Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 756/2021-T
Data da decisão: 2022-05-19  IMI  
Valor do pedido: € 7.251,08
Tema: AIMI - Indeferimento tácito de revisão oficiosa - Impugnabilidade do acto destacável de fixação do valor patrimonial tributável.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I - Objecto do pedido e tramitação processual

A..., LDA, com número de identificação de pessoa colectiva ... e sede social no ..., ..., ...-... ..., Portimão (doravante designada como Requerente), apresentou pedido de pronúncia arbitral, requerendo:

  1. A anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa que apresentou em 22 de abril de 2021 do acto de liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis de 2018 (“AIMI”) n.º 2018...; e
  2. Consequente restituição de imposto no valor de € 7.251,08 e pagamento de juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “Requerida” ou por “AT”).

Por decisão do Conselho Deontológico foi designado como árbitro único o signatário.

O tribunal arbitral singular foi constituído em 28 de Janeiro de 2022.

 

Em 16 de Fevereiro de 2022, a Requerida, após ter sido notificada para o efeito, remeteu o processo administrativo e apresentou a sua resposta, defendendo-se por impugnação e por excepção.

Em 7 de Março a Requerente pronunciou-se sobre a matéria de excepção suscitada pela Requerida.

Por despacho de 9 de Março, foi dispensada tanto a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT como a apresentação de alegações finais.

As partes gozam de capacidade e legitimidade jurídicas.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

 

II - MATÉRIA DE FACTO   

Factos considerados provados em face da documentação

Com base nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

  1. A Requerente é proprietária de um prédio urbano (U-...) constituído por um terreno para construção, o qual foi inscrito, em 1990, na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de Portimão;
  2. Em 11 de Fevereiro de 2013, no âmbito do procedimento de avaliação geral, o valor patrimonial tributário (VPT) foi fixado em € 3.581.950,00;
  3. Essa avaliação foi efectuada, nos termos do n.º 1 do artigo 38.º do Código do IMI, tendo por base os coeficientes de localização, de afectação e de qualidade e conforto, conforme consta da ficha de avaliação n.º ...:

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  1. No seguimento das actualizações trienais do prédio, em 2018 o respectivo VPT estava fixado em € 3.662.543,88;
  2. Em 30 de Dezembro de 2020 a Requerente submeteu, ao abrigo e para os efeitos previstos na alínea a) do n.º 3 do artigo 130.º do Código de IMI, uma declaração modelo 1, através da qual apresentou um pedido de avaliação do referido prédio, fundamentado no facto de o correspondente VPT se encontrar desactualizado;

 

 

 

  1. Dessa avaliação directa resultou a determinação de um VPT de € 1.845.070,00, conforme resumo infra:

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  1. A Requerente foi notificada da nota de liquidação de AIMI n.º 2018 ... (referente ao ano de 2018), que definiu uma coleta total de imposto a liquidar no montante de € 14.650,18:

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  1. Em 22 de Abril de 2021 a Requerente submeteu um pedido de revisão ofíciosa da referida nota de liquidação de AIMI n.º 2018..., na qual solicitou a anulação parcial da mesma, com fundamento em erro na liquidação deste tributo relativamente ao ano de 2018. Dessa anulação parcial decorreria a restituição de € 7.251,08, montante ao qual acresceriam juros indemnizatórios, cuja liquidação foi igualmente solicitada;
  2. A Requerida não respondeu ao pedido de revisão oficiosa;
  3. Em 22 de Novembro de 2021 a Requerente, tendo considerado o pedido de revisão oficiosa como tacitamente indeferido, apresentou o pedido de pronúncia arbitral em apreciação.

 

Factos não provados

Com relevo para a apreciação do mérito, inexistem factos não provados.

 

III - Síntese dos fundamentos de direito invocados pelas Partes

O entendimento da Requerente

  1. O pedido de revisão oficiosa é legítimo e tempestivo, fundando-se na existência de “erro imputável aos serviços”, mormente por ter “havido erro de que tenha resultado colecta de montante diferente do legalmente devido”;
  2. A jurisprudência é uniforme ao considerar que o erro imputável aos serviços inclui tanto o erro decorrente da actividade da AT, como o erro de direito. Sendo que, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), a revisão do acto tributário ferido de erro imputável aos serviços pode ser solicitada no prazo de quatro anos após a liquidação do tributo:
  3. Subsidiariamente e sem se conceder, no caso de o apuramento da matéria tributável consubstanciar uma “injustiça grave ou notória”, estão igualmente reunidos os requisitos para a revisão oficiosa. Sendo que, neste caso, o prazo se encurta para três anos, conforme previsto no n.º 4 do artigo 78.º da LGT;
  4. O erro imputável aos serviços e a injustiça grave ou notória fundam-se no facto de, a partir de uma determinação errada do VPT, se ter produzido um acto de liquidação de AIMI que apresenta uma colecta manifestamente agravada em face da que seria devido na ausência daquele erro;
  5. A AT tem o dever de decidir o pedido de revisão oficiosa no prazo de 4 meses, de cujo incumprimento decorre a presunção de indeferimento tácito para efeitos de recurso hierárquico, recurso contencioso ou impugnação judicial (cfr. os n.º 1 e 5 do artigo 57.º da LGT);
  6. O pedido de revisão oficiosa foi submetido em 22 de Abril de 2021, pelo que o indeferimento tácito se formou em 22 de Agosto. Logo, o presente pedido de pronúncia arbitral, por ter sido apresentado no prazo de 90 dias, é tempestivo;
  7.  No âmbito de uma revisão interna às liquidações do AIMI recebidas em anos anteriores, designadamente 2018, verificou-se que esta enferma de ilegalidade. Concretamente, por evidenciar uma colecta superior àquela que seria exigida em caso de correcta aplicação das normas tributárias;
  8. A AT aplicou ao terreno para construção (artigo U...) um VPT assente na aplicação de um coeficiente de localização de 1,80, de afectação de 1,10 e de qualidade e conforto de 1;
  9. Sucede que estes coeficientes de localização e de afectação não são aplicáveis na determinação do VPT de terrenos para construção [o coeficiente de qualidade e conforto não é igualmente aplicável, sendo que a respectiva aplicação neste caso foi neutral];
  10. Essa inaplicabilidade tem por fundamento a especificidade dos terrenos para construção em face dos demais prédios urbanos edificados;
  11. Apesar de o pedido de revisão oficiosa do acto tributável não ser aplicável aos actos de fixação do VPT, tal é compatível com a revisão de uma liquidação assente na incorrecta aplicação das regras de determinação do VPT;
  12. Conforme dispõe o TCA Sul no seu acórdão n.º 2765/12.8BELRS “(…) o artigo 78.º [da LGT] é inaplicável aos actos de fixação do VPT (…) o que não quer dizer que seja de todo imprestável para o caso sub iudice, visto que a coberto de um VPT ilegal foram produzidas liquidações de tributo (AIMI) que foram exigidas à recorrida”;
  13. Continua o acórdão que “(…) o erro (…) se traduziu até numa injustiça grave e notória concretizada na fixação de um VPT em valor claramente superior ao que resultaria das disposições legais que deveriam ter sido aplicadas”;
  14. As decisões arbitrais vertidas nos processos n,º 487/2020-T e n.º 500/2020-T, de 24 de Junho de 2021, concluem em sentido idêntico, i. e. os n.º 4 e 5 do artigo 78.º da LGT admitem a possibilidade de revisão oficiosa de actos de fixação do VPT, a título excepcional, com fundamento em injustiça grave e notória;
  15. Pelo que é admissível a revisão oficiosa da liquidação de AIMI controvertida;
  16. A jurisprudência, ancorada no acórdão uniformizador do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo (STA), é inequívoca ao estabelecer a inaplicabilidade da globalidade dos coeficientes previstos no artigo 38.º do Código do IMI;
  17. Se, em 2013, o VPT do prédio urbano em apreço (terreno para construção) tivesse sido determinado em observância destas regras de quantificação, o mesmo teria sido fixado em € 1.809.070,00;
  18. Em 2018, no seguimento da actualização trienal do VPT, o mesmo estaria fixado em 1.849.774,08;
  19. De que resultaria uma colecta de AIMI, referente a 2018, de 7.399,10 €. Inferior em € 7.251,08 ao valor efectivamente liquidado, o qual deve ser restituído com acréscimo de juros indemnizatórios.

 

O entendimento da Requerida

  1. A Requerente pretende a anulação do acto impugnado com fundamento em vícios, não do acto de liquidação, mas sim dos actos que fixaram o VPT;
  2. Aos actos impugnados não é imputado qualquer vício específico da operação de liquidação ou do seu procedimento, dado que a Requerente apenas contesta o acto destacável de fixação do VPT vertido no acto de liquidação de AIMI;
  3. Sucede que o pedido de pronúncia arbitral se reporta à legalidade de um acto destacável, ele próprio autonomamente atacável;
  4. A AT acolheu o entendimento preconizado pelos tribunais superiores no sentido de a determinação do VPT dos terrenos para construção se aferir a partir do artigo 45.º do CIMI, afastando-se assim a aplicação dos coeficientes previstos no artigo 38.º;
  5. Todavia a Requerente não se conforma com o facto de não ter sido corrigida a liquidação de AIMI de anos anteriores, calculadas com base em VPT já consolidados;
  6. Por força do n.º 1 do artigo 168.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA) a correção do acto de avaliação, do qual resulta a fixação do VPT efetuado há mais de cinco anos, já não pode ser objeto de anulação administrativa, para além de se ter verificado a consolidação do acto de avaliação;
  7. A última avaliação efetuada foi de € 3.581.950,00, referente ao ano de 2012. A avaliação pedida pela Requerente em 2020/12/30 determinou o VPT no valor de € 1.845.070,00, tendo o respectivo procedimento de avaliação acolhido o entendimento da Requerente no tocante à inaplicabilidade dos supra referidos coeficientes;
  8. O pedido de revisão oficiosa é intempestivo, por decurso do prazo de anos (n.º 4 do artigo 78.º da LGT) contado desde a data de avaliação do terreno para construção (2013);
  9. O procedimento avaliativo constitui um acto autónomo e destacável para efeito de impugnação arbitral. Que, não tendo sido contestado nos termos e prazos legais aplicáveis, se consolida na ordem jurídica como caso resolvido ou decidido, semelhante ao caso julgado, impondo-se aos actos de liquidação posteriormente praticados;
  10. Não tendo a Requerente colocado em causa o VPT fixado na primeira avaliação, requerendo uma 2.ª avaliação, o mesmo procedimento de avaliação ficou concluído, não sendo possível conhecer na posterior liquidação, de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação;
  11. Tudo isto, em conformidade com o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 633/14 de 15/2/2017 e as decisões arbitrais n.º 40/2021-T e n.º 510/2021-T;
  12. O Tribunal Arbitral está limitado pelo princípio do pedido (n.º 1 do artigo 609.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 29.º do RJAT);
  13. Constitui jurisprudência assente, quer dos Tribunais judiciais quer dos Tribunais arbitrais, bem como da mais abalizada doutrina, o entendimento que o acto de avaliação do valor patrimonial tributável é um acto destacável, autonomamente impugnável;
  14. Pelo que os vícios da fixação do VPT não são sindicáveis na análise da legalidade do acto de liquidação, porquanto os mesmos, sendo destacáveis e antecedentes destes, já se consolidaram na ordem jurídica;
  15. Os actos de fixação do VPT não são actos de liquidação. São actos autónomos e individualizados com eficácia jurídica própria e diretamente sindicáveis. Conforme acórdãos do STA (n.º 0885/16, de 10.05.2017, n.º 1808/12.0BEPRT, de 18.10.2018, n.º 633/14 de 15.2.2017), acórdãos do TCA Sul n.º 5964/12 de 20/12/2012, de 25.04.2010 no Processo n°03586/09, de 12.02.2008 no Processo n°02125/07) e decisões arbitrais (n.º 540/2020-T e n.º 487/2020-T);
  16. A revogação e a anulação dos actos administrativos em matéria tributária, estão previstas no artigo 79.º da LGT, sendo subsidiariamente aplicável o regime previsto nos artigos 165.° a 174.° do CPA, por força da alínea c) do artigo 2.º da LGT;
  17. Nos termos do artigo 168.º do CPA apenas são passíveis de anulação os actos de fixação dos VPT que contrariam o recente entendimento jurisprudencial nos casos em que não tenha decorrido cinco anos desde a respectiva emissão (conforme acórdão do TCA Sul n.º 23/16.8BELRS de 14.10.2021);
  18. O pedido formulado pela Requerente, não está fundamentado na lei. Ao Tribunal Arbitral está vedado o recurso à equidade;
  19. Decaindo o pedido principal, não há lugar a juros indemnizatórios.

 

A Requerente, instada para se pronunciar sobre a matéria de excepção alegada pela Requerida, defendeu que:

  1. Não existem quaisquer dúvidas quanto à competência dos tribunais arbitrais para apreciar a (i)legalidade de pedidos de revisão oficiosa tácita ou expressamente, indeferidos pela AT, desde que isso implique a apreciação dos actos de liquidação que lhes estão subjacentes, como é o caso;
  2. A jurisprudência arbitral reconhece a faculdade de os contribuintes reagirem judicialmente contra actos de indeferimento tácito. Acresce que é jurisprudência uniforme do STA, reconhecida igualmente pela jurisprudência arbitral, que, perante a ausência de pronúncia da AT sobre a pretensão do Requerente, e uma vez que esta tinha o dever de decidir, presume-se que a pretensão foi indeferida por razões substantivas;
  3. Conforme resulta de jurisprudência do TCA Sul (Processo n.º2765/12.8BELRS, de 31 de outubro de 2019), “a errada fixação do VPT, em 2003, pode ser arguida através do pedido de revisão oficiosa das liquidações, nos termos conjugados dos artigos 78.º da LGT e 115.º do CIMI, ainda que o contribuinte não tenha reagido atempadamente contra essa fixação”;
  4. Independentemente da natureza destacável os atos de avaliação de valores patrimoniais, a verdade é que as liquidações podem sempre ser colocadas em causa por via dos meios de defesa do procedimento tributário;
  5. Improcede a exceção de intempestividade, uma vez que o objeto dos presentes autos é o acto de liquidação e não a avaliação;
  6. A revisão oficiosa das liquidações deve ser realizada pela AT, ainda que sob impulso inicial do contribuinte, quando tenha ocorrido erro imputável aos serviços. O que se verifica, precisamente, no caso em apreço. Esse erro traduziu-se até numa injustiça grave e notória concretizada na fixação de um VPT em valor claramente superior ao que resultaria das disposições legais que deveriam ter sido aplicadas;
  7. Independente da inércia impugnatória da Requerente após a notificação do VPT, o erro no cálculo e fixação do VPT ocorre num procedimento desencadeado e concretizado pela AT;
  8. Este entendimento é sustentado pelo Tribunal Arbitral nos Processos n.ºs 540/2020 e 487/2020: “o prazo para ser autorizada a revisão da matéria tributável pelo dirigente máximo do serviço não é o previsto no n.º 1, mas sim o prazo reduzido aos «três anos posteriores ao do acto tributário», previsto no n.º 4 do artigo 78.º. Os «três anos posteriores ao do acto tributário» terminam no dia 31 de Dezembro do terceiro ano posterior àquele em que foi praticado o acto tributário”, ou seja do acto de liquidação;
  9. No caso em apreço, o prazo para apresentação do pedido de revisão apenas terminaria a 31 de dezembro de 2023, pelo que, tendo sido apresentado a 22 de abril de 2021, é manifestamente tempestivo.

 

 

IV -   Do direito

O prédio urbano detido pela Requerente (terreno para construção) foi abrangido pelo procedimento de avaliação geral nos termos em que o mesmo foi definido na Lei n.º 60-A/2011, de 30 de Novembro.

Legislação essa que foi produto imediato da assinatura, em 17 de Maio de 2011, do “Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica”, entre Portugal, a Comissão Europeia, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu. Deste modo avançou a massificação da avaliação geral dos prédios urbanos, inicialmente prevista na legislação de reforma do património de 2003.

O curto espaço de tempo disponível para a concretização da avaliação geral, a par do elevado universo de prédios a que a mesma se dirigia, determinou a consagração de diversos princípios de simplicidade e expediência.

Concretamente, a avaliação foi atribuída a peritos locais indicados pela AT (artigo 63.º do CIMI e artigo 15.º-I do regime geral da avaliação). O procedimento de avaliação foi desencadeado oficiosamente, sem necessidade de apresentação de uma declaração modelo 1 por parte dos sujeitos passivos e reportando-se à situação do prédio em 1 de Dezembro de 2011. Para efeitos de IMI, a avaliação produziu efeitos a 31 de Dezembro de 2012.

 

Conforme decorre da documentação incluída no processo administrativo remetido pela AT, foi determinado um VPT de € 3.581.950,00.

O procedimento de segunda avaliação aplicável à avaliação geral regia-se, igualmente, por princípios de expediência e eficiência.

Assim, foi dispensada a representação das partes (AT, sujeito passivo e município) em comissão de avaliação constituída para o efeito. Esta segunda avaliação caberia a um perito nomeado pela Comissão Nacional de Avaliação de Prédios Urbanos (CNAPU).

Sucede que nenhuma das partes interessadas requereu a segunda avaliação. Pelo que, uma vez concluído o prazo de 30 dias para a solicitação da mesma, o procedimento de avaliação subjacente ficou concluído, i. e. ocorreu a definitividade do VPT.

Assim, esse VPT definitivo foi inscrito na caderneta predial, passando a constituir a base tributável de IMI a partir do ano de 2012 (alínea a) do n.º 4 do artigo 15.º-D). Estendendo-se ao AIMI após a respectiva entrada em vigor (Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro).

Exceptuando as situações e condições que obrigam à actualização da inscrição matricial (artigo 13.º do Código do IMI), as partes interessadas estão impedidas de solicitar uma nova avaliação após o decurso do prazo de 3 anos da actualização do prédio na matriz, conforme limitação consagrada no n.º 9 do artigo 130.º do código do IMI.

Trienalmente, o VPT dos terrenos para construção é actualizado por 75% do coeficiente de desvalorização da moeda correspondente ao ano da última avaliação ou actualização monetária (n.º 2 do artigo 138.º do Código do IMI).

Na medida em que a actualização do VPT no âmbito do procedimento de avaliação geral se reportou a 31 de Dezembro de 2012, as partes poderiam, a partir de 1 de Janeiro de 2016, requerer uma nova avaliação, com fundamento na desactualização do VPT.

Chegados aqui cumpre referir que a realização das tarefas em que se concretiza avaliação não é da competência da AT, que a legislação trata, nesta matéria, como uma parte e numa posição paritária para com o sujeito passivo e a câmara municipal.

Isto, na medida em que a avaliação é efectuada por peritos locais que exercem as suas funções com independência técnica (artigos 63.º e 64.º do Código do IMI). Embora nomeados pela directora-geral da AT, não estão subordinados à AT.

A legislação confere aos serviços de finanças (artigo 67.º do Código do IMI) uma competência de orientação e fiscalização do trabalho dos peritos locais, sem que tal permita a interferência técnica na concretização da avaliação.

É precisamente por constituir uma parte interessada, que a AT dispõe de legitimidade para reclamar do procedimento de avaliação (n.º 1 do artigo 76.º do Código do IMI).

 

Da incompetência do Tribunal Arbitral

Esta matéria já foi ampla e adequadamente explanada na jurisprudência arbitral.

O RJAT estende a competência material dos tribunais arbitrais, inter alia, à apreciação ilegalidade de actos de fixação de material tributável quando estes não originarem a liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais.

Adicionalmente, os tribunais arbitrais são competentes para apreciar actos que decidam reclamações graciosas, recursos hierárquicos e pedidos de revisão oficiosa.

No caso em apreço, a causa de pedir está circunscrita ao indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa, o qual constitui um expediente destinado a permitir a presunção de indeferimento do pedido por mero decurso do período temporal durante o qual a AT está vinculada ao dever de apreciação e decisão.

No indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, que tem por objecto um acto de liquidação de AIMI, o acto ficcionado (de indeferimento) conhece da legalidade do acto recorrido, pelo que o meio adequado à tutela judicial é a impugnação judicial. De que o pedido de pronúncia arbitral constitui um meio alternativo.

O indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa de acto de liquidação, baseado na sua ilegalidade, deve considerar-se (…) como um acto que comporta a apreciação da legalidade (…)”, conforme o acórdão do STA no processo n.º 1166/04, de 6 de Outubro de 2005.

Em idêntico sentido, salientamos os acórdãos do STA de 2 de Fevereiro de 2005 Processo n.º 01171/04, de 8 de Julho de 2009 (Processo n.º 0306/09) e de 12 de Novembro de 2009 (Processo n.º 0681/09).

 

Da intempestividade do pedido de revisão oficiosa

Conforme consta da matéria probatória, assente na documentação aportada pela Requerente e no processo administrativo apresentado pela AT, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 22 de Abril de 2021, relativo a um AIMI liquidado em 30 de Junho de 2018 e com data limite de pagamento voluntário fixada no último dia útil de Setembro de 2018.

Nos termos do artigo 78.º da LGT, o prazo para apresentação do pedido de revisão oficiosa é de quatro anos ou de três anos nos casos de erro imputável à AT ou injustiça grave e notória, respectivamente.

Ora o objecto do pedido de revisão oficiosa está, precisamente, recortado pela apreciação da legalidade do acto de liquidação do AIMI. Tendo sido apresentado tempestivamente.

O pedido de pronúncia arbitral é igualmente tempestivo, tendo sido apresentado no prazo de 90 dias contados a partir do prazo de 4 meses para a formação do indeferimento tácito.

 

Uma vez decidida a competência do tribunal arbitral e a tempestividade do pedido de revisão oficiosa (e, consequentemente, do pedido de pronúncia arbitral) importa apreciar a matéria substantiva.

 

Da sindicabilidade do acto de liquidação com fundamento em erros praticados no acto de fixação do VPT

Concretamente, trata-se de determinar se o alegado erro praticado no acto de fixação do VPT e vertido em actos subsequentes de liquidação (no caso, o AIMI), pode ser apreciado em sede do presente pedido de pronúncia arbitral.

A Requerente considera que o erro praticado na avaliação geral inquinou as liquidações de impostos que lhe sucederam. Pelo que o pedido de revisão oficiosa e subsequente pedido de pronúncia arbitral constituem o meio adequado para, através da anulação parcial da liquidação do AIMI de 2018, assegurar a correcção desse erro.

A Requerida insiste que a Requerente pretende, através do acto de liquidação, sindicar a legalidade do acto precedente de determinação do VPT. Sendo que este último é destacável e está consolidado no ordenamento jurídico.

 

Entendemos que não assiste razão à Requerente.

 

O primeiro fundamento de suporte a esta decisão consiste no facto de o Código do IMI oferecer um procedimento próprio e específico, tanto para solicitar a revisão dos actos de determinação do VPT, como para suscitar a apreciação de vícios ou erros que os possam afectar.

Como vimos, a Requerente aceitou o VPT determinado no procedimento de avaliação geral, na medida em que não solicitou uma segunda avaliação. Na qual poderia ter questionado a fórmula de cálculo do VPT de um terreno para construção.

Mais relevante ainda, a Requerente citou no pedido de pronúncia arbitral um vasto conjunto de acórdãos do STA (incluindo um acórdão do Pleno), do TCA Sul, do TCA Norte e de decisões arbitrais. Todos proferidas no período de 2016 a 2020 e convergindo no sentido de os coeficientes de localização e de afectação não serem passíveis de utilização para efeitos de determinação do VPT dos terrenos para construção.

Ora tendo em conta que o procedimento de avaliação geral produziu efeitos a 31 de Dezembro de 2012, a Requerente poderia - em qualquer momento a partir de 1 de Janeiro de 2016, ex vi do n.º 9 do artigo 130.º do Código do IMI - apresentar um pedido de avaliação do prédio em apreço, com fundamento na desactualização do VPT (conforme previsto na alínea a) do n.º 3 da citada norma).

Sendo que, na eventualidade de o perito local não acolher a jurisprudência já conhecida sobre esta matéria, a Requerente poderia solicitar uma segunda avaliação. Fazendo-se representar na comissão tripartida de avaliação (artigo 76.º do Código do IMI). E se, novamente, não visse acolhidos os seus fundamentos e pedido, poderia avançar para a impugnação judicial (n.º 1 do artigo 77.º do Código do IMI) ou pedido de pronúncia arbitral (alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT).

 

Note-se que o possível decurso de tempo entre o início e a conclusão do procedimento de avaliação, designadamente caso o mesmo envolvesse tutela judicial ou arbitral, seria neutro. Isto, na medida em que a fixação do VPT retroagiria sempre ao momento da apresentação do pedido de avaliação, conforme expressamente consagrado no n.º 4 do artigo 37.º do Código do IMI.

 

Face ao exposto, não oferece dúvidas que o acto de fixação do VPT constitui um acto perfeitamente destacável. Para o qual está consignado um procedimento tributário próprio (due process). Ou seja, há tutela própria e específica. Que não se confunde com o acto de liquidação anual do IMI ou do AIMI.

A fixação de um prazo especial de três meses para impugnação de actos de fixação de VPTs, em conjugação com a exigência de esgotamento do meio gracioso de reclamação em sede do procedimento de avaliação (n.º 1 e n.º 7 ambos do artigo 134.º do CPPT), afasta a impugnação judical do acto de liquidação com fundamento em vícios ou erros do procedimento de avaliação.

Dado que, como vimos, a Requerente dispunha da possibilidade de suscitar esses vícios ou erros em 2013. Não o fez. Ou, querendo-o, de solicitar um novo procedimento de avaliação a partir de 2016, o que só fez em Dezembro de 2020.

 

Com efeito, existe uma necessária condição de prejudicabilidade entre o procedimento de avaliação que culmina com a fixação do VPT e o acto de liquidação que lhe sucede.

O primeiro é condição necessária e precedente do segundo.

O objecto do primeiro consiste na determinação da base tributável do imposto (uma vez que esteja previamente preenchida a norma de incidência do prédio a IMI). Já o segundo consiste na mera liquidação do imposto, i. e. na aplicação da taxa à base tributável.

Tem razão a Requerida quando diz que o acto de determinação do VPT está consolidado e fechado.

 

Chegados aqui, poderia colocar-se a questão de saber se um acto de liquidação de IMI ou AIMI estaria irremediavelmente afastado de tutela judicial ou arbitral, em situações de vícios ou erros praticados no procedimento de avaliação precedente.

A resposta é negativa.

Basta pensar na liquidação de IMI ou AIMI notificada ao sujeito passivo na pendência de segunda avaliação solicitada pelo sujeito passivo ou qualquer outra parte.

Caso em que, por não estar concluído o procedimento de avaliação, o n.º 1 do artigo 118.º determina a suspensão da liquidação do IMI, atento o facto de o correspondente VPT ainda se apresentar como provisório.

Mas mesmo nesta situação, a permitida contestação do acto de liquidação em sede de impugnação judicial, exigiria o simultâneo esgotamento do meio tutelar previsto no procedimento de avaliação (no exemplo oferecido, que a segunda avaliação houvesse sido ou viesse a ser solicitada no prazo disponível para o efeito).

 

Em jeito de resumo, o pedido controvertido de pronúncia arbitral da liquidação de AIMI não permite a apreciação de vícios ou erros praticados no decurso do procedimento de avaliação directa que conduz à fixação do VPT de um prédio urbano. Isto, na medida em que este procedimento foi concluído sem recurso pelas partes aos meios administrativos especificamente previstos para efeitos de determinação do VPT. Sendo que, nos 90 dias posterior à definitividade do VPT, terminou o prazo para apresentar impugnação judicial ou pedido de pronúncia arbitral.

 

 

 

Termos em que os erros eventualmente praticados na avaliação geral de 2013, não tendo sido à data tempestivamente objecto de impugnação judicial autónoma (incidente sobre esse procedimento de avaliação), não podem ser apreciados no presente pedido designadamente para efeitos de anulação parcial do acto de liquidação de AIMI.

 

V -    Decisão

Termos em que, o Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa e consequente anulação parcial da liquidação de AIMI controvertida; e
  2. Julgar improcedentes os pedidos de reembolso da quantia de € 7.251,08 e de juros indemnizatórios.

 

Valor do processo: € 7.251,08

 

Valor da taxa de arbitragem: € 612, a cargo da Requerente

 

Lisboa, 19 de Maio de 2022

 

 

O árbitro do Tribunal Arbitral Singular

 

 

José Luís Ferreira