Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 465/2021-T
Data da decisão: 2022-03-25  IMI  
Valor do pedido: € 211.984,20
Tema: IMI – AIMI - Revisão do ato tributário - Pressupostos
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SUMÁRIO:

 I. A fórmula de avaliação dos terrenos para construção constante no artigo 45.º do CIMI, redação vigente nos anos de 2017 a 2020, não previa que fossem aplicados os coeficientes de afectação e de localização previstos nos artigos 41.º e 42.º nem a majoração de 25% a que se refere o n.º 1 do artigo 39.º, todos do mesmo Código, os quais eram aplicáveis apenas na avaliação de prédios urbanos edificados;

II. Os erros cometidos na avaliação de prédios urbanos são autonomamente impugnáveis, depois de requerida segunda avaliação, no prazo de três meses após o valor patrimonial tributário se tornar definitivo, conforme artigos 86.º da LGT e 134.º do CPPT, não sendo susceptíveis de ser impugnados contra o ato de liquidação lançado com base nesse valor;

 III. A título excecional, no prazo de três anos após o ano em que foi lançado o ato tributário da liquidação do imposto, pode, ao abrigo do disposto no artigo 78.º, números 4 e 5 da LGT, ser autorizada a revisão da matéria tributável que lhe serviu de base, desde que verificada injustiça grave ou notória, não devendo a revisão ser recusada se se verificar que a manutenção do referido ato configura esse tipo de injustiça.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

  1. RELATÓRIO

 

1. O pedido

A..., LDA., NIPC..., com sede na Rua ..., n.º ... e ..., ...-... Lisboa (doravante Requerente), na sequência do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado perante o Serviço de Finanças de Lisboa ..., relativo às liquidações do IMI dos anos de 2017 a 2019 e das liquidações do AIMI dos anos de 2018 a 2020, que apuraram um valor a pagar no montante global de € 211.984,20, vem, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (“RJAT”), deduzir PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL (doravante PPA) contra o indeferimento tácito do  referido pedido de revisão oficiosa apresentado e contra as referidas liquidações de IMI e AIMI, pretendendo a sua anulação e restituição do imposto indevidamente pago.

 

É Requerida nestes autos a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (“Requerida” ou “AT”).

 

2. Breve resumo do objeto do Pedido Arbitral

 

Nos anos a que se reportam as liquidações impugnadas o pedido arbitral (doravante PPA) dá conta que a Requerente era proprietária dos lotes de terreno para construção inscritos sob os artigos matriciais U-... da freguesia de ..., U-... e U-... ambos da freguesia de ..., concelho de Lisboa.

 O valor patrimonial tributário (doravante VPT) dos referidos terrenos para construção foi apurado com base na fórmula de avaliação prevista no artigo 45.º do CIMI na qual foram incluídos os coeficientes de localização (Cl), de afectação (Ca) e de qualidade e conforto (Cq), bem como a majoração de 25% do valor base previsto no n.º 1 do artigo 39.º do mesmo Código, como infra se vai demonstrar, sendo sobre o referido VPT que incidiram as contestadas liquidações.

 

3. Posição das partes

 

3.1. A Requerente apresentou, em 25.01.2021, junto do Serviço de Finanças de Lisboa..., um pedido de revisão oficiosa, nos termos do artigo 78.º da LGT, solicitando a anulação dos atos de liquidação de IMI que incidiram sobre terrenos para construção referentes aos anos de 2017 a 2019 e de AIMI referentes aos anos de 2018 a 2020, invocando que as mesmas tiveram por base valores patrimoniais tributários determinados com base numa fórmula de cálculo ilegal, em que foram indevidamente considerados os fatores de afetação e de localização, bem como a majoração do custo médio de construção, do que resultou coleta superior à devida, sendo que, como a AT não se pronunciou sobre o referido pedido no prazo legal de quatro meses previsto no n.º 1 do artigo 57.º da LGT, formou-se indeferimento tácito do qual foi apresentado o presente pedido arbitral em que é requerida a “anulação do indeferimento (tácito), a anulação das liquidações de IMI dos anos de 2017, 2018 e 2019 e AIMI de 2018, 2019 e 2020 e a restituição do imposto indevidamente pago.

Para sustentar a pretensão formulada no PPA procede ao seu enquadramento nos preceitos legais que prevêem a cumulação de pedidos, o direito à revisão das liquidações com base nos artigos 78.º da LGT e 115.º, n.º 1, do CIMI, e, quanto à questão de fundo, o PPA desenvolve amplamente o regime de avaliações em geral e especificamente o dos terrenos para construção, invocando mormente os artigos 38.º, 45.º e preceitos complementares do CIMI, com apresentação de vasta jurisprudência do STA, do TCAS e também dos Tribunais Arbitrais em favor da tese da Requerente.

 

A Requerente termina dizendo que de tudo o que é alegado e demonstrado com os documentos juntos ao PPA se conclui que:

i) Todos os terrenos apresentam um Cl superior a 1; e

ii) A todos os terrenos foi aplicado Vc com a majoração de 25%, ou seja, um Vc de € 603 e de € 615, ao invés do custo médio de construção por metro quadrado sem qualquer majoração, mais concluindo que encontrando-se o VPT dos terrenos para construção identificados incorretamente fixado, são consequentemente ilegais os atos tributários que lhe sobrevieram, nomeadamente, as liquidações de IMI e AIMI sindicadas no presente pedido de pronúncia arbitral, solicitando assim que seja dado provimento ao pedido, determinando, em consequência:

a) a anulação do ato tácito de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente junto do Serviço de Finanças de Lisboa ...;

b) a anulação dos atos de liquidação de IMI dos anos de 2017, 2018 e 2019 e AIMI referentes aos anos de 2018, 2019 e 2020;

c) restituição do IMI e AIMI indevidamente pagos.

 

A Requerente apresentou em 02.12.2021, face ao despacho arbitral de 2021-11-17, um requerimento em que se pronunciou e contesta as exceções invocadas na Resposta da Requerida.

Nas alegações, apresentadas em 12.01.2022, a Requerente repete, no essencial, a argumentação constante no PPA, invocando, alternativamente, a figura da injustiça grave e notória prevista no n.º 4 do artigo 78.º da LGT como possível fundamento para a procedência dos seus pedidos, tendo também ampliado o pedido para que a Requerida seja condenada a pagar juros indemnizatórios ao abrigo do artigo 43.º da LGT.

 

Por outro lado, em 19.10.2021 a Requerente tinha requerido a junção aos autos da Instrução de Serviço n.º .../2021, de 05.04.2021, da Direção de Serviços de Justiça Tributária da AT, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 423.º do CPC, aplicável ex vi artigos 2.º, alínea e) e 13.º do CPPT e 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, por esta se revelar de importância fundamental para a boa decisão da causa, na medida em que a AT adaptou entretanto a sua atuação à jurisprudência do STA e dos tribunais centrais administrativos no que concerne a determinação do VPT dos terrenos para construção a qual deve ser efetuada de acordo com a regra constante do artigo 45.º do Código do IMI, não podendo ser considerados os coeficientes previstos no artigo 38.º do Código do IMI, como os coeficientes de localização, de afetação, de qualidade e de conforto, nos processos e procedimentos pendentes, assim consideradas as situações de litígio entre os contribuintes e a administração tributária (…), determinando que a AT profira despacho favorável ao contribuinte nos procedimentos de contencioso administrativo pendente de decisão e promova, nos termos e nos prazos previstos no artigo 112.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, pela revogação do ato impugnado nos processos de impugnação judicial, que na pendência da impugnação judicial observe o que resulta da «Instrução n.º 15 –Divulgação de entendimento quanto à revisão oficiosa de ato tributário impugnado judicialmente» (…), que seja proferida decisão favorável aos contribuintes nos processos e procedimentos pendentes, nos termos explicitados, e que seja promovida a correção (anulação parcial) dos atos de liquidação que constituem o objeto do litígio entre os contribuintes e a administração tributária (…), cumprindo o desígnio legal de “reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado”, conforme disposto no artigo 100.º da Lei Geral Tributária”.

 

3.2. Na Resposta, apresentada em 15.11.2021, a Requerida defende-se por exceção e por impugnação.

Por exceção, contrapõe que no caso do terreno para construção U-... o PPA carece de objeto na medida em que o ato da avaliação teve lugar há mais de cinco anos pelo que já foi excedido o prazo legal previsto no artigo 168.º, n.º 1, do CPA, para anular administrativamente esse ato, acrescentando que o terreno para construção U-... foi objeto de uma nova avaliação ao abrigo do artigo 130.º do CIMI em 01-07-2021 e que tal avaliação anulou a avaliação ora impugnada deixando esta de ter existência jurídica, pelo que já não será possível proceder à sua anulação.

Assim, e uma vez que os eventuais vícios que inquinam os atos das avaliações já se encontram sanados pelo decurso do prazo de cinco anos ou pela cessação dos respetivos efeitos e, nessa medida, se encontram consolidados juridicamente, conclui a Requerida que a falta de objeto constitui causa de inutilidade superveniente da lide, o que determina a extinção da instância ao abrigo do art.º 277.º, alínea e) do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do art.º 2.º alínea e) do CPPT aplicável ex vi artigo 29.º do RJAT, o que requer.

 

Por outro lado, acrescenta a Requerida, invocando diversa doutrina e jurisprudência, quer do STA e TCA quer dos tribunais arbitrais, que sendo os atos de avaliação atos destacáveis diretamente suscetíveis de impugnação autónoma, não é, “nem legal nem admissível a apreciação da correcção do VPT em sede de impugnação do ato de liquidação ou de decisão de indeferimento que se pronuncie sobre o ato de liquidação”.

 

Na defesa por impugnação, a Requerida, admitindo embora que nas avaliações que fixaram os valores patrimoniais tributários sobre os quais incidiram as liquidações impugnadas não deveria haver lugar à aplicação dos coeficientes de afectação e de localização, reconhecendo assim a violação do disposto no artigo 45.º do CIMI, na redacção anterior a 1 de Janeiro de 2021, e a consequente ilegalidade das ditas avaliações, repete que a avaliação referente ao terreno para construção U-... foi fixada há mais de cinco anos pelo que “não é passível de anulação com fundamento em invalidade nos termos do artigo 168.º do CPA”

 

A Requerida rebate o pedido de juros indemnizatórios, certamente por lapso, dado que o PPA não se refere a tais juros, defendendo que, no caso de serem devidos e atendendo a que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 03.12.2020 (esta data foi também indicada por lapso dado que o pedido de revisão foi apresentado em 25.01.2021), nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, os mesmos apenas serão devidos um ano após a data da apresentação do pedido de revisão, isto é, após 03.12.2021, sobre as importâncias do imposto indevidamente pagas.

 

No final, a Requerida conclui que devem ser julgadas procedentes as exceções invocadas e absolvida da instância ou, caso assim não se entenda, deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida de todos os pedidos.

 

A Requerida não apresentou alegações nem se pronunciou sobre a Instrução de Serviço n.º .../2021, de 05.04.2021, da Direção de Serviços de Justiça Tributária, supra transcrita.

 

4. Tramitação processual

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em

2021-08-02 e automaticamente notificado à AT na mesma data.

Em 2021-09-20, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes da designação dos Árbitros, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 7 do artigo 11.º do RJAT.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT em que as Partes nada vieram dizer, o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 2021-10-11.

 

Por despacho de 2021-12-03 foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e notificadas as partes para alegações em 20 dias, sendo que só a Requerente apresentou requerimento de alegações contestando a Resposta.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

 

O processo não enferma de nulidades.

 

 

II. MATÉRIA DE FACTO

 

Em matéria de prova a Requerida alega que não há necessidade de produção de prova de quaisquer factos, além dos que estão documentalmente provados no processo.

Com a anuência da Requerida dá-se, pois, por provada a matéria de facto constante nos documentos juntos pela Requerente a qual vem sintetizada nos quadros igualmente apresentados pela Requerente que se reproduzem a seguir. Assim:

 

1. A Requerente era titular, nos anos a que respeitam as liquidações de IMI e AIMI impugnadas, dos terrenos para construção constantes no quadro a seguir apresentado e sobre os quais incidiram as ditas liquidações.

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2. A avaliação dos terrenos para construção sobre os quais incidiram as liquidações de IMI e de AIMI impugnadas operou-se com base na fórmula prevista no artigo 45.º do CIMI, nos termos sintetizados nos quadros resumo a seguir apresentados, anotando-se que, em relação ao terreno para construção U-..., consta na caderneta predial, igualmente junta, que o VPT de € 2.523.770,00, sobre o qual incidiram as liquidações de IMI de 2017 e 2018 e as de AIMI de 2018 e 2019, foi determinado em 2013, e que o VPT de € 2.561.626,55, sobre o qual incidiu a liquidação de IMI do ano de 2019 e a liquidação de AIMI do ano de 2020, foi determinado em data não demonstrada de 2019.

Como se constata pela análise dos quadros resumo abaixo e se dá por provado, nas avaliações em causa foram considerados os coeficientes de localização (Cl) de 1,70 na avaliação do terreno para construção U-..., de 3,00 na avaliação do terreno para construção U-... e igualmente de 3,00 na avaliação do terreno para construção U-..., sendo que os coeficientes de afetação (Ca) e de qualidade e conforto (Cq) entraram igualmente na fórmula de avaliação com 1,00 não tendo, pois, influenciado o resultado final.

Em todas as avaliações foi considerada a majoração de 25% prevista no artigo 39.º do CIMI, sendo utilizado o valor base (Vc) de € 603,00 na avaliação do terreno para construção U-..., de € 615,00 na do U-... e de € 603,00 na do U-... .

Quadros resumo das avaliações:

 

 

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3. As liquidações de IMI referentes aos anos de 2017, 2018 e 2019 e de AIMI referentes aos anos de 2018, 2019 e 2020, objecto do PPA, são as que constam nos quadros a seguir apresentados:

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4. Dá-se por provado que os terrenos para construção U-..., U-... e U-... foram incluídos nas liquidações de IMI e AIMI lançadas à Requerente referentes aos anos indicados nos quadros supra e que tais liquidações foram pagas nas datas indicadas nos documentos 2 e 3 anexos ao PPA.

5. Dá-se por provado que a Requerente apresentou pedido de revisão das liquidações ora impugnadas em 25-01-2021, sendo que a autoridade Requerida não procedeu à sua apreciação e decisão até 25-05-2021, formando-se assim o indeferimento tácito na sequência do qual a Requerente apresentou o PPA.

 

6. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto.

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente, sendo que a Requerida não apresentou processo administrativo.

 

 

III. MATÉRIA DE DIREITO

 

1. Exceções invocadas pela Requerida

 

Na sua defesa alega a Requerida que a avaliação do terreno para construção inscrito sob o artigo U-... já foi efetuada há mais de cinco anos, estando assim impedida a correção de erros por aplicação do artigo 168.º do CPA, e que no caso do terreno para construção inscrito sob o artigo U-... foi objeto de uma nova avaliação em 01-07-2021 ao abrigo do artigo 130.º do CIMI, avaliação esta que, no seu entender, anulou a avaliação anterior sobre a qual foram lançadas as liquidações impugnadas.

 

Assim, conclui a Requerida, os eventuais vícios que inquinam os atos das avaliações já se encontram sanados, pelo decurso do prazo de cinco anos ou pela cessação dos respetivos efeitos e, nessa medida, esses atos já se encontram consolidados na ordem jurídica, donde decorreria uma falta de objeto do pedido arbitral tendo por consequência a inutilidade superveniente da lide, determinando a extinção da instância ao abrigo do art.º 277.º, alínea e) do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do art.º 2.º alínea e) do CPPT aplicável ex vi artigo 29.º do RJAT.

 

Não tem razão a Requerida.

 

Com efeito, quanto à correção de erros ao abrigo do artigo 168.º do CPA é certo, como supra se dá por provado, que em relação ao terreno para construção U-... o VPT de € 2.523.770,00, sobre o qual incidiram as liquidações de IMI de 2017 e 2018 e as de AIMI de 2018 e 2019, foi determinado em 2013, estando já decorridos mais de cinco quando em 25-01-2021 foi apresentado o pedido de revisão supra identificado.

 

Porém, a matéria de facto, não contestada pela Requerida, dá conta que o mesmo terreno U-... sofreu outra avaliação em data não determinada de 2019, através da qual lhe foi fixado o VPT de € 2.561.626,55, tendo sido sobre este valor que incidiu a liquidação de IMI do ano de 2019 e a liquidação de AIMI do ano de 2020.

 

Assim, não apenas não se podem colocar no mesmo pé temporal as avaliações e as consequentes liquidações de IMI e AIMI lançadas sobre o dito terreno para construção U-..., como, sobretudo, estando o sistema fiscal munido de meios próprios para apreciar os erros e ilegalidades cometidos nos atos de fixação da matéria tributável e nos consequentes atos de liquidação, mormente através do artigo 78.º da LGT, entende este tribunal que é à luz deste preceito legal, que foi, aliás, o invocado pela Requerente no PPA, que os eventuais erros e ilegalidades daquelas avaliações devem ser conhecidos e não ao abrigo do artigo 168.º do CPA mencionado pela Requerida.

 

Com efeito, atentando na formulação do artigo 2.º da LGT considera-se que a mesma, mormente na sua alínea a), consagra a regra da aplicação prévia da referida Lei e que só quando a mesma não der resposta a uma determinada situação tributária é que haverá lugar à aplicação da legislação complementar prevista nas suas alíneas b), c) e d), onde se encontra o Código do Procedimento Administrativo.

 

Aliás, este parece ser também o entendimento implícito na Resposta da Requerida dado que, sendo coerente com a invocação do citado artigo 168.º do CPA, poderia ter corrigido os erros cometidos nas avaliações com menos de cinco anos no âmbito do pedido de revisão apresentado pela Requerente, o que não fez, poderia ter atuado ao abrigo da intervenção prevista no artigo 13.º do RJAT, o que também não fez, e poderia ter-se pronunciado favoravelmente na sua Resposta, o que também não achou oportuno, optando antes por invocar a legislação fiscal, mormente o artigo 86.º da LGT, através da exceção da inimpugnabilidade, de que infra se vai conhecer.

 

Quanto à nova avaliação do terreno para construção inscrito sob o artigo U-... efetuada em 01-07-2021 ao abrigo do artigo 130.º do CIMI, os efeitos desta nova avaliação e da consequente fixação de um novo VPT, tal como a Requerida informa e como está consignado no n.º 8 do referido preceito legal, projetam-se apenas para o futuro, sendo óbvio que tal avaliação não poderia sanar os vícios de que enfermam as avaliações anteriores e o VPT nelas fixado, sendo que, como bem observa a Requerente, a dita substituição de VPT não teve qualquer efeito nas liquidações impugnadas nos autos.

 

Improcedem, assim, as duas exceções acabadas de conhecer.

 

 

2. Da autonomia dos atos de determinação do valor patrimonial tributário e da inimpugnabilidade da liquidação para conhecer dos vícios de que enfermam os referidos atos.

 

A Requerida invoca também a exceção da inimpugnabilidade, apoiando-se em diversa doutrina e jurisprudência, quer do STA e TCA, quer também dos tribunais arbitrais, alegando que sendo os atos de avaliação atos destacáveis diretamente suscetíveis de impugnação autónoma, não é, “nem legal nem admissível a apreciação da correcção do VPT em sede de impugnação do ato de liquidação ou de decisão de indeferimento que se pronuncie sobre o ato de liquidação”

Vejamos.

 

O pedido arbitral tem por objeto imediato o indeferimento tácito do pedido de revisão apresentado pela Requerente em 25.01.2021 e por objeto mediato liquidações de IMI referentes aos anos de 2017, 2018 e 2019 e liquidações de AIMI referentes aos anos de 2018, 2019 e 2020, umas e outras incidentes sobre terrenos para construção em cuja avaliação, efetuada nos termos do artigo 45.º do CIMI, foram, segundo a própria Requerente, indevidamente aplicados os coeficientes de localização e de afectação, bem como a majoração de 25% prevista no artigo 39.º, n.º 1, do mesmo Código.

 

Assim, constata-se, que o único vício imputado pela Requerente às liquidações impugnadas se prende com ilegalidades cometidas nos atos de avaliação, sendo que estes atos, como decorre dos documentos juntos pela Requerente e supra se dá por provado, tiveram lugar nas seguintes datas:

U-... . Avaliado em 2018/08/13 através da qual foi fixado o VPT de € 21.482.410,00;

U-... . Avaliado em 2019/09/24 através da qual foi fixado o VPT de € 1.191.880,00;

U-... . Avaliado em 2013/12/09 através da qual foi fixado o VPT de € 2.523.770,00 e avaliado novamente em 2019, sem data comprovada, através da qual foi fixado o VPT de € 2.561.626,55.

 

Ora, uma vez que a prova produzida nos autos não demonstra que os erros cometidos nas ditas avaliações foram atempadamente contestados, através dos meios administrativos e judiciais ao dispor dos interessados – ao contrário Requerente e Requerida convergem no sentido de que tais meios não foram efetivamente utilizados – é pertinente responder à questão colocada pela Requerida sobre se o PPA não deverá ser liminarmente indeferido por inimpugnabilidade dos atos tributários de liquidação.

 

Com efeito, o artigo 86.º, n.º 1, da LGT determina que a avaliação direta é suscetível de impugnação contenciosa autónoma, prevendo também o artigo 134.º do CPPT que os atos de fixação dos valores patrimoniais tributários podem ser impugnados no prazo de 90 dias após a sua notificação, com fundamento em qualquer ilegalidade.

Na verdade, por força do previsto no artigo 15.º do CIMI, a avaliação dos prédios urbanos é uma avaliação direta e, por isso, “susceptível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa”, depois de esgotados os meios administrativos previstos para a sua revisão (artigo 86.º, 1 e 2 da LGT).

 

Por sua vez, no artigo 134.º, n.º 1, do CPPT, é estabelecido que “os actos de fixação dos valores patrimoniais podem ser impugnados, no prazo de três meses após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade”, determinando o seu n.º 7 que “a impugnação referida neste artigo não tem efeito suspensivo e só poderá ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação”.

 

Os preceitos transcritos são reafirmados no Código do IMI com a exigência, no seu artigo 77.º, de se esgotarem previamente os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação, impondo aos interessados, como condição de impugnabilidade, o ónus de requererem uma segunda avaliação nos termos do artigo 76.º do mesmo Código.

 

De onde se conclui, como consignado, por exemplo, na decisão arbitral proferida no processo 487/2020-T, que os atos de avaliação de valores patrimoniais previstos no CIMI são atos destacáveis, autonomamente impugnáveis, não podendo na impugnação das liquidações que com base neles sejam efetuadas discutir-se a legalidade daqueles atos.

 

Assim, continua a referida decisão arbitral, que se acompanha, o sujeito passivo de IMI pode impugnar as liquidações, mas não são relevantes como fundamentos de anulação eventuais vícios dos antecedentes actos de fixação de valores patrimoniais, que se firmaram na ordem jurídica, por falta de tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e de subsequente impugnação autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos n.ºs 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT.

 

A natureza de atos destacáveis que é atribuída aos atos de avaliação de valores patrimoniais é, há muito, reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, desde o tempo em que regime idêntico ao do artigo 134.º, n.ºs 1 e 7 do CPPT, estava previsto nos n.ºs 1 e 6 do artigo 155.º do Código de Processo Tributário de 1991, quer em sede de Sisa, quer de contribuição autárquica, quer de IMI quer de IMT, como pode ver-se pelos acórdãos de 30-06-1999, processo n.º 023160; de 02-04-2003, processo n.º 02007/02; de 06-02-2011, processo n.º 037/11; de 19-09-2012, processo n.º 0659/12; de 5-02-2015, processo n.º 08/13; de 13-7-2016, processo n.º 0173/16 e de 10-05-2017, processo n.º 0885/16.

 

Assim, como concluído no referido processo 487/2020-T, uma vez que os vícios dos actos de avaliação invocados pelas Requerentes não foram objecto de impugnação tempestiva autónoma, não podem ser fundamento de anulação das liquidações de IMI e AIMI.

 

Trata-se, em conclusão, de um mecanismo específico do sistema fiscal quanto às condições de acesso à via contenciosa que em nada contende com o princípio da legalidade previsto no n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República.

 

Na verdade – concordando mais uma vez com a decisão proferida no citado processo arbitral 487/2020-T – este regime de impugnação autónoma justifica-se por razões de coerência do sistema jurídico tributário inerentes ao facto de cada acto de avaliação poder servir de suporte a uma pluralidade de actos de liquidação de impostos (liquidações anuais de IMI e eventuais liquidações de IMT) e ser relevante para vários efeitos a nível de IRS (   ), IRC (   ) e Imposto do Selo (   ), o que não se compagina com a possibilidade de plúrima avaliação incidental que se reconduzisse à fixação de diferentes valores patrimoniais tributários para o mesmo prédio, no mesmo momento.

 

Por outro lado, continua a referida decisão arbitral, a caducidade do direito de acção derivada da inércia do lesado por actos administrativos durante um prazo razoável, é generalizadamente justificada por razões de segurança jurídica, necessária para adequado funcionamento da administração pública, que também é um valor constitucional ínsito no princípio do Estado de Direito democrático e é reconhecida generalizadamente em matéria administrativa e tributária.

O prazo de impugnação de três meses para impugnação de actos de fixação de valores patrimoniais é perfeitamente razoável, sendo o prazo geral previsto a lei para a impugnação da generalidade dos actos administrativos com fundamentos geradores de vícios de anulabilidade (artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigo 102.º do CPPT).

 

As Requerentes vieram contestar em 2021 (quer administrativamente, com o pedido de revisão oficiosa, quer através do pedido arbitral) erros cometidos em atos de avaliação que, como supra se dá por demonstrado, ocorreram em 2013, 2018 e 2019, muito depois do prazo legal de 30 dias para requerer uma segunda avaliação e muito depois do prazos de três meses que tinham para deduzir impugnação judicial.

 

Por isso, tal como consignado na jurisprudência citada, o presente tribunal arbitral considera também, concordando com a Requerida, que as liquidações de IMI e AIMI impugnadas pela Requerente não podem ser anuladas com fundamento nos alegados erros cometidos nas avaliações dos terrenos para construção sobre os quais as ditas liquidações incidiram.

 

Acrescendo, como se lembra no dito processo 487/2020-T, que num Estado de Direito, assente no primado da Lei (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa), estando os tribunais arbitrais obrigados a decidir «de acordo com o direito constituído» (artigo 2.º, n.º 2, do RJAT), o intérprete tem de acatar os ditames legislativos que não colidam qualquer norma de hierarquia superior, não podendo sobrepor ao entendimento legislativo manifestado na lei os critérios classificativos pessoais que ele próprio eventualmente adoptaria se, em vez de ser intérprete, fosse o legislador.

 

Em coerência com as posições acabadas de descrever, sufragadas pela jurisprudência dominante, segundo a qual os atos de avaliação de valores patrimoniais tributários previstos no CIMI são atos destacáveis, autonomamente impugnáveis, não podendo na impugnação das liquidações que com base neles sejam efetuadas discutir-se a legalidade daqueles atos, o pedido de pronúncia arbitral deveria considerar-se extemporâneo e, tal como pede a Requerida, deveria esta ser absolvida da instância, com todas as consequências legais.

 

 

3. Da aplicabilidade da revisão oficiosa prevista no artigo 78.º da LGT

 

Porém, tal como a mesma jurisprudência dominante vem considerando, com a qual este tribunal se identifica, pode não ser esta a solução definitiva para situações tributárias como a que constitui o objeto do PPA.

 

Na verdade, em determinadas situações e condições, a lei fiscal aceita que, excecionalmente, haja um desvio à referida regra e possam anular-se liquidações de IMI e de AIMI incidentes sobre o valor patrimonial tributário de prédios em que o único vício que lhe é imputado esteja justamente na determinação desse valor, ou seja, na avaliação fiscal desses prédios.

Excecionalidade esta que, há que reconhecê-lo, tem assento na própria Lei Geral Tributária que, como é sabido, assume a qualidade de lei dotada de primado lógico que condiciona o conteúdo normativo, quer do Código do IMI quer do CPPT.

 

Com efeito, o n.º 4 do artigo 78.º da LGT admite, excecionalmente, a possibilidade de revisão oficiosa de atos de fixação da matéria tributável, a que se reconduzem os atos de fixação de valores patrimoniais, “com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte”.

 

Como veremos infra, este tribunal arbitral considera verificados os requisitos da referida excecionalidade.

 

4. Da inaplicabilidade da revisão oficiosa com base nos preceitos invocados pela Requerente

 

A Requerente invoca como fundamento do pedido de revisão e da consequente anulação das liquidações de IMI e AIMI impugnadas o n.º 1 do artigo 115.º do CIMI em conjugação com o n.º 1 do artigo 78.º da LGT.

 

Aquele preceito dispõe o seguinte:

Artigo 115.º. 1. Sem prejuízo do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária, as liquidações são oficiosamente revistas:

 (...)

c) Quando tenha havido erro de que tenha resultado colecta de montante diferente do legalmente devido;

 

Por sua vez, o n.º 1 do artigo 78.º da LGT dispõe:

Revisão dos actos tributários

1. A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

 

Ora, como se constata, os preceitos transcritos são aplicáveis à revisão das liquidações, não à revisão da matéria tributável.

Sendo certo que a Requerente não imputa qualquer ilegalidade às liquidações que foram lançadas com base nos “valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita, no caso do IMI (artigo 113.º do CIMI), ou no dia 1 de janeiro do ano a que o imposto respeita, no caso do AIMI (artigo 135.º-G do CIMI).

 

Assim, improcede o pedido de ver anuladas as liquidações impugnadas com base nos referidos preceitos do CIMI e da LGT, sendo certo que nas alegações apresentadas em 12.01.2022, como supra se dá conta, a Requerente invoca a aplicação alternativa do disposto no n.º 4 do artigo 78.º da LGT como suporte para a procedência do seu pedido.

 

5. Da admissibilidade de revisão oficiosa ao abrigo dos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT

 

Os números 4 e 5 do artigo 78.º da LGT dispõem o seguinte:

4. O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

5. Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.

(…).

Como passa a expor-se, este tribunal arbitral considera que no caso das liquidações impugnadas estão reunidas as condições previstas nos preceitos transcritos para suportar a correção da matéria tributável que serviu de base ao lançamento dessas liquidações.

 

Em reforço desta posição invoca-se o que foi consignado no Acórdão do STA de 17-02-2021, processo 0578/18, “apesar do n.º 4 do artigo 78.º do LGT considerar a revisão como excepcional deve entender-se que a mesma é correspondente a um poder-dever que implica a sua aplicação a todos os casos”, verificados que estejam os respetivos pressupostos.

 

Quanto ao prazo, a norma transcrita prevê que o pedido a suscitar a revisão pode ser apresentado nos três anos posteriores ao ano em que foi praticado o ato tributário da liquidação lançada com base na matéria tributável a corrigir.

 

Assim, tendo o pedido sido apresentado em 25 de janeiro de 2021, nesta data estavam ainda em curso os três anos posteriores ao ano em que foi praticado cada um dos atos tributários de liquidação, seja de IMI seja de AIMI.

 

Assim, o indeferimento tácito do pedido de revisão não se justificaria por intempestividade.

 

6. Da verificação dos requisitos da revisão oficiosa prevista nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT

 

6.1. A primeira exigência é que o erro tenha sido cometido pelos serviços da AT e não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.

 

Quanto a este requisito observa-se desde logo que o processo não fornece qualquer elemento que permita concluir que os erros cometidos na avaliação dos terrenos para construção sobre os quais incidiram as liquidações de IMI e de AIMI impugnadas tenham ficado a dever-se a qualquer erro informativo fornecido pela Requerente ou a qualquer outro comportamento negligente por parte da mesma.

 

Ao contrário, o que se constata é que os serviços da Requerida procederam à avaliação com base em interpretação errada dos preceitos legais aplicáveis, mormente do artigo 45.º e do artigo 39.º do CIMI.

 

Com efeito, deu-se por provado, como invocado no PPA, que na avaliação dos terrenos para construção sobre os quais incidiram as ditas liquidações, foram aplicados coeficientes de avaliação, mormente o coeficiente de localização, como se se tratasse da avaliação de prédios urbanos edificados o que aumentou significativamente o resultado do VPT fixado em cada uma das avaliações.

 

Vejamos

O artigo 45.º do CIMI, na redação da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (vigente até à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro) dispõe o seguinte:

Artigo 45.º

Valor patrimonial tributário dos terrenos para construção

1 - O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.

2 - O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.

3 - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º

4 - O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º.

5 - Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respectiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente (aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30-12).

 

Por sua vez, o artigo 42.º do CIMI, para que remete o n.º 3 deste artigo 45.º, dispõe o seguinte, na parte aqui relevante:

Artigo 42.º

Coeficiente de localização

(...)

3 - Na fixação do coeficiente de localização têm-se em consideração, nomeadamente, as seguintes características:

a) Acessibilidades, considerando-se como tais a qualidade e variedade das vias rodoviárias, ferroviárias, fluviais e marítimas;

b) Proximidade de equipamentos sociais, designadamente escolas, serviços públicos e comércio;

c) Serviços de transportes públicos;

d) Localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário.

4 - O zonamento consiste na determinação das zonas homogéneas a que se aplicam os diferentes coeficientes de localização do município e as percentagens a que se refere o n.º 2 do artigo 45.º

 

Ora, o STA tem vindo a decidir, uniformemente, na esteira do Acórdão do Pleno de 23-10-2019,  proferido no processo n.º 170/16.6BELRS 0684/17, que:

I – Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45.º do Código do IMI, não havendo lugar à consideração do coeficiente de qualidade e conforto (cq).

II – O artigo 45 do CIMI é a norma específica que regula a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.

III – O coeficiente de qualidade e conforto, factor multiplicador do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços não pode ser aplicado analogicamente por ser susceptível de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto.

 

Como se dá conta no processo arbitral 487/2020-T esta jurisprudência foi reafirmada noutros acórdãos do STA, a saber:

Acórdão de 05-04-2017, processo n.º 01107/16 - “Na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse factor de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI”;

Acórdão de 28-06-2017, processo n.º 0897/16 refere que: – “Os coeficientes de afectação e conforto, factores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto. III –  Na fórmula final de cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse factor de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI”;

Acórdão de 16-05-2018, processo n.º 0986/16 – “O coeficiente de qualidade e conforto, factor multiplicador do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afectação não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI)”;

Acórdão de 14-11-2018, processo n.º 0133/18 – “No cálculo do VPT dos terrenos para construção é de afastar a aplicação do coeficiente de localização, na medida em que esse fator de localização do terreno já está contemplado na percentagem prevista no nº 3 do art. 45º do CIMI”;

Acórdão de 23-10-2019, processo n.º 170/16.6BELRS 0684/17 – “os coeficientes de localização, qualidade e conforto, factores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38 do CIMI com que se determina o valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços e bem assim o coeficiente de afectação não podem ser aplicados analogicamente por serem susceptíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto (IMI)”;

Acórdão de 13-01-2021, processo n.º 0732/12.0BEALM 01348/17 – “Relativamente à avaliação de terrenos para construção, sobre o que regula o art. 45.º do C.I.M.I., não são de aplicar os coeficientes ou características não especificamente previstos, entre os quais o coeficiente de qualidade e conforto”.

 

6.2. Erro de aplicação da majoração de 25% prevista no artigo 39.º, n.º 1, do CIMI

 

A Requerente imputa aos mesmos atos de avaliação erro por aplicação da majoração prevista no n.º 1 do artigo 39.º do CIMI defendendo que esta majoração só deve aplicar-se “aos prédios edificados”.

 

O artigo 39.º, n.º 1, do CIMI, na redacção anterior à Lei n. 75-B/2020, de 31 de dezembro, estabelecia que “o valor base dos prédios edificados (Vc) corresponde ao valor médio de construção, por metro quadrado, adicionado do valor do metro quadrado do terreno de implantação fixado em 25% daquele valor”.

Ora, não pode deixar de se dar razão à Requerente na medida em que como resulta do teor do citado artigo 39.º, n.º 1, a majoração de 25% nele prevista reporta-se apenas à avaliação de “prédios edificados”

Por outro lado, o artigo 45.º do CIMI, na redacção anterior à Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, não remetia para o artigo 39.º nem continha qualquer alusão ao “valor base dos prédios edificados”, que veio apenas a ser introduzida pela referida Lei.

 

Assim, na linha da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre os coeficientes e tal como foi decidido no citado processo arbitral 487/2020-T, é de entender que na avaliação dos terrenos para construção sobre os quais incidiram as liquidações impugnadas não havia suporte legal para aplicar a majoração prevista no artigo 39.º, n.º 1, do CIMI

 

Concluindo,

 

Deu-se por provado que nas avaliações dos terrenos para construção sobre os quais recaíram as liquidações impugnadas foram aplicados os coeficientes de localização (Cl) de 1,70 na avaliação do terreno para construção U-..., de 3,00 na avaliação do terreno para construção U-... e igualmente de 3,00 na avaliação do terreno para construção U-..., sendo que os coeficientes de afetação (Ca) e de qualidade e conforto (Cq) entraram igualmente na fórmula de avaliação com 1,00 não tendo, pois, influenciado o resultado final.

 

Para além disso, deu-se igualmente por provado que em todas as avaliações foi considerada a majoração de 25% prevista no n.º 1 do artigo 39.º do CIMI, sendo utilizado o valor base (Vc) de € 603,00 na avaliação do terreno para construção U-..., de € 615,00 na do U-... e € 603,00 na do U-... .

 

Assim, atentando na formulação das normas supra transcritas especificamente aplicáveis à avaliação dos terrenos para construção, vigentes nos anos em que esses prédios foram avaliados e sobre os quais incidiram as liquidações impugnadas, e face à jurisprudência citada, deve concluir-se pela clara ilegalidade parcial das referidas avaliações tendo em conta que foram considerados coeficientes de avaliação aplicáveis aos prédios urbanos edificados, mormente os coeficientes de localização e foi também erradamente aplicada a majoração de 25% por cada metro quadrado que era apenas aplicável na avaliação de prédios edificados, donde resultou um valor patrimonial tributário superior ao que resultaria da aplicação adequada das referidas disposições legais.

 

6.3. Requisito da injustiça grave ou notória

 

O último requisito da revisão oficiosa prevista no n.º 4 do artigo 78.º da LGT é o de que a tributação decorrente da matéria tributável erradamente fixada se traduza em “injustiça grave ou notória”.

O n.º 5 do artigo 78.º esclarece o alcance do referido requisito, dizendo que “para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional”.

 

Em linha com a jurisprudência dominante, afigura-se ser manifesta a natureza grave da injustiça provocada com as avaliações em apreço dado que, além do imposto liquidado a mais, a Requerida reconheceu que estava a avaliar erradamente os terrenos para construção, corrigiu esse erro a partir do ano de 2020, instruiu os seus serviços para procederem à correção de erros cometidos nas avaliações ao abrigo do artigo 168.º do CPA, mas não assumiu tal atuação em relação à situação tributária objeto do presente processo arbitral nem corrigiu as liquidações referentes aos três anos anteriores àquele em que o pedido de revisão foi apresentado como lhe impunha o poder dever a que se refere o citado n.º 4 do artigo 78.º da LGT.

 

7. Conclusão

 

Verificando-se, assim, os requisitos de que depende a revisão oficiosa prevista nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT, deveria a AT, em vez da omissão de pronúncia do pedido que lhe foi dirigido em 25 de janeiro de 2021, ter efetuado essa revisão, corrigido as liquidações de IMI e AIMI que incidiram sobre os terrenos para construção identificados nos autos de que a Requerente era proprietária e sujeito passivo, quanto ao IMI, em 31 de dezembro de 2017, em 31 de dezembro de 2018 e em 31 de Dezembro de 2019 e, quanto ao AIMI, em 1 de janeiro de 2018, em 1 de janeiro de 2019 e em 1 de janeiro de 2020.

 

No final do PPA, a Requerente pede a anulação do ato tácito de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, a anulação dos atos de liquidação de IMI dos anos de 2017, 2018 e 2019 e AIMI dos anos de 2018, 2019 e 2020, a restituição do IMI e AIMI indevidamente pagos e pede também a liquidação de juros indemnizatórios ao abrigo do artigo 43.º da LGT.

 

Não obstante este tribunal arbitral considerar procedente o pedido arbitral quanto à errada aplicação da fórmula de avaliação referente aos terrenos para construção, supra identificados, de que a Requerente era titular nos anos a que respeitam as liquidações impugnadas e que tais erros de avaliação se refletiram nessas liquidações, aumentando o seus quantitativos, constata-se que nem a Requerente nem a Requerida procederam à quantificação do IMI e do AIMI pagos em excesso devido aos referidos erros de avaliação, sendo que o presente processo também não oferece os dados suficientes para que tais valores sejam apurados.

 

Assim, à Requerida incumbirá quantificar devidamente os montantes que efetivamente foram pagos a mais, obedecendo às disposições legais aplicáveis, em execução e com observância do decidido na presente decisão arbitral.

 

8. juros indemnizatórios

 

No que concerne a juros indemnizatórios, o n.º 1 do artigo 43.º da LGT reconhece o direito a tais juros quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços.

O pedido de revisão do acto tributário, para este efeito, é equiparável a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, que se refere no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, como decidido no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido no processo n.º 0402/06.

 

Como também se consignou no mesmo acórdão, “nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) (...) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 3, da LGT”.

No caso em apreço, a norma à face da qual tem de ser aferida a existência de direito a juros indemnizatórios é, pois, a alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, que estabelece que eles são devidos “quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”.

 

Como decorre da matéria de facto fixada, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 25-01-2021, pelo que apenas a partir de 26-01-2022 haverá direito a juros indemnizatórios, pois o pedido não foi apreciado.

 

Os juros indemnizatórios devem ser contados com base nos valores que forem apurados em execução da presente decisão arbitral, desde 26-01-2022 até ao integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

 

IV.      DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, acordam, neste Tribunal Arbitral, em

 

a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à anulação do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado em 25 de janeiro de 2021;

b) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto às liquidações de IMI referentes aos anos de 2017, 2018 e 2019 e de AIMI referentes aos anos de 2018, 2019 e 2020 incidentes sobre os terrenos para construção, identificados no PPA, em cuja avaliação se verificou a aplicação errada dos artigos 39.º e 45.º do Código do IMI;

c) Condenar a Requerida na restituição dos montantes de IMI e AIMI indevidamente pagos cujos valores devem ser quantificados em execução da presente decisão arbitral;

d) Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios.

 

Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 211.984,20.

 

Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Lisboa, 25 de março de 2022

 

Os Árbitros

 

 

Regina de Almeida Monteiro

 

 

A. Sérgio de Matos

 

 

 

Joaquim Silvério Dias Mateus (relator)