Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 659/2021-T
Data da decisão: 2022-06-27  IMI  
Valor do pedido: € 22.060,64
Tema: AIMI - impugnação do ato de fixação do VPT dos imóveis.
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SUMÁRIO:

  1. Os atos de fixação do VPT são destacáveis e autonomamente impugnáveis.
  2. Os vícios de atos de fixação de VPT não podem ser invocados na impugnação dos atos de liquidação de AIMI que os têm como pressuposto.
  3. Não sendo o ato de fixação do VPT impugnado nos termos e prazos fixados, consolida-se na ordem jurídica.

 

Decisão Arbitral

  1. RELATÓRIO:

A...., titular do número único de matricula e de identificação de pessoa coletiva …, doravante simplesmente designada Requerente, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2º nº 1 a) e 10º nº 1 a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente designado por RJAT), na sequência do indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado em 28/04/2021, peticionando a anulação parcial dos atos tributários de liquidação de AIMI números 2018 007..., 2019 705... e 2020 448..., no montante global de € 51.192,18, e a consequente condenação da AT a reembolsar a Requerente do montante pago em excesso, no valor global de € 22.060,64, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios.

Subsidiariamente, peticiona ainda a desaplicação no caso concreto, por violação do princípio da legalidade tributária, da norma extraída do artigo 45º do CIMI, na redação em vigor à data dos factos, no sentido de que os coeficientes de avaliação previstos no artigo 38º do CIMI deveriam ter aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção, com a consequente declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de AIMI em causa nos autos, com todas as consequências legais.

Para fundamentar o seu pedido alega, em síntese:

  1. Os atos de liquidação de AIMI em crise tiveram por base o VPT dos prédios urbanos (terrenos para construção) determinados no ano de 2016, segundo a fórmula que considerava a aplicação de coeficientes de localização, afetação e/ou qualidade e conforto;
  2. A avaliação dos terrenos para construção é efetuada nos termos do disposto no artigo 45º do CIMI, que não prevê a aplicação de qualquer coeficiente de localização, afetação e qualidade e conforto;
  3. A aplicação destes coeficientes de localização, afetação e qualidade e conforto apenas se encontra prevista para a avaliação dos prédios urbanos destinados a habitação, comércio, indústria e serviços;
  4. Reconhecendo o erro em que incorreu, a AT procedeu, em 2020, à reavaliação dos prédios urbanos (terrenos para construção) inscritos na respetiva matriz predial sob os artigos ...8, ...1 e ...2, todos da freguesia de Porto Salvo, concelho de Oeiras, passando o respetivo VPT a ser determinado sem aplicação daqueles coeficientes;
  5. Pelo que, nos anos de 2018 a 2020, relativamente aos prédios em causa nos autos, a AT liquidou imposto em valor superior ao devido, face aos VPT que deveriam ter sido considerados para efeito de cálculo da coleta de AIMI para estes anos;
  6. Verifica-se, assim, erro nos pressupostos de facto e de direito na determinação da matéria coletável de AIMI relativo aos anos de 2018 a 2020, o que impõe a sua anulação;
  7. A aplicação dos coeficientes de localização, afetação e qualidade e conforto na avaliação dos terrenos para construção só seria possível por analogia, que no caso dos autos é proibida, por ser suscetível de alterar a base tributável;
  8. Sendo a aplicação destes coeficientes na avaliação dos terrenos para construção, ademais, violadora do princípio da legalidade tributária.

A Requerente juntou 8 documentos.

No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, nos termos do disposto no artigo 6º nº1 do RJAT, foi designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa o signatário, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.

O tribunal arbitral foi constituído em 27 de dezembro de 2021.

Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º do RJAT, a Requerida apresentou resposta, defendendo-se por exceção e por impugnação.

Na defesa por exceção, invocou em síntese:

  1. O tribunal arbitral é incompetente para apreciar vícios de atos de fixação do VPT;
  2. O tribunal arbitral não pode, sob pena de violação do princípio da separação de poderes, substituir-se aos órgãos administrativos e tributários, praticando atos próprios das suas competências, pelo que não pode o tribunal arbitral deferir o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente.

 

Na defesa por impugnação, invocou em síntese:

  1. O prazo para ser autorizada a revisão da matéria tributável pelo dirigente máximo do serviço é de 3 anos, previsto no artigo 78º nº 4 da LGT, prazo esse que já havia sido ultrapassado aquando da apresentação do pedido de revisão oficiosa;
  2. O procedimento de avaliação dos imóveis constitui um ato autónomo e destacável para efeito de impugnação arbitral;
  3. Não sendo o ato de avaliação impugnado nos termos e prazos fixados, consolida-se na ordem jurídica;
  4. A Requerente não colocou em causa o VPT determinado aquando da 1ª avaliação, requerendo uma 2ª avaliação, pelo que o ato de avaliação se consolidou na ordem jurídica;
  5. Nos termos do disposto no artigo 168º nº 1, do CPA, a correção do ato de avaliação da qual resulte a fixação de VPT efetuado há mais de 5 anos não é passível de anulação administrativa.

Conclui, peticionando a procedência das exceções invocadas ou, caso tal não venha a ser entendido, a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

A Requerida não juntou nenhum documento nem cópia do processo administrativo.

Devidamente notificada para se pronunciar, querendo, sobre a matéria de exceção invocada pela Requerida, a Requerente pronunciou-se, pugnando pela sua improcedência e invocando, em suma, que no contencioso tributário vigora o princípio da impugnação unitária, não sendo o direito de impugnar o ato final lesivo dos direitos dos contribuintes coartado pelo facto de o ato interlocutório ser suscetível de impugnação autónoma.

Face à posição das partes assumida nos autos, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações.

  1. SANEAMENTO:

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

Não existem nulidades que invalidem o processado.

As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legitimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.

  1. QUESTÕES A DECIDIR:

Atentas as posições assumidas pelas Partes, vertidas nos argumentos expendidos, impõe-se ao tribunal, antes de mais, decidir sobre:

  1. Se o tribunal arbitral é competente para apreciar vícios de atos de fixação do VPT;
  2. Se o tribunal arbitral não pode, sob pena de violação do princípio da separação de poderes, substituir-se aos órgãos administrativos e tributários, praticando atos próprios das suas competências, pelo que não pode o tribunal arbitral deferir o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente.

Em função da resposta dada a estas questões prévias e caso o seu conhecimento não fique prejudicado, impõe-se ainda ao tribunal decidir sobre:

  1. A tempestividade do pedido de revisão oficiosa e do pedido de impugnação arbitral;
  2. A impugnabilidade das liquidações de AIMI com fundamento em vícios de atos de fixação de VPT’s;
  3. A legalidade das liquidações impugnadas;
  4. A inconstitucionalidade, por violação do princípio da legalidade tributária, da norma extraída do artigo 45º do CIMI, na redação em vigor à data dos factos, no sentido de que os coeficientes de avaliação previstos no artigo 38º do CIMI deveriam ter aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO:
  1. Factos provados

Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, deram-se como provados os seguintes factos:

1.      A Requerente é proprietária dos prédios urbanos (terrenos para construção) inscritos na respetiva matriz predial sob os artigos ...8, ...1 e ...2, todos da freguesia de Porto Salvo, concelho de Oeiras;

2.      A Requerente foi notificada dos seguintes atos tributários de liquidação de AIMI:

i)         Liquidação nº 2018 007... referente ao ano 2018, no montante total de € 18.150,56, com data limite de pagamento de 30/09/2018;

ii)        Liquidação nº 2019 705... referente ao ano 2019, no montante total de € 18.150,56, com data limite de pagamento de 30/09/2019;

iii)       Liquidação nº 2020 448... referente ao ano 2020, no montante total de € 14.891,06, com data limite de pagamento de 30/09/2020.

3.      A Requerente pagou as liquidações de AIMI referidas em 2., dentro do prazo legal;

4.      As liquidações em causa nos autos tiveram por base o VPT dos prédios urbanos (terrenos para construção) a que se alude em 1. supra, determinados no ano de 2016, segundo a fórmula que considerava a aplicação de coeficientes de localização, afetação e qualidade e conforto;

5.      Por ofício datado de 05/11/2020, a AT notificou a Requerente da reavaliação dos prédios urbanos a que se alude em 1. supra, tendo o respetivo VPT sido determinado sem aplicação dos coeficientes de localização, afetação e qualidade e conforto, nos termos do disposto no artigo 45º do CIMI;

6.      Tendo, em consequência, o respetivo VPT sido reduzido;

7.      Em 28/04/2021, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa das liquidações em causa nos presentes autos;

8.      O pedido de revisão oficiosa veio a ser indeferido por despacho de 16/07/2021, notificado à Requerente por ofício datado de 20/07/2021;

9.      O pedido de constituição do tribunal arbitral em matéria tributária e de pronúncia arbitral foi apresentado em 15/10/2021.

 

  1. Factos não provados

Não existem factos não provados relevantes para a decisão a causa.

 

  1. Fundamentação da matéria de facto

A convicção acerca dos factos tidos como provados formou-se tendo por base os elementos constantes dos autos, a prova documental junta pela Requerente e cuja adesão à realidade não foi questionada, bem como a matéria alegada e não impugnada.

  1. APRECIAÇÃO DAS EXCEÇÕES INVOCADAS:

 

  1. Da competência do tribunal arbitral:

A competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária é, antes de mais, limitada às matérias elencadas no artigo 2º nº 1 do RJAT, que dispõe:

1 – A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.”

Para além da apreciação destas matérias, incluem-se ainda nas competências dos tribunais arbitrais em matéria tributária a apreciação dos “atos de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto apreciação da legalidade de atos daqueles tipos, designadamente de atos que decidam reclamações graciosas ou pedidos de revisão oficiosa e recursos hierárquicos” - neste sentido, veja-se decisão arbitral de 25JAN2022, processo nº 510/2021-T, in www.caad.org.pt.

No caso dos autos, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de AIMI impugnados, o qual veio a ser objeto de despacho de indeferimento, notificado à Requerente por ofício datado de 20/07/2021.

O despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa é um ato que tem por objeto a apreciação da legalidade de atos tributários compreendidos no artigo 2º nº 1 do RJAT, pelo que dúvidas não restam que a apreciação da legalidade do ato de indeferimento da revisão oficiosa se insere dentro das competências dos tribunais arbitrais.

Improcede, pois, a exceção de incompetência do tribunal arbitral invocada pela Requerida.

  1. Da violação do princípio da separação de poderes:

Invoca ainda a Requerida que o tribunal arbitral não se pode substituir à AT, deferindo o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente, sob pena de violação do princípio da separação de poderes.

Conforme já exposto, a apreciação de atos que decidam reclamações graciosas ou pedidos de revisão oficiosa e recursos hierárquicos insere-se dentro das competências dos tribunais arbitrais em matéria tributária legalmente especificadas, pelo que a substituição do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa nunca poderia ser suscetível de violar o princípio da separação de poderes.

A eventual substituição pelo tribunal arbitral do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, por via de decisão arbitral, não representa qualquer intromissão ilícita na atividade própria dos órgãos administrativos e tributários, mais não passando do exercício, por parte do tribunal arbitral, de uma competência própria, legalmente definida.

Improcede, pois, também esta exceção invocada pela Requerida.

Não existindo outras exceções de que cumpra conhecer, importa agora conhecer das restantes questões elencadas como questões a decidir.

  1. O DIREITO:

 

  1. Da tempestividade do pedido de revisão oficiosa e do pedido de impugnação arbitral:

 

Sobre esta questão, defende a Requerida que o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente é intempestivo, porque apresentado após o decurso do prazo de 3 anos, a que alude o artigo 78º nº 4 da LGT.

Para o efeito, defende a Requerida que, estando em causa a revisão oficiosa de liquidações de AIMI calculadas com base em VPT’s calculados em 2013, é manifesto que, à data do pedido de revisão oficiosa - 28/04/2021 -, já há muito havia decorrido o prazo de 3 anos previsto no indicado preceito.

Sobre a questão do prazo aplicável - se o prazo de 4 anos ou o prazo de 3 anos -, desde já se adianta acolher este tribunal o entendimento defendido pela Requerida, de que o prazo para apresentação de pedido de revisão oficiosa quando está em causa a revisão da matéria tributável é o prazo de 3 anos, previsto no número 4 do artigo 78º da LGT.

No entanto, ao contrário do defendido pela Requerida, o termo inicial de tal prazo não é a data da fixação do VPT - que in casu ocorreu em 2016 e não em 2013, como certamente por lapso invoca a Requerida, sendo 2013 a data da realização da avaliação e não a data da determinação do VPT - mas sim o termo do prazo para pagamento voluntário da última ou única prestação do imposto - cfr. artigo 129º nº 2 do CIMI.

No caso dos autos, conforme resulta do ponto 2 da matéria de facto provada, o termo do prazo para pagamento voluntário das liquidações impugnadas ocorreu no dia 30 de setembro, respetivamente, de 2018, 2019 e 2020.

Pelo que, tendo o pedido de revisão oficiosa sido apresentado em 28/04/2021 - cfr. ponto 7 da matéria de facto provada -, dúvidas não restam de que foi cumprido o prazo de 3 anos, previsto no artigo 78º nº 4 da LGT.

Por seu turno, tendo o pedido de revisão oficiosa sido indeferido por despacho de 16/07/2021, notificado à Requerente por ofício datado de 20/07/2021 e o pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral dado entrada em 15/10/2021 - cfr. pontos 8 e 9 da matéria de facto provada -, verifica-se ter sido cumprido o prazo de 90 dias previsto nos artigos 102º do CPPT e 10º nº 1 a) do RJAT.

Por onde se conclui, igualmente, pela tempestividade da apresentação do pedido de pronúncia arbitral.

  1. Da impugnabilidade das liquidações de AIMI com fundamento em vícios de atos de fixação de VPT’s;

 

Sobre esta questão defende a Requerida, em suma, que os atos de fixação do VPT são atos destacáveis, autonomamente impugnáveis, pelo que os vícios da fixação do VPT não são sindicáveis na análise da legalidade do ato de liquidação, sendo o princípio da impugnação unitária expressamente afastado neste caso.

 

Por seu turno, defendendo a impugnabilidade das liquidações de AIMI em causa nos autos com fundamento em vícios dos atos de fixação dos VPT’s, invoca a Requerida que as exceções ao principio da impugnação unitária foram criadas para assegurar o pleno cumprimento do principio da titula jurisdicional efetiva, sendo contraproducente tais exceções serem indiscriminadamente invocadas de uma forma que possa pôr em causa este principio.

 

Desde já se adianta acolher este tribunal a tese defendida pela Requerida, pese embora não se ignore que este entendimento, embora maioritário, não é unânime nem na jurisprudência nem na doutrina.

 

No entanto, entendemos que esta é a única interpretação compatível com os princípios da certeza e da segurança jurídicas.

 

Conforme alegado pela Requerida, com o que se concorda, ao estabelecer a sindicância direta dos atos de fixação do VPT, qualificando-os como atos destacáveis com autonomia e lesividade própria, o legislador teve em vista alcançar a desejável estabilização e consolidação da matéria tributável em momento anterior ao da efetivação da liquidação.

Posto isto,

Conforme é sabido, no contencioso tributário vigora o princípio da impugnação unitária, que determina que, em regra, só há impugnação contenciosa do ato final do procedimento, que afeta imediatamente a esfera patrimonial do contribuinte - neste sentido, LOPES DE SOUSA, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Volume I, 6ª Edição, Áreas Editora, página 467.

 

Esta regra contém, no entanto, exceções, havendo situações em que a lei prevê a impugnabilidade contenciosa imediata de atos anteriores ao ato final do procedimento, que assumem a natureza de atos destacáveis.

 

Nas palavras de LOPES DE SOUSA, op. cit, página 468, “os atos destacáveis são atos que, embora inseridos no procedimento tributário e anteriores à decisão final, a condicionam irremediavelmente, justificando-se que sejam impugnados por forma autónoma. (…). Se os atos destacáveis não forem impugnados, a decisão consolidar-se-á e o que neles se decidiu ficará assente no procedimento tributário em que eles estejam inseridos ou conexionados, não podendo a decisão final do procedimento ser impugnada com fundamento em vícios do ato destacável.”

 

Uma das situações em que a lei prevê a impugnabilidade contenciosa imediata de atos anteriores ao ato final do procedimento é justamente o caso dos atos de fixação de VPT’s.

 

Os termos da impugnação dos atos de fixação dos VPT’s encontram-se previstos no artigo 134º nº 1 do CPPT, que estabelece o seguinte:

Os atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de três meses após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade”.

 

Por seu turno, prescreve o nº 7 do mesmo artigo que “a impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação.”

 

Assim, pretendendo sindicar o VPT fixado, o contribuinte tem necessariamente de começar por requerer uma segunda avaliação - assim esgotando os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação - e só após poderá ser deduzida impugnação judicial, no indicado prazo de 3 meses.

 

De onde resulta que se encontra afastada a possibilidade de a impugnação do VPT se fazer na sequência da notificação dos atos de liquidação subsequentes.

 

No caso dos autos, a Requerente, notificada do VPT dos prédios em causa nos autos, determinado no ano de 2016, não requereu uma segunda avaliação, nem sindicou, por qualquer forma, tal ato de fixação do VPT.

 

E nem sequer o fez após a liquidação efetuada com base nos VPT’s fixados, em causa nos autos, apenas o tendo feito após a notificação da nova avaliação, efetuada em 2020.

 

Pelo que, ao não sindicar tais atos de fixação do VPT, nos termos e prazos previstos, tal fixação consolidou-se na ordem jurídica, não podendo agora ser posta em causa na impugnação judicial da liquidação que tenha tal fixação como pressuposto.

 

Note-se, ademais, que, pese embora a Requerente impugne as liquidações de AIMI, não põe em causa as liquidações, mas apenas e só o respetivo VPT, sendo que as liquidações respetivas foram efetuadas nos termos da lei, isto é, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constam das matrizes em 1 de janeiro do ano a que o mesmo respeita - cfr. artigo 135º-G do CIMI.

Em face de tudo quanto ficou exposto, resulta a inimpugnabilidade das liquidações de AIMI impugnadas, não podendo este tribunal, em consequência, apreciar da legalidade de tais liquidações, ficando, assim, prejudicado o conhecimento da terceira questão elencada - legalidade das liquidações impugnadas.

 

  1. Da invocada inconstitucionalidade:

Por último, invoca a Requerente a inconstitucionalidade, por violação do princípio da legalidade tributária, da norma extraída do artigo 45º do CIMI, na redação em vigor à data dos factos, no sentido de que os coeficientes de avaliação previstos no artigo 38º do CIMI deveriam ter aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção.

 

A Requerida, por seu turno, invoca que esta questão se encontra prejudicada, em face do novo entendimento da AT no que se refere à fórmula de cálculo do VPT dos terrenos para construção.

 

Assiste razão à Requerida.

 

Com efeito, a invocada inconstitucionalidade, a existir, já se encontraria sanada, já que a AT alterou a fórmula de cálculo de avaliação dos terrenos para construção, deixando de aplicar os coeficientes elencados no artigo 38º do CIMI e passando a determinar o respetivo VPT nos termos do artigo 45º do mesmo código.

 

Não podendo, como está bom de ver, defender-se a aplicação retroativa desta alteração, sobretudo nas hipóteses em que, como sucedeu nos autos, o sujeito passivo deixou passar todos os prazos de impugnação dos atos de fixação do VPT, que assim se consolidaram na ordem jurídica.

 

Esta é, segundo entendemos, a única interpretação que assegura os princípios da certeza e da segurança jurídicas, não podendo defender-se a possibilidade de, a todo o tempo e em desrespeito dos prazos legalmente fixados para o efeito, o contribuinte pôr em causa um ato já consolidado na ordem jurídica, justamente por não ter sido atempadamente impugnado.

 

A interpretação defendida pela Requerente, para além de violar os já falados princípios da certeza e da segurança jurídicas, violaria ainda o princípio da igualdade tributária, ao privilegiar os contribuintes que não impugnaram atempadamente os atos de fixação do VPT, em detrimento daqueles que o fizeram.

 

Não se verifica, assim, ao contrário do defendido pela Requerente, qualquer violação do princípio da legalidade tributária.

 

Em face de tudo quanto ficou exposto, verifica-se que as liquidações de AIMI impugnadas não podem ser anuladas, pelo que improcede o pedido de pronúncia arbitral formulado e, em consequência, o pedido de reembolso do imposto pago e de pagamento de juros indemnizatórios, os quais têm como pressuposto a anulação das liquidações.

 

  1. DISPOSITIVO:

Em face do exposto, decide-se julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

***

Fixa-se o valor do processo em € 22.060,64, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

***

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1.224,00, nos termos da Tabela I da Tabela Anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como do disposto no n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, e do n.º 1 do artigo 4.º, do citado Regulamento, a pagar pela Requerente, por ser a parte vencida.

Lisboa, 27 de junho de 2022.

 

O Árbitro,

 

Alberto Amorim Pereira