Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 528/2021-T
Data da decisão: 2022-05-10  IMI  
Valor do pedido: € 56.351,09
Tema: IMI e AIMI - Impugnação de liquidações de IMI e AIMI com fundamento em ilegalidades cometidas na fixação do VPT dos prédios sobre que incidem essas liquidações.
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SUMÁRIO: I. As ilegalidades cometidas na fixação de valores patrimoniais tributários são autonomamente impugnáveis nos termos e prazos tipificados na lei;

II. É improcedente a impugnação de liquidações de IMI e AIMI em que os únicos vícios imputados a tais liquidações são as ilegalidades cometidas no procedimento da avaliação que fixou os referidos valores

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

 

1. O Pedido

 

A..., S.A., com sede na ..., n.º..., ...-... Lisboa, pessoa coletiva n.º ... (doravante Requerente) vem, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01 e dos artigos 1.º, alínea a) e 2.º, ambos da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, requerer a CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL tendo como objeto imediato a decisão de indeferimento tácito da Reclamação Graciosa apresentada em 27 de Janeiro de 2021 contra os atos de liquidação n.º 2019..., n.º 2019... e n.º 2019..., relativos ao Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), que se reportam ao período de tributação de 2019 e contra o ato de liquidação n.º 2020... de Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI), referente ao período de tributação de 2020, constituindo os referidos atos de liquidação o objeto mediato do pedido arbitral.

No decurso do pedido arbitral (doravante PPA), a Requerente esclarece, como também se dá conta na matéria de facto dada como provada, que o pedido tem por objeto não a totalidade das liquidações de IMI de 2019 e de AIMI de 2020, mas a parte dessas liquidações que incidiu sobre 182 lotes de terreno para construção de que era titular, situados no município do..., freguesia de..., na medida em que, segundo alega, a Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu a uma incorreta avaliação desses lotes, aplicando ilegalmente a fórmula de avaliações prevista no artigo 45.º do CIMI, donde resultou imposto superior ao devido no quantitativo total de € 56.351,09.

 

No PPA e nos requerimentos subsequentes a Requerente apresenta as razões que, no seu entender, devem conduzir à procedência do pedido e, no final, pede a revogação da decisão de indeferimento tácito da Reclamação Graciosa e, em consequência, a anulação parcial dos atos de liquidação de IMI e AIMI afetados pelo excesso de valor patrimonial tributário fixado aos referidos lotes de terreno, com o correspondente reembolso de € 56.351,09, com as demais consequências legais, incluindo a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT ou Requerida)

 

2. Tramitação processual

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado e aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 01.09.2021 e automaticamente notificado à AT na mesma data.

 

Em 21.10.2021 o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação do Árbitro singular, pelo Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 7 do artigo 11.º do RJAT.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes se tivessem oposto, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 10.11.2021.

Por despacho arbitral de 23.11.2021 foi determinada a notificação do dirigente máximo da AT para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e juntar cópia do processo administrativo.

 

A Requerida apresentou Resposta em 07.01.2022 e, invocando a suficiência dos documentos apresentados pela Requerente, pediu dispensa de juntar o processo administrativo, petição a que a Requerente se não opôs.

 

Por sua vez a Requerente pronunciou-se sobre a Resposta da Requerida através de requerimento apresentado em 19.01.2022.

 

Por despacho arbitral de 09.04.2022 foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e, pelo mesmo despacho, foi determinada a notificação das Partes para, querendo, apresentarem alegações escritas no prazo simultâneo de 20 dias, tendo ainda sido determinado que a decisão arbitral final seria proferida até ao termo do prazo fixado no artigo 21.º, n.º 1, do RJAT.

 

A Requerente apresentou alegações em 04.05.2022.

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

 

O processo não enferma de nulidades.

 

 

3. Da fundamentação invocada pelas Partes

 

3.1. Resumo da fundamentação invocada pela Requerente

A Requerente começa por dar conta da reclamação graciosa que apresentou em 27 de Janeiro de 2021 contra as liquidações de IMI e AIMI objeto do pedido e que a AT não cumpriu o seu dever de decisão no prazo de quatro meses, ou seja, até 27 de maio de 2021, tendo-se assim e nessa data formado a presunção de indeferimento com base no qual apresentou o seu pedido junto do CAAD.

 

Seguidamente, a Requerente apresenta doutrina e jurisprudência que sustentam o direito de reagir contra os atos de indeferimento tácito de reclamações graciosas e sobre a competência dos tribunais arbitrais para conhecer de impugnações que tenham por objecto esses atos, acrescentando que na senda da referida doutrina e jurisprudência, o objeto mediato do presente pedido arbitral são os atos de liquidação desencadeados pela AT em sede de IMI e AIMI referentes aos anos de 2019 e 2020, respetivamente, e o objeto imediato é a decisão de indeferimento tácito.

 

Assim, acrescenta a Requerente, uma vez que o Tribunal Arbitral é competente para apreciar pretensões atinentes à declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, tem este Tribunal Arbitral a competência para anular a decisão de indeferimento tácito e os actos de liquidação objeto da Reclamação Graciosa tacitamente indeferida, com todas as consequências legais.

 

A Requerente anota também a tempestividade do seu pedido dizendo que o mesmo foi apresentado, segundo o disposto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, no prazo de 90 dias contados “a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma (…)”, sendo que o prazo de 90 dias terminou no dia 26 de agosto e que conjugando o disposto nos artigos 20.º, n.º 1, do CPPT, 279.º do Código Civil, 17.º-A e 29.º do RJAT, o mesmo se transfere para o dia de abertura dos Tribunais após férias judiciais , isto é, para o dia 01.09.2021.

 

Quanto às ilegalidades que a Requerente imputa às liquidações impugnadas elas prendem-se exclusivamente com os erros cometidos na avaliação dos terrenos para construção de que era proprietária nos anos a que respeitam as liquidações impugnadas, a saber e em resumo, a errada aplicação do artigo 45.º do CIMI ao ter aplicado os coeficientes multiplicadores de localização (cl), de afetação (ca) e da qualidade e conforto (cq), nestes dois casos apenas em relação a alguns dos terrenos, a que acresceu a ilegalidade conexa com a majoração de 25% prevista no n.º 1 do artigo 39.º do CIMI, sendo que, completa a Requerente, todos estes factores de avaliação são exclusivamente aplicáveis na avaliação de prédios urbanos edificados e não na avaliação de terrenos para construção.

 

Donde, continua a Requerente, se conclui que a AT incorreu em vício de interpretação da lei, especialmente do disposto no artigo 45.º do Código do IMI, no que respeita a fixação do VPT dos terrenos para construção em causa, donde resulta que os atos de liquidação emitidos pela AT, referentes a IMI e AIMI, que se reportam aos períodos de 2019 e 2020, respetivamente, são ilegais e, nesses termos, devem ser anulados.

 

Da mesma ilegalidade, conclui a Requerente, padece, consequentemente, a decisão de indeferimento tácito da Reclamação Graciosa que confirmou os atos de liquidação supra, e por conseguinte, deve igualmente ser anulada.

 

Para sustentar a sua pretensão a Requerente defende que a reclamação graciosa que utilizou para aceder ao tribunal arbitral é meio próprio para suscitar as ilegalidades das avaliações que inquinam as liquidações, invocando outras garantias previstas na lei fiscal que, em seu entender, convergem com vista à mesma finalidade, ou seja, para declarar a ilegalidade parcial das liquidações de IMI e AIMI que impugna.

 

A Requerente invoca também abundante doutrina e jurisprudência, quer do STA quer do CAAD, que considera que dão apoio à sua argumentação e ao seu pedido.

 

3.2.Resumo da fundamentação invocada pela Requerida

A Requerida começa por dizer que não assiste qualquer razão à pretensão da Requerente uma vez que as liquidações foram efetuadas com base nos valores patrimoniais dos prédios que constavam das matrizes a 31 de dezembro do respetivo ano, conforme, aliás, estabelece o artigo 113.º, n.º 1, do CIMI, não se tendo assim verificado qualquer erro da Administração Tributária ao efetuar a liquidação e, por isso, o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa não enferma de ilegalidade, nem se verifica qualquer erro imputável aos serviços.

 

Na Resposta a Requerida defende-se por exceção e por impugnação.

 

Na defesa por exceção invoca a incompetência do Tribunal Arbitral com o fundamento de que a Requerente pretende a anulação dos atos impugnados invocando vícios, não do ato de liquidação nem do indeferimento da reclamação graciosa, mas sim dos atos que fixaram o VPT, ou seja, o que a Requerente contesta é, apenas e só, o ato de fixação da matéria tributável e não o ato de liquidação.

 

No dizer da Requerida, os vícios do ato que definiu o valor patrimonial tributário (VPT) não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo, sendo o tribunal arbitral incompetente para apreciar vícios de atos de fixação do valor patrimonial atos esses que são destacáveis e autonomamente impugnáveis e encontram-se consolidados na ordem jurídica.

 

A Requerida acrescentando ainda que nos autos está em causa matéria para a qual (apreciação de atos administrativos em matéria tributária) o Tribunal Arbitral não tem competência e que as competências do tribunal arbitral encontram-se fixadas na lei, apenas abrangem a apreciação de atos de liquidação, não abrange o ato de fixação do VPT.

 

Concluindo, afirma a Requerida que o Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para apreciar e decidir o pedido objeto do litígio sub judice, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT, o que consubstancia uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto no artigo 576.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT e artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT, que obsta ao conhecimento do pedido e à absolvição da instância da AT, nos termos dos artigos 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea a) do CPC, ex vi artigo 29.º, nº1, alíneas a) e e) do RJAT, o que desde já se requer.

 

Na defesa por impugnação a Requerida defende que o procedimento avaliativo constitui um ato autónomo e destacável para efeito de impugnação arbitral, ato esse que se não for impugnado nos termos e prazo fixado se consolida na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, semelhante ao caso julgado, que a posterior liquidação tem de acolher.

 

Ora, não tendo a Requerente colocado em causa o valor patrimonial obtido pela 1.ª avaliação, através de um pedido de 2.ª avaliação, nem tendo deduzido impugnação contra o valor desta avaliação, o valor patrimonial tributário fixou-se, não sendo possível conhecer na posterior liquidação, de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação.

 

A Requerida invoca de seguida alguma doutrina e jurisprudência, quer dos Tribunais judiciais quer dos Tribunais arbitrais, segundo as quais o ato de fixação do valor patrimonial tributário (VPT) é um ato destacável, autonomamente impugnável e que os vícios da sua fixação não são sindicáveis na análise da legalidade do ato de liquidação, porquanto os mesmos, sendo destacáveis e antecedentes destes, já se consolidaram na ordem jurídica.

 

Em continuação, a Requerida reconhece que a jurisprudência tem entendido que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, na redação do artigo 45.º do CIMI anterior a 1 de janeiro de 2021, não há lugar à consideração do coeficiente de afetação e do coeficiente de localização.

 

Além do mais, acrescenta a Requerida, face ao artigo 168.º, n.º 1, do CPA, os atos de avaliação que padeçam de tal vício, isto é, em que foram considerados os coeficientes de localização e afetação na determinação do valor patrimonial tributários dos terrenos para construção, efetuadas há mais de cinco anos já não podem ser objeto de anulação administrativa por determinação legal.

 

Depois de outras considerações de ordem geral a Requerida termina dizendo que a exceção da incompetência do Tribunal Arbitral deve ser julgada procedente e a requerida absolvida da instância, ou caso assim não se entenda deve o pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a requerida de todos os pedidos.

 

II. DO CONHECIMENTO PRÉVIO DA EXCEÇÃO DA INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL

 

A fundamentação invocada pela Requerida para sustentar a incompetência do tribunal arbitral baseada na componente conexa com a impugnabilidade autónoma do ato de fixação do valor patrimonial tributário é também invocada na defesa por impugnação, sendo que desta matéria nos ocuparemos justamente na parte própria desta decisão arbitral.

 

Quanto à invocação de que o tribunal arbitral é incompetente para conhecer questões conexas com a determinação do valor patrimonial tributário, haveria que observar que o artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), prevê na sua alínea b) que uma das suas competências é justamente “a declaração de ilegalidade (…) de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais” (redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro)

 

Sendo certo que os atos a que se refere a norma transcrita são os que se apresentarem aos tribunais arbitrais pela via da impugnação direta da sua legalidade – e não aqueles que são objeto do pedido arbitral aqui em apreço – a verdade é que não é conforme com a lei invocar a exceção da incompetência nos termos em que vem formulada pela Requerida.

 

Aliás, não foi certamente com o referido sentido que a Requerida invocou a incompetência do tribunal arbitral, mormente se se atentar no que está escrito no final da parte da Resposta dedicada a esta matéria, em que se considera o Tribunal Arbitral materialmente incompetente para apreciar e decidir o pedido objeto do litígio sub judice, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT (…).

 

Vejamos então o que determina a disposição legal – artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT – que a Requerida invoca e em que se fundamenta para dizer que o tribunal arbitral não é competente.

 

Diz o artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT que “1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta

(…)

A questão não é nova, a AT tem levantado esta mesma exceção em diversos processos arbitrais julgados no CAAD. Nesses processos tem-se considerado, com ampla fundamentação que aqui apenas se invoca e resume, que, para além da apreciação direta da legalidade de atos referidos na transcrita alínea a), se incluem também nas competências dos tribunais arbitrais a de apreciar atos de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, designadamente de atos que decidam reclamações graciosas ou pedidos de revisão oficiosa e recursos hierárquicos (Vd. entre outros processos 487/2020-T e 540/2020-T).

 

Como se consignou nos referidos processos, nos casos de indeferimento tácito não há, obviamente, apreciação expressa da legalidade de acto de liquidação, mas, tratando-se de uma ficção de acto destinada a assegurar a impugnação contenciosa, um meio processual que tem por objecto um acto de liquidação, o meio de impugnação adequado depende do conteúdo ficcionado.

No caso de impugnação administrativa directa de um acto de liquidação (através de reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa), com fundamento na sua ilegalidade, o conteúdo ficcionado é de indeferimento do pedido que foi formulado, de anulação do acto de liquidação. Isto é, ficciona-se que o pedido foi indeferido por ter sido dada resposta negativa a todas as questões de legalidade colocadas pelo Sujeito Passivo. Por isso, presume-se o indeferimento tácito de meio de impugnação administrativa (reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa) que tem por objecto directo acto de liquidação se baseia em razões substantivas e não por razões formais.

 

Nas decisões arbitrais proferidas nos referidos processos 487/2020-T e 540/2020-T é mencionada jurisprudência em que se decidiu que o indeferimento tácito de uma impugnação administrativa (reclamação graciosa ou pedido de revisão) deve considerar-se como um ato que comporta a apreciação da legalidade de ato de liquidação (Vd. Acórdãos do STA de 6-10-2005, processo n.º 01166/04; de 02-02-2005, processo n.º 01171/04; de 08-07-2009, processo n.º 0306/09; de 23-09-2009, processo n.º 0420/09; de 12-11-2009, processo n.º 0681/09)

 

Assim e em resumo, este tribunal acompanha as conclusões formuladas nos supra referidos processos arbitrais que, na linha desta jurisprudência, consideraram que é de entender que o ato ficcionado, quando ocorre indeferimento tácito de uma reclamação graciosa, é um ato que comporta a apreciação da legalidade do ato de liquidação reclamado, dando resposta negativa aos fundamentos invocados, pelo que o meio contencioso adequado para o impugnar é o processo de impugnação judicial e, em alternativa, o processo arbitral.

 

Nestes termos, improcede a exceção da incompetência material do tribunal arbitral invocada pela Requerida.

 

III. MATÉRIA DE FACTO

 

Dão-se por provados os seguintes factos:

1. A requerente foi destinatária de liquidação de IMI referente ao ano de 2019, incidente sobre os prédios de que era titular em 31 de dezembro desse ano, situados em diversos municípios do país, no montante total de € 110.493,92, tendo pago esse imposto nas prestações legalmente previstas, em 29.05.2020 (€ 36.831,34), em 31.08.2020 (€36.831,31) e em 30.11.2020 (€36.831,27) (DOC 1 e DOC 4 anexos ao PPA).

 

2. A Requerente foi igualmente destinatária de liquidação de AIMI referente ao ano de 2020, incidente sobre o conjunto dos prédios de que era proprietária em 1 de janeiro de 2020, no montante total de € 71.105,01, quantia que pagou em 30.09.2020 (DOC 6 e DOC 7 anexos ao PPA)

 

3. A Requerente apresentou Reclamação Graciosa, em 27 de janeiro de 2021, tendo em vista obter a correção da “aplicação indevida dos coeficientes aplicados pela Autoridade Tributária e Aduaneira no cálculo do VPT com referência aos terrenos para construção” situados no concelho do Seixal, de que era proprietária em 31 de dezembro de 2019, para o caso do IMI, e em janeiro de 2020, para o caso do AIMI e, consequentemente, obter a correcção do valor de imposto a pagar.

 

4. A AT e ora Requerida não decidiu a Reclamação Graciosa no prazo de quatro meses previsto no n.º 1 do artigo 57.º da LGT formando-se indeferimento tácito nos termos do n.º 5 do mesmo preceito legal em 27 de maio de 2021.

 

5. A requerente juntou fotocópia de 182 cadernetas prediais referentes a terrenos para construção inscritos em seu nome, situados na freguesia de ..., concelho do Seixal, de cuja análise decorre o seguinte:

5.1. Um dos referidos terrenos, inscrito sob o artigo ..., foi avaliado em 08/04/2008;

5.2. 168 terrenos foram avaliados em setembro de 2016;

5.3. Dois terrenos foram avaliados em janeiro de 2017;

5.4. E, face às cadernetas prediais apresentadas, os outros 11 terrenos, com os artigos..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ... foram avaliados em dezembro de 2020 (dias 23,24 e 27 de dezembro de 2020), já sem a aplicação dos coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto que tinham sido utilizados na avaliação dos outros 171 terrenos;

5.5. Dá-se por provado que as avaliações de 171 lotes de terreno realizadas em 2008, 2016 e 2017 incluíram na sua fórmula de avaliação, além da percentagem variável para cálculo do valor da área de implantação, o coeficiente de localização (cl), nalguns casos o coeficiente de afetação (ca) e de qualidade e conforto (cq), bem como o valor base de construção (vc) a incluir a percentagem de 25% prevista no n.º 1 do artigo 39.º do CIMI.

 

6. Quanto ao apuramento do IMI e do AIMI pagos a mais em função das invocadas ilegalidades, a Requerente apresentou um mapa anexo ao PPA (DOC 10) em cuja elaboração seguiu a seguinte metodologia:

Indica o artigo matricial de cada um dos lotes e o VPT inscrito na matriz que foi considerado nas liquidações impugnadas;

Seguidamente apresenta o VPT que deveria ser considerado, em relação a cada um dos artigos, caso não tivessem sido cometidas as ilegalidades que invoca;

Passando depois a indicar o imposto que foi pago e o imposto que deveria ser pago com o VPT corrigido;

Para finalmente apresentar na última coluna os montantes de imposto pagos em excesso, em relação também a cada um dos artigos, donde resultou o quantitativo total de € 56.351,09.

 

Cumpre no entanto assinalar que o apuramento do imposto que a Requerente diz que pagou a mais em relação aos 11 artigos mencionados em 5.4.nao está devidamente demonstrado na medida em que, como já se referiu, as cadernetas juntas no DOC 3 referentes a tais artigos indicam apenas os valores resultantes das avaliações efectuadas em dezembro de 2020. 

 

7. A Requerente apresentou declarações modelo 1 entre 4 e 14 de dezembro de 2020 e um pedido de reclamação das matrizes, invocando o disposto no n.º 3 do artigo 130.º do CIMI, visando a correcção das avaliações de 124 terrenos para construção de que, segundo informa, ainda era titular naquelas datas, situados no município do ..., freguesia de..., fundamentando o pedido com as ilegalidades cometidas na aplicação da fórmula de avaliação prevista no artigo 45.º do CIMI, quanto à aplicação indevida do coeficiente de afetação (ca), do coeficiente de qualidade e conforto (cq) e do coeficiente de localização, pedindo também que fosse desconsiderada a majoração de 25% prevista no n.º 1 do artigo 39.º do CIMI (DOC 8 anexo ao PPA).

 

8. Na sequência das referidas declarações modelo 1 e reclamação das matrizes, o Serviço de Finanças do ... promoveu a avaliação nesse mesmo mês de dezembro de 2020, já com utilização da fórmula prevista no artigo 45.º do CIMI sem a aplicação dos factores de localização, de afectação e de qualidade e conforto, tendo o valor base de construção (vc) incluído a percentagem de 25%, face a alteração legal entretanto ocorrida.

As liquidações de IMI de 2020 e de AIMI de 2021 incidiram sobre os valores patrimoniais fixados nos termos acabados de descrever e foram pagas em 2021 (DOC 9 anexo ao PPA).

 

9. Constata-se e dá-se por provado que a AT não estendeu a correcção das avaliações que levou a cabo na sequência da apresentação das declarações modelo 1 e reclamação das matrizes, referidas no número anterior, às avaliações dos anos anteriores sobre cujo VPT tinha lançado as liquidações impugnadas no presente processo arbitral.

 

IV. MATÈRIA DE DIREITO

 

  1. Questões que ao tribunal cumpre decidir

 

Decorre dos autos que a Requerente acede ao tribunal arbitral, pela via do indeferimento tácito de uma reclamação graciosa, apresentando a pretensão de ver parcialmente anuladas liquidações de IMI de 2019 e de AIMI de 2020 que incidiram sobre o valor patrimonial tributário de terrenos para construção em cuja avaliação foram cometidas ilegalidades conexas com a aplicação de coeficientes de multiplicação que a lei não comportava.

 

Para sustentar a sua pretensão a Requerente reconduz toda a sua argumentação às ilegalidades cometidas nas avaliações de 2008, 2016 e 2017 que, tendo-se mantido no VPT constante na matriz em 31 de dezembro de 2019 e em 1 de janeiro de 2020, afetou o valor e a legalidade das liquidações que veio impugnar.

 

Na defesa por impugnação a Requerida defende que o procedimento avaliativo constitui um ato autónomo e destacável para efeito de impugnação judicial, ato esse que se não for impugnado nos termos e prazo fixado na lei se consolida na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, semelhante ao caso julgado, que a posterior liquidação tem de acolher.

 

Assim, conclui a Requerida, uma vez que a Requerente não questionou o valor patrimonial fixado pela 1.ª avaliação, através de um pedido de 2.ª avaliação, nem tendo deduzido impugnação judicial contra o valor desta avaliação, o valor patrimonial tributário fixou-se, não sendo possível conhecer na posterior liquidação, de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação.

 

É nisto que consiste o litígio colocado à apreciação do presente tribunal arbitral e que o mesmo passa a decidir.

 

Vejamos,

 

Como se anotou supra, o pedido arbitral tem como objeto imediato a decisão de indeferimento tácito da Reclamação Graciosa apresentada em 27 de Janeiro de 2021 contra os atos de liquidação n.º 2019..., n.º 2019... e n.º 2019 ..., relativos ao Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), que se reportam ao período de tributação de 2019 e contra o ato de liquidação n.º 2020 ... de Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI), referente ao período de tributação de 2020, constituindo os referidos atos de liquidação o seu objeto mediato.

 

Como também está assente, o pedido arbitral não incide sobre a totalidade das referidas liquidações, mas apenas sobre a parte dos dois impostos liquidados em excesso relativamente a 182 lotes de terreno para construção de que a Requerente era titular, situados no município do ..., freguesia de ..., na medida em que a ora Requerida procedeu a uma incorreta avaliação desses lotes, aplicando ilegalmente a fórmula de avaliações prevista no artigo 45.º do CIMI, donde resultou imposto (IMI e AIMI) superior ao devido no quantitativo que a Requerente quantifica em € 56.351,09.

 

Mais especificamente, a causa de pedir prende-se exclusivamente com a aplicação incorreta do artigo 45.º do CIMI, de que resultou um valor patrimonial tributário superior ao legalmente previsto, devido ao facto de terem sido indevidamente aplicados os coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto, nestes dois casos apenas em relação a alguns dos lotes, bem como a majoração de 25% prevista no artigo 39.º, n.º 1, do mesmo Código.

 

Constata-se assim que o único vício imputado pela Requerente às liquidações impugnadas se prende com ilegalidades cometidas nos atos de avaliação, sendo que estes atos, como decorre dos documentos juntos pela Requerente e supra se dá por provado, tiveram lugar em 2008, 2016 e 2017.

 

Está também assente, facto em que Requerente e Requerida convergem, que os erros cometidos nas ditas avaliações de 2008, 2016 e 2017 não foram atempadamente contestados através dos meios administrativos e judiciais ao dispor do sujeito passivo interessado.

 

  1. Apreciação do tribunal

 

  1. Da inimpugnabilidade das liquidações de IMI e AIMI com fundamento em ilegalidades cometidas na fixação do valor patrimonial tributário sobre o qual as mesmas incidiram

 

Determina o artigo 86º, n.º 1, da LGT que a avaliação direta é suscetível de impugnação contenciosa autónoma, prevendo também o artigo 134.º do CPPT que os atos de fixação dos valores patrimoniais tributários podem ser impugnados no prazo de 90 dias após a sua notificação, com fundamento em qualquer ilegalidade.

 

Na verdade, por força do previsto no artigo 15.º do CIMI, a avaliação dos prédios urbanos é uma avaliação direta e, por isso, “susceptível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa”, depois de esgotados os meios administrativos previstos para a sua revisão (artigo 86.º, 1 e 2 da LGT).

 

Por sua vez, no artigo 134.º, n.º 1, do CPPT, é estabelecido que “os actos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de três meses após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade”, determinando o seu n.º 7 que “a impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação”.

 

Os preceitos transcritos são reafirmados no Código do IMI com a exigência, no seu artigo 77.º, de se esgotarem previamente os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação, impondo aos interessados, como condição de impugnabilidade, o ónus de requererem uma segunda avaliação nos termos do artigo 76.º do mesmo Código.

 

De onde se conclui, como consignado, por exemplo, na decisão arbitral proferida no processo 487/2020-T, que os atos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são atos destacáveis, autonomamente impugnáveis, não podendo na impugnação das liquidações que com base neles sejam efetuadas discutir-se a legalidade daqueles atos.

 

Assim, continua a referida decisão arbitral, que este tribunal acompanha, o sujeito passivo de IMI pode impugnar as liquidações, mas não são relevantes como fundamentos de anulação eventuais vícios dos antecedentes actos de fixação de valores patrimoniais, que se firmaram na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos n.ºs 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT.

 

A natureza de atos destacáveis que é atribuída aos atos de avaliação de valores patrimoniais é, há muito, reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, desde o tempo em que regime idêntico ao do artigo 134.º, n.ºs 1 e 7 do CPPT, estava previsto nos n.ºs 1 e 6 do artigo 155.º do Código de Processo Tributário de 1991, quer em sede de Sisa, quer de contribuição autárquica, quer de IMI quer de IMT, como pode ver-se pelos acórdãos de 30-06-1999, processo n.º 023160; de 02-04-2003, processo n.º 02007/02; de 06-02-2011, processo n.º 037/11; de 19-09-2012, processo n.º 0659/12; de 5-02-2015, processo n.º 08/13; de 13-7-2016, processo n.º 0173/16 e de 10-05-2017, processo n.º 0885/16.

 

Assim, como concluído no referido processo 487/2020-T, uma vez que os vícios dos actos de avaliação invocados pelas Requerentes não foram objecto de impugnação tempestiva autónoma, não podem ser fundamento de anulação das liquidações de IMI e AIMI.

 

Trata-se, em conclusão, de um mecanismo específico do sistema fiscal quanto às condições de acesso à via contenciosa que em nada contende com o princípio da legalidade previsto no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República.

 

Na verdade – concordando mais uma vez com o que, a este respeito, foi consignado no citado processo arbitral 487/2020-T – este regime de impugnação autónoma justifica-se por razões de coerência do sistema jurídico tributário inerentes ao facto de cada acto de avaliação poder servir de suporte a uma pluralidade de actos de liquidação de impostos (liquidações anuais de IMI e eventuais liquidações de IMT) e ser relevante para vários efeitos a nível de IRS (   ), IRC (   ) e Imposto do Selo (   ), o que não se compagina com a possibilidade de plúrima avaliação incidental que se reconduzisse à fixação de diferentes valores patrimoniais tributários para o mesmo prédio, no mesmo momento.

 

Por outro lado, continua a referida decisão arbitral, a caducidade do direito de acção derivada da inércia do lesado por actos administrativos durante um prazo razoável, é generalizadamente justificada por razões de segurança jurídica, necessária para adequado funcionamento da administração pública, que também é um valor constitucional ínsito no princípio do Estado de Direito democrático e é reconhecida generalizadamente em matéria administrativa e tributária.

O prazo de impugnação de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais é perfeitamente razoável, sendo o prazo geral previsto na lei para a impugnação da generalidade dos actos administrativos com fundamentos geradores de vícios de anulabilidade (artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigo 102.º do CPPT).

 

A Requerente veio contestar em 2021, pela via da reclamação graciosa e subsequentemente pelo acesso ao tribunal arbitral, erros cometidos em atos de avaliação que, como supra se dá por demonstrado, ocorreram em 2008, 2016 e 2017, muito depois do prazo legal de 30 dias para requerer uma segunda avaliação e, mantendo-se a discordância, muito depois do prazo de três meses que tinha para deduzir impugnação judicial.

 

Por isso, tal como consignado na jurisprudência citada, o presente tribunal arbitral considera também, concordando nesta parte com a Requerida, que as liquidações de IMI e AIMI impugnadas pela Requerente não podem ser anuladas com fundamento nos erros cometidos nas avaliações dos terrenos para construção sobre os quais as ditas liquidações incidiram.

 

Em coerência com as posições acabadas de descrever, sufragadas pela jurisprudência dominante, segundo a qual os atos de avaliação de valores patrimoniais tributários previstos no CIMI são atos destacáveis, autonomamente impugnáveis, não podendo na impugnação das liquidações que com base neles sejam efetuadas discutir-se a legalidade daqueles atos, conclui este tribunal que pelas razões apontadas o pedido de pronúncia arbitral não pode efetivamente proceder.

 

  1. Da improcedência dos outros fundamentos invocados pela Requerente para sustentar a pretensão de ver anuladas as liquidações impugnadas

 

Além de considerar que na reclamação graciosa das liquidações de IMI e AIMI podem ser invocadas ilegalidades cometidas nas avaliações dos prédios sobre os quais as liquidações incidem, independentemente das datas em que tais ilegalidades foram cometidas, o que, como se explanou, não é o entendimento da jurisprudência largamente maioritária nem deste tribunal, a Requerente, para sustentar a sua pretensão e o que considera o bem fundado da sua argumentação, invoca outras garantias previstas no sistema fiscal as quais, segundo a sua leitura e interpretação, devem conduzir ao mesmo resultado.

 

Vejamos,

 

2.2.1. Reclamação ao abrigo do artigo 130.º do CIMI

 

Assim, a título de exemplo, vejamos como é que a Requerente considera que a “reclamação das matrizes” ao abrigo do artigo 130.º do CIMI que apresentou em dezembro de 2020 deve retroagir às liquidações impugnadas.

 

Quanto a esta reclamação das matrizes, como supra se dá por provado, a AT considerou que por força do n.º 8 do referido artigo as correções só produziram efeitos a partir do ano em que o pedido foi apresentado e não corrigiu as liquidações referentes aos anos anteriores, vindo a Requerente manifestar aqui a sua discordância em relação a esta interpretação e, com diversos argumentos, entre os quais o da inaplicabilidade do referido n.º 8 ao seu caso, conclui que não se verifica qualquer impedimento à pretendida correção das liquidações de IMI e AIMI de anos anteriores, uma vez que foram emitidas com base num valor patrimonial tributável ilegal.

 

No decurso do PPA, do requerimento que apresentou a contestar a Resposta da AT e nas alegações finais, a Requerente valoriza a referida reclamação das matrizes apresentada em dezembro de 2020 como o meio próprio para que as ilegalidades cometidas nas avaliações de 2008, 2016 e 2017 fossem corrigidas em sede administrativa, alegando, entre outras afirmações, que a dita reclamação deveria ser considerada como um pedido de 2.ª avaliação.

 

Sucede que analisando o teor da dita “reclamação das matrizes” apresentada em dezembro de 2020, junta como DOC 8 em anexo ao PPA, constata-se que o objeto dessa reclamação foram 124 lotes de que a Requerente era titular em dezembro de 2020 (face ao requerimento apresentado aos autos em 25.10.2021 a Requerente seria titular de 125 lotes dado que veio informar que alienou 57 no decorrer de 2020) e não os 182 de que era titular em 31 de dezembro de 2019 e em 1 de janeiro de 2020.

 

Além disso, o que é pedido na dita “reclamação das matrizes” é a correcção do VPT inscrito nas matrizes em dezembro de 2020, mas nada se reivindica sobre a sua aplicação a VPTs e liquidações de anos anteriores.

 

Por outro lado, atentando no que foi trazido a estes autos, nada indica que a Requerente tenha reagido à interpretação feita pelo chefe do serviço de finanças do ..., quanto à aplicação temporal referida no n.º 8 do referido artigo 130.º, ou quanto ao facto de ele, por sua iniciativa, não ter conferido efeitos retroativos à correção do VPT feita em dezembro de 2020, VPT esse já expurgado dos factores de avaliação que também a AT considerou que vinha a aplicar ilegalmente.

 

A menos que a Requerente tenha apresentado qualquer outra petição que não tenha trazido a este processo.

 

É que se para além do que aqui demonstrou, a Requerente apresentou alguma petição contra a referida interpretação pode ter dado oportunidade à Requerida para, como disponibilidade manifestada na sua Resposta, corrigir os erros de avaliação cometidos nos últimos cinco anos, ao abrigo do artigo 168.º do CPTA, correcção essa que incluiria os erros cometidos em 2016 e 2017 (como se deu por provado apenas num único caso a avaliação remonta ao ano de 2008).

Seja como for, no presente processo arbitral não está em causa a aplicação do artigo 130.º do CIMI desencadeada por “reclamação das matrizes” apresentada em dezembro de 2020 a que se seguiu a correcção dos valores patrimoniais com efeitos a 31 de dezembro de 2020 e as liquidações de IMI referentes a 2020 e de AIMI referentes a 2021.

 

Ao contrário, neste processo arbitral, foram impugnadas liquidações de IMI e AIMI lançadas sobre prédios com valores patrimoniais constantes na matriz em 31 de Dezembro de 2019 e que tinham sido fixados por avaliações levadas a cabo em 2008, 2016 e 2017, não sendo pois pela via do artigo 130.º do CIMI que é sustentável a declaração de ilegalidade das referidas liquidações.

 

  1. Da invocação da figura da revisão oficiosa prevista nos artigos 115.º do CIMI e 78.º da LGT

 

O PPA e demais requerimentos apresentados pela Requerente invocam também os artigos 115.º do CIMI e 78.º da LGT como fundamento para anular as liquidações impugnadas.

 

Sobre a aplicação destes preceitos tem efetivamente havido decisões arbitrais a incidir sobre liquidações de IMI e de AIMI cujos valores patrimoniais não foram devidamente contestados, decisões essas nem sempre coincidentes.

 

Com efeito, em várias dessas decisões, de que se dá como exemplo a decisão proferida no processo arbitral 487/2020, que este tribunal arbitral acompanha, considera-se inaplicável a revisão prevista no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, uma vez que este preceito se refere a revisão de liquidações ilegais, o que não é a mesma coisa que liquidações lançadas com base em valores patrimoniais ilegais, sendo que só com base nos números 4 e 5 deste mesmo artigo 78.º é que se considera admissível rever os atos tributários da liquidação de tributos, no prazo de 3 anos a contar do ato tributário a rever.

 

Ora, constata-se que nesses processos, ao contrário do verificado no caso sub judice, o acesso ao tribunal arbitral, nalguns casos igualmente na sequência de indeferimento tácito, fez-se pela via da apresentação prévia de um pedido de revisão oficiosa ao abrigo do citado artigo 78.º da Lei Geral Tributária que, nos seus números 4 e 5, prevê uma competência excepcional, atribuída ao dirigente máximo da AT, para nos três anos posteriores ao do ato tributário a rever, proceder à revisão da matéria tributável se se verificar uma situação de injustiça grave ou notória e se o erro não for imputável a comportamento negligente do contribuinte.

 

Porém, ainda que se reconheça que, em regra, no sistema fiscal não se impõe a impugnação administrativa necessária como condição de aceso à via judicial, a verdade é que no caso em apreço, não só o dirigente máximo da AT não foi confrontado com tal pedido como, sobretudo, não foi suscitado ao tribunal arbitral que conduzisse a apreciação controvertida dos pressupostos exigidos nos invocados números 4 e 5 do artigo 78.º da LGT para que se pudesse concluir que houve omissão de pronúncia por parte de quem tinha a competência e o dever legal de decidir e para que, em tal caso, confirmados os referidos pressupostos, pudesse ser proferida decisão arbitral anulatória do ato tributário afetado.

 

A Requerente invoca também o disposto no n.º 3 do artigo 103.ºda Constituição da República Portuguesa (“CRP”) segundo o qual “Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos (…) cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei”.

 

Quanto a esta e, em geral, quanto às demais invocações apresentadas pela Requerente, restará observar, como se consignou no dito processo 487/2020-T, que, por mais justa que possa ser a pretensão da Requerente, num Estado de Direito, assente no primado da Lei (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa), estando os tribunais arbitrais obrigados a decidir «de acordo com o direito constituído» (artigo 2.º, n.º 2, do RJAT), o intérprete tem de acatar os ditames legislativos que não colidam com qualquer norma de hierarquia superior, não podendo sobrepor ao entendimento legislativo manifestado na lei os critérios classificativos pessoais que ele próprio eventualmente adoptaria se, em vez de ser intérprete, fosse o legislador.

  1. Juros indemnizatórios

Improcedendo o pedido de anulação e mantendo-se na ordem jurídica as liquidações impugnadas, improcede também o pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente.

 

V. DECISÃO

Nestes termos e com os fundamentos expostos, decide este Tribunal Arbitral:

1. Julgar improcedente o pedido arbitral de anulação parcial das liquidações de IMI e de AIMI referentes, respectivamente, ao ano de 2019 e 2020, no montante de € 56.351,09;

2. Julgar improcedente o pedido de condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

VI. VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a),

do CPPT e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 56.351,09 indicado pela Requerente, sem oposição da Requerida.

 

VII. CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.142.00, a cargo da Requerente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, do RJAT, do artigo 4.º, n.º5, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa ao mesmo.

 

Lisboa, 10 de Maio de 2022

O árbitro,

 

(Joaquim Silvério Dias Mateus)