Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 541/2020-T
Data da decisão: 2021-01-29  IRS  
Valor do pedido: € 17.429,44
Tema: IRS de 2019 – Mais-valias imobiliárias; Residente em Itália; Artigo 43.º n.º 2 do CIRS vs. Artigo 63.0 do TFUE.
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SUMÁRIO

I - O n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE.

II – E nessa medida é incompatível com o direito europeu.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

a)            Em 15 de Outubro de 2020, o Requerente, A..., NF..., residente em ..., ..., ... ..., ITÁLIA, veio deduzir pedido de pronúncia arbitral (PPA), ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), tendo em vista obter pronúncia sobre a legalidade “da liquidação de IRS de 2019, identificada com o nº 2020..., com nota de cobrança número 2020... no montante de € 18.884,52”.

b)           É demandada a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, adiante designada por AT ou Requerida;

 

c)            O Requerente termina o pedido de pronúncia arbitral (PPA) suscitando ao Tribunal Arbitral Singular (TAS) que declare a ilegalidade da liquidação e em consequência determine a sua anulação parcial, com a restituição das quantias indevidamente suportadas pelo Requerente e o pagamento dos respectivos juros indemnizatórios.

 

d)           O pedido de constituição do TAS foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 16-10-2020.

e)           Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 10.12.2020, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

f)            O Tribunal Arbitral Singular (TAS) encontra-se, desde 13 de Janeiro de 2021, regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).

 

g)            A fundamentar o pedido, o Requerente alega o seguinte:

i               Em18 de Fevereiro de 2015 celebrou um contrato-promessa de compra da fração autónoma, designada pela letra "L", correspondente a uma habitação no terceiro andar direito traseiras, com entrada pelo nº..., do prédio urbano sito na Rua ..., nºs..., ... e ..., União das freguesias ... e ..., concelho do Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do ..., sob o número ..., da freguesia de ..., inscrito na matriz sob o artigo número ... e em  27 de março de 2015, adquiriu, pelo valor de € 54.000,00  este imóvel.

ii              Em 8 de agosto de 2019, alienou, na sua totalidade, o referido imóvel pelo valor de €120.000,00.

iii             Encontra-se registado como não residente em Portugal, tendo residência fiscal em Itália, desde 28 de março de 2015. Na qualidade de não residente, procedeu à entrega da Declaração de Rendimentos de IRS do ano de 2019, por forma a declarar as mais-valias resultantes da venda do referido imóvel.

iv            Da entrega da declaração de rendimentos do ano de 2019 resultou a liquidação de IRS nº 2020..., nos termos da qual o rendimento global resultante da mais-valia realizada pelo Requerente apurado, excluindo os rendimentos prediais, foi de € 62.248,00.

v             A AT apurou imposto a pagar, no montante de € 18.884,52, resultante da tributação à taxa especial de 28% sobre o referido rendimento coletável, o qual acrescido dos rendimentos prediais também auferidos pelo Requerente ascendeu a € 67.444,72, conforme liquidação com o número 2020... e originou a nota de cobrança número 2020..., tendo procedido ao pagamento deste montante.

vi            Pese embora tenha efetuado o respetivo pagamento, o Requerente não concorda com a determinação do rendimento coletável ao considerar a totalidade da mais-valia realizada, em vez de 50% do seu valor, conforme preceituado pelo número 2 do artigo 43º do Código de IRS, uma vez que a demonstração de liquidação sub judice padece de ilegalidade, pelo que deduziu o presente pedido de pronúncia arbitral.

vii           Uma vez que ao abrigo do nº 2 do artigo 43º do Código do IRS, o valor apurado de € 62.248,00 apenas deveria ser "considerado em 50% do seu valor", sendo aquele valor reduzido para o montante de € 31.124,00.

viii          Acrescenta que resulta da demonstração de liquidação de IRS, o valor de imposto a pagar total de € 18.884,52, que corresponde, no que concerne ao imposto devido pela mais-valia imobiliária a € 17.429,44, representando o dobro daquele que seria apurado de acordo com as disposições do Código do IRS, e que deveria tão só corresponder a € 8.714,72, que acrescida do imposto devido sobre os rendimentos prediais resultaria num valor total a pagar de € 10.169,80.

ix            E conclui que ocorre “vício de violação de lei invocado pelo Requerente, pois a interpretação e aplicação do nº 2 do artigo 43º do Código do IRS, no sentido de excluir da limitação da incidência do imposto a 50% as mais-valias resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, realizadas por um sujeito passivo residente noutro Estado membro da União Europeia, limitando aquela incidência unicamente a sujeitos passivos residentes em território português, consubstancia uma violação do disposto no artigo 63º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, declarando-se assim a ilegalidade do acto tributário de liquidação do IRS, objeto de pronuncia arbitral, com a consequente anulação do mesmo acto”.

 

h)           Notificada a AT, respondeu em 25.09.2020 e não juntou o PA porque inexiste.

 

i)             A AT refere, em resumo, o seguinte:

 

i               Começa por referir que “a posição perfilhada pelo Requerente padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito”, uma vez que “o quadro normativo atual e aplicável à situação objeto dos autos é distinto, como, aliás, bem ilustra a decisão proferida por este mesmo CAAD no Processo nº 539/2018-T, que de se transcreve: “Assim, ao não ter optado pela tributação das suas mais-valias imobiliárias, pela aplicação das taxas do artigo 68.º do CIRS e das demais regras aplicáveis aos residentes, mas sim pelas taxas gerais, não assiste razão ao Requerente.  Aliás, nem aos residentes as normas do CIRS permitem esta dualidade de tratamento, ou seja, redução a 50% das mais-valias imobiliárias e aplicação das taxas do artigo 72.º do CIRS, obrigando sempre, neste caso, ao englobamento deste saldo com os demais rendimentos para aplicação à totalidade dos rendimentos auferidos as taxas gerais do artigo 68.º do Código do IRS. O regime escolhido pelo Requerente, embora invoque que é um residente na União Europeia, foi o da tributação pelas taxas do artigo 72.º aplicáveis a não residentes e não as aplicáveis a residentes, pelo que o regime escolhido deve ser aplicado "in toto", como procedeu, e bem, a Requerida, no entender do Tribunal.

Assim sendo, não se poderá invocar a discriminação negativa como pretende o Requerente e isto porque as suas opções foram respeitadas.

Recorda-se que o Acórdão do TJCE de 2007OUT11 (Hollman) foi proferido antes das alterações introduzidas ao artigo 72.º do CIRS, já anteriormente citadas, precisamente para permitir uma tributação igualitária entre residentes em território português e não residentes, desde que os sujeitos passivos o requeiram - o que não foi o caso.

Nesta conformidade, entende este Tribunal que a liquidação impugnada não sendo incompatível com o disposto no artigo 63.º do TFUE, dada a opção do Requerente, julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral (…)”

ii              E acrescenta: “como o Requerente evidencia saber, pese embora não tenha assinalado o campo correto na declaração, no sentido de adaptar a legislação nacional à decisão do TJCE, foi aditado ao artigo 72.º do CIRS , o n.º 7, atual n.º 9, cuja redação à data dos factos, era o seguinte:  “Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português”.

iii             Refere ainda que “igualmente o n.º 8, atual n.º 10, do mesmo artigo e diploma legal, também aditado pela Lei n.º 67-A/2007, prescrevia, à data dos factos, que “Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes”.

iv            E conclui: “por força dessa alteração legislativa as declarações de rendimentos de IRS respeitantes aos anos fiscais de 2008 e seguintes têm um campo para que possa ser exercida a opção pela taxa consagrada no artigo 68.º do CIRS”. Ora “compulsada a declaração de IRS entregue pelo Requerente verifica-se que no Quadro 8 do Rosto foi assinalado o campo 4 (não residente), o campo 6 (país da residência) e o campo 7 (opção de tributação pelo regime geral). Na verdade, para que o pretendido pudesse proceder, nomeadamente, que a tributação da mais-valia fosse feita pela taxa consagrada no artigo 68.º, como residente, era necessário ter preenchido os campos 9, opção pelas taxas do artigo 68.º do CIRS, e 11, total dos rendimentos obtidos no estrangeiro. Não o tendo feito, como evidencia a Modelo 3, e decorre do P.P.A., não pode o peticionado proceder e, muito menos, a imputação do erro, e consequente responsabilidade, no preenchimento da declaração ser assacada à Requerida”.

 

v             Quanto à aplicação da norma do artigo 43º - 2 do CIRS refere que esta se encontra no capítulo II do CIRS sob a epígrafe "Determinação do rendimento coletável", ou seja, estamos perante a determinação do rendimento. Para efeitos de incidência, e no que respeita à matéria das mais-valias que nos ocupa, relevantes são os artigos 9.º e 10.º do CIRS. Concluindo que o disposto no n.º 2 do artigo 43° do CIRS não é aplicável ao caso aqui em análise.

 

vi            Relativamente à violação da norma do artigo 63º do TFUE refere que “é desprovida de qualquer razão a alegação de que o atual quadro normativo, resultante da alteração legislativa ocorrida em 2007 para vigorar a partir de 2008, continua a violar o artigo 63.º do TFUE”, pela razão de que “é jurisprudência assente que “(…) o uso da residência como elemento de conexão, bem como a diferenciação fiscal entre sujeitos passivos residentes e não residentes, tanto na legislação interna dos Estados como nas Convenções sobre Dupla Tributação, é aceitável e não contraria as liberdades de circulação, nem consubstancia uma discriminação contrária aos Tratados Europeus”.

vii           E conclui “pugnar por um entendimento diverso do supra consubstanciaria uma discriminação positiva, violadora do princípio constitucional da igualdade chamado à colação pela Requerente, e totalmente inaceitável à luz do direito nacional e comunitário”, pelo que “soçobram, assim, todos os fundamentos trazidos pelo Requerente e, consequentemente, as alegadas ilegalidades assacadas à liquidação objeto do P.P.A.”.

 

viii          Pediu a suspensão da instância referindo o seguinte: “tendo em consideração que os Processos do CAAD n.ºs 598/2018-T e 569/2019T, que versam sobre esta mesma temática, se encontram pendentes de análise e decisão no Tribunal de Justiça da União Europeia, sob os n.ºs C-388/19 e C-103/20, respetivamente, entende a Requerida que se justifica, e o que desde já se requer, a suspensão da instância até que seja emitida a pronúncia pelo TJUE, nos termos do disposto nos artigos 269.º, n.º 1, alínea c), e 272.º do CPC”.

 

j)             Termina afirmando que “não estão reunidos os requisitos para que possam ser atribuídos juros indemnizatórios” e pedindo a sua absolvição.

 

k)            O TAS, por despacho de 26 de Janeiro de 2021, dispensou a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações.

 

l)             Convidado o Requerente a exercer o direito ao contraditório, face ao pedido de suspensão da instância deduzido pela AT, veio por requerimento de 29.01.2021 referir o seguinte:  (1) “considerando as decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) já proferidas, concretamente a propósito dos seguintes processos C-443/06, (Acórdão Hollmann), de 11 de Outubro de 2007, especificamente sobre esta matéria; e do C-440/08, (Acórdão Gielen), de 18 de Março de 2010; e do C148/18, no Despacho do TJUE (sétima secção) de 06 de Setembro de 2018”; (2) “não se suscitando, quanto às normas em questão, quaisquer dúvidas ou tendo as mesmas sido já esclarecidas pelo TJUE, (conforme. teoria do acto claro, propugnada no acórdão do TJUE CILFIT, de 6 de outubro de 1982, processo C-283/81) não devem os tribunais proceder ao reenvio prejudicial, quando a correta aplicação do Direito da União Europeia seja tão óbvia, que não deixe campo para qualquer dúvida razoável, no que respeita à forma de resolver a questão”; (3) “existindo já jurisprudência sobre a matéria e sendo inequívoca a forma de interpretar a regra jurídica em causa, considera o Requerente, que o órgão jurisdicional nacional pode e deve decidir”,  conclui que não existe necessidade de suspensão da instância para efeitos de reenvio prejudicial

 

II – SANEAMENTO

 

a)            As partes são legítimas, gozam de personalidade jurídica, capacidade judiciária e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

b)           Tempestividade - o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no CAAD em 15 de Outubro de 2020. O Requerente impugna a liquidação de IRS acima indicada, com data limite de pagamento de 08.09.2020.

c)            A AT não alegou a extemporaneidade da apresentação do PPA. Assim, nos termos conjugados dos artigos 102º, nº 1, alínea a), do CPPT e 10º, nº 1, alínea a), do RJAT, o pedido de pronúncia arbitral configura-se como sendo tempestivo.

d)           O processo arbitral não padece de nulidades.

 

Cumpre apreciar.

 

III - MÉRITO

 

III-1- MATÉRIA DE FACTO

 

Factos considerados provados

 

Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:

 

a)            O Requerente, desde 28-03-2015, é residente em ..., ..., ... ..., ITÁLIA - conforme artigo 3º do PPA e documento nº 6 em anexo ao PPA;

b)           Em 18 de Fevereiro de 2015 o Requerente celebrou um contrato-promessa de compra da fração autónoma designada pela letra "L", correspondente a uma habitação no terceiro andar direito traseiras, com entrada pelo nº..., do prédio urbano sito na Rua  ..., nºs ..., ... e ..., União das Freguesias ... e ..., concelho do Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do ..., sob o número ..., da freguesia de ..., inscrito na matriz sob o artigo número  ...º e no dia 27 de Março de 2015,  adquiriu este imóvel , pelo valor de € 54.000,00 – conforme artigos 6º e 1º do ponto II do PPA e documentos nºs 3 e 4 juntos com o PPA;

c)            Em 18 de Agosto de 2019, vendeu a referida fracção autónoma de prédio urbano em propriedade horizontal, pelo preço de € 120.000,00 – conforme artigo 2º do PPA – ponto II e documento nº 5 em anexo ao PPA;

d)           Em 04 de Junho de 2020 submeteu a Declaração Modelo 3 do IRS, quanto aos rendimentos de 2019, com o nº ..., indicando ser não residente e colocando no quadro 4, campo 4001 do Anexo G do Modelo 3 do IR, um valor de realização de 120 000,00 euros e um valor de aquisição de 54 000,00 euros e ainda € 2 132,00 de despesas e encargos - conforme artigo 4º do PPA – ponto II e documento nº 7 em anexo ao PPA;

e)           Da entrega da declaração de rendimentos atrás referida, resultou a liquidação de IRS nº 2020..., nos termos da qual o rendimento global resultante da mais-valia realizada pelo Requerente apurado, excluindo os rendimentos prediais auferidos, foi de € 62.248,00, apurando-se imposto a pagar no montante de € 18.884,52, resultante da tributação à taxa especial de 28% sobre o referido rendimento coletável, o qual, acrescido dos rendimentos prediais ascendeu a € 67.444,72, conforme nota de cobrança número 2020,4442684 – conforme artigos 5º a 7º do PPA – ponto II e documentos nºs 1 e 2 em anexo ao PPA;

f)            Caso a liquidação tivesse em consideração apenas 50% das mais-valias imobiliárias declaradas, o valor de imposto a pagar pelo Requerente, sem ter em conta os rendimentos prediais, seria apenas de € 8.714,72, e não de € 17 429,44 euros – conforme artigos 28º a 30º do PPA e falta de impugnação especificada avaliada nos termos do nº 7 do artigo 110º do CPPT;

g)            Em data não apurada o Requerente efectuou o pagamento do valor liquidado – conforme artigo 8º - ponto II do PPA, documento nº 8 junto com o PPA e falta de impugnação especificada avaliada nos termos do nº 7 do artigo 110º do CPPT;

h)           Em 15 de Outubro de 2020 a Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral (PPA) – registo de entrada no SGP do CAAD do pedido de pronúncia arbitral (PPA).

 

Factos considerados não provados

 

Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.

 

Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, indicando-se, por cada ponto levado à matéria de facto assente, os meios de prova que se consideraram relevantes, como fundamentação.

 

III-2- DO DIREITO

 

III-2-1 - Quanto ao mérito

 

A)           Apreciação da questão de fundo, face aos factos provados.

 

O árbitro que integra o presente TAS já se pronunciou em dois casos idênticos, apenas com a diferença de se tratar de um residente em França e de outro residente no Reino Unido (antes da concretização de saída da UE). Trata-se das decisões arbitrais CAAD Processo nº 757/2019-T e CAAD Processo nº 334/2020-T.

 

Aí escrevemos o seguinte:

 

“Sobre a questão de fundo em discussão neste processo, existem várias decisões do CAAD, nomeadamente a decisão arbitral colectiva, presidida pelo Exmo. Senhor Conselheiro Carlos Cadilha, adoptada no Processo CAAD nº 846/2019-T, onde o signatário desta decisão, foi árbitro vogal.

 

Em declaração aposta no final da decisão arbitral atrás referida, o signatário desta decisão, expressou as razões que o levaram a alterar a sua posição sobre o reenvio prejudicial para o TJUE, que foi requerido pela AT e que antes tinha adoptado.

 

No Processo CAAD nº 846/2019-T acima referido, o que estava em causa, eram situações de facto e de direito idênticas às deste processo (...).

 

No sentido de contribuir para a uniformização das decisões adoptadas, este TAS adere, na totalidade, ao decidido no Processo CAAD nº 846/2019-T”.

 

***

 

Também neste processo o TAS adere ao decidido no Processo CAAD nº 846/2019-T que passamos a transcrever, com as alterações relativas ao facto de se tratar de processos com Requerentes e articulados diferentes:

 

“Como se depreende do alegado pelo Requerente apenas pretende discutir ... a não aplicação do disposto no artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS, pelo qual o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é apenas considerado em 50%, entendendo que o acto de liquidação, ao considerar a totalidade da mais-valia realizada, constitui uma discriminação negativa dos não residentes restritiva da liberdade de circulação de capitais.

 

                A Autoridade Tributária defende, em contraposição, que o legislador nacional procedeu já a adaptação do sistema fiscal ao acórdão do TJUE C-443/06, através da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, que aditou os n.º 7 e 8 (actuais 13 e 14) ao artigo 72.° do Código do IRS, que vieram permitir que não residentes possam optar pela tributação de rendimentos prediais à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, e que na determinação da taxa se tenham em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora do território português, concluindo assim que a legislação nacional se mostra agora conforme com o direito europeu.

 

                É, pois, esta a única questão que está em debate.

 

                Essa questão foi já analisada, em situação similar, no acórdão proferido no Processo n.º 208/2019-T, na linha do também já decidido em diversas outras decisões arbitrais, e, não havendo motivo para alterar esse entendimento, passa aqui reproduzir-se a parte mais relevante da sua fundamentação.

 

“Nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do artigo 10.º, do Código do IRS, “constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de (...) alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis...”.

 

 Esses rendimentos, desde que resultantes da transmissão de direitos reais relativos a imóveis situados em território português consideram-se aqui obtidos (CIRS, artigo 18.º, n. º1, alínea h), ficando, assim, abrangidos pela incidência deste tributo quando auferidos por titulares não residentes (CIRS, artigos 13.º, n.º 1 e 15.º, n.º 2).

 

Conforme resulta do artigo 10.º, n.º 4, do Código do IRS, o ganho sujeito a tributação é constituída pela diferença positiva entre o valor de realização e o valor de aquisição, sendo este valor atualizado pelo coeficiente de correção monetária e acrescido de encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos e bem assim das despesas necessárias e efetivamente praticadas inerentes à aquisição e alienação, nos termos dos artigos 50.º e 51.º do mesmo Código. 

 

O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias, integrando a Categoria G do IRS, é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, conforme prevê o artigo 43.º, n. º1, do citado Código.

 

No entanto, segundo o n.º 2 do mesmo artigo, na redação em vigor à data da ocorrência do facto tributário a que se reporta o presente pedido de pronúncia arbitral, o referido saldo, positivo ou negativo, quando respeitante a mais-valias imobiliárias, é apenas considerado em 50% do seu valor, quando “respeitante às transmissões efetuadas por residentes”.

 

Quando auferidos por sujeitos passivos residentes esses rendimentos são sujeitos a englobamento e, em conjunto com outros rendimentos auferidos no mesmo ano pelos respetivos titulares, sobre eles incidem as taxas gerais previstas no artigo 68.º do Código do IRS.

 

Diversamente, se esses rendimentos forem auferidos por titulares não residentes em território português, são sujeitos a tributação autónoma, incidente à taxa especial de 28% sobre a totalidade das mais-valias, nos termos do artigo 72.º, n.º 1, alínea a), do mesmo Código.

 

A assinalada desigualdade de tratamento fiscal no que respeita à tributação de mais-valias entre os sujeitos passivos residentes e não residentes foi submetida à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia, por via de um pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Supremo Tribunal Administrativo (Ac. de 28-09-2006, Proc.439/06).

 

Respondendo à questão colocada, o Tribunal de Justiça, em acórdão de 11-10-2007, proferido no Proc. C-443/06 (Hollmann), declarou que

“O artigo 56º do Tratado que Instituiu a União Europeia  deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel.”

 

Na sequência da referida decisão, o Supremo Tribunal Administrativo, em acórdão de 16-01-2008, proferido naquele Processo 439/06, veio igualmente a decidir que “O n.º 2 do artigo 43º do Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, que limita a incidência de imposto a 50% das mais-valias realizadas apenas para residentes em Portugal, viola o disposto no artigo 56º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia, ao excluir dessa limitação as mais-valias que tenham sido realizadas por um residente noutro Estado membro da União Europeia.”

 

A orientação referida tem vindo a ser invariavelmente seguida pelo Supremo Tribunal Administrativo conforme se pode verificar dos acórdãos de 22-03-2011- Proc. 01031/10, de 10-10-2012, Proc. 0533/12, de 30 -04-2013, Proc. 01374/12, de 18-11-2015, Proc. 0699/15, de 03-02-2016, Proc. 01172/14 e, mais recentemente, de 20-02-2019, Proc. 0901/11.

 

Porém, o legislador nacional, por via da Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, procurou obviar o tratamento discriminatório dos residentes comunitários e do Espaço Económico Europeu, facultando-lhes, em termos opcionais, a possibilidade de tributação das mais-valias imobiliárias em condições similares às aplicáveis aos residentes em território português, aditando ao artigo 72.º do Código do IRS os números 7 e 8 (n.ºs 9 e 10 à data dos factos, na renumeração operada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, a que correspondem os atuais n.ºs 13 e 14), com a seguinte redação:

 

“9 - Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.

10 - Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.”

 

Contrariamente ao entendimento da Requerida, o regime opcional acima referido não veio sanar o regime discriminatório que se mantém em vigor e foi aplicado às liquidações de IRS ora questionadas.

 

Após a alteração legislativa acima referida ficaram a vigorar, na área da tributação dos rendimentos qualificados como mais-valias originadas pela transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis situados em território português, dois regimes distintos, aplicáveis a não residentes: um regime geral, aplicável a quaisquer sujeitos passivos não residentes, traduzido na tributação desses rendimentos à taxa especial de 28% incidente sobre a totalidade do rendimento e um regime especificamente aplicável a residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, equiparável ao regime de que beneficiam os sujeitos passivos residentes.

 

Este regime específico de equiparação aos residentes é opcional, não afastando, contudo, o carácter discriminatório da norma do artigo 43.º, nº2, conforme, aliás, em vindo a ser decidido em diversas decisões arbitrais.

 

Com efeito, esta matéria, já na decorrência de situações posteriores à alteração legislativa acima referida, tem vindo a ser objeto de diversas decisões arbitrais tendo-se firmado jurisprudência, largamente maioritária, no sentido de que a opção em causa, constitui um ónus suplementar comparativamente aos residentes, insuscetível de excluir a discriminação em causa.

 

Nesse sentido, pode ler-se na decisão arbitral de 22-05-2019, Proc.74/2019-T:

 

“Sucede que a existência deste regime não afasta a invalidade do regime discriminatório ainda em vigor e que foi aplicado à liquidação de IRS em causa.

De facto, atualmente, em matéria de tributação dos rendimentos resultantes das mais-valias provenientes da alienação de direitos reais sobre imóveis situados em Portugal, por não residentes neste território, mas residentes noutro Estado membro da União Europeia ou Espaço Económico Europeu, resulta do disposto nos n.ºs 1 e 8 do artigo 72.º do Código do IRS que, coexistem dois regimes fiscais:

i. O regime que sujeita os rendimentos a uma taxa especial de 28% e

ii. O regime equiparado ao que vigora para os sujeitos passivos residentes em território português, segundo o qual, os mesmos rendimentos são sujeitos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, tomando-se em consideração, neste regime, todos os rendimentos, incluindo os auferidos fora de Portugal, mantendo-se em vigor a disposição constante do nº 2 do citado artigo 43.º do Código do IRS.

Porém, a previsão deste regime facultativo faz impender sobre os não residentes um ónus suplementar, comparativamente aos residentes, não sendo a opção de equiparação suscetível de excluir a discriminação em causa.

Na realidade, o regime de equiparação atualmente previsto no artigo 72.º do Código do IRS não afasta o caráter discriminatório do artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, não podendo o contribuinte achar-se na circunstância de ter que optar por dois regimes, um legal e outro ilegal.

Neste sentido, o TJUE considerou, no Acórdão Gielen, de 18/03/2010 (Processo C-440/08), num caso de evidente paralelismo (ainda que naquele acórdão estivesse em causa a violação do artigo 49.º), o seguinte:

a. «a opção de equiparação permite a um contribuinte não residente, (...) escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório», frisando que essa escolha não é passível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.».

b. «o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência (...) validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49. ° TFUE em razão do seu carácter discriminatório».

c) O Tratado «se opõe a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes na concessão de um benefício fiscal (...) apesar de esses contribuintes poderem optar, no que se refere a esse benefício, pelo regime aplicável aos contribuintes residentes”.

 

 No mesmo sentido, considerou-se, em decisão arbitral de 14-05-2013, Processo. 127/2012-T que  

 

“(...) a opção que é dada a um sujeito passivo residente na União Europeia ou espaço económico europeu entre um regime que continua a ser discriminatório, por violação do disposto artigo 63.º da TFUE e um outro alegadamente não discriminatório, equiparando-os com os residentes no território português, para além de terem a obrigação de optar e de declarar os rendimentos auferidos fora daquele território, não exclui nem neutraliza os efeitos discriminatórios do primeiro daqueles dois regimes. Concluindo aquele aresto que «ao se reconhecer que os referidos efeitos não são eliminados, estar-se-á a admitir que a referida opção valida um regime fiscal que continua em si mesmo a violar o artigo 63.º do TFUE, pelos motivos acima enunciados, o que não se coaduna com o direito comunitário”.

 

É, pois, esta a orientação que tem vindo a ser acolhida na jurisprudência arbitral do CAAD, não só nas decisões acima citadas, como em muitas outras, designadamente as proferidas nos processos 748/2015-T, 89/2017-T, 520/2017-T, 617/2017-T, 644/2017-T, 370/2018-T,583/2018-T, 596/2018-T 600/2018-T e 613/2018-T, não se suscitando quaisquer dúvidas sobre a incompatibilidade do atual quadro normativo em causa com o direito comunitário, em especial com o artigo 63.º do TFUE.

 

Também dúvidas se não suscitaram ao Supremo Tribunal Administrativo que, em acórdão de 20-02-2019, proferido no Proc. 0901/11.0BEALM.0692/17 – reportando-se a mais-valias realizadas em 2010, portanto já na vigência das alterações introduzidas pela Lei n.º 67-A/2007 - se pronunciou sobre a matéria em causa nos seguintes termos:

 

“12. O Estado Português, através da Lei 3-B/2010 de 28-04, instituiu um regime opcional, ex vi nºs 7 e 8 do artigo 72.º do CIRE, com vista à equiparação dos não residentes aos residentes, permitindo àqueles a opção de englobamento dos rendimentos obtidos por mais-valias imobiliárias e, assim, serem tributados em condições similares às dos residentes.

13. Tratando-se de um regime opcional e mantendo-se o regime geral discriminatório, a sua apreciação foi objecto do Acórdão Gielan de 18-03-2010 do TJUE, que veio a manter as anteriores conclusões referidas no Acórdão Hollmann.

14. E no caso sub judice foi a Autoridade Tributária que determinou a forma de tributação, através da correcção da liquidação, não validando os elementos declarados pelos Impugnantes na sua declaração anual de IRS, não dando hipótese do exercício desta opção aos Impugnantes.

15. Mesmo assim, tal regime opcional não vem sanar a discriminação entre as normas do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS e o artigo 56.º do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia, já que a norma anterior se manteve como geral, apenas sendo criada uma outra opcional.

16. Na verdade, já este STA se pronunciou em situação similar à presente - acórdão de 03-02-2016, Proc. 01172/14 – negando provimento a um recurso e decidindo no sentido de que tributação em sede de mais valias imobiliárias apuradas por um não residente, devem ser consideradas apenas em 50%, evitando assim a situação discriminatória que a Fazenda Pública pretende ver aqui reconhecida.

17. Concluindo que a aplicação do nº 2 do artigo 43 do CIRS, que discrimina negativamente a tributação dos não residentes face aos residentes, é incompatível com o direito comunitário, porque limita os movimentos de capitais que o artigo 56 do Tratado CE consagra”

               

Acompanhando, sem reservas, a jurisprudência do STA e do CAAD acima referidas, e o acórdão proferido no Processo n.º 208/2019-T que aqui se transcreveu, considera o Tribunal que se não suscitam dúvidas quanto à incompatibilidade com o direito europeu das normas aplicadas à liquidação aqui impugnada.

...

***

Face ao acima exposto, também neste processo, se impõe que se adira à decisão CAAD Processo nº 846/2019-T, quando aí concluiu:

 

“Nestes termos, julga-se incompatível com o direito europeu a norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE”.

 

Consequentemente, o acto de liquidação aqui em causa, desconsiderando aquela limitação, encontra-se ferido de ilegalidade. Restringindo-se a ilegalidade apenas àquele excesso de tributação, e nela se centrando em exclusivo o objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, deve esse acto ser parcialmente anulado.

 

B) Suspensão da instância por ter ocorrido o reenvio prejudicial para o TJUE de situações idênticas

 

O pedido de suspensão da instância tem subjacente e implícito o juízo de necessidade de reenvio prejudicial para o TJUE.

 

Constam na declaração aposta no final da decisão arbitral colegial CAAD Processo nº 846/2019-T, as razões que levaram o árbitro que assina esta decisão a alterar a posição sobre a necessidade do reenvio prejudicial para o TJUE, que se resumem na constatação de que o STA, de forma clara e suficiente, já se pronunciou sobre a questão de fundo aqui em discussão.

 

Não se vislumbrando a existência de motivos que justifiquem o reenvio prejudicial, também neste aspecto se adere à decisão arbitral colectiva acima transcrita, impondo-se uma decisão em conformidade:

 

“A Autoridade Tributária solicitou o reenvio prejudicial para o TJUE por considerar que não existe jurisprudência aplicável a um caso com idêntica situação de facto.

 No entanto, com base na jurisprudência do Tribunal de Justiça que foi mencionada, não subiste dúvida fundada quanto à interpretação do princípio da não discriminação em razão da nacionalidade e da residência aplicável à liberdade de circulação de capitais, não se afigurando que o caso dos autos ofereça qualquer especificidade, no plano dos factos, que recomende uma nova intervenção em reenvio.

Entende-se, nestes termos, não se justificar o requerido reenvio prejudicial”.

 

                Não se verificam, pois, os pressupostos que permitam ou aconselhem a suspensão da instância suscitada no processo, pelo que improcede esse pedido.

 

C) Direito ao reembolso do valor do IRS pago a mais. Direito a juros indemnizatórios.

 

Na sequência da ilegalidade parcial do ato de liquidação controvertido, há lugar a reembolso do imposto pago ilegalmente, por força do disposto nos artigos 24º nº 1, alínea b), do RJAT e 100º da LGT, pois tal afigura-se essencial para restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado.

 

Procede, pois, o pedido de reembolso da quantia de € 8 714,72, correspondente ao IRS resultante da consideração 50% das mais-valias imobiliárias, valor este que foi pago, conforme consta dos factos provados.

 

***

 

No que concerne a juros indemnizatórios, de harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

 

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

 

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução. (Aditada pela Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro)

4 - A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5 - No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas. (Aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro)

 

Revertendo o que se referiu para o caso concreto deste processo, verifica-se que deve ser aplicado o regime do nº 2 do artigo 43º da LGT, porquanto o erro de liquidação deve ser imputável à Requerida, que a levou a efeito por sua iniciativa,  pelo que são devidos juros indemnizatórios ao Requerente, devendo ser contados desde a data do efectivo pagamento e calculados sobre a importância de € 8 714,72, valor do IRS correspondente à consideração de 100% das mais-valias imobiliárias, quando apenas deveria ser considerado o valor correspondente a 50% , nos termos do disposto no artigo 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

 

Os juros indemnizatórios são devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 3, alínea d), e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva.

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que, com os fundamentos expostos, julga-se procedente o pedido de pronúncia arbitral, pelo que, consequentemente:

1.            Anula-se parcialmente o acto tributário de liquidação do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º 2019..., na parte da colecta do IRS que foi paga a mais de € 8 714,72;

2.            Condena-se a AT a proceder ao reembolso da quantia de € 8714,72 e bem assim no pagamento dos juros indemnizatórios, calculados sobre o valor a reembolsar, contados desde a data do efectivo pagamento e até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

 

V - VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 17 429,44 (que não foi impugnado) nos termos do artigo 97.º - A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VI – CUSTAS

 

Custas de € 1 224,00, a suportar pela Requerida, conforme o artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.

 

Notifique.

Lisboa, 29 de Janeiro de 2021

 

Tribunal Arbitral Singular,

Augusto Vieira