Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 658/2023-T
Data da decisão: 2024-01-03  IRS  
Valor do pedido: € 4.245,56
Tema: Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares; encargos com obras de conservação e manutenção em artigos/frações arrendadas; artigo 55.º do CIRS.
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SUMÁRIO: 

 

  1. A AT, face à revisão do seu entendimento e à Instrução de Serviços subsequente, passou a considerar que o “reporte e dedução de perdas da categoria F aos rendimentos da mesma categoria não depende do exercício da opção de englobamento desses rendimentos”, aplicando-se este entendimento (i) nos procedimentos administrativos e processos judiciais pendentes; e (ii) nas liquidações de IRS relativas ao ano de 2021 e seguintes.
  2. Face à decisão de revogação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa proferida no âmbito do presente Processo e, em consequência, alterada a liquidação de IRS do ano 2019, deve a AT considerar as perdas apuradas nos anos 2018 e 2020 como dedutíveis ao resultado líquido positivo apurado ou que venha a ser apurado nos anos seguintes, nas condições previstas no artigo 55.º do Código do IRS.

 

I – Decisão Arbitral

 

1. A..., contribuinte fiscal n.º..., residente na Rua..., n.º ..., Caldas da Rainha, notificada do indeferimento da reclamação graciosa n.º...2022..., veio, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 5.º, no n.º 1 do artigo 6.º e dos artigos 10.º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), em conjugação com a alínea a) do artigo 99.º e a alínea a) do n.º 1 do artigo 102.º ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (adiante CPPT), requerer a CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação da decisão proferida pela Autoridade Tributária – Serviço de Finanças de Caldas da Rainha, datada de 15 de Junho de 2023, que determina o indeferimento da reclamação graciosa por si apresentada, à qual foi atribuído o número ...2022..., referente ao ato de liquidação do IRS da Requerente dos anos de 2020 e 2021.

 

2.  O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Requerida.

 

3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que a ora signatária foi nomeada pelo CAAD em 10 de Novembro de 2023, e as partes, devidamente notificadas, não manifestaram intenção de o recusar, pelo que o Tribunal ficou constituído em 28 de Novembro de 2023.

 

4.   Em linhas gerais, na situação controvertida tal como a Requerida sintetiza na aludida decisão, estão em causa os seguintes factos: “(i) Na declaração de rendimentos referente aos anos 2018 e 2020 declarou investimentos consideráveis em prédios arrendados, o que gerou perdas nestes anos reportáveis para os anos seguintes;

(ii) A AT não considerou estas perdas nos rendimentos dos anos seguintes, atendendo a que a contribuinte não optou pelo englobamento dos rendimentos desta categoria F;

(iii) Não condicionando o legislador o reporte de perdas a rendimentos englobados, pelo que devem as liquidações ser substituídas por outras que considerem o reporte dos prejuízos dos anos anteriores.

 

5.    A Requerida, após notificação para responder, em 28 de Novembro de 2023, notificou o CAAD de que foi revogado o ato objeto de litígio, a saber, a liquidação supra indicada, conforme processo DSIRS n.º ...2023..., que mereceu despacho de concordância proferido em 30 de Novembro de 2023 pela Senhora Subdiretora Geral da Área da Gestão Tributária.

 

6. Analisada a situação, conclui a AT que, “2. Tomando em consideração a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, tem a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) vindo a entender que o espirito do legislador não foi o de permitir a dedução de perdas de/a rendimentos não englobados.

 3. Com efeito, atendendo à sistemática do Código do IRS, entende-se que não pode resultar outra interpretação desta norma. Nos termos do n.º 1 do artigo 22.º do Código do IRS, a operação de englobamento visa apurar a totalidade dos rendimentos das várias categorias auferidos em cada ano, depois de feitas as deduções e os abatimentos previstos nas secções II a VIII do Capitulo II que estabelece as regras aplicáveis à determinação do rendimento coletável: deduções específicas por categoria de rendimento (arts. 25.º a 54.º), dedução de perdas (artigo 55.º) e deduções relativas aos rendimentos auferidos por sujeitos passivos com deficiência (artigo 56.º-A).

4. Pelo que, a operação de dedução de perdas não é uma dedução específica, mas antes um processo prévio, condicionado pela possibilidade de englobamento. E, não se efetuando o englobamento dos rendimentos prediais obtidos, por maioria de razão, aquela operação prévia (dedução de perdas) não pode ser realizada, por estar condicionada ao prévio englobamento dos rendimentos.

5. Com estes fundamentos, a AT tem considerado que, para ser efetuado o reporte das perdas apuradas em anos anteriores, terá o sujeito passivo de ter optado pelo englobamento dos rendimentos prediais, (i) no ano do apuramento da perda e (ii) no ano em que pretendia deduzir as perdas reportadas.

6. No entanto, esta interpretação tem vindo a ser reiteradamente contestada pelos contribuintes, em sede de procedimentos e processos tributários, invocando desde logo a falta de base legal para aquele entendimento, considerando a letra do artigo 55.º do Código do IRS que não impõe o englobamento dos rendimentos prediais como condição sine qua non para deduzir as perdas de anos anteriores.

7. Atendendo que efetivamente não se encontra expressamente prevista no referido normativo legal a obrigação de englobamento dos rendimentos (ao invés do que acontece relativamente às mais-valias – alínea d) do nº 1 do artigo 55º do CIRS) e considerando que o legislador não alterou a letra da lei nos últimos anos, a AT procedeu à revisão do sentido do seu entendimento, passando a admitir que a dedução de perdas da categoria F, nos termos do artigo 55.º do Código do IRS, não depende do exercício da opção de englobamento desses rendimentos, salvaguardando-se contudo que esta alteração do sentido do entendimento da AT se aplique apenas aos atos tributários objeto de processos de contencioso administrativo e/ou judicial pendentes em que se discuta esta questão de direito.

8. Analisadas as declarações vigentes de rendimentos invocadas (anos 2018 a 2021), verifica-se o seguinte referente à categoria F (Rendimentos Prediais): - Ano 2018. Rendimentos obtidos: 6.240,00. Retenções na fonte: 400,00. Gastos Suportados: 7.274,20 + 223,68 + 288,56. Obras de Conservação e Manutenção: 68.323,61 (imposto relativo a tributações autónomas: 0,00) - Ano 2019. Rendimentos obtidos: 12.350,00. Retenções na fonte: 1.200,00. Gastos Suportados: 8.810,85 + 230,88 + 218,10 (imposto relativo a tributações autónomas: 865,25) - Ano 2020. Rendimentos obtidos: 10.100 + 12.4730,00. Retenções na fonte: 1.200,00. Gastos Suportados: 3.765,03 + 206,76 + 5.079,65 + 23,52. Obras de Conservação e Manutenção: 23.800,62 (imposto relativo a tributações autónomas: 0,00) - Ano 2021. Rendimentos obtidos: 10.760,00 + 18.010,00. Retenções na fonte: 1.300,00. Gastos Suportados: 1.174,58 + 375,47 + 162,60 + 3.201,06 (imposto relativo a tributações autónomas: 0,00)

9. Assim, entende-se ser de aplicar este (novo) entendimento da AT no presente pedido arbitral, admitindo-se a dedução de perdas apuradas no ano 2018 (e seguintes) aos rendimentos da mesma categoria auferidos nos anos seguintes.

IV – Conclusão

Após apreciação do pedido de pronúncia arbitral, atendo à alteração do entendimento da AT, afigura-se-nos que deve ser revogada a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e, em consequência, alterada a liquidação de IRS do ano 2019, considerando-se a dedução de perdas de anos anteriores na tributação autónoma apurada nesse ano.”

 

7.    Notificada sobre o conteúdo da comunicação da Requerida em 6 de dezembro de 2023, a Requerente, em 18 de dezembro de 2023, veio alegar que o Processo deveria prosseguir os seus normais trâmites com vista à apreciação e decisão do pedido, dado que:

1. O motivo do recurso ao CAAD, e inerente pedido de constituição de Tribunal Arbitral por parte da requerente, e os fundamentos da não aceitação dos actos tributários recorridos, mantêm-se, tal como se mantêm os actos recorridos, que não foram objecto de qualquer alteração ou revogação: liquidação de IRS de 2020 e 2021.

2. Efectivamente, no ano de 2019, a requerente foi tributada em sede de rendimentos prediais, quando nesse ano estava a iniciar a dedução das perdas registadas em 2018 (68.323,31€), que foram consumidas até à quantia de 12.350€.

3. Pelo que, nesse ano, os rendimentos prediais da requerente não deveria ter sido objecto de tributação, bem fazendo a AT ao revogar a liquidação de 2019, substituindo-a por outra que isente a requerente da tributação dos rendimentos prediais, restituindo-se à requerente o competente valor.

4. Cumpre notar que em 2020 a requerente não foi tributada quanto aos seus rendimentos prediais, não porque a requerida considerasse as perdas de 2018, conforme está obrigada, mas sim porque a requerida considerou o investimento realizado em conservação e manutenção 5. Ora aquele valor (23.800,62€) só deve ser considerado, após consumidas as perdas declaradas em 2018, no valor de 68.323,61€.

6. Ou seja, efectivamente os rendimentos prediais declarados em 2020 não foram objecto de tributação, mas pelo motivo errado.

7. Não deviam ter sido objecto de tributação por consideração às perdas que transitaram de 2019, no valor remanescente de 55.973,61€

8. Os rendimentos prediais declarados em 2020 são absorvidos pelas perdas que transitam de 2019 para 2020, transitando perdas, para 2021, no valor de 33.143,61€.

9. E os rendimentos prediais declarados em 2021 são absorvidos pelas perdas supra referidas, transitando perdas de 2018, para o ano de 2022, no valor remanescente de 4.373,61€.

10. Portanto, cumpre revogar as liquidações de IRS dos anos de 2020 e 2021, no sentido de as perdas reportadas em 2018 serem devidamente consideradas, e salvaguardadas, quer o valor remanescente de 4.373,61€, a considerar no ano de 2022, quer o valor declarado em 2020 a título de conservação e manutenção (23.800,62€), como perdas a reportar até 2026.

11. Só assim a situação se corrige correctamente e definitivamente, de acordo com a mais elementar justiça, e conforma se peticionou inicialmente.

12. E só assim a requerente não estará condenada a recorrer aos Tribunais com vista à revogação dos actos de liquidação dos IRS de 2022, 2023, 2024, 2025 e 2026, pois como a própria AT afirma, só em sede de contencioso atenderá à interpretação da norma em que se funda a decisão de revogação.

13. Assim, Cumpre proceder à revogação dos actos de liquidação de IRS de 2020 e de 2021, com consideração das perdas declaradas em 2018 (naqueles anos e até 2024), e das perdas declaradas em 2020 (até 2026).”

 

8. Em 18 de dezembro de 2023 proferiu este Tribunal Despacho no sentido de se notificar a Requerida para no prazo de 10 dias, querendo, enviar a este Tribunal as observações tidas por convenientes tendo em vista o requerimento apresentado em 18 de dezembro pela Requerente.

 

9. Em 27 de dezembro de 2023, veio a AT, essencialmente, referir o seguinte: “3. (…) se entendeu aplicar o (novo) entendimento da AT ao objeto do pedido arbitral, admitindo-se a dedução de perdas apuradas no ano 2018 (e seguintes) aos rendimentos da mesma categoria auferidos nos seis anos seguintes.

4. Concluindo-se pela revogação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e, em consequência, alteração da liquidação de IRS do ano 2019 (único ano em que se verificou a tributação autónoma de rendimentos prediais), considerando-se a dedução de perdas de anos anteriores na tributação autónoma apurada nesse ano.

(…)

10.Considera-se nada haver a revogar quanto às liquidações de IRS dos anos 2020 e 2021. Não obstante, em termos práticos, a AT terá de proceder a ajustes nas declarações de rendimentos de todos os anos (2018 a 2021), de forma a contabilizar em conta-corrente, de uns anos para os outros, as perdas a recuperar.

11.Assim, apesar de apenas ser revogada a liquidação de IRS do ano 2019, todas as liquidações de IRS dos anos em causa terão de ser reliquidadas, de forma a constar as “perdas a reportar” dos anos anteriores.

12.Por último, invoca a contribuinte que só a revogação das liquidações dos anos 2020 e 2021 lhe permitirá não ter de recorrer aos Tribunais com vista à revogação dos atos de liquidação dos IRS dos anos 2022 a 2026.

13.Ora, esclarece-se que, face à revisão de entendimento da AT e à Instrução de Serviços subsequente, a AT passou a considerar que o “reporte e dedução de perdas da categoria F aos rendimentos da mesma categoria não depende do exercício da opção de englobamento desses rendimentos”, aplicando-se este entendimento (i) nos procedimentos administrativos e processos judiciais pendentes; e (ii) nas liquidações de IRS relativas ao ano de 2021 e seguintes.

14.Pelo que, como se referiu, face à decisão de revogação proferida no âmbito do CAAD 658/2023, a AT considerará as perdas apuradas nos anos 2018 e 2020 como dedutíveis ao resultado líquido positivo apurado ou que venha a ser apurado nos anos seguintes, nas condições previstas no artigo 55.º do Código do IRS.”

 

 

II- Saneador

 

1. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março).

 

2. O Tribunal encontra-se regularmente constituído, é competente e processo não enforma de nulidades. 

 

III – Fundamentação

 

1. Questões decidendas

 

As questões cuja pronúncia se impõe ao Tribunal Arbitral consubstanciam-se, no essencial, em apurar se a AT procedeu adequadamente ao ter, nos termos indicados, procedido ao indeferimento da reclamação graciosa em apreço e quais as consequências do respetivo indeferimento.

 

2. Matéria de facto

 

2.1 Factos provados

 

Em face das posições das partes expressas nos articulados e dos documentos integrantes do processo administrativo anexo, julgam-se como provados os seguintes factos pertinentes para a decisão da causa:

  1. A Requerente na declaração de rendimentos referente aos anos 2018 e 2020 declarou investimentos em prédios arrendados, o que gerou perdas nestes anos reportáveis para os anos seguintes.
  2. A AT não considerou estas perdas nos rendimentos dos anos seguintes, atendendo a que a Requerente não optou pelo englobamento dos rendimentos desta categoria F.
  3. Analisadas as declarações vigentes de rendimentos invocadas (anos 2018 a 2021), verificou-se o seguinte referente à categoria F (Rendimentos Prediais):

- Ano 2018  - Rendimentos obtidos: 6.240,00 . Retenções na fonte: 400,00 . Gastos Suportados: 7.274,20 + 223,68 + 288,56. Obras de Conservação e Manutenção: 68.323,61 (imposto relativo a tributações autónomas: 0,00)

- Ano 2019 -. Rendimentos obtidos: 12.350,00 . Retenções na fonte: 1.200,00  . Gastos Suportados: 8.810,85 + 230,88 + 218,10 (imposto relativo a tributações autónomas: 865,25)

 - Ano 2020 - Rendimentos obtidos: 10.100 + 12.4730,00 . Retenções na fonte: 1.200,00 . Gastos Suportados: 3.765,03 + 206,76 + 5.079,65 + 23,52 . Obras de Conservação e Manutenção: 23.800,62 (imposto relativo a tributações autónomas: 0,00)

- Ano 2021 - Rendimentos obtidos: 10.760,00 + 18.010,00 . Retenções na fonte: 1.300,00. Gastos Suportados: 1.174,58 + 375,47 + 162,60 + 3.201,06 (imposto relativo a tributações autónomas: 0,00).

  1. A Requerente apresentou reclamação graciosa referente ao ato de liquidação do IRS dos anos de 2020 e 2021.
  2. A Autoridade Tributária – Serviço de Finanças de Caldas da Rainha, em de 15 de junho de 2023, determinou o indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Requerente, à qual foi atribuído o número ...2022..., referente ao ato de liquidação do IRS da Requerente dos anos de 2020 e 2021.
  3. Face à revisão de entendimento da AT e à Instrução de Serviços subsequente, a AT passou a considerar que o “reporte e dedução de perdas da categoria F aos rendimentos da mesma categoria não depende do exercício da opção de englobamento desses rendimentos”, aplicando-se este entendimento (i) nos procedimentos administrativos e processos judiciais pendentes; e (ii) nas liquidações de IRS relativas ao ano de 2021 e seguintes.
  4. A Requerida, após notificação para responder, em 28 de novembro de 2023, notificou o CAAD de que foi revogado o ato objeto de litígio, a saber, a liquidação supra indicada, conforme processo DSIRS n.º ...2023..., que mereceu despacho de concordância da Senhora Subdiretora Geral da Área da Gestão Tributária, proferido em 30 de Novembro de 2023.
  5. Notificada sobre o conteúdo da comunicação da Requerida em 6 de dezembro de 2023, a Requerente, em 18 de dezembro de 2023, veio alegar que o Processo deveria prosseguir os seus normais trâmites com vista à apreciação e decisão do pedido.
  6. Em 27 de dezembro de 2023, mediante Despacho deste Tribunal de 18 de dezembro  de 2023, a AT veio prestar esclarecimentos a este Tribunal sobre as consequências da revogação do ato objeto do litígio.

 

  1. Factos não provados

Não há factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.

 

3. Das questões de direito

Encontrando-se a aludida material de facto dada como provada, importa seguidamente determinar o direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões supra.

Decorre do exposto que a Requerida, pelo aludido despacho da Senhora Subdiretora Geral da AT, reconheceu razão à Requerente, pelo que determina a revogação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e, em consequência, a alteração da liquidação de IRS do ano 2019, considerando-se a dedução de perdas de anos anteriores na tributação autónoma apurada nesse ano.

O artigo 277.º do CPC, alínea e), aplicável no caso por força do artigo 29.º do RJAT, dispõe que “a instância extingue-se com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”.

Ora, a inutilidade superveniente da lide tem lugar quando, em virtude de um facto ocorrido na pendência do processo, a decisão a proferir já não tem qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação ao demandante ou porque o fim visado com a ação foi atingido de outra forma.

No caso concreto, como referimos, a Requerida revogou o ato tributário de liquidação. Contudo, entende a Requerente que a AT não deu satisfação por inteiro à sua pretensão, invocando que no ano 2020 não foi tributada nos seus rendimentos prediais, não porque tivessem sido consideradas as perdas de 2018, mas porque a AT considerou o investimento realizado (nesse ano) em conservação e manutenção e solicitando o prosseguimento dos presentes autos.

Tal como a AT elucida na Informação de 21 de dezembro de 2023 da Direção de Serviços do IRS, o resultado líquido negativo (perdas) só é dedutível aos resultados líquidos positivos, pelo que, em cada ano, nos termos do artigo 41.º do Código do IRS, deduzem-se aos rendimentos prediais brutos do ano, os gastos e obras de conservação e manutenção suportados nesse ano. Trata-se da primeira operação que se realiza para obter o resultado liquido (positivo ou negativo) daquele ano. Só posteriormente a esta operação, no caso de ser apurado um resultado líquido positivo, se deduzem os resultados líquidos negativos (perdas) apuradas em anos anteriores.

Nestes termos, como bem nota a AT, a liquidação de IRS do ano 2020 deduziu, corretamente, os encargos suportados aos rendimentos brutos auferidos e, tendo desta operação dado um resultado líquido negativo, não foram estes rendimentos sujeitos a tributação autónoma.

No tocante ao ano 2021, a Requerente optou pelo englobamento dos rendimentos prediais.

Assim sendo, não obstante a revogação do ato pela AT, entende este Tribunal que se justifica a pronúncia relativamente aos efeitos do ato de revogação, pelo que, não se reconhecendo a inutilidade superveniente da lide, cumpre apreciar.

Neste contexto, acompanhamos a AT quando conclui nada haver a revogar quanto às liquidações de IRS dos anos 2020 e 2021. Contudo, tal como elucida, em termos práticos, a AT terá de proceder a ajustes nas declarações de rendimentos de todos os anos (2018 a 2021), de forma a contabilizar em conta-corrente, de uns anos para os outros, as perdas a recuperar.

Apesar de apenas ser revogada a liquidação de IRS do ano 2019, todas as liquidações de IRS dos anos em causa terão de ser reliquidadas, de forma a constar as “perdas a reportar” dos anos anteriores.

Invoca a Requerente que só a revogação das liquidações dos anos 2020 e 2021 lhe permitirá não ter de recorrer aos Tribunais com vista à revogação dos atos de liquidação do IRS dos anos 2022 a 2026.

Tendo a AT, face à revisão do seu entendimento da AT e à Instrução de Serviços subsequente, passado a considerar que o “reporte e dedução de perdas da categoria F aos rendimentos da mesma categoria não depende do exercício da opção de englobamento desses rendimentos”, aplicando-se este entendimento (i) nos procedimentos administrativos e processos judiciais pendentes; e (ii) nas liquidações de IRS relativas ao ano de 2021 e seguintes, como esclareceu, face à decisão de revogação proferida no âmbito do CAAD 658/2023, a AT deve considerar as perdas apuradas nos anos 2018 e 2020 como dedutíveis ao resultado líquido positivo apurado ou que venha a ser apurado nos anos seguintes, nas condições previstas no artigo 55.º do Código do IRS.

 

IV- DECISÃO

 

Termos em que se decide o seguinte:

 

  1. Condenar a Requerida à revisão dos atos tributários dos anos 2020 e 2021, em função do entendimento aplicado aquando da revogação do ato tributário de 2019, devendo proceder aos ajustes necessários, nas condições previstas no artigo 55.º do Código do IRS.
  2. Condenar a Requerida no pagamento das custas.

 

 

V- VALOR DA CAUSA

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de 4.245,56€ (quatro mil, duzentos e quarenta e cinco euros e cinquenta e seis cêntimos) que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor em causa nas liquidações de IRS impugnadas, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

VI- CUSTAS

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2 e 24.º, n.º 4 do RJAT e 4.º, n.º 5 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em 612,00 €, que fica a cargo da Requerida (artigo 536.º, n.º 3, do CPC).

 

Lisboa, 3 de Janeiro de 2024

 

 

A Árbitra

 

 

Clotilde Celorico Palma