

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 918,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a suportar pela Requerida, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

 Lisboa, 2 de agosto de 2022

 

O Árbitro Singular

 

Cristina Coisinha

 



[1] Acórdãos n.ºs 0659/12 de 19.09.2012;633/14 de 15.02.2017; 0885/16 de 10.05.2017; 0713/16 de 13.07.2016, e Acórdão do TCAS de 12.02.2008 proc. n.º 01215/07

[2] Processos n.ºs 487/2020-T de 10-05-2021; 254/2021-T de 05-10-2021; 667/2021 de 28-02-2022, vide ainda a declaração de voto do árbitro auxiliar no processo n.º 835/2021-T

[3] N.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT

[4] Artigo 8.º n.º 1 do CIMI

[5]  Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 12/12/2001, proferido no recurso n.º 026233, disponível in “Antologia de Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal Central Administrativo”, ano V, tomo 1, pág. 161

[6] Neste sentido, DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, in Lei Geral Tributária, 4ª edição, 2012, pags. 710 e 711

[7] N.º 1 do artigo 145.º - B do Código do IMI

[8] Vide acórdão do STA de 12-07-2006, proferido no proc. n.º 402/2006.