Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 398/2021-T
Data da decisão: 2022-03-10  IMI  
Valor do pedido: € 1.168.116,93
Tema: IMI – AIMI - cálculo do VPT; reclamação graciosa e indeferimento tácito; terreno para construção; ato destacável e impugnação autónoma.
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SUMÁRIO:

I – O Tribunal Arbitral é competente para conhecer de atos de indeferimento tácito de pedidos de revisão oficiosa, quando os fundamentos do pedido de revisão consistam em ilegalidades praticadas em liquidações de tributos.

II – Impende sobre a Administração Tributária o dever de decisão sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados pelos sujeitos passivos (artigo 56.º, n.º 1, da LGT), dentro do prazo estabelecido pelo n.º 1 do artigo 57.º, da LGT, cujo decurso faz presumir o indeferimento para efeitos de reação contenciosa.

III – Deste princípio da decisão resulta a impugnabilidade da decisão que sobre o pedido venha a ser proferida, devendo igualmente admitir-se a possibilidade de o contribuinte poder “reagir contra o silêncio que sobre ele recair”. Estando em causa a apreciação da legalidade de um ato de liquidação, o meio processual adequado é a impugnação judicial.

IV – A utilização analógica dos critérios estabelecidos para avaliação dos prédios urbanos edificados na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, não previstos na norma específica do artigo 45.º, do Código do IMI, constitui erro na aplicação do direito, suscetível de alterar a base tributável e o cálculo do imposto.

V – Diante consolidação do ato administrativo de fixação ilegal do VPT no sistema jurídico, por falta de impugnação atempada do sujeito passivo, o n.º 4 do 78.º do LGT compatibiliza razoavelmente as exigências de justiça material e tutela jurisdicional efetiva com o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos.  

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros José Poças Falcão (árbitro-presidente), Francisco Melo e Jónatas Eduardo Mendes Machado (árbitros vogais), designados, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), para formarem o presente Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

I. Relatório

1. A..., LDA., contribuinte n.°..., com sede na ..., ..., ..., ...-... Lisboa (“Requerente"), na sequência do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado junto do Serviço de Finanças de ..., relativo às liquidações do IMI dos anos de 2015 a 2019 e das liquidações do AIMI dos anos de 2017 a 2020, que apuraram um montante global a pagar de € 1.168.116,93, vem, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n° 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), requerer a constituição de tribunal arbitral coletivo com designação dos árbitros pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do referido diploma, e deduzir pedido de pronúncia arbitral contra o indeferimento tácito e contra as referidas liquidações de IMI e AIMI, no montante a pagar de € 1.168.116,93, pretendendo a sua anulação e consequente restituição do imposto indevidamente pago pela Requerente.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 02.07.2021, pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.

 

3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art. 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art. 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD nomeou três árbitros do tribunal arbitral coletivo, no dia 09.09.2021.

 

4. As partes foram devidamente notificadas dessa nomeação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do art. 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos art.s 6.º e 7.º do Código Deontológico.

5. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art. 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 28.09.2021.

 

6. Na sua Resposta, apresentada em 08.11.2021, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT ou Requerida) veio alegar, por exceção, a incompetência material e temporal do tribunal e impugnar as razões da Requerente, sustentando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral por não provado.

 

7. Havendo um dos árbitros renunciado às suas funções no dia 10.12.2021, procedeu o Conselho Deontológico do CAAD à nomeação de outro árbitro em 30.12.2021.  

 

8. A 27.01.2021, em aplicação dos princípios da autonomia na condução do processo, e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT), entendeu o presente tribunal dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como conceder um prazo de 20 dias para apresentação de alegações finais.

 

            9. A Requerente apresentou alegações finais em 24.02.2022.

 

10. A 25.02.2022, a Requerida solicitou a junção aos autos das decisões arbitrais do CAAD proferidas nos Processos n.º 40/2021-T e n.º 510/2021-T. A Requerente foi notificada desse pedido, não se tendo oposto ao mesmo.

  1. Apresentação dos factos

11. A Requerente é proprietária do lote de terreno para construção sito na freguesia e concelho de ..., no distrito de Faro, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo U-..., tendo o respetivo VPT sido determinado de acordo com a seguinte fórmula: 

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12. A Requerente efetuou o pagamento das liquidações de IMI e AIMI, que lhe têm sido notificadas nos últimos anos, por referência ao referido lote de terreno para construção, calculadas por aplicação da taxa de IMI e de AIMI ao VPT que se encontra inscrito na caderneta predial à data a que respeita o imposto em causa, tendo liquidado nos últimos cinco anos IMI nos seguintes montantes:

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13. Da mesma forma, a Requerente liquidou os seguintes montantes a título de AIMI:

 

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14. Por discordar das referidas liquidações, a Requerente apresentou, em 02.12.2020, junto do Serviço de Finanças de..., pedido de revisão oficiosa, requerendo a anulação dos atos de liquidação de IMI e AIMI acima identificados, nos termos do artigo 78º, da LGT, pedido que não obteve resposta da AT a 02.04.2021, final do prazo de que, segundo a Requerente, baseada no artigo 57.º, n.º1, da LGT, aquela dispunha para se pronunciar. 

15. Havendo, segundo a Requerente, lugar a presunção de indeferimento tácito, nos termos do artigo 57.º, n.º1, da LGT, a mesma não concorda com as liquidações de IMI e AIMI que lhe foram notificadas e com a posição da AT, por entender que as mesmas têm por base valores patrimoniais tributários determinados com base numa fórmula de cálculo ilegal, por erro imputável aos serviços, do qual resultou o apuramento de imposto superior ao devido, o que motivou a apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral.

  1.2. Argumentos apresentados pelas partes

16. A Requerente veio sustentar a procedência do seu pedido com base nos seguintes argumentos:

Admissibilidade, tempestividade e cumulação de pedidos

  1. A utilização do pedido de revisão oficiosa, no prazo de quatro anos, mesmo após estar esgotado o prazo de reclamação administrativa a que se refere o n.º 1 do artigo 78.º, da LGT é limitada aos casos em que haja “erro imputável aos serviços”, sendo que o mesmo ocorreu no caso em apreço, o que justifica a admissibilidade do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente;
  2. É um erro imputável à AT a fixação de um VPT ilegal, em valor claramente superior ao que resultaria das disposições legais que deveriam ter sido aplicadas, que se traduziu numa injustiça grave e notória;
  3. Esse erro, independente da inércia impugnatória da recorrida após a notificação do VPT, não pode ser imputável a qualquer comportamento negligente da Requerente visto que ocorre num procedimento desencadeado e concretizado pela administração e que sempre justificaria a revisão, como decorre dos artigos 78.º e 95.º, n.º 2, alínea d), da LGT;
  4. Decorre clara e inequivocamente da jurisprudência do STA e do TCAS que a possibilidade de, no prazo de quatro anos, por convolação da reclamação graciosa, requerer a revisão oficiosa das liquidações de IMI e AIMI apuradas tendo por base um VPT ilegal tem pleno enquadramento legal, independentemente da inércia impugnatória da recorrida após a notificação do VPT, por imposição dos princípios da justiça, igualdade e legalidade;
  5. Terminando o prazo para pagamento voluntário da última prestação da liquidação de IMI do ano de 2015 em 30.11.2016, e tendo o pedido de revisão oficiosa sido apresentado em 02.12.2020, foi cumprido o prazo de 4 anos para apresentar pedido de revisão oficiosa da mesma, para efeitos do artigo 129.º, n.º 2, do CIMI;
  6. Nos termos do artigos 54.º, n.º1, alínea c), e 57.º, n.ºs1 e 5, da LGT, a AT deveria, até 02.04.2021, ter apreciado e decidido o pedido de revisão oficiosa dos atos tributários, que lhe foi oportunamente endereçado pela Requerente, presumindo-se então o indeferimento tácito da pretensão; 
  7. Nos termos dos artigos 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e 102.º, nº1, alínea d), do CPPT, será a partir de 02.04.2021 que se conta o prazo de 90 dias para a apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral, que se deve considerar cumprido visto o pedido ter sido submetido e aceite em 02.07.2021;
  8. A impugnação das liquidações relativas ao IMI dos anos de 2015 a 2019 e de AIMI dos anos de 2017 a 2020, impostos sobre o património que constituem objeto do pedido de revisão oficiosa e do presente pedido de pronúncia arbitral, assenta nos mesmos fundamentos de facto e direito, sendo idêntica a causa de pedir e o pedido a formular pela Requerente, o que releva para efeitos do artigo 104.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, do CPPT;
  9. Nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e artigo 2.º da Portaria de Vinculação[1], o Tribunal Arbitral é competente para conhecer da ilegalidade de atos tributários e da ilegalidade do indeferimento tácito, visto que a competência do mesmo abrange atos de segundo e terceiro grau que apreciem a legalidade de atos primários;  

Ilegalidade do método de cálculo do VP

  1. No que respeita à avaliação do VPT dos referidos prédios urbanos, a lei distingue entre os prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços, cujos parâmetros se encontram previstos nos artigos 38.º a 44.º do CIMI, e os terrenos para construção e os prédios da espécie "outros”, cujos parâmetros de avaliação do VPT se encontram previstos, respetivamente, nos artigos 45.º e 46.º do CIMI;
  2. A aplicação, pela AT, dos coeficientes de afetação e de localização, constantes do artigo 38.º do CIMI, – especificamente aplicáveis a prédios edificados – na determinação do VPT do terreno para construção, duplica os critérios utilizados e resulta na determinação ilegal de um VPT excessivo e, consequentemente, na emissão de liquidações de IMI e AIMI igualmente excessivas;
  3. A redação do artigo 45.º do CIMI anterior à alteração legislativa efetuada pelo artigo 392.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31.12 (LOE 2021), determinava a tomada em consideração, na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação, das características previstas no artigo 42.º, n.º 3, do CIMI, a saber, a) acessibilidades, considerando-se como tais a qualidade e variedade das vias rodoviárias, ferroviárias, fluviais e marítimas; b) proximidade de equipamentos sociais, designadamente escolas, serviços públicos e comércio; c) serviços de transportes públicos; d) localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário;
  4. Ao contrário do que sucede na avaliação dos prédios da espécie "Outros”, em que existe uma remissão expressa para a fórmula geral de avaliação prevista no artigo 38.º do CIMI, a avaliação dos terrenos para construção é feita nos termos do artigo 45.º do CIMI, não existindo qualquer remissão para o disposto no artigo 38.º do mesmo Código;
  5. No cálculo do VPT dos terrenos para construção, ao contrário do que tem sido a prática da AT, não podem aplicar-se os coeficientes que constam da fórmula geral de determinação do VPT previstos no artigo 38.º do CIMI, porquanto esse se destina a ser aplicado a prédios edificados, sob pena de existir uma dupla incidência de critérios de determinação do VPT e de manifesta ilegalidade relativamente aos terrenos para construção;
  6. A remissão efetuada pelo artigo 45.º do CIMI para os artigos 40.° e 42.º do mesmo Código não pretendia determinar a aplicação dos coeficientes aí referidos, mas apenas indicar as características que irão determinar o valor do coeficiente a utilizar e o modo de cálculo;
  7. A determinação do VPT de terrenos para construção tem por base os critérios definidos na redação do artigo 45.º do CIMI em vigor à data em que foram efetuadas as avaliações, que remete para o valor da área de implantação do edifício a construir, acrescido do valor do terreno adjacente à implantação, definindo também esta norma os próprios termos em que se calcula o valor da área de implantação do edifício a construir (cfr. n.os 2 e 3) e o valor da área adjacente à construção (cfr. n.o 4), cujo somatório permite fixar o VPT do terreno para construção;
  8. Essa determinação deverá ser efetuada por avaliação direta, nos termos do n.º 2 do artigo 15.º do CIMI e de acordo com o disposto no artigo 45.º do mesmo Código, pois a fórmula prevista no n.º1 do artigo 38.º apenas poderá ser aplicada aos prédios urbanos aí discriminados, isto é, àqueles que já estão edificados para propósitos de habitação, comércio, indústria e serviços;
  9. A nova redação do referido artigo 45.º do CIMI introduzida pela LOE 2021, em vigor desde 01.01.2021, corrobora o entendimento de que não se podia, até essa data, aplicar os coeficientes de localização e de afetação ao terreno de construção propriedade da Requerente, na medida em que a mesma concedeu abrigo legal à prática da AT de aplicar os coeficientes de localização e de afetação na determinação do VPT de terrenos para construção;
  10. Para a determinação do VPT dos referidos terrenos a AT considerou coeficientes que só passaram a estar previstos na lei com entrada em vigor do artigo 392.º da LOE 2021;
  11. O recurso a uma fórmula claramente desprovida de base legal na determinação do VPT do terreno para construção resultou num acréscimo ilegal dos impostos (IMI e AIMI) a pagar pela Requerente nos períodos de tributação de 2015 a 2019 (IMI) e 2017 a 2020 (AIMI).

16.1. Com base nestes argumentos, a Requerente pede a anulação do ato tácito de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente junto do Serviço de Finanças de ... e a anulação dos atos de liquidação do IMI referentes aos anos de 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019 e AIMI referentes aos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020, que apuraram um montante a pagar de € 1.168.116,93, juntamente com a restituição do IMI e AIMI indevidamente pagos.

 

17. A Requerida respondeu, por exceção e impugnação, sustentando que o presente pedido deve ser julgado improcedente, com os fundamentos ora sintetizados:

 

Exceção dilatória de incompetência material e temporal

  1. A avaliação foi realizada há mais de cinco anos, pelo que, o prazo legal para anular administrativamente os atos, previsto no artigo 168.º, n.º 1, do CPA, já foi excedido;
  2. Os eventuais vícios que inquinam os atos das avaliações já se encontram sanados, pelo decurso do prazo de cinco anos ou pela cessação dos respetivos efeitos, encontrando-se consolidados juridicamente, havendo lugar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide;
  3. O ato de avaliação do valor patrimonial tributável é um ato destacável, autonomamente impugnável, pelo que os vícios da fixação do VPT, não são sindicáveis na análise da legalidade do ato de liquidação, porquanto os mesmos, sendo destacáveis e antecedentes destes, já se consolidaram na ordem jurídica;
  4. Os atos de fixação do VPT visam determinar a base tributável de imóveis, determinando o valor que posteriormente servirá de base à liquidação do IMI ou do IMT), não sendo atos de liquidação, mas sim atos autónomos e individualizados com eficácia jurídica própria e diretamente sindicáveis;
  5. Tratando-se de atos destacáveis e inexistindo qualquer restrição relativa às ilegalidades que podem ser objeto de impugnação contenciosa, os vícios de que enferme o referido ato de avaliação apenas poderão ser arguidos em impugnação do ato de avaliação e não do ato de liquidação que seja praticado com base naquele, já que a atribuição da natureza de ato destacável tem por fim, precisamente, autonomizar os vícios deste ato para efeitos de impugnação contenciosa;
  6. Ao estabelecer a sindicância direta destes atos, qualificando-os como atos destacáveis com autonomia e lesividade própria, o legislador teve em vista alcançar a desejável estabilização e consolidação da matéria tributável em momento anterior ao da efetivação da liquidação, garantindo a segurança jurídica necessária e relevante para vários impostos;
  7. O prazo de impugnação de três meses para impugnação de atos de fixação do VPT é perfeitamente razoável, sendo o prazo geral previsto a lei para a impugnação da generalidade dos atos administrativos com fundamentos geradores de vícios de anulabilidade (artigo 58.º do CPTA e artigo 102.º do CPPT). 
  8. Não é, nem legal nem admissível, a apreciação da correção do VPT em sede de impugnação do ato de liquidação, ou da decisão de indeferimento que se pronuncie sobre o ato de liquidação uma vez que nesta sede há de ter-se como pressuposto o valor fixado na avaliação;
  9. Está consolidada a fixação do VPT não podendo os atos de liquidação ser anulados com fundamento em alegados erros nas avaliações dos prédios.

Impugnação

  1. Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, na redação do artigo 45.º do CIMI anterior a 1 de janeiro de 2021, não há lugar à consideração do coeficiente de afetação e do coeficiente de localização, pelo que a aplicação dos referidos coeficientes avaliativos acarreta a ilegalidade do ato de fixação de valores patrimoniais, tendo a AT adequado os procedimentos relativamente a esta questão, a este entendimento jurisprudencial;
  2. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 168.º do CPA, verifica-se que a avaliação subjacente ao ato de fixação do valor patrimonial do prédio urbano terreno para construção supra identificada, encontra-se fixada há mais de cinco anos;
  3. Os eventuais vícios que inquinam o ato de avaliação já se encontram sanados pelo decurso do prazo de cinco anos, encontrando-se esse ato consolidado juridicamente.

Juros indemnizatórios

  1. Da conjugação entre o disposto nos nºs 1 e 3 do art. 43º da LGT, resulta uma diferença temporal relativamente ao termo inicial no pagamento de juros indemnizatórios, pelo que não são devidos juros indemnizatórios entre o momento do pagamento indevido e o da revisão, apesar de haver erro imputável aos serviços.
  2. Tal diferença prevista pelo legislador fiscal assentaria na ideia de penalizar o contribuinte pela formação dos prejuízos derivados do ato ilegal, por não ter sido diligente em usar, nos prazos normais, dos meios de impugnação administrativa e contenciosa que a lei põe ao seu dispor;
  3. Atendendo a que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 03.12.2020, nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, a haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios os mesmos apenas serão devidos um ano após a data da apresentação do pedido de revisão, isto é, após 03.12.2021, sobre as importâncias do imposto indevidamente pagas.

 

17.1. Com base nestes argumentos, a Requerida sustenta que devem ser julgadas procedentes as exceções dilatórias invocadas, absolvendo-se em conformidade a Requerida da instância, ou caso assim não se entenda, deve o pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, nos termos acima peticionados, tudo com as devidas e legais consequências.

 

II. SANEAMENTO

18. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 4.º, ambos do RJAT e melhor se fundamentará infra, em 3.2.1..

19. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vd. art.s 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma, e art.s 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

III. Do Mérito

III.1.1. Factos provados

20. Consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é proprietária do lote de terreno para construção sito na freguesia e concelho de ..., no distrito de Faro, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo U-...; (Documento n.º1).
  2. Ao longo dos últimos cinco anos, a Requerente liquidou os montantes acima mencionados a título de IMI; (Documento n.º 2).
  3. A Requerente liquidou os montantes a título de AIMI referidos acima; (Documento n.º 3).
  4. A Requerente apresentou, em 02.12.2020, junto do Serviço de Finanças de ..., pedido de revisão oficiosa, requerendo a anulação dos atos de liquidação de IMI e AIMI acima identificados, nos termos do artigo 78.º da LGT; (Documento n.º 4).

 

III.1.2. Factos não provados

 

21. Não há outros factos relevantes para a apreciação da causa que não se tenham provado.

 

III.1.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

22. O Tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. art. 123.º, n.º 2, do CPPT, e art. 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi art. 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

23. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objeto do litígio no direito aplicável (vd. art. 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

24. Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do disposto no art. 110.º, n.º 7, do CPPT, e as provas apresentadas, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

III.2. MATÉRIA DE DIREITO

            3.2.1. Incompetência material e temporal do tribunal arbitral

 

25. A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT. Incluem-se ainda nas competências dos tribunais arbitrais do CAAD competências para apreciar atos de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de atos daqueles tipos, designadamente de atos que decidam reclamações graciosas ou pedidos de revisão oficiosa e recursos hierárquicos, como se depreende das referências expressas que se fazem no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT (que se reporta à impugnação judicial de decisões de reclamações graciosas), aos «atos suscetíveis de impugnação autónoma» e à «decisão do recurso hierárquico»[2].

 

26. Não obstante, a impugnação judicial é o meio processual adequado para reagir contenciosamente contra o ato silente da AT, nas situações em que esta não tenha decidido, dentro do prazo que dispunha para o efeito, quanto ao pedido de revisão oficiosa formulado por um contribuinte, e que, nos termos do n.º 5 do artigo 57.º da LGT, fez presumir o indeferimento (tácito) desse mesmo pedido. Este é uma ficção jurídica destinada a possibilitar ao interessado o acesso aos tribunais, para obter tutela para os seus direitos ou interesses legítimos, nos casos de inércia da administração tributária sobre pretensões que lhe foram apresentadas[3]. Em caso de indeferimento tácito de reclamação graciosa, recurso hierárquico ou pedido de revisão, poderá ser apresentada impugnação judicial, por força do disposto na alínea d), n.º 1 do artigo 102.º do CPPT. Em face do exposto, julga-se improcedente a exceção de incompetência deste Tribunal Arbitral para julgar a presente ação.

 

 

 

3.2.2. Impugnação

27. Nos termos do artigo 1.º do CIMI, o IMI incide sobre o valor patrimonial tributário dos prédios rústicos e urbanos situados no território português, definindo os artigos subsequentes, para efeitos do imposto, os conceitos de prédio, de prédios rústicos, de prédios urbanos e de prédios mistos (artigos 2.º a 5.º). O artigo 6.º, n.º1, do CIMI, divide os prédios urbanos em habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros. No que se refere às operações de avaliação, a lei distingue entre os prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços, cujos parâmetros se encontram consignados nos artigos 38.º a 44.º, e os terrenos para construção e os prédios da espécie “outros”, cujo valor patrimonial tributário é determinado, respetivamente, nos termos dos artigos 45.º e 46.º.

 

28. No caso em apreço, a avaliação foi realizada em 30.01.2013, fixando o VPT do terreno em € 29.757.150,00, tendo em consideração o coeficiente de localização de 2,5 e de afetação de 1,00. O VPT do terreno para construção em causa foi determinado de acordo com uma fórmula assente na aplicação do coeficiente de localização, constante do artigo 38.º do CIMI, e do valor base do prédio (“Vc”) com a majoração de 25%, resultando numa dupla incidência de critérios e em manifesta ilegalidade.

 

29. Com efeito, ao estabelecer que o valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas – percentagem que é fixada tendo em consideração as características mencionadas no n.º 3 do artigo 42.º, isto é, características relativas a acessibilidades, proximidade de equipamentos sociais e localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário – a lei não manda aplicar o coeficiente de localização definido no artigo 42.º para prédios urbanos destinados a comércio, indústria ou serviços, pretendendo explicitar apenas que, para efeitos de avaliação dos terrenos de construção, deve ser considerado um valor percentual entre esses dois limites, ponderado em função das características atinentes à localização do terreno.

 

30. O artigo 45º do CIMI é a norma específica que regula a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, pelo que os coeficientes de afetação e localização e fatores multiplicadores do valor patrimonial tributário contidos na expressão matemática do artigo 38º do CIMI com que se determina o VPT dos prédios urbanos para habitação comércio indústria e serviços não podem ser aplicados analogicamente por serem suscetíveis de alterar a base tributável interferindo na incidência do imposto[4]. Ao utilizar a fórmula de cálculo da área de terreno livre dos prédios edificados, para a determinação do valor da área adjacente à construção, o legislador não pretendeu equiparar os terrenos para construção aos prédios edificados, mas unicamente aplicar um mecanismo de cálculo que se encontra previsto numa outra disposição do mesmo diploma legal.

 

31. A remissão efetuada pelo artigo 45.º para os artºs. 40.º e 42.º, do CIMI, por contraposição com a redação dada ao artº. 46.º, n.º 1, do mesmo diploma, relativo ao valor patrimonial tributário dos prédios da espécie “outros” – em que expressamente se refere que “o valor patrimonial tributário é determinado nos termos do artigo 38º com as necessárias adaptações” – é demonstrativa de que o legislador, na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, não quis que entrassem outros fatores que não fossem o valor da área da implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação[5].

 

32. Essa remissão não consagra a aplicação dos coeficientes aí mencionados mas apenas acolhe, respetivamente, as características que hão de determinar o valor do coeficiente a utilizar e o modo de cálculo. A AT aplicou à avaliação de terrenos para construção, normas legais relativas às avaliações dos prédios edificados, erro que a própria AT entretanto reconheceu e corrigiu, seguindo a jurisprudência do STA[6].

 

33. Uma interpretação do artigo 45.º com base na similitude de situação entre os terrenos para construção e os edifícios construídos não tem o mínimo apoio na letra da lei, não sendo admissível o recurso à analogia, não só porque não existe nenhuma lacuna normativa que seja susceptível de integração analógica, como também porque a integração por meio de analogia é proibida no tocante a matérias abrangidas pela reserva de lei parlamentar (artigo 11.º, n.º 4, da LGT). No tocante ao ato de fixação do VPT do terreno para construção em presença, a AT errou ao ter aplicado à avaliação de terrenos para construção, normas legais relativas às avaliações dos prédios edificados, erro que a própria AT reconheceu e corrigiu, seguindo a jurisprudência do STA[7].

 

34. Não obstante, o erro apontado viciou a fixação do VPT e não os atos de liquidação de IMI e AIMI em si mesmos, já que não é imputável qualquer erro aos serviços que os emanaram, visto que, tal como se dispõe no artigo 113.º, n.º 1, do CIMI «o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que os mesmo respeita». Foi exatamente isso que foi feito pela AT.

 

35. Nos termos do artigo 15.º do CIMI, a avaliação dos prédios urbanos é direta sendo, por esse motivo, também objeto de impugnação contenciosa direta, dependendo esta do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão (artigo 86.º, n.ºs 1 e 2, da LGT). De acordo com o disposto no artigo 134.º, n.º s1 e 7, do CPPT, a impugnação dos atos de fixação dos VPT pode ser levada a cabo no prazo de três meses após a sua notificação ao contribuinte, com fundamento em qualquer ilegalidade, não tendo a mesma um efeito suspensivo e só podendo ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação. 

 

36. O legislador quis afastar a possibilidade de impugnação indireta da fixação do VPT, na sequência da notificação de atos de liquidação que a tenham como pressuposto, como são os de IMI. O legislador não criou uma exceção de ilegalidade que o sujeito passivo possa invocar sempre que fosse efetuada uma liquidação com base num VPT ilegal não impugnado tempestivamente. Pelo contrário, o legislador parece ter vindo a exigir a observância de um prazo de impugnação de três meses juntamente com o esgotamento dos meios de revisão previstos no procedimento de avaliação, dessa forma reclamando do sujeito passivo uma medida razoável de due dilligence.[8]

 

37. Se o sujeito passivo não se conformar com o resultado da avaliação direta de prédios urbanos, o mesmo sempre pode requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que tenha sido notificado (artigo 76.º, n.º 1, do CIMI). Do resultado das segundas avaliações, e só dele, cabe impugnação judicial nos termos do CPPT (artigo 77.º, n.º 1 do CIMI), visto que aí se esgotam os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação.

 

38. Os atos de avaliação e fixação dos VPT previstos no CIMI são atos destacáveis, para efeitos de impugnação contenciosa, sendo suscetíveis de impugnação direta autónoma. Por conseguinte, não pode a impugnação dos atos de liquidação transformar-se num meio de impugnação indireta e sem prazo daqueles atos. Os mesmos sedimentaram-se na ordem jurídica a partir do momento em que não se verificou o tempestivo esgotamento dos meios graciosos previstos nos procedimentos de avaliações e a subsequente impugnação direta e autónoma a deduzir no prazo de três meses, nos termos dos n.ºs 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT.

 

39. Por razões de segurança jurídica e proteção da confiança, ínsitas no princípio do Estado de direito, o ato de fixação do VPT adquire então força jurídica, em termos análogos ao caso julgado, valendo desse modo relativamente aos atos subsequentes de liquidação de IMI e AIMI, sendo que esta, nos termos do artigo 113.º do CIMI, é levada a cabo anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base nos VPT dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita.

 

40. A natureza de atos destacáveis que é atribuída aos atos de avaliação de valores patrimoniais é, há muito, reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo[9], de onde decorre que os alegados vícios dos atos de cálculo do VPT ue não foram tempestivamente impugnados não podem ser fundamento de anulação das liquidações de IMI, sob pena de não fazer sentido o regime do 134.º, n.º s1 e 7, do CPPT.

 

41. Como se diz no Acórdão do CAAD no Processo n.º 487/2020-T, de 10.05.2021, “este regime de impugnação autónoma justifica-se por razões de coerência do sistema jurídico tributário inerentes ao facto de cada ato de avaliação poder servir de suporte a uma pluralidade de atos de liquidação de impostos (liquidações anuais de IMI e eventuais liquidações de IMT) e ser relevante para vários efeitos a nível de IRS (   ), IRC (   ) e Imposto do Selo (   ), o que não se compagina com a possibilidade de plúrima avaliação incidental que se reconduzisse à fixação de diferentes valores patrimoniais tributários para o mesmo prédio, no mesmo momento.”

 

42. Assim, o regime de impugnação autónoma dos atos de determinação do VPT justifica-se por referência aos princípios da unidade e coerência do sistema jurídico tributário, sendo que cada ato de avaliação pode servir de base a múltiplos atos de liquidação posteriores e adquirir relevância no contexto de diversos impostos, não podendo aqueles atos de avaliação ficar à mercê de fiscalizações sucessivas, concretas e incidentais, introduzindo incoerência, insegurança, imprevisibilidade e desigualdade no sistema.  

 

43. No entender da Requerente, a interpretação do artigo 45.º do CIMI, no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do CIMI devem ser atendidos no apuramento do VPT deste tipo de prédios – por analogia ou outra técnica de interpretação –, sempre atentará contra o princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º, ambos da CRP. Ainda que fosse julgado procedente, atentas as razões substantivas em que se baseia, este entendimento não implicaria necessariamente a reabertura das situações ocorridas no passado e que, entretanto, adquiriram força jurídica análoga ao caso julgado, como é o caso dos atos de fixação dos VPT não impugnados tempestivamente, por aplicação analógica do artigo 282.º, n.º 3, da CRP.

 

44. O contribuinte que se considere lesado por um ato de determinação do VPT sempre dispõe de um prazo razoável para impugnação, sendo que, transcorrido o mesmo, o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, com os seus corolários de previsibilidade, igualdade e regularidade da atuação administrativa, impõem a consolidação desse VPT na ordem jurídica, daqui resultando que, em princípio, as liquidações de IMI e AIMI não podem ser anuladas com fundamento nos alegados erros dos atos de avaliação e fixação do VPT. De resto, tendo a avaliação do terreno para contrução in casu sido realizada em 2013, já transcorreu o prazo legal de cinco anos para a anulação administraiva dos atos administrativos, previsto para situações de invalidade resultante de erro do agente, de acordo com o artigo 168.º, n.º 1, do CPA. 

 

45. Do teor literal do artigo 78.º, n.º1, da LGT, parece resultar que a expressão “qualquer ilegalidade” nele contida se reporta aos atos tributários em si mesmos, no caso, aos atos de liquidação, e não a atos anteriores, com os atos de fixação do VPT. Reconhece-se, não obstante, que a questão é controvertida[10]. Em nome do princípio da justiça material os n.ºs 4 e 5 do art. 78.º da LGT admitem a possibilidade de revisão oficiosa de atos de fixação da matéria tributável, a que se reconduzem os atos de fixação do VPT, a título excecional, «com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte».

 

46. Tem sido entendido que o facto de a lei determinar que o dirigente máximo do serviço possa autorizar, excecionalmente, a revisão, não obsta à possibilidade de convolação da reclamação graciosa em pedido de revisão com fundamento em injustiça grave ou notória pois tal poder de autorização não é mera faculdade mas, antes, um verdadeiro poder-dever, poder estritamente vinculado, suscetível de aplicação a todos os casos, verificados que sejam os referidos requisitos[11].

 

47. Ora, invocando o Requerente erros na aplicação do direito exclusivamente imputáveis à AT de que resultou uma coleta em IMI e AIMI consideravelmente superior àquela que seria legalmente devida, em termos suscetíveis de configurar uma injustiça grave ou notória para efeitos do artigo 78.º, n.º 4, da LGT, há que apreciar a questão de saber se estão reunidos os requisitos desta revisão excecional. 

 

48. Não está em causa, deve ser dito em primeiro lugar, a revisão oficiosa ao abrigo do CIMI e do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, visto que, como decorre do teor literal do artigo 115.º, ele reporta-se a revisão oficiosa de atos de liquidação de IMI e não a atos de fixação dos valores patrimoniais. Por outro lado, como se está diante de normas especiais aplicáveis sem prejuízo do disposto no artigo 78.º da LGT, a revisão oficiosa está limitada pelas condições aí indicadas, designadamente a de que, quando o pedido de revisão não é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, a revisão só pode ser efetuada se existir erro imputável aos serviços.

 

49. Assim, tendo as liquidações em crise sido efetuadas com base no VPT do terreno para construção, não se pode dizer que existem erros por parte da AT nas liquidações, pelo que indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa não enferma de ilegalidade. Como se disse anteriormente, os atos de fixação dos VPT já tinham adquirido estabilidade e força jurídica por não terem sido impugnados tempestivamente.

 

50. Resta indagar, em seguida, se existe margem para admitir a revisão oficiosa de atos de fixação de VPT ao abrigo dos n.ºs 3 e 4 do artigo 78.º da LGT. Se é verdade que no caso dos n.ºs 1 e 6 estão em causa atos de liquidação (como se infere do termo inicial do prazo de quatro anos previsto no n.º 1), já as situações previstas no âmbito normativo dos seus n.ºs 4 e 5 deste artigo 78.º abrangem atos de fixação do VPT, pois são estes que fixam a matéria tributável relativamente ao IMI e ao AIMI.

 

51. Como anteriormente se disse, embora o n.º 4 do artigo 78.º da LGT disponha que “o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente» a «revisão da matéria tributável», trata-se de um poder-dever estritamente vinculado sujeito a controle jurisdicional, como tem entendido o Supremo Tribunal Administrativo, que constitui uma espécie de válvula de segurança do sistema jurídico imposta pela justiça e pela verdade materiais.

 

52. Há muito que se entende que os tribunais arbitrais do CAAD não estão impedidos de apreciar o cumprimento pela AT do dever de efetuar a revisão oficiosa de atos de fixação da matéria tributável com fundamento em injustiça grave e notória, pois, «a forma processual adequada à apreciação do pedido de anulação do ato de fixação da matéria tributável com fundamento em injustiça grave ou notória é, igualmente, a impugnação judicial (arts. 78.º, n.º 3, da LGT e 97.º n.º, 1 alínea b), do CPPT)».

 

53. Neste domínio, a revisão não depende da existência de erro imputável aos serviços, mas apenas de que se esteja perante «injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte». Se for esse o caso, este poder-dever implica a sua aplicação, verificados que sejam os referidos requisitos.

 

54. O prazo dentro do qual deve ser autorizada a revisão da matéria tributável pelo dirigente máximo do serviço é o previsto no n.º 4, do artigo 78.º da LGT, reduzido aos três anos posteriores ao do ato tributário de liquidação, dentro desse prazo tendo que ser formalizado esse pedido. Verifica-se que esse prazo foi ultrapassado pela Requerente no que respeita às liquidações de IMI dos anos de 2015 e 2016, já que a mesmas foram emitidas, respetivamente, em 26.02.2016 e 03.03.2017, tendo sido em 03.12.2020 que a Requerente solicitou a revisão oficiosa das liquidações de IMI dos anos de 2015 a 2019 e das liquidações de AIMI dos anos de 2017 a 2020. No entanto, o prazo de três anos do n.º 4 do artigo 78.º da LGT foi cumprido relativamente às declarações de 2017 a 2019.

 

55. No que diz respeito à existência de uma injustiça grave ou notória, para efeitos do n.º 4 do artigo 78.º da LGT, importa atentar para o n.º 5 do mesmo artigo onde se dispõe que «para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional». No caso, a errónea quantificação do VPT, com duplicação da incidência de critérios, traduziu-se num considerável acréscimo ilegal de IMI e AIMI, quase em duplicado, a pagar pela Requerente, em anos sucessivos, tanto mais que o valor a considerar na fórmula de cálculo do VPT dos terrenos para construção deveria ter sido o do custo médio de construção por metro quadrado sem qualquer majoração (i.e., € 482,40 em 2017[12] e 2018[13] e € 492,00 em 2019[14] e 2020[15]), em vez do valor base dos prédios edificados (€ 603 em 2017 e 2018 e de € 615 em 2019 e 2020) que, como a designação em vigor à data indicava, se aplicava somente a prédios edificados.

 

56. Verificam-se, assim, no tocante às liquidações dos anos de 2017 a 2020, todos os requisitos de que depende a revisão da matéria tributável prevista nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT, pelo que em vez do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, a AT deveria ter efetuado a revisão e anulado parcialmente essas liquidações[16]. Pelo exposto, justifica-se a anulação, pelo presente tribunal, do indeferimento tácito, na parte respeitante às liquidações de IMI e AIMI relativas aos anos de 2017 a 2020, bem como a anulação parcial destas liquidações, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do CPA subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

57. Diante da consolidação do ato administrativo de fixação ilegal do VPT no sistema jurídico, por falta de impugnação atempada do sujeito passivo, o n.º 4 do 78.º da LGT compatibiliza razoavelmente as exigências de justiça material e tutela jurisdicional efetiva com o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos, todos eles ínsitos no princípio do Estado de direito.

3.2.3. Juros Indemnizatórios

8 A Requerente pagou IMI e AIMI em excesso o valor de € 885.424,00 (obtido pela subtração a € 1.168.116,93 dos montantes de € 148.785,75 e €133.907,18 relativos às liquidações de IMI de 2015 e 2016), requerendo o respetivo reembolso, com juros indemnizatórios. Decorre do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e 100.º da LGT que sobre a AT impende o dever de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios, compreendido nesse efeito repristinatório do statu quo ante.

 

59. No n.º 1 do artigo 43.º da LGT reconhece-se o direito a estes juros quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços. O artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT institui uma disciplina específica para os casos de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, constituindo-se a obrigação de indemnizar na esfera da Requerida somente depois de decorrido um ano a contar do pedido de revisão, salvo se o atraso não for imputável à AT. No caso, os juros indemnizatórios só se contam a partir de 04.12.2021, visto o pedido de revisão oficiosa ter sido apresentado em 03.12.2020. 

 

IV. DECISÃO

 

Em face do supra exposto, decide-se neste Tribunal Coletivo julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

  1. Determinar a anulação dos atos de liquidação do IMI referentes aos anos de 2017, 2018 e 2019 e AIMI referentes aos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020;
  2. Condenar a AT a reembolsar a Requerente do valor do IMI e AIMI pago em excesso, no montante de € 885.424,00, relativamente às liquidações anuladas, e, bem assim, ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, até ao reembolso integral do montante referido, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT.

 

V. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 1.168.116,93 nos termos do disposto no art. 32.º do CPTA e no art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e do art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VI. CUSTAS

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 15.912,00, a cargo da Requerida na percentagem de 76% e da Requerente na percentagem de 24%.

           

Notifique-se.

Lisboa, 10 de março de 2022

Árbitro Presidente

 

(José Poças Falcão)

 

Árbitro Vogal

 

(Francisco Melo)

 

Árbitro Vogal

 

(Jónatas E. M. Machado)

 



[1] Portaria n.º 112-A/2011, de 22.03.

[2] Mais desenvolvidamente, Processo n.º 510/2020-T, de 25.10.2021.

[3] Neste sentido, Acórdão do CAAD, Processo n.º 597/2020-T, de 30.09.2021; Decisão do CAAD, Processo n.º 501/2020-T, de 25.10.2021.

[4] Cfr., Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 03.07.2019 (Processo nº 016/10.9BELLE); e ainda, Acórdão do STA no Processo nº 824/15, de 20.04.2016.

[5] Neste sentido, Acórdãos do CAAD nos Processos n.º 697/2019-T, 29.09.2020, n.º 554/2019-T, 08.04.2020.

[6] Cfr. entre outros, Processos n.º 0732/12.0BEALM 01348/17, de 13.01.2021, n.º 0133/18, de 14.11.2018; n.º 0897/16, de 28.06.2017; n.º 01107/16, de 05.04.2017; Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, em recurso por oposição de julgados, Acórdão no Processo n.º 01083/13, 21.09.2016.

[7] Cfr. entre outros, Processos n.º 0732/12.0BEALM 01348/17, de 13.01.2021, n.º 0133/18, de 14.11.2018; n.º 0897/16, de 28.06.2017; n.º 01107/16, de 05.04.2017.

[8] Acórdãos do CAAD, Processo n.º 254/2021-T, 05.10.2021; Processo n.º 487/2020-T, 10.05.2021.

[9] Cfr., por exemplo, Acórdãos do STA nos Processos n.º 023160, de 30.06.1999; n.º 02007/02 de 02.04.2003; n.º 037/11 de 06.02.2011 n.º 0659/12 de 19.09.2012; n.º 08/13, de 05.02.2015; n.º 0173/16 de 13.07.2016; n. º 0885/16, de 10.05.2017.

[10] Reconhece-se ampla divergência jurisprudencial e doutrinal quanto a este aspeto. Cfr. Acórdão do TCAS, Processo n.º 2765/12.8BELRS, 31.10.2019; Acórdão do STA, proferido no processo n.º 0312/15, 31.03.2017.

[11] Neste sentido, STA, IISec, Processo n.º 0329/11, 02.11.2011.

[12] Portaria n.º 345-B/2016, de 30.12.2016.

[13] Portaria n.º 379/2017, de 19.12.2017.

[14] Portaria n.º 330-A/2028, de 20.12.2018.

[15] Portaria n.º 3/2020, de 03.01.2020.

[16] Cfr., em sentido convergente, Decisão do CAAD no Processo n. 501/2020-T, de 25.10.2021.