Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 538/2021-T
Data da decisão: 2022-03-31  IMI  
Valor do pedido: € 65.701,48
Tema: AIMI – Revisão do ato tributário. Impugnação do valor patrimonial tributário. Efeitos da intempestividade da impugnação de atos de fixação do valor patrimonial
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Sumário:

1.            Os atos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são atos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objeto de impugnação autónoma, não podendo na impugnação dos atos de liquidação que com base neles sejam efetuadas discutir-se a legalidade daqueles atos.

2.            Os vícios de atos de avaliação de valores patrimoniais não podem ser invocados em impugnação de atos de liquidação de AIMI que os têm como pressupostos.

3.            A não impugnação tempestiva dos referidos atos de avaliação conduz à formação de caso decidido ou resolvido sobre a avaliação do prédio em causa.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros Guilherme W. d´Oliveira Martins, Sílvia Oliveira e Elisabete Flora Louro Martins Cardoso, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:

 

I. RELATÓRIO

 

a)            A A..., S.A., contribuinte fiscal n.º..., com sede na ..., n.º..., ...-... Lisboa, na qualidade de sociedade gestora e em representação do FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO B..., contribuinte fiscal n.º ... (em diante abreviadamente designado de “Requerente”), tendo apresentado pedido de revisão oficiosa da Liquidação de Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (“AIMI”) à margem identificada por referência ao ano de imposto de 2017 que incidiu sobre os terrenos para construção identificados em epígrafe - cf. cópia do pedido de revisão oficiosa apresentado em 31.12.2020 que se junta como Doc. 1 e dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais -, vem, nos termos dos artigos 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na sua atual redação (em diante abreviadamente designado por “RJAT” - Regime Jurídico da Arbitragem Tributária) e 102.º, n.º 1, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), requerer a constituição de tribunal arbitral coletivo com vista à pronúncia de decisão arbitral de anulação da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado (ato imediato do presente pedido arbitral) e, em consequência, à anulação parcial da referida liquidação de AIMI (ato mediato do presente pedido arbitral), com os seguintes termos e fundamentos:

a.            na sequência de formação de presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado contra a liquidação de AIMI emitida, em 30.06.2017, por referência ao ano de imposto de 2017 (em diante abreviadamente designada de “Liquidação Contestada”), pretende a pronúncia do presente Tribunal Arbitral Coletivo com vista à anulação da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado e, em consequência:

(i)           À anulação parcial da liquidação de AIMI n.º 2017... de 30.06.2017;

(ii)          Ao reembolso das quantias pagas em excesso a título de AIMI no valor agregado de €65.701,48;

(iii)         Ao reconhecimento do direito do Requerente a juros indemnizatórios calculados à taxa legal em vigor de 4% sobre as quantias indevidamente pagas a título de AIMI.

 

b.            Em 01.01.2017, o Requerente era proprietário dos prédios inscritos na matriz predial urbana da União de Freguesias do ..., ... e ..., concelho do Seixal, distrito de Setúbal sob os artigos matriciais U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-... e U-... (em diante abreviadamente designados de “Terrenos para Construção”) - cf. cadernetas prediais que se juntam sob a designação conjunta de Doc. 2 e dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais.

c.            Nos termos dos aditamentos n.ºs .../2008 de 27 de fevereiro de 2008, .../2011 de 4 de maio de 2011, .../2013 de 27 de dezembro de 2013 e .../2014 de 23 de setembro de 2014 ao Alvará de Loteamento número .../2001, de 6 de dezembro de 2001, todos emitidos pela Câmara Municipal do Seixal:

i. os prédios inscritos na matriz predial sob os artigos matriciais U-..., U-..., U-..., U-..., U-... e U-... correspondiam, em 01.01.2017, aos lotes 1.1, 1.2, 1.3, 1.4, 1.5, e 1.6, respetivamente;

ii. os prédios inscritos na matriz predial sob os artigos matriciais U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-... correspondiam, em 01.01.2017, aos lotes 2.1, 2.2, 2.3, 2.4, 2.5, 2.6, 2.7, 2.8 e 2.9, respetivamente;

iii. os prédios inscritos na matriz predial sob os artigos matriciais U-..., U-..., U-..., U-... e U-..., correspondiam, em 01.01.2017, aos lotes 3.1, 3.2, 3.3, 3.4 e 3.5, respetivamente;

iv. os prédios inscritos na matriz predial sob os artigos matriciais U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., correspondiam, em 01.01.2017, aos lotes 5.1, 5.2, 5.3, 5.4, 5.5 e 5.6, respetivamente;

v. os prédios inscritos na matriz predial sob os artigos matriciais U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-... e U-... correspondiam, em 01.01.2017, aos lotes 6.1, 6.2, 6.3, 6.4, 6.5, 6.6, 6.7, 6.8, 6.9, 6.10, 6.11 e 6.12, respetivamente;

vi. os prédios inscritos na matriz predial sob os artigos matriciais U-..., U-..., U-... e U-... correspondiam, em 01.01.2017, aos lotes 10.1, 10.2, 10.3 e 10.4, respetivamente;

vii. os prédios inscritos na matriz predial sob os artigos matriciais U-..., U-..., U-... e U-... correspondiam, em 01.01.2017, aos lotes 11.1, 11.2, 11.3 e 11.4, respetivamente;

viii. o prédio inscrito na matriz predial sob o artigo matricial U-... correspondia, em 01.01.2017, ao lote 12.1.

d.            O Requerente foi notificado da Liquidação de AIMI n.º 2017... de 30.06.2017, emitida por referência ao ano de imposto de 2017, no valor agregado de € 124.678,13.

e.            Do valor global do AIMI liquidado em 2017 por referência ao ano de imposto de 2017 (€124.678,13), € 124.666,28 diz respeito aos Terrenos para Construção e resulta da aplicação da taxa de AIMI (0,40%) relativamente aos valores patrimoniais tributários (“VPTs”) dos Terrenos para Construção a 01.01.2017.

f.             O Requerente procedeu ao pagamento integral da Liquidação Contestada no prazo que dispunha para o efeito.

g.            Após o pagamento da Liquidação Contestada, o Requerente constatou que na determinação dos VPTs dos Terrenos para Construção, os quais serviram de base à Liquidação Contestada que configura o objeto mediato do presente pedido arbitral, a AT aplicou uma fórmula de cálculo ilegal na qual foram considerados, indevidamente (repita-se), os coeficientes multiplicadores do VPT (i.e., os coeficientes de afetação, de qualidade e conforto e de localização, conforme aplicável).

h.            Em concreto, na determinação dos VPTs dos Terrenos para Construção, a AT aplicou indevidamente:

a) um coeficiente de afetação de 1,1 e um coeficiente de localização de 1,57 nos terrenos e parcelas dos terrenos com edificação prevista ou autorizada para serviços;

b) um coeficiente de localização de 1,55 nos terrenos e nas parcelas dos terrenos com edificação prevista ou autorizada para habitação; e

c) um coeficiente de afetação de 1,2 e um coeficiente de localização de 1,4 nos terrenos e nas parcelas dos terrenos com edificação prevista ou autorizada para comércio.

i.             Para além do exposto, o Requerente constatou ainda que a fórmula de cálculo do VPT utilizada pela AT não expurgou, como se impunha nos termos legais, a majoração prevista no artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI.

j.             Tais erros na fórmula de cálculo de determinação dos VPTs dos Terrenos para Construção conduziram à apresentação, pelo Requerente, de pedidos de avaliação para os lotes de terrenos para construção atualmente da titularidade do Requerente e inscritos na matriz predial da União de Freguesias do ..., ... e ... sob os artigos matriciais U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-... e U-... .

k.            Com efeito, a fórmula utilizada pela AT e assumida automaticamente pelo sistema eletrónico da AT como passo prévio aos procedimentos de avaliação dos referidos terrenos para construção e as liquidações emitidas com base nos VPTs fixados em tais procedimentos de avaliação padecem de diversos erros grosseiros na aplicação do direito, os quais, como veremos, são exclusivamente imputáveis à AT.

l.             Sendo certo que, conforme ficará demonstrado no presente pedido arbitral, dos referidos erros resultou, em termos muito simplistas, que o Requerente pagou um valor de AIMI manifestamente superior (mais de duas vezes superior) àquele que é devido nos termos legais, o que configura igualmente uma situação de injustiça grave ou notória.

m.          Em concreto, o Requerente pagou AIMI em excesso por referência ao ano de imposto de 2017 em valor correspondente a € 65.701,48 (ou pelo menos de € 51.330,81 se considerarmos apenas o efeito da desconsideração dos coeficientes multiplicadores do VPT - e.g. coeficientes de afetação, de localização e de qualidade e conforto).

n.            O cálculo do valor do AIMI pago em excesso pelo Requerente resulta da aplicação da taxa de AIMI de 0,4% sobre o excesso do VPT dos Terrenos para Construção que foi fixado em resultado da aplicação de uma fórmula de cálculo ilegal, conforme segue:

a) da aplicação dos coeficientes multiplicadores de fixação do VPT (i.e., dos coeficientes de afetação, localização e qualidade e conforto) e da majoração de 25% do terreno de implantação constante do artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI resultou um excesso do VPT agregado dos Terrenos para Construção de € 16.425.369,46 e, por conseguinte, um excesso de AIMI pago pelo Requerente por referência ao ano de imposto de 2017 de € 65.701,48 (= €16.425.369,46 *0,4%); e

b) apenas em resultado da aplicação dos coeficientes multiplicadores de fixação do VPT existe um excesso do VPT agregado dos Terrenos para Construção de € 12.832.701,97 e, por conseguinte, um excesso de AIMI pago pelo Requerente por referência ao ano de imposto de 2017 de € 51.330,81 (= €12.832.701,97 *0,4%).

o.            Por outras palavras, em virtude da aplicação de fórmula de cálculo ilegal na determinação do VPT dos Terrenos para Construção, foi fixado um VPT agregado dos Terrenos para Construção de €31.166.569,40 ao invés do VPT que deveria ter sido fixado de € 14.741.199,94 (caso a AT tivesse desconsiderado, como se impunha nos termos legais, os coeficientes multiplicadores do VPT e a majoração constante do artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI) ou de € 18.333.867,43 (caso a AT tivesse desconsiderado apenas os coeficientes multiplicadores do VPT).

p.            Note-se que no contexto dos procedimentos de avaliação iniciados em dezembro de 2020, a AT já reconheceu (ainda que parcialmente) tais erros imputáveis aos serviços na conclusão dos procedimentos de avaliação dos Terrenos para Construção, tendo desconsiderado, nas avaliações promovidas, os coeficientes de localização e de afetação nos termos solicitados pelo Requerente nos pedidos de avaliação apresentados.

q.            Com efeito, o Requerente reputa de totalmente ilegal a Liquidação Contestada na medida em que a mesma foi emitida com base em VPTs fixados de acordo com uma fórmula de cálculo ostensivamente ilegal.

r.             Por conseguinte, o Requerente apresentou, no dia 31.12.2020, um pedido de revisão oficiosa no qual suscitou diversas questões de ilegalidade do referido ato tributário e, em consequência, a anulação parcial da Liquidação Contestada.

s.            No pedido de revisão oficiosa apresentado, o Requerente:

(i)           imputou diversos vícios de ilegalidade à Liquidação Contestada e demonstrou a verificação de erro imputável aos serviços nos termos e para os efeitos previstos no artigo 78.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT);

(ii)          demonstrou a verificação de todos os pressupostos legais de que depende a revisão oficiosa por iniciativa da AT (ainda que a pedido do contribuinte nos prazos legais de 4 anos a contar das datas das liquidações nos casos de revisões oficiosas apresentadas com fundamento em erro imputável aos serviços ou até ao termo do terceiro ano seguinte ao das liquidações nos casos de revisões oficiosas apresentadas com fundamento em injustiça grave ou notória);

(iii)         subsidiariamente, demonstrou a verificação dos pressupostos legais de que depende a revisão oficiosa com fundamento em injustiça grave ou notória, nos termos e para os efeitos dos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT; e

(iv)         solicitou a anulação parcial da Liquidação Contestada, com todas as consequências legais.

t.             O referido pedido de revisão oficiosa foi apresentado dentro do prazo legal que o Requerente dispunha para apresentar pedido de revisão oficiosa quer com fundamento em erros imputáveis aos serviços da AT quer com fundamento em injustiça grave ou notória e junto do Serviço de Finanças de Seixal - ... (serviço de finanças da localização dos Terrenos para Construção).

u.            Por conseguinte, a entidade competente para a decisão dispunha de um prazo legal de quatro meses para apreciar o pedido e proferir decisão, prazo esse que terminou no dia 30.04.2021.

v.            Em face da inércia da AT, formou-se presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado, precisamente no dia 30.04.2021.

w.           Até à presente data, não foi o Requerente notificado de qualquer projeto de decisão do pedido de revisão oficiosa apresentado.

x.            Não resta, pois, alternativa ao Requerente senão reagir contra a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado através do presente pedido de pronúncia arbitral que deverá ser apreciado na sua integralidade.

y.            É neste contexto e com base na factualidade acima devidamente enunciada que se deve compreender o presente pedido de pronúncia arbitral e os diversos vícios de ilegalidade que vêm imputados à Liquidação Contestada e à decisão de indeferimento tácito que manteve tal liquidação na ordem jurídica.

 

b)           A Autoridade Tributária (adiante designada por “Requerida”), na sua resposta, invoca matéria de exceção e, em segundo lugar, defende a legalidade dos atos tributários praticados e alega, em síntese, o seguinte:

a.            Considera a Requerida que não assiste qualquer razão à pretensão da requerente uma vez que no caso em apreço, as liquidações foram efetuadas com base nos valores patrimoniais dos prédios que constavam das matrizes a 31 de dezembro do respetivo ano, conforme, aliás, estabelece o artigo 113.º, n.º 1, do CIMI: “O imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita”.

b.            Assim, por se ter verificado o estrito e integral cumprimento do disposto no Código do IMI não se verificou qualquer erro da Administração Tributária ao efetuar a liquidação e, por isso, o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa não enferma de ilegalidade, nem se verifica qualquer erro imputável aos serviços.

 

DEFESA POR EXCEÇÃO

 

c.            A incompetência do Tribunal Arbitral

(i)           A Requerente pretende a anulação dos atos impugnados com fundamento em vícios, não do ato de liquidação, mas sim dos atos que fixaram o VPT.

(ii)          Na verdade, a presente ação não é nem fundamentada em qualquer vício dos atos de liquidação ou da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa.

(iii)         Aos atos impugnados não é imputado qualquer vício específico da operação de liquidação ou do seu procedimento,

(iv)         O que está em causa, ou seja, o que a Requerente contesta é, apenas e só, o ato de fixação da matéria tributável e não o ato de liquidação.

(v)          Acontece que os vícios do ato que definiu o valor patrimonial tributário (VPT) não são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo.

(vi)         E o tribunal arbitral é incompetente para apreciar vícios de atos de fixação do valor patrimonial, atos esses que são destacáveis e autonomamente impugnáveis e encontra-se consolidados na ordem jurídica.

(vii)        Ou seja, o pedido formulado pela Requerente prende-se com a ilegalidade de um ato destacável, ele próprio autonomamente atacável e não com a declaração de ilegalidade de um qualquer ato tributário previsto no artigo 2.º do RJAT.

(viii)       Face ao exposto, conclui-se que a apreciação da legalidade do ato que procedeu à de fixação do valor patrimonial não cabem na competência dos tribunais arbitrais.

(ix)         Em conclusão, o Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para apreciar e decidir o pedido objeto do litígio sub judice, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT, o que consubstancia uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto no artigo 576.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (CPC) ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT e artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT, que obsta ao conhecimento do pedido e à absolvição da instância da AT, nos termos dos artigos 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea a) do CPC, ex vi artigo 29.º, nº1, alíneas a) e e) do RJAT, o que desde já se requer.

 

DEFESA POR IMPUGNAÇÃO

 

d.            No entender da Requerida, são estas as questões a serem apreciadas pelo doutro tribunal arbitral:

 

a) A questão de saber se o ato que fixou o VPT está consolidado na ordem jurídica;

b) A questão de saber se eventuais vícios próprios e exclusivos do VPT são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo.

c) A questão de saber se Administração Tributária pode anular todos e quaisquer atos de fixação do VPT, praticados ao longo do tempo, ou apenas os que tenham ocorrido há menos de cinco anos

 

a) Sobre a consolidação do ato tributário que determinou o VPT

 

(i)           O procedimento avaliativo constitui um ato autónomo e destacável para efeito de impugnação arbitral,

(ii)          Que, se não for impugnado nos termos e prazo fixado se consolida na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, semelhante ao caso julgado, que a posterior liquidação tem de acolher.

(iii)         E cuja impugnação não abrange os erros ou vícios que eventualmente tenham ocorrido nessa avaliação,

(iv)         Não tendo o Requerente colocado em causa o valor patrimonial obtido pela 1.ª avaliação, requerendo uma 2.ª avaliação, o mesmo fixou-se, não sendo possível conhecer na posterior liquidação, de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação,

(v)          Ou seja, a errónea qualificação e quantificação do valor patrimonial apenas pode ser conhecida em sede de impugnação da 2.ª avaliação e não na posterior liquidação consequente.

 

b) Sobre a impugnabilidade dos atos de liquidação com fundamento em vícios próprios do ato de fixação do VPT

 

(i)           O tribunal arbitral está limitado pelo princípio do pedido, vide n.º 1 do art.º 609º do Código de Processo Civil aplicável ex vi art.º 29.º do RJAT.

(ii)          O pedido é o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor, a quem incumbe dizer com precisão o que pretende do tribunal, que efeito jurídico quer obter com a ação.

(iii)         Assim, importa lugar delimitar com exatidão o âmbito do pedido de pronúncia arbitral e da causa de pedir tal como a Requerente o configura.

(iv)         Constitui jurisprudência assente, quer dos Tribunais judiciais quer dos Tribunais arbitrais, bem como da mais abalizada doutrina, o entendimento que o ato de avaliação do valor patrimonial tributável é um ato destacável, autonomamente impugnável.

(v)          Pelo que os vícios da fixação do VPT, não sindicáveis na análise da legalidade do ato de liquidação, porquanto os mesmos, sendo destacáveis e antecedentes destes, já se consolidaram na ordem jurídica.

(vi)         Os atos de fixação do VPT, regulados no artigo 134.º do Código de Procedimento e Processo Tributário visam determinar a base tributável de imóveis, ou seja, determinam o valor de imóveis que posteriormente servirá de base à liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) ou Impostos Municipal sobre a Transmissão de Imóveis (IMT).

(vii)        Ora, os atos de fixação do VPT não são atos de liquidação,

(viii)       São atos autónomos e individualizados com eficácia jurídica própria e diretamente sindicáveis, sendo que aliás, o princípio da impugnação unitária é expressamente afastado neste caso pelo artigo 86.º da LGT.

 

c) Sobre os requisitos legais da anulação administrativa

 

(i)           No que respeita à avaliação dos terrenos para construção, a jurisprudência, tem entendido que, na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, na redação do artigo 45.º do CIMI anterior a 1 de janeiro de 2021, não há lugar à consideração do coeficiente de afetação e do coeficiente de localização. 43.º Assim importa aferir se, face do entendimento jurisprudencial, as avaliações dos prédios urbanos terrenos para construção que tenham considerado esses coeficientes podem ser anuladas.

(ii)          A revogação e a anulação dos atos administrativos em matéria tributária, estão previstas no artigo 79º da LGT, sendo subsidiariamente aplicável o regime previsto nos artigos 165° a 174° do Código de Procedimento Administrativo (CPA), por força do artigo 2. c) da LGT.

(iii)         Decorre do texto da lei que apenas são passíveis de anulação os atos de fixação dos VPT que contrariam o recente entendimento jurisprudencial nos casos em que não tenha decorrido cinco anos desde a respetiva emissão.

(iv)         Ainda se pronuncia sobre o pedido de juros indemnizatórios, invocando, contudo, que não lhe assiste razão.

(v)          Ao abrigo do princípio da imparcialidade e da legalidade previsto no artigo 266º da Constituição e concretizado nos artigos 55º da LGT e no artigo 3.º do CPA a Administração Tributária tem de praticar os atos tributários de acordo com as normas legais aplicáveis ao caso concreto, o que fez na situação sub judice.

(vi)         O princípio da legalidade tem uma formulação positiva, nos termos da qual o bloco de legalidade aplicável não é apenas um limite à atuação da Administração, mas também o fundamento da ação administrativa, o que implica que a Administração só pode fazer aquilo que a legalmente lhe for permitido e não tudo o que não é proibido.

(vii)        Estando assim, a Administração tributária vinculada ao princípio da legalidade, não pode deixar de dar integral cumprimento aos normativos que o legislador ordinário criou e que estejam em vigor no ordenamento jurídico, como se verificou no caso em apreço. Destarte impugna-se por infundado todo o aduzido no pedido de pronúncia arbitral que contrarie todo o exposto devendo decidir-se a final que os atos impugnados não padecem dos vícios que lhe foram assacados nem de nenhuns outros.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado em 01-09-2021, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 03-09-2021.

 

Em 25-10-2021, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou os árbitros, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As Partes foram devidamente notificadas dessa designação, em 25-10-2021, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou, assim, constituído em 15-11-2021, tendo sido proferido despacho arbitral na mesma data em cumprimento do disposto no artigo 17.º do RJAT, notificado à AT para, querendo, apresentar resposta.

 

A AT apresentou Resposta, em tempo, em 20-12-2021.

 

Em 24-12-2021 foi proferido Despacho arbitral com o seguinte teor:

«Notifique-se o Requerente para se pronunciar sobre a matéria de exceção suscitada pela Requerida, bem como da dispensa de junção de processo administrativo.

Notifiquem-se, ainda, ambas as partes da intenção de o Tribunal Arbitral dispensar a reunião prevista, bem como da dispensa de produção de alegações, conforme previsto no art. 18.º do RJAT, por desnecessidade, para se pronunciarem, querendo.

Prazo: 5 (cinco) dias.»

 

A Requerente apresentou a resposta às matérias invocadas em 12-01-2022.

 

Em 16-02-2022 foi proferido Despacho arbitral com o seguinte teor:

«1. Tendo sido produzida resposta às exceções e dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como produção de alegações escritas informa-se que este processo prosseguirá para a prolação da sentença.

2. Informa-se que a Requerente deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, até a data limite da prolação da decisão final.

3. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em versão word.

Fixa-se o prazo de 5 (cinco) dias para as partes, querendo, se pronunciarem. Notifiquem-se as partes do presente despacho.»

 

II. SANEAMENTO

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vd. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

Em face das questões prévias colocadas (relativas à competência material do tribunal arbitral), impõe-se o conhecimento prioritário das mesmas. Seguir-se-á – se a resposta àquelas o permitir – a análise do mérito do pedido.

 

III. FUNDAMENTAÇÃO

 

III.1. MATÉRIA DE FACTO

 

Com relevância para a presente decisão, consideram-se assentes e provados os seguintes factos:

 

a.            Em 01.01.2017, o Requerente era proprietário dos prédios inscritos na matriz predial urbana da União de Freguesias do ..., ... e ..., concelho do Seixal, distrito de Setúbal sob os artigos matriciais U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-... e U-7612 (em diante abreviadamente designados de “Terrenos para Construção”) - cf. cadernetas prediais que se juntam sob a designação conjunta de Doc. 2 e dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais.

b.            Nos termos dos aditamentos n.ºs .../2008 de 27 de fevereiro de 2008, .../2011 de 4 de maio de 2011, .../2013 de 27 de dezembro de 2013 e .../2014 de 23 de setembro de 2014 ao Alvará de Loteamento número .../2001, de 6 de dezembro de 2001, todos emitidos pela Câmara Municipal do Seixal:

i. os prédios inscritos na matriz predial sob os artigos matriciais U-..., U-..., U-..., U-..., U-... e U-...correspondiam, em 01.01.2017, aos lotes 1.1, 1.2, 1.3, 1.4, 1.5, e 1.6, respetivamente;

ii. os prédios inscritos na matriz predial sob os artigos matriciais U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-... correspondiam, em 01.01.2017, aos lotes 2.1, 2.2, 2.3, 2.4, 2.5, 2.6, 2.7, 2.8 e 2.9, respetivamente;

iii. os prédios inscritos na matriz predial sob os artigos matriciais U-..., U-..., U-..., U-... e U-..., correspondiam, em 01.01.2017, aos lotes 3.1, 3.2, 3.3, 3.4 e 3.5, respetivamente;

iv. os prédios inscritos na matriz predial sob os artigos matriciais U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., correspondiam, em 01.01.2017, aos lotes 5.1, 5.2, 5.3, 5.4, 5.5 e 5.6, respetivamente;

v. os prédios inscritos na matriz predial sob os artigos matriciais U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-..., U-... e U-... correspondiam, em 01.01.2017, aos lotes 6.1, 6.2, 6.3, 6.4, 6.5, 6.6, 6.7, 6.8, 6.9, 6.10, 6.11 e 6.12, respetivamente;

vi. os prédios inscritos na matriz predial sob os artigos matriciais U-..., U-..., U-... e U-... correspondiam, em 01.01.2017, aos lotes 10.1, 10.2, 10.3 e 10.4, respetivamente;

vii. os prédios inscritos na matriz predial sob os artigos matriciais U-..., U-..., U-... e U-... correspondiam, em 01.01.2017, aos lotes 11.1, 11.2, 11.3 e 11.4, respetivamente;

viii. o prédio inscrito na matriz predial sob o artigo matricial U-... correspondia, em 01.01.2017, ao lote 12.1.

c.            O Requerente foi notificado da Liquidação de AIMI n.º 2017... de 30.06.2017, emitida por referência ao ano de imposto de 2017, no valor agregado de € 124.678,13.

d.            Do valor global do AIMI liquidado em 2017 por referência ao ano de imposto de 2017 (€124.678,13), € 124.666,28 diz respeito aos Terrenos para Construção e resulta da aplicação da taxa de AIMI (0,40%) relativamente aos valores patrimoniais tributários (“VPTs”) dos Terrenos para Construção a 01.01.2017.

e.            O Requerente procedeu ao pagamento integral da Liquidação Contestada no prazo que dispunha para o efeito.

 

 

Factos provados e fundamentação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pelos Requerentes.

 

A AT não apresentou processo administrativo.

 

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Singular e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.os 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do CPC, aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º do CPPT. Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

 

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

Questões a decidir

 

Nesta sequência, tendo em atenção as pretensões e posições do Requerente e da Requerida constantes das suas peças processuais, acima descritas, são as seguintes as questões que o Tribunal Arbitral deve apreciar [sem prejuízo de a solução dada a certa questão poder prejudicar o conhecimento de outra ou outras questões – cfr. artigo 608.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT]:

a)            Se a invocada exceção – incompetência do Tribunal Arbitral – procede;

b)           Se os atos de indeferimento silente dos pedidos de revisão oficiosa apresentados no dia 31.12.2020 devem ser anulados, bem como as subjacentes liquidações de AIMI, por aplicação ilegal dos coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto na determinação do VPT dos terrenos para construção;

c)            Se o Requerente tem direito ao reembolso do imposto pago em excesso - € 65.701,48;

d)           Se o Requerente tem direito a juros indemnizatórios pelo pagamento de imposto indevidamente liquidado e pago.

 

III. 2. MATÉRIA DE DIREITO

 

A)           Quanto à exceção invocada - Incompetência do Tribunal

 

Seguindo de perto o Processo 540/2020-T, deste Centro , a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT.

 

Refere-se nesta norma que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais; (redação da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro)

 

Para além da apreciação direta da legalidade de atos deste tipo, incluem-se ainda nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, competências para apreciar atos de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de atos daqueles tipos, designadamente de atos que decidam reclamações graciosas ou pedidos de revisão oficiosa e recursos hierárquicos, como se depreende das referências expressas que se fazem no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT - que se reporta à impugnação judicial de decisões de reclamações graciosas), aos «atos suscetíveis de impugnação autónoma» e à «decisão do recurso hierárquico».

 

Aliás, esta interpretação no sentido da identidade dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e do processo arbitral é a que está em sintonia com a referida autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, em que se revela a intenção de o processo arbitral tributário constituir «um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária» (n.º 2).

 

Mas, resulta do teor do artigo 2.º do RJAT que a arbitragem tributária não foi implementada quanto às matérias suscetíveis de serem objeto de ação para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, pois é manifesto que não se enquadram em qualquer das situações previstas.

 

De qualquer forma, extrai-se também da referida autorização legislativa, designadamente da alínea a) do n.º 4 do referido artigo 124.º, ao fazer referência aos «atos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação», que não se pretendeu estender o âmbito da arbitragem tributária à apreciação de atos que, nos termos do CPPT, não podem ser objeto de impugnação judicial. Na verdade aquela expressão tem ínsita a exclusão dos «atos administrativos que não comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação» e das alíneas d) e p) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 97.º do CPPT infere-se a regra de a impugnação de atos administrativos em matéria tributária ser feita, no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou ação administrativa (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do artigo 191.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos – “CPTA”) conforme esses atos comportem ou não a apreciação da legalidade de atos administrativos de liquidação.

 

Porém, como exceção a esta regra de delimitação dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da ação administrativa, poderão considerar-se os casos de impugnação de atos de indeferimento de reclamações graciosas, independentemente do seu conteúdo, pelo facto de a utilização do processo de impugnação judicial ter sido prevista numa norma especial, que é o n.º 2 do artigo 102.º do CPPT, atualmente revogado, em de que se pode depreender que a impugnação judicial é sempre utilizável. No mesmo sentido aponta a alínea c) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, ao referir «a impugnação do indeferimento total ou parcial das reclamações graciosas dos atos tributários».

 

No caso em apreço, o Requerente não apresentou uma reclamação graciosa, mas sim um pedido de revisão oficiosa, que não foi apreciado no prazo previsto no artigo 57.º, n.º 5, da LGT, pelo que se formou indeferimento tácito.

 

Nos casos de indeferimento tácito não há, obviamente, apreciação expressa da legalidade do ato de liquidação, mas, tratando-se de uma ficção de ato destinada a assegurar a impugnação contenciosa em meio processual que tem por objeto um ato de liquidação, o meio de impugnação adequado depende do conteúdo ficcionado.

No caso de impugnação administrativa direta de um ato de liquidação (através de reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa), com fundamento na sua ilegalidade, o conteúdo ficcionado é de indeferimento do pedido que foi formulado, de anulação do ato de liquidação. Isto é, ficciona-se que o pedido foi indeferido, por ter sido dada resposta negativa a todas as questões de legalidade colocadas pelo Sujeito Passivo. Por isso, presume-se o indeferimento tácito do meio de impugnação administrativa (reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa) que tem por objeto direto o ato de liquidação que se baseia em razões substantivas e não por razões formais.

 

Diferente é a situação nos casos em que se está perante o indeferimento tácito de um recurso hierárquico, subsequente a indeferimento expresso de reclamação graciosa, pois este não tem por objeto direto um ato de liquidação, mas sim um anterior ato de indeferimento da impugnação administrativa (reclamação graciosa ou pedido de revisão oficiosa). Se o ato expresso proferido na impugnação administrativa não conheceu da legalidade do ato de liquidação (por ter entendido existirem obstáculos formais, como a ilegitimidade ou a intempestividade), o indeferimento tácito presume-se ter mantido o ato anterior e, por isso, se este não comporta a apreciação da legalidade de ato de liquidação, o indeferimento tácito do recurso hierárquico também não a comporta.

 

Com efeito, nos casos de recurso hierárquico, em que é impugnado um anterior ato expresso, existe já um anterior ato impugnável, pelo que, no caso de indeferimento tácito do recurso hierárquico, é esse anterior ato expresso e não o indeferimento tácito o objeto da impugnação, como resulta do preceituado no artigo 198.º, n.º 4, do CPA, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT: o decurso do prazo para decisão do recurso hierárquico «sem que haja sido tomada uma decisão, confere ao interessado a possibilidade de impugnar contenciosamente o ato do órgão subalterno ou de fazer valer o seu direito ao cumprimento, por aquele órgão, do dever de decisão». Assim, o ato do subalterno, que se presume confirmado tacitamente, no caso de o recurso hierárquico não ser decidido no prazo legal, é o relevante para aferir a idoneidade do meio processual. É neste sentido a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre o indeferimento tácito de recurso hierárquico (à face do artigo 175.º, n.º 3, do CPA de 1991, que, para este efeito, tem alcance substancialmente idêntico ao artigo 198.º, n.º 4, do CPA de 2015), como pode ver-se pelo acórdão de 21-11-2007, processo n.º 0444/07, em que se entendeu: «Nos casos de indeferimento tácito de recurso hierárquico considera-se indeferido o recurso (art. 175.º, n.º 3, do CPA), pelo que, quando a decisão da reclamação graciosa impugnada conheceu da legalidade de ato de liquidação (no caso, deferindo parcialmente a pretensão formulada), aquele indeferimento tácito considera-se também ter por objeto a legalidade do ato de liquidação cuja legalidade foi apreciada na decisão da reclamação.»

 

Assim, nos casos de indeferimento tácito de recurso hierárquico interposto de ato expresso, é à face do conteúdo deste ato recorrido que se afere se foi ou não apreciada a legalidade do ato de liquidação.

 

De harmonia com o exposto, no caso em apreço, estando-se perante o indeferimento tácito de pedidos de revisão oficiosa, que têm por objeto direto atos de liquidação, é de considerar que o ato ficcionado conhece da legalidade dos atos de liquidação e, por isso, o meio processual adequado para a sua impugnação contenciosa é o processo de impugnação judicial, nos termos das alíneas d) e p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, de que é meio alternativo o processo arbitral.

 

Neste sentido, tem vindo a decidir uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo, como pode ver-se pelos seguintes acórdãos:

– de 06-10-2005, processo n.º 01166/04: «o indeferimento tácito de um pedido de revisão oficiosa de ato de liquidação, baseado na sua ilegalidade, deve considerar-se, para efeito das alíneas d) e p) do n.º 1 do art. 97.º do CPPT, como um ato que comporta a apreciação da legalidade de ato de liquidação»;

– de 02-02-2005, processo n.º 01171/04, de 08-07-2009, processo n.º 0306/09, de 23-09-2009, processo n.º 0420/09, de 12-11-2009, processo n.º 0681/09: «o meio processual adequado para reagir contenciosamente contra o ato silente atribuído a diretor-geral que não decidiu o pedido de revisão oficiosa de um ato de liquidação de um tributo é a impugnação judicial».

Assim, na linha desta jurisprudência, é de entender que o ato ficcionado quando ocorre indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa é um ato que comporta a apreciação da legalidade do ato de liquidação cuja revisão foi pedida, dando resposta negativa aos fundamentos invocados, pelo que o meio contencioso adequado para o impugnar é o processo de impugnação judicial e o processo arbitral.

 

Nestes termos, improcede a exceção invocada.

 

B)           Questão de fundo

 

O Requerente vem impugnar atos de liquidação de AIMI de 2017, com fundamento em erros dos atos de fixação dos VPTS dos prédios sobre que incidiu o imposto, pelo que é necessário averiguar os seguintes pontos:

 

a)            Questão da possibilidade de impugnar liquidações AIMI com fundamento e vícios de atos de fixação de valores patrimoniais, tendo em conta os argumentos invocados pela Requerida: (i) A questão de saber se o ato que fixou o VPT está consolidado na ordem jurídica; e (ii) A questão de saber se eventuais vícios próprios e exclusivos do VPT são suscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo.

b)           A questão de saber se Administração Tributária pode anular todos e quaisquer atos de fixação do VPT, praticados ao longo do tempo, que envolve a questão da admissibilidade de revisão oficiosa dos atos de avaliação de valores patrimoniais.

 

Cumpre decidir.

 

a)            Questão da possibilidade de impugnar liquidações de AIMI com fundamento e vícios de atos de fixação de valores patrimoniais

 

Antes de mais, é necessário esclarecer se os vícios de atos de avaliação de valores patrimoniais podem ser invocados em impugnação de atos de liquidação de AIMI que os têm como pressupostos.

 

A AT defende globalmente o seguinte:

(i)           «O procedimento avaliativo constitui um ato autónomo e destacável para efeito de impugnação arbitral,

(ii)          Que, se não for impugnado nos termos e prazo fixado se consolida na ordem jurídica como caso decidido ou resolvido, semelhante ao caso julgado, que a posterior liquidação tem de acolher.

(iii)         E cuja impugnação não abrange os erros ou vícios que eventualmente tenham ocorrido nessa avaliação,

(iv)         Não tendo Requerente colocado em causa o valor patrimonial obtido pela 1.ª avaliação, requerendo uma 2.ª avaliação, o mesmo fixou-se, não sendo possível conhecer na posterior liquidação, de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação,

(v)          Ou seja, a errónea qualificação e quantificação do valor patrimonial apenas pode ser conhecida em sede de impugnação da 2.ª avaliação que não na posterior liquidação consequente.»

 

Afigura-se correto este entendimento da AT.

 

Na verdade, podemos até acrescentar, e seguindo de perto o Processo 540/2020-T, deste Centro , por força do preceituado no artigo 15.º do CIMI a avaliação dos prédios urbanos é direta e, por isso, ela é «suscetível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa direta» (artigo 86.º, n.º 1, da LGT).

 

Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo 86.º da LGT, «a impugnação da avaliação direta depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão».

 

Os termos da impugnação da avaliação direta de valores patrimoniais constam do artigo 134.º do CPPT em que se estabelece que:

– «os atos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de três meses após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade» (n.º 1); e

– «a impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação» (n.º 7).

 

Como decorre do n.º 1 do artigo 134.º, ao fixar um prazo especial de três meses para impugnação de atos de fixação de valores patrimoniais e do n.º 7 do mesmo artigo, ao exigir o esgotamento dos meios graciosos, está afastada a possibilidade de essa impugnação se fazer, por via indireta, na sequência da notificação de atos de liquidação que a tenham como pressuposto, como são os de IMI ou de AIMI, sem observância do prazo de impugnação referido e sem esgotamento dos meios de revisão previstos no procedimento de avaliação.

 

No âmbito do AIMI, quando o sujeito passivo não concordar com o resultado da avaliação direta de prédios urbanos, pode requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado (artigo 76.º, n.º 1, do CIMI).

 

Só do resultado das segundas avaliações (que esgotam os meios graciosos do procedimento de avaliação) cabe impugnação judicial, nos termos do CPPT (artigo 77.º, n.º 1 do CIMI).

 

Isto significa que os atos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são atos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo objeto de impugnação autónoma, não podendo na impugnação dos atos de liquidação que com base neles sejam efetuadas discutir-se a legalidade daqueles atos.

 

Assim, o sujeito passivo de AIMI pode impugnar as liquidações, mas não são relevantes como fundamentos de anulação eventuais vícios dos antecedentes atos de fixação de valores patrimoniais, que se firmaram na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos n.ºs 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT.

 

No caso concreto, consultadas as cadernetas prediais constata-se o que a avaliação do prédio foi feita em 16-01-2014, com referência à modelo 1 do IMI entregue em 27-12-2013 e que em 2016 foi atualizado o valor, não tendo sido promovida uma nova avaliação, como a já consolidada em 16-01-2014.

 

Na verdade, não sendo impugnado tempestivamente o ato de fixação de valores patrimoniais, forma-se caso decidido ou resolvido sobre a avaliação, que se impõe em sede de liquidação de AIMI, sendo que «o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita» (artigo 113.º do CIMI).

 

A natureza de atos destacáveis que é atribuída aos atos de avaliação de valores patrimoniais é, há muito, reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo , desde o tempo em que regime idêntico ao do artigo 134.º, n.ºs 1 e 7 do CPPT, previsto nos n.ºs 1 e 6 do artigo 155.º do Código de Processo Tributário de 1991, quer em sede de Sisa, quer de contribuição autárquica, quer de IMI, quer de IMT.

 

Podemos até citar a decisão proferida no Processo 540/2020-T, deste Centro :

 

«Na verdade, este regime de impugnação autónoma justifica-se por razões de coerência do sistema jurídico tributário inerentes ao facto de cada ato de avaliação poder servir de suporte a uma pluralidade de atos de liquidação de impostos (liquidações anuais de IMI e eventuais liquidações de IMT) e ser relevante para vários efeitos a nível de IRS (   ), IRC (   ) e Imposto do Selo (   ), o que não se compagina com a possibilidade de plúrima avaliação incidental que se reconduzisse à fixação de diferentes valores patrimoniais tributários para o mesmo prédio, no mesmo momento.

Por outro lado, a caducidade do direito de ação derivada da inércia do lesado por atos administrativos durante um prazo razoável, é generalizadamente justificada por razões de segurança jurídica, necessária para adequado funcionamento da administração pública, que também é um valor constitucional ínsito no princípio do Estado de Direito democrático e é reconhecida generalizadamente em matéria administrativa e tributária.

O prazo de impugnação de três meses para impugnação de atos de fixação de valores patrimoniais é perfeitamente razoável, sendo o prazo geral previsto a lei para a impugnação da generalidade dos atos administrativos com fundamentos geradores de vícios de anulabilidade (artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigo 102.º do CPPT).

Para além disso, neste caso, a pretensão da Requerente reconduz-se a impugnar, em 2020, atos de avaliação praticados até 2015, muito depois do prazo legal de impugnação de três meses e mesmo depois do decurso do prazo de três anos em que a lei admite a revisão oficiosa de atos de fixação da matéria tributável, com fundamento em injustiça grave ou notória (artigo 78.º, n.º 4 da LGT).

Num Estado de Direito, assente no primado da Lei (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa), estando os tribunais arbitrais obrigados a decidir «de acordo com o direito constituído» (artigo 2.º, n.º 2, do RJAT), o intérprete tem de acatar os ditames legislativos que não colidam qualquer norma de hierarquia superior, não podendo sobrepor ao entendimento legislativo manifestado na lei os critérios classificativos pessoais que ele próprio eventualmente adotaria se, em vez de ser intérprete, fosse o legislador.»

 

Pelo exposto, os alegados vícios dos atos de avaliação invocados pela Requerente, que não foram objeto de impugnação tempestiva autónoma, não podem ser fundamento de anulação da liquidação de AIMI, pelo que improcede necessariamente pedido de pronúncia arbitral quanto ao ano de 2017.

 

Por isso, as liquidações de AIMI não podem ser anuladas com fundamento nos alegados erros nas avaliações dos prédios.

 

b)           Questão da admissibilidade de revisão oficiosa dos atos de avaliação de valores patrimoniais

 

A possibilidade de revisão oficiosa de atos de avaliação de valores patrimoniais não está prevista no CIMI. Assim, só à face do regime geral da revisão oficiosa, previsto no artigo 78.º da LGT, se pode aventar a possibilidade de revisão.

 

Das várias situações de revisão oficiosa previstas no artigo 78.º da LGT, as dos n.ºs 1 e 6 reportam-se a atos de liquidação (como se infere do termo inicial do prazo de quatro anos previsto no n.º 1).

 

Apenas as situações previstas nos seus n.ºs 4 e 5 deste artigo 78.º se reportam a atos de fixação da matéria tributável, categoria a que se reconduzem os atos de fixação de valores patrimoniais. Por isso, só dentro do condicionalismo previsto nestes n.ºs 4 e 5 se pode aventar a possibilidade de revisão oficiosa.

 

No entanto, é manifesto que não foi observado pelo Requerente o prazo de três anos fixado no n.º 4 deste artigo 78.º.

 

Na verdade, todas a liquidações de AIMI se baseiam nos valores inscritos nas respetivas matrizes e fixados por avaliações realizadas em 16-01-2014, com referência à modelo 1 do IMI entregue em 27-12-2013.

Por isso, quando os Requerentes apresentaram os pedidos de revisão oficiosa, em 31/12/2020, há muito que havia expirado o prazo de 3 anos em que podia ser autorizada a revisão dos atos de fixação de valores patrimoniais. E acrescente-se que o mesmo sucederia mesmo se o ato de avaliação a considerar fosse o de 31/12/2016, que é a base da liquidação de AIMI de 2017, em causa nos presentes autos.

 

Pelo exposto, por intempestividade está afastada esta possibilidade de revisão oficiosa.

 

IV. DECISÃO

 

Em face do supra exposto, o Tribunal Arbitral decide:

 

a)            Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa e, bem assim, quanto à anulação parcial da liquidação de AIMI respeitante ao período de tributação de 2017;

 

b)           Julgar improcedente o pedido de reembolso da quantia de € 65.701,48 com as demais consequências legais;

 

c)            Absolver a Requerida do pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios.

 

V. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 65.701,48 (sessenta e cinco mil setecentos e um euros e quarenta e oito cêntimos), nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 2.448,00 (dois mil quatrocentos e quarenta e oito euros), a pagar pelo Requerente, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 31 de março de 2022.

 

Os Árbitros,

 

(Guilherme W. d’Oliveira Martins)

(Sílvia Oliveira)

Vencida conforme declaração anexa

 

 (Elisabete Flora Louro Martins Cardoso)

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto

no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art.º. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

DECLARAÇÃO DE VOTO 

 

Votei vencida com os fundamentos a seguir apresentados.

 

No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente, na sequência de formação de presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado contra a liquidação de AIMI emitida, em 30-06-2017, por referência ao ano de imposto de 2017, vem peticionar a anulação da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado e, em consequência, requerer a (i) anulação parcial da liquidação de AIMI n.º 2017... de

30-06-2017; (ii) o reembolso da quantia paga em excesso a título de AIMI no valor agregado de EUR 65.701,48 e (iii) o reconhecimento do direito do Requerente a juros indemnizatórios calculados à taxa legal em vigor de 4% sobre as quantias indevidamente pagas a título de AIMI.

 

O pedido de revisão oficiosa, de cuja presunção de indeferimento tácito o Requerente recorre, foi apresentado no dia 31-12-2020, no qual o Requerente procurou imputar diversos erros na aplicação do direito e que “inquinaram” a legalidade da liquidação de AIMI em crise, procurando o Requerente demonstrar (i) a verificação de erro imputável aos serviços nos termos e para os efeitos previstos no artigo 78.º, n.º 1, da LGT e/ou (ii) a verificação de injustiça grave ou notória passível de legitimar a revisão da liquidação com fundamento no disposto no artigo 78.º, nº 3 e 4, ou seja, nos três anos posteriores ao do acto tributário, com aquele fundamento.

 

Adicionalmente, o Requerente cita o Acórdão do Tribunal Central Administrativo (TCA) nº 2765/12.8BELRS de 31-10-2019 (relator BENJAMIM BARBOSA), cuja posição aqui se acompanha, nos termos da qual “a errada fixação do VPT (…) pode ser arguida através do pedido de revisão oficiosa das liquidações, nos termos conjugados dos artigos 78.º da LGT e 115.º do CIMI, ainda que o contribuinte não tenha reagido atempadamente contra essa fixação” (sublinhado nosso).

 

Com efeito, segundo o referido Acórdão, e em síntese, “a fixação do VPT constitui (…) um acto administrativo em matéria tributária, destacável e, por isso, passível de impugnação autónoma. A impugnação autónoma dos actos destacáveis tem como propósito oferecer uma maior garantia aos administrados, permitindo-lhes reagir atempadamente de molde a evitar a produção de efeitos lesivos, que se projectam no acto final do procedimento ou em actos externos a este. A impugnabilidade autónoma constitui um desvio ao princípio da impugnação unitária (cfr. artigo 54.º do CPPT), que postula que, em princípio, só é possível impugnar o acto final do procedimento tributário, por só este apresentar efeitos lesivos na esfera jurídica do contribuinte. Este artigo prevê a possibilidade de impugnabilidade autónoma dos actos imediatamente lesivos e a possibilidade de, na impugnação do acto final de liquidação, serem invocados todos os vícios de que padeçam os actos prévios a essa liquidação (actos instrumentais, preparatórios ou prodrómicos dessa decisão final). (…) sendo a fixação do VPT um acto destacável, ele goza de possibilidade de impugnação autónoma, independentemente da existência ou não de liquidação (…). Portanto, não tendo sido impugnada a fixação do VPT (…) parece que a consequência seria a de aceitar que as liquidações feitas a coberto desse VPT, enquanto não fosse alterado, não podiam também ser alteradas com tal fundamento. Mas o problema pode ser olhado de outro prisma. Em regra, os actos da Administração, com excepção dos actos viciados de nulidade, consolidam-se juridicamente se não forem impugnados nos prazos estabelecidos na lei. Todavia, mesmo fora das situações de nulidade o legislador tributário, ciente da natureza agressiva das leis fiscais, que afectam coercivamente o património dos contribuintes, criou válvulas de escape para as situações de ilegalidade, permitindo que a própria Administração reveja as suas decisões, a fim de corrigir as ilegalidades que porventura tenha cometido. É o que sucede com o artigo 78.º da LGT, que prevê a possibilidade de revisão dos actos tributários com fundamento em ilegalidade ou erro (…). O artigo 78.º da LGT consagra um verdadeiro direito do contribuinte, permitindo-lhe exigir da administração tributária que expurgue da ordem jurídica, total ou parcialmente, um acto ilegal, bem como a restituição do que tenha sido ilegalmente cobrado, com base no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que não permite a cobrança de tributos, nem os respectivos montantes, que não estejam previstos na lei. Todavia, como já se disse, o artigo 78.º (…) visa apenas os actos tributários stricto sensu, incluindo o acto de determinação da matéria tributável, quando não dê lugar à liquidação e qualquer tributo (…). O que não quer dizer que seja de todo imprestável para o caso sub judice, visto que a coberto de um VPT ilegal foram produzidas liquidações de tributo (IMI) que foram exigidas (…). Ora, ultrapassada que está (…) a questão de saber se a iniciativa de revisão pela administração pode ser desencadeada a impulso do interessado, da interpretação conjugada do n.º 1 do artigo 78.º da LGT com o disposto no artigo 115.º, n.º 1, alínea c), do CIMI, resulta que a revisão oficiosa das liquidações deve ser realizada pela administração tributária, ainda que sob impulso inicial do contribuinte, quando tenha ocorrido erro imputável aos serviços. O que se verifica, precisamente, no caso em apreço, erro esse que se traduziu até numa injustiça grave e notória concretizada na fixação de um VPT em valor claramente superior ao que resultaria das disposições legais que deveriam ter sido aplicadas. Erro esse que, independente da inércia impugnatória da recorrida após a notificação do VPT, não pode ser imputável a qualquer comportamento negligente desta, visto que o erro no cálculo e fixação do VPT ocorre num procedimento desencadeado e concretizado pela administração e que sempre justificaria a revisão ao abrigo do n.º 4 do normativo em questão, se o n.º 1 não fosse inteiramente aplicável. (…)” (sublinhado nosso).

 

Por outro lado, e de acordo com a decisão arbitral proferida no âmbito do processo

nº 487/2020-T, de 10-05-2021, a qual se acompanha em tudo o que é idêntico ao caso em análise, foi entendido o seguinte: “(…). 5.2. Questão da admissibilidade de revisão oficiosa das liquidações ao abrigo do CIMI e do n.º 1 do artigo 78.º da LGT. Antes de mais, há que esclarecer que não estão reunidos os requisitos da revisão oficiosa ao abrigo do CIMI e do n.º 1 do artigo 78.º da LGT. A Requerente invoca com fundamento de revisão oficiosa a alínea c) do n.º 1 do artigo 115.º do CIMI, que estabelece [que] (…) 1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária, as liquidações são oficiosamente revistas: (...). c) Quando tenha havido erro de que tenha resultado colecta de montante diferente do legalmente devido. Como resulta do teor expresso deste artigo 115.º, ele reporta-se a revisão oficiosa de actos de liquidação de IMI e não a actos de avaliação de valores patrimoniais. Para além disso, (…) a possibilidade de revisão oficiosa está limitada pelas condições aí indicadas, designadamente a de que, quando o pedido de revisão não é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, a revisão só pode ser efectuada se existir erro imputável aos serviços. No caso em apreço, os actos de liquidação de IMI, em si mesmos, não enfermam de qualquer erro imputável aos serviços, pois, por força do disposto no artigo 113.º, n.º 1, do CIMI «o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita». Assim, tendo as liquidações sido efectuadas com base nos valores patrimoniais dos prédios que constavam das matrizes (…) não há erros da Administração Tributária ao efectuar as liquidações e, por isso, o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa não enferma de ilegalidade. 5.3. Questão da admissibilidade de revisão oficiosa dos actos de avaliação de valores patrimoniais ao abrigo dos n.ºs (…) 4 do artigo 78.º da LGT. (…). O artigo 78.º da LGT estabelece [que] (…).4. O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte. 5. Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional. (…). Das várias situações de revisão oficiosa previstas no artigo 78.º da LGT, (…). Apenas as situações previstas nos seus n.ºs 4 e 5 deste artigo 78.º se reportam a actos de fixação da matéria tributável, categoria em que se integram os actos de fixação de valores patrimoniais. Na verdade, no âmbito do IMI, os actos de fixação dos valores patrimoniais são os actos que fixam a matéria tributável. Assim, é apenas dentro do condicionalismo previsto nestes n.ºs 4 e 5 se pode aventar a possibilidade revisão oficiosa. Apesar de neste n.º 4 do artigo 78.º da LGT se referir que «o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente» a «revisão da matéria tributável», trata-se de um poder-dever, estritamente vinculado, cujo cumprimento é sujeito a controle jurisdicional, como tem entendido o Supremo Tribunal Administrativo: – «o facto de a lei determinar que “o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente,” a revisão, não obsta à possibilidade de convolação da reclamação graciosa em pedido de revisão com fundamento em injustiça grave ou notória pois tal poder de autorização não é mera faculdade mas, antes, um verdadeiro poder-dever»; trata-se de «um poder estritamente vinculado»; «a previsão constante do dito art. 78.º n.º 4, como excepcional, é de entender como correspondendo a um poder-dever que implica a sua aplicação a todos os casos, verificados que sejam os referidos requisitos». Por outro lado, a limitação de competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD ao conhecimento de pedidos de declaração de ilegalidade de actos para que é adequado o processo de impugnação judicial, não é obstáculo à apreciação do cumprimento pela Autoridade Tributária e Aduaneira do dever de efectuar a revisão oficiosa de actos de fixação da matéria tributável com fundamento em injustiça grave e notória, pois, como também esclareceu o Supremo Tribunal Administrativo, «a forma processual adequada à apreciação do pedido de anulação do acto de fixação da matéria tributável com fundamento em injustiça grave ou notória é, igualmente, a impugnação judicial (arts. 78º nº 3 da LGT e 97º nº 1 al. b) do CPPT)». Nestas situações em que erro está na fixação da matéria tributável e não propriamente nos subsequentes actos de liquidação, a revisão não depende da existência de erro imputável aos serviços, mas apenas que se esteja perante «injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte». (…). 5.3.1. Tempestividade do pedido de revisão oficiosa. O prazo para ser autorizada a revisão da matéria tributável pelo dirigente máximo do serviço não é o previsto no n.º 1, mas sim o prazo reduzido aos «três anos posteriores ao do acto tributário», previsto no n.º 4 do artigo 78.º. Os «três anos posteriores ao do acto tributário» terminam no dia 31 de Dezembro do terceiro ano posterior àquele em que foi praticado o acto tributário. (…). No que concerne à liquidação referente ao ano de (…), o pedido de revisão oficiosa não é intempestivo, pelo que tem de se apreciar se se verificam os requisitos da revisão. 5.3.2. Exigência de que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte. A fixação da matéria tributável foi efectuada pela Administração, com base numa fórmula prevista na lei, sem que se tenha demonstrado que a Requerente tem fornecido qualquer informação errada quanto à natureza dos prédios, pelo que o eventual erro na aplicação na fórmula de avaliação invocado pela Requerente não pode ser considerado imputável a um seu comportamento negligente. 5.3.3. O erro imputado pela Requerente à fixação de valores patrimoniais relativo à aplicação de coeficientes aplicáveis a prédios edificados. O erro que a Requerente imputa à fixação de valores patrimoniais é o de ter aplicado à avaliação de terrenos para construção, normas legais relativas às avaliações dos prédios edificados. (…). (…) o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a decidir, uniformemente, na esteira Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 23-10-2019, processo n.º 170/16.6BELRS 0684/17, que I – Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45.º do Código do IMI, não havendo lugar à consideração do coeficiente de qualidade e conforto (…). (…). III – O coeficiente de qualidade e conforto, factor multiplicador do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços não pode ser aplicado analogicamente por ser susceptível de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto. (…). 5.3.4. Erro na aplicação da majoração de 25% prevista o artigo 39.º, n.º 1, do CIMI. O artigo 39.º, n.º 1, do CIMI, na redacção anterior à Lei n. 75-B/2020, de 31 de Dezembro, estabelece que «o valor base dos prédios edificados (…) corresponde ao valor médio de construção, por metro quadrado, adicionado do valor do metro quadrado do terreno de implantação fixado em 25% daquele valor». A Requerente imputa aos actos de avaliação ainda erro por a fórmula de cálculo utilizada pela Autoridade Tributária e Aduaneira na avaliação dos terrenos para construção considerar indevidamente o valor base dos prédios edificados (€ 603,00) ao invés do valor médio de construção, por metro quadrado, em vigor até 2018 (€ 482,40) sem aplicação da majoração de 25% relativa ao valor do metro quadrado do terreno de implantação constante do artigo 39.º, n.º 1, do Código do IMI. O valor médio da construção por metro, para efeitos do artigo 39.º do CIMI, manteve-se em € 482,40 entre os anos de 2012 a 2016, em que foram efectuadas e aplicadas as avaliações em causa (…). Como resulta do teor daquele artigo 39.º, n.º 1, a majoração de 25% nele prevista reporta-se apenas a «prédios edificados». Por outro lado, o artigo 45.º do CIMI, na redacção anterior à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, que estabelece as regras da determinação do Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não remete para o artigo 39.º em contém qualquer alusão ao «valor base dos prédios edificados», que veio apenas a ser introduzida por aquela Lei. Assim, na linha da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre os coeficientes, é de entender que não havia suporte legal para aplicar a majoração prevista no artigo 39.º do CIMI a avaliação de terrenos para construção. Por isso, não tendo nas avaliações em causa sido aplicado aquele valor médio da construção por metro de € 482,40, mas o valor com a majoração de 25%, os actos de avaliação são também ilegais por violação dos artigos 39.º, n.º 1 , e 45.º do CIMI, nas redacções referidas. 5.3.5. Injustiça grave ou notória. O último requisito da revisão oficiosa ao abrigo do n.º 4 do artigo 78.º da LGT é o de o apuramento da matéria tributável consubstanciar «injustiça grave ou notória». O n.º 5 do artigo 78.º esclarece o alcance destes conceitos, estabelecendo que «para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional». Aquele requisito é exigido em alternativa, como se depreende do uso da conjunção «ou». No caso em apreço, afigura-se ser manifesta a natureza «grave» da injustiça gerada com as erradas avaliações, pois (mesmo sem considerar os efeitos da errada majoração prevista no artigo 39.º, n.º 1, do CIMI), a tributação em IMI dos prédios referidos foi agravada (…). 5.3.6. Conclusão. Verificam-se, assim, todos os requisitos de que depende a revisão da matéria tributável prevista nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT, pelo que em vez do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, a Autoridade Tributária e Aduaneira deveria ter efectuado a revisão e anulado parcialmente a liquidação relativa ao ano de 2016, (…). Pelo exposto, justifica-se a anulação do indeferimento tácito, na parte respeitante à liquidação relativa ao exercício de 2016, bem como a anulação desta liquidação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT. (…)” (negrito e sublinhado nosso).

 

Nestes termos, teria dado provimento ao pedido do Requerente quanto à anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado e, bem assim, quanto ao pedido de anulação parcial da liquidação de AIMI identificada, respeitante ao período de tributação de 2017, com o consequente reembolso da quantia de imposto pago em excesso, no montante de EUR 65.701,48, com as demais consequências legais.

 

Sílvia Oliveira