Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 87/2021-T
Data da decisão: 2023-01-24  Selo  
Valor do pedido: € 122.442,50
Tema: Imposto do Selo (verba 17.3.4 da TGIS) e artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7/CE.
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SUMÁRIO:

 

O artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7/CE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que prevê a incidência de um imposto do selo sobre a remuneração que uma instituição financeira recebe de uma sociedade de gestão de fundos comuns de investimento pela prestação de serviços de comercialização para efeitos de novas entradas de capital destinadas à subscrição de participações de fundos recentemente emitidas.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros Fernanda Maçãs, Martins Alfaro e o Dr. João Marques Pinto, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral Colectivo, acordam no seguinte:

 

I-              RELATÓRIO

 

1. A..., S.A., com o número único de matrícula e identificação fiscal..., com sede na ..., n.º ..., ..., ...-..., Lisboa (“A...” doravante), estando abrangida pelos serviços periféricos locais do Serviço de Finanças de Lisboa ..., sociedade gestora (e por conseguinte representante legal também) dos fundos de investimento mobiliário abertos requerentes (colectivamente designados por “fundos” ou “requerentes”, doravante) abaixo identificados,  Fundos estes pela A... geridos e legalmente representados que vêm, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 Março, requerer  a Constituição de Tribunal Arbitral, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, com vista a submeter à apreciação do Tribunal Arbitral: (i) a legalidade do indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2020..., na medida em que desatende o reconhecimento da ilegalidade das liquidações de imposto do selo repercutido nos Requerentes referentes a diversos períodos mensais de 2020, e, bem assim, (ii) a legalidade de tais liquidações de Imposto do Selo, no montante total de € 122.442,50.

 

2-O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral ficou constituído no dia 31 de Maio de 2021.

 

3. A fundamentar o pedido argumenta a Requerente:

  

A.   Os requerentes, organismos de investimento colectivo geridos e representados pela A..., suportaram Imposto do Selo sobre comissões por comercialização de subscrições das suas unidades de participação (valores mobiliários), imposto este previsto na verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (“TGIS”), com referência a diversos meses do ano de 2020, realizadas por diversas instituições de crédito .

B.    A Directiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008 (doravante “Directiva 2008/7 CE”, ou simplesmente “Directiva”), proíbe a tributação indirecta das reuniões de capital, e tributações de alguma forma conexas, instituindo as seguintes e adicionais proibições de tributação indirecta, no seu artigo 5.º, n.º 2, alíneas a) e b) (sublinhados nosso):

2. Os Estados-Membros não devem sujeitar a qualquer forma de imposto indirecto:

a)         A criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de acções, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu.

b)         Os empréstimos, incluindo os estatais, contraídos sob a forma de emissão de obrigações ou outros títulos negociáveis, independentemente de quem os emitiue todas as formalidades conexas, bem como a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação dessas obrigações ou de outros títulos negociáveis.

C.   Esta é uma norma catch all que proíbe qualquer forma de tributação indirecta da criação, emissão colocação em circulação ou negociação de valores mobiliários ou títulos em geral (sejam valores mobiliários representativos de dívida, como no caso das obrigações e títulos aparentados, ou participações num património colectivo como no caso das partes sociais e situações semelhantes).

D.   Ora, a actividade dos bancos que tem por fim a subscrição de novas unidades de participação nos fundos por partes dos investidores potenciais, é não só uma actividade por natureza dirigida à criação e emissão destes títulos ou valores mobiliários (unidades de participação), mas também e por definição, uma actividade de colocação em circulação e de negociação, de emissões destes valores mobiliários.

E.    Pelo que esta específica actividade dos bancos, a comercialização de novas subscrições de UP em fundos, por qualquer destes dois prismas que se lhe aplicam e nos quais se subsume, primas estes constituintes, ambos, da previsão normativa intencionalmente “catch all” de que se vem falando (o artigo 5.º, n.º 2, da Directiva 2008/7/CE), não pode ser sujeita a qualquer forma de tributação indirecta, por imposição/proibição do citado artigo 5.º, n.º 2, da Directiva 2008/7/CE.

F.    Donde a conclusão é de que a norma nacional catch all constante da verba 17.3.4 da TGIS, entra em conflito, no que respeita à tributação da específica tipologia da situação que se reconduz à actividade bancária de “comercialização de novas subscrições de UP em fundos”, com a norma de proibição catch all tudo o que se relacione com qualquer forma de tributação indirecta (“any form of indirect tax whatsoever”) da criação, emissão, colocação em circulação e negociação de valores mobiliários (títulos) representativos de dívida ou de participação num património colectivo resultante de uma reunião de capitais, consagrada no artigo 5.º, n.º 2, da Directiva 2008/7/CE.

G.   A Requerente aponta a seu favor jurisprudência do TJUE que afirmou por diversas vezes que em reforço do já de si largo espectro de que se reveste o texto da concreta previsão normativa da Directiva em referência (o seu artigo 5.º, n.º 2), ela (a proibição de tributação) deve além disso ser interpretada latamente, como no processo n.º C 573/16 (Air Berlin; sublinhado nosso).

H.   Em conclusão, é indubitável que a norma nacional catch all, isto é, de tributação de “tudo o resto”, constante da verba 17.3.4 da TGIS, entra em conflito, no que respeita à tipologia específica da situação que se reconduz à actividade financeira de “comercialização de novas subscrições de UP em fundos”, como decidido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE doravante), no processo n.º C-415/02 (um caso belga).

I.     E aí se aplicou um dos segmentos ou prismas, específico, da proibição, já então de largo espectro, desse artigo 11.º da Directiva 69/335 (hoje artigo 5.º, n.º 2, da Directiva 2008/7/CE), quer a uma situação relacionada com obrigações, quer a uma situação relacionada com a subscrição de fundos de investimento.

J.     O que torna ilegal, por violação de norma de valor superior, a tributação prevista na verba 17.3.4 da TGIS, no que respeita à identificada tipologia específica da situação que se reconduz à actividade financeira de “comercialização de novas subscrições de UP em fundos”.

K.   Em caso de dúvida a Requerente pede  que seja dado cumprimento ao dever de reenvio prejudicial para o TJUE previsto no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), explicitado e densificado, entre outros, nos acórdão do TJUE proferidos nos processos n.º C-161/15 e n.º C-126/97, e que o TJUE já teve também oportunidade de clarificar que abrange os Tribunais arbitrais tributários constituídos no âmbito do RJAT (cfr. o acórdão de 12 de Junho de 2014, proferido no processo n.º C‑377/13).

L.    Finalmente a Requerente peticiona o direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT.

 

4- Na Resposta alega, entre o mais, a Requerida:

 

A.   Cabe primeiramente referir que a verba 17.3.4 da TGIS, conjugada com o n.º 1 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo (CIS), sujeita a imposto do selo, a uma taxa de 4%, as seguintes realidades económicas:

«17 Operações financeiras:

(…)

17.3 – Operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades

financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições

financeiras - sobre o valor cobrado:

(…)

17.3.4 – Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas

relativas a operações de pagamento baseadas em cartões - 4 %.».

B.    Retira-se, assim, expressamente do artigo 30.º do PPA, que as comissões, genericamente denominadas, de comercialização, cobradas pelos Bancos (intermediários financeiros) aos Fundos seus clientes, preenchem o escopo da norma de incidência acima citada.

C.   A questão reside em saber se as comissões de comercialização cobradas pelos Bancos aos Fundos, sobre as quais incidiu imposto de Selo, configura uma violação da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008 (doravante Diretiva 2008/7/CE ou, simplesmente, Diretiva), que proíbe a tributação indireta das reuniões de capital e tributações de alguma forma conexas.

D.   Para a Requerida não se vê qualquer paralelismo entre a tributação de entradas de capital numa sociedade de capitais, operações de reestruturação ou a emissão de determinados títulos e obrigações, que é aquilo que é vedado pela Diretiva, e a tributação das comissões cobradas pela comercialização de Fundos, que é a realidade aqui sob apreço, realidade essa completamente distinta das operações abrangidas pela Diretiva, que diz respeito aos impostos indiretos que incidem sobre as reuniões de capitais.

E.    Através desta Diretiva o legislador europeu procurou, com algumas exclusões e derrogações, colocar na mesma situação todos os agentes económicos que recorressem a mercados primários com vista à captação de financiamento ou reunião de capitais.

F.    Partindo da função auxiliar interpretativa oferecida, entre outros, pelos considerandos (2) e (3) da Diretiva que dispõem, respetivamente, que «os impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais, designadamente o imposto sobre as entradas de capital (imposto que incide sobre as entradas de capital nas sociedades), o imposto de selo sobre os títulos, e o imposto sobre as operações de reestruturação, independentemente de essas operações envolverem ou não um aumento de capital, dão origem a discriminações, duplas tributações e disparidades que dificultam a livre circulação de capitais. O mesmo se aplica a outros impostos indirectos com características idênticas às do imposto sobre as entradas de capital e do imposto de selo sobre os títulos»;

G.   Acontece que na situação sub judice em momento algum se está a tributar, nem as Requerentes demonstram o contrário, «a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação…» das UP dos Fundos geridos pela A... .

H.   Ou seja, por outras palavras, em momento alguma se está a tributar as UP propriamente ditas, como, aliás, as Requerentes querem dar a entender, mas tão-só a remuneração cobrada pelos Bancos à A..., a título da genericamente denominada comissão de comercialização, em consequência das transmissões/vendas das UP efetuadas junto dos investidores.

I.     Por outro lado, a tributação ocorrida resulta de uma opção voluntária da A..., que escolheu comercializar, isto é, vender, indiretamente as UP, recorrendo para o efeito ao serviço de diversas instituições de crédito que, como é obvio, e estavam no seu direito, se fizeram remunerar por via da cobrança de uma comissão pelo serviço financeiro prestado, repercutindo-lhe, como não podia deixar de ser, o imposto do selo legalmente devido.

J.     Neste contexto, importa realçar que não estava obrigada a fazê-lo, podendo ela própria ter vendido/comercializado as UP dos Fundos que gere, porquanto em sítio nenhum o RGOIC impõe às SGOIC a obrigação de contratar serviços de intermediação financeira a instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras instituições financeiras com vista à venda das UP dos Fundos por si geridos;

K.   Aliás, em primeira linha, a comercialização das UP pertence às SGOIC, conforme se extrai, nomeadamente dos artigos n.ºs 66.º/4, 71.º-D e 129/1 a) e 3, todos do RGOIC.

L.    Não pode, por isso, considerar-se que as comissões de comercialização (acrescidas do devido imposto do selo), cobradas pelas instituições de crédito à A..., decorrentes dos serviços financeiros por esta contratados para a venda das UP, estão abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/7/CE.

M.  De facto, o que foi tributado foi remuneração de um serviço de intermediação financeira contratado pela A... que teve em vista a venda, isto é, a transmissão das UP dos Fundos por si geridos junto dos clientes das instituições de crédito contratadas para o efeito.

N.   Donde, não se verificam os pressupostos para que haja lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, porquanto, no caso em apreço, que a Autoridade Tributária se limitou a cumprir, de acordo com o princípio da legalidade previsto no artigo 266º da Constituição e concretizado nos artigos 55.º LGT e no artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) o determinado em sede tributação sobre o património.

 

5- Em relação ao pedido de prova testemunhal, o Tribunal proferiu, em 21/ 9/2021, despacho do seguinte teor: 

“No Pedido Arbitral, o SP, quanto a matéria de prova, refere que a mesma consiste na documentação junta, não havendo, “dado tratar-se no essencial de questões de direito, outros meios de prova a produzir” ( artigo 100.º). Porém, a seguir acrescenta:” Não obstante, caso com respeito a algum ponto da matéria de facto relevante se venha a revelar útil obter outras confirmações, ou confirmações complementares, junto se indica ainda a seguinte testemunha (….)”.

Na contestação, a Requerida opõe-se à realização da prova testemunhal por se traduzir na prática de ato inútil.

Notificado para identificar a matéria de facto sobre a qual pretendia fazer prova testemunhal, veio o SP indicar os artigos 15.º, 16.º, e 19.º a 22.º.

Vejamos.  

A questão central a decidir nos autos traduz-se em averiguar se a remuneração cobrada  pelos Bancos pelo serviço financeiro prestado à Requerente,  a título das denominadas comissões de comercialização, pela  venda das UP junto de investidores, dos Fundos geridos pela Requerente, estão ou não sujeitas a imposto do selo.

Assim recortada a questão, verifica-se que a mesma é essencialmente de direito e a prova documental como, aliás, refere a Requerente no pedido, não havendo qualquer dúvida ou necessidade de prova complementar.

Mais, em concreto, os factos constantes dos artigos 15.º e 16.º apenas são suscetíveis de prova documental e os factos constantes dos artigos 19.º a 22.º são irrelevantes para a questão a decidir.        

Nos termos do artigo 130.º do CPC está o tribunal proibido de praticar atos inúteis.

Assim sendo, porque no caso para decidir a questão a matéria de facto é irrelevante  e a admissão da prova iria traduzir-se na prática de ato inútil, indefere-se o pedido de prova testemunhal.   

Notifique-se este despacho a ambas as partes.

Lisboa, 21 de setembro de 2021.

                                           O Árbitro presidente, com a anuência dos co-árbitros”

                                                                   

6- Nesta sequência, por despacho de 23/9/2021, o Tribunal dispensou a realização da reunião a que se refere ao artigo 18.º do RJAT e foram as partes notificadas para produzirem alegações.

7-As Partes apresentaram alegações reiterando o teor das anteriores peças processuais.  

8-Por Requerimento, de 14/10/2021, veio a Requerente informar para os efeitos tidos por convenientes que, em relação à mesma questão de direito, que se discute nos autos havia sido proferido despacho de reenvio prejudicial no Processo n.º 88/2021-T.

9- Em 18/11/2021 foi emitido despacho de suspensão da instância, cujo conteúdo se dá por reproduzido para todos os devidos e legais efeitos, sendo que a decisão arbitral de reenvio prejudicial, proferida no processo n.º 88/2021-T, formula uma das seguintes questões para apreciação do TJUE:

1.“O artigo 5.º, n.° 2, da Directiva 2008/7/CE opõe-se a uma legislação nacional, como a verba 17.3.4 do Código do Imposto do Selo, que prevê a tributação em Imposto do Selo das comissões cobradas por bancos às entidades gestoras de fundos mobiliários abertos por prestação de serviços a estas relativos à actividade dos bancos dirigida à concretização de novas subscrições de UP, isto é, dirigida a novas entradas de capitais para os fundos de investimento, consubstanciadas na subscrição de novas unidades de participação emitidas pelos fundos?”

2) (…).”

 

10- Em 22/12/2022 o Tribunal foi notificado do Acórdão do TJUE, produzido no processo n.º 88/2021-T.  

 

II-             SANEADOR

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). 

 

Cumpre apreciar e decidir. 

 

III-         FUNDAMENTAÇÃO

 

III-1- MATÉRIA DE FACTO

 

§1.º Dos factos dados como provados:

 

A.   A..., S.A., é sociedade gestora dos seguintes fundos de investimento mobiliário abertos requerentes:

- B..., com o número de identificação fiscal...;

- C..., com o número de identificação fiscal ...;

- D..., com o número de identificação fiscal...;

- E..., com o número de identificação fiscal ...;

- F..., com o número de identificação fiscal...;

- G..., com o número de identificação fiscal ...;

- H..., com o número de identificação fiscal...;

- I..., com o número de identificação fiscal ...;

- J..., com o número de identificação fiscal ...;

- K..., com o número de identificação fiscal ...;

- L..., com o número de identificação fiscal...;

- M..., com o número de identificação fiscal...;

- N..., com o número de identificação fiscal...;

- O..., com o número de identificação fiscal...;

- P..., com o número de identificação fiscal...;

- Q..., com o número de identificação fiscal ...;

- R..., com o número de identificação fiscal...;

- S..., com o número de identificação fiscal ...;

- T..., com o número de identificação fiscal ...;

- U..., com o número de identificação fiscal ...;

-  V..., com o número de identificação fiscal ...;

- W..., com o número de identificação fiscal ...;

- X..., com o número de identificação fiscal ...;

- Y..., com o número de identificação fiscal ...;

- Z..., com o número de identificação fiscal ...;

- AA..., com o número de identificação fiscal ...;

- BB..., com o número de identificação fiscal ...;

- CC..., com o número de identificação fiscal ...;

- DD..., com o número de identificação fiscal ... .

B.    «A A... é uma sociedade gestora de fundos de investimento, isto é, uma sociedade gestora de organismos de investimento coletivo [SGOIC], independente de qualquer grande grupo financeiro.

C.   A A... é apenas uma entidade gestora de fundos, pelo que possui uma atividade própria de comercialização insuficiente, dado ser economicamente inviável dispor de uma estrutura disseminada pelo país para efeitos de comercializar junto do público sem necessidade de recorrer também à banca, a subscrição das unidades de participação dos fundos abertos cujo património é por si gerido.

D.   O objeto mediato os atos de liquidação de imposto do selo legalmente repercutidos nos Fundos geridos e representados pela A..., relativos à prestação de serviços financeiros remunerados através das genericamente denominadas comissões de comercialização, cobradas por venda de unidades de participação (UP) dos Fundos[1], realizados entre janeiro e maio de 2020, ao abrigo da verba 17.3.4 da TGIS, no valor total de € 122.442,50:

                        i.         Pelo EE..., S.A., pessoa coletiva n.º ... (E...), no valor de € 109.520,21;

                      ii.         Pelo FF..., S.A. pessoa coletiva n.º ... (F...), no valor de € 587,89;

                     iii.         Pela G..., CRL, pessoa coletiva n.º ... (G...), no valor de € 11.555,99;

                     iv.         Pelo HH..., S.A., pessoa coletiva n.º ... (Banco HH...), no valor de € 122.442,50;

E.    No ano de 2020 foram comercializadas subscrições de UP de diversos Fundos geridos pela A..., por via da subscrição de novas UP dos mesmos, realizadas pelo Banco EE..., S.A., pessoa colectiva n.º ...  (EE... doravante), pelo Banco FF..., S.A. pessoa colectiva n.º ... (FF... doravante), pela GG..., CRL, pessoa colectiva n.º ... (GG... doravante), pelo Banco HH..., S.A. , pessoa colectiva n.º ... (Banco HH... doravante).

F.    As instituições financeiras procederam à faturação desta comercialização de subscrições de unidades de participação nos Fundos, aos Fundos em causa, tendo liquidado imposto do Selo invocando para tanto a verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS)».

G.   Tais entidades imputaram o valor do imposto pago aos fundos, pela operação financeira de comercialização de subscrições das suas UP levada a cabo pelos identificados bancos: cfr. Doc. n.º 1 (EE...), Doc. n.º 2 (FF...), Doc. n.º 3 (GG...), Doc. n.º 4 (Banco HH...) e Doc. n.º 5 (cópias das facturas com imposto do selo emitidas pelos bancos aos fundos), no valor total de € 122.442,50 (cfr. os Docs. n.ºs 1 a 5).

H.   Na sequência da apresentação de reclamação graciosa contra aquelas identificadas liquidações de Imposto do Selo, foi a sociedade gestora A... notificada do seu indeferimento (tendo em conta a dilação legal de 15 dias) em 27 de Novembro de 2020. 

§2.º Dos factos dados como não provados 

 

Com relevo para a decisão não existem factos alegados que devam considerar-se não provados. 

 

§3.º Da fundamentação da matéria de facto 

 

Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, antes, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o disposto nos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT e 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e Ex), do RJAT. 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cf. o artigo 596.º do CPC).

No que se refere aos factos provados e não provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos e na posição assumida por ambas as Partes, em relação aos factos essenciais, sendo as questões controvertidas estritamente de Direito.

Importa esclarecer que a tributação em causa diz respeito à remuneração pela prestação de serviços de intermediação financeira (“serviços de investimento”) contratados pela A... às instituições de crédito, com vista à comercialização das UP dos Fundos por si geridos, junto dos clientes das instituições de crédito contratadas.

 

III-2- DO DIREITO

 

A questão a decidir gira em torno de saber se as comissões cobradas pelos bancos em causa, pela comercialização de unidades de participação dos Fundos geridos pela Requerente, devem ou não ser tributadas em sede de imposto do selo, ao abrigo da verba 17.3.4 da TGIS, por tal tributação poder configurar violação da Diretiva 2008/7/CE do Conselho, de 12 de Fevereiro de 2008 (doravante Diretiva 2008/7/CE ou, simplesmente, Diretiva), que proíbe a tributação indireta das reuniões de capital.

Como ficou dito, a questão foi analisada, em reenvio suscitado, no processo n.º 88/2021-T, tendo o TJUE por Acórdão, de 22 de Dezembro de 2022, proferido, no processo C-656/21, estabelecido a jurisprudência que se passa a reproduzir:  

“Nestas condições, o Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa — CAAD) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1) O artigo 5.°, n.° 2, da Diretiva [2008/7] opõe-se a uma legislação nacional, como a verba 17.3.4 do Código do Imposto do Selo, que prevê a tributação em Imposto do Selo das comissões cobradas por bancos às entidades gestoras de fundos mobiliários abertos, por prestação de serviços a estas relativos à atividade dos bancos dirigida à concretização de novas subscrições de UP, isto é, dirigida a novas entradas de capitais para os fundos de investimento, consubstanciadas na subscrição de novas unidades de participação emitidas pelos fundos? 

2) O artigo 5.°, n.° 2, da Diretiva [2008/7] opõe-se a uma legislação nacional que prevê a tributação em Imposto do Selo das comissões de gestão cobradas pelas entidades gestoras aos fundos mobiliários abertos, na medida em que essas comissões de gestão incluam o redébito das comissões cobradas por bancos, às entidades gestoras, pela atividade referida?»

“(…)

“22 A título preliminar, importa recordar que, segundo o seu artigo l.°, alínea a), a Diretiva 2008/7 regulamenta a aplicação de impostos indiretos sobre as entradas de capital nas sociedades de capitais. Entre esses impostos indiretos figuram o imposto do selo sobre os títulos e os outros impostos indiretos com características idênticas às do imposto do selo sobre os títulos.

23 O artigo 2.°, n.°2, da referida diretiva prevê, por outro lado, que qualquer sociedade, associação ou pessoa coletiva com fins lucrativos que não pertença às categorias de sociedades de capitais mencionadas no n.° 1 do mesmo artigo é equiparada a uma sociedade de capitais.

24 No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que o imposto em causa no processo principal constitui um imposto do selo cobrado sobre a remuneração dos bancos a título dos serviços de comercialização de novas subscrições de participações de fundos comuns de investimento. Daqui resulta igualmente que, em direito português, o conceito de «fundo de investimento» visa uma massa de património, sem personalidade jurídica, que pertence aos participantes segundo o regime geral de comunhão. 

25 Ora, o Tribunal de Justiça já declarou que um agrupamento de pessoas sem personalidade jurídica, cujos membros entram com capitais para um património separado para atingir um fim lucrativo, deve ser considerado uma «associação com fins lucrativos» na aceção do artigo 2.°, n.° 2, da Diretiva 2008/7, pelo que, em aplicação desta última disposição, é equiparado a uma sociedade de capitais para efeitos desta diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 12 de novembro de 1987, Amro Aandelen Fonds, 112/86, EU:C:1987:488, n.° 13).

26 Decorre destas considerações que fundos comuns de investimento, como os que estão em causa no processo principal, devem ser equiparados a sociedades de capitais e, por conseguinte, são abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/7.

27 Feitas estas observações preliminares, há que recordar que o artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7 proíbe os Estados-Membros de sujeitarem a qualquer forma de imposto indireto a criação, emissão, admissão à cotação em bolsa, colocação em circulação ou negociação de ações, de partes sociais ou de outros títulos da mesma natureza, bem como de certificados representativos desses títulos, independentemente de quem os emitiu.

28 Todavia, tendo em conta o objetivo prosseguido por esta diretiva, o artigo 5.° da mesma deve ser objeto de uma interpretação latu sensu, para evitar que as proibições que prevê sejam privadas de efeito útil. Assim, a proibição da imposição das operações de reunião de capitais aplica-se igualmente às operações que não estão expressamente referidas nesta proibição, uma vez que essa imposição equivale a tributar uma operação que faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais (v., neste sentido, Acórdão de 19 de outubro de 2017, Air Berlin, C-573/16, EU:C:2017:772, n.os 31 e 32 e jurisprudência referida). 

Assim, o Tribunal de Justiça declarou que, uma vez que uma emissão de títulos só tem sentido a partir do momento em que esses mesmos títulos são adquiridos, uma taxa sobre a primeira aquisição dc títulos de uma nova emissão tributaria, na realidade, a própria emissão dos títulos, na medida em que ela faz parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais. O objetivo de preservar o efeito útil do artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7 implica assim que a «emissão», na aceção desta disposição, inclua a primeira aquisição dos títulos efetuada no quadro da sua emissão (v., por analogia, Acórdão de 15 de julho de 2004, Comissão/Bélgica, C-415/02, EU:C:2004:450, n.os 32 e 33).

30 Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça considerou que a transmissão de titularidade, apenas para efeitos de uma operação de admissão dessas ações na Bolsa e sem consequências sobre a sua propriedade efetiva, deve ser vista apenas como uma operação acessória, integrada nessa operação de admissão, a qual, em conformidade com o artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7, não pode ser sujeita a qualquer imposição, seja de que forma for (v., neste sentido, Acórdão de 19 de outubro de 2017, Air Berlin, C-573/16, EU:C:2017:772, n.os 35 e 36).

31 Ora, uma vez que serviços de comercialização de participações em fundos comuns de investimento, como os que estão em causa no processo principal, apresentam uma ligação estreita com as operações de emissão e de colocação em circulação de partes sociais, na aceção do artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7, devem ser considerados parte integrante de uma operação global à luz da reunião de capitais. 

32 Com efeito, sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, esses fundos estão abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2009/65, por força do seu artigo l.°, n.os 1 a 3. A este respeito, o pagamento do preço correspondente às participações adquiridas, único objetivo de uma operação de comercialização, está ligado à substância da reunião de capitais e é, como resulta do artigo 87.° da Diretiva 2009/65, uma condição que deve ser preenchida para que as participações de fundos em causa sejam emitidas.

33 Daqui resulta que o facto de dar a conhecer junto do público a existência de instrumentos de investimento de modo a promover a subscrição de participações de fundos comuns de investimento constitui uma diligência comercial necessária e que. a esse título, deve ser considerada uma operação acessória, integrada na operação de emissão e de colocação em circulação de participações nos referidos fundos. 

34 Além disso, uma vez que a aplicação do artigo 5.°, n.°2, alínea a), da Diretiva 2008/7 depende da ligação estreita dos serviços de comercialização com essas operações de emissão e de colocação em circulação, é indiferente, para efeitos dessa aplicação, que se tenha optado por confiar essas operações de comercialização a terceiros em vez de as efetuar diretamente.  

35 A este respeito, há que recordar que, por um lado, esta disposição não faz depender a obrigação de os Estados-Membros isentarem as operações de reunião de capitais de nenhuma condição relativa à qualidade da entidade encarregada de realizar essas operações. Por outro lado, a existência ou não de uma obrigação legal de contratar os serviços de um terceiro não é uma condição pertinente quando se trata de determinar se uma operação deve ser considerada, parte integrante de uma operação global do ponto de vista da reunião de capitais (v., neste sentido, Acórdão de 19 de outubro de 2017, Air Berlin, C-573/16, EU:C:2017:772, n.° 37).

36 Daqui resulta que serviços de comercialização como os que estão em causa no processo principal fazem parte integrante de uma operação de reunião de capitais, pelo que o facto de os onerar com um imposto do selo está abrangido pela proibição prevista no artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7.

37 Por outro lado, há que observar que o efeito útil desta disposição ficaria comprometido se, apesar de impedir a incidência de um imposto do selo sobre as remunerações auferidas pelos bancos a título de serviços de comercialização de novas participações de fundos comuns de investimento junto da sociedade de gestão destes, fosse permitido que esse imposto do selo incidisse sobre as mesmas remunerações quando estas são redebitadas pela referida sociedade de gestão aos fundos em causa.

38 Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 5.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2008/7 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que prevê a incidência de um imposto do selo, por um lado, sobre a remuneração que uma instituição financeira recebe de uma sociedade de gestão de fundos comuns de investimento pela prestação de serviços de comercialização para efeitos de novas entradas de capital destinadas à subscrição de participações de fundos recentemente emitidas e, por outro, sobre os montantes que essa sociedade de gestão recebe dos fundos comuns de investimento na medida em que esses montantes incluam a remuneração que a referida sociedade de gestão pagou às instituições financeiras por esses serviços de comercialização.

 

Termos em que, transpondo para o caso em apreço, com as devidas adapatações, este Tribunal, dando cumprimento à jurisprudência do TJUE, dá provimento ao pedido, com a consequente anulação das liquidações impugnadas.

   

III-3- DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS  

 

Como ficou dito, a Requerente solicita a restituição do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios.

São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, ter havido erro imputável aos serviços do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (vd. art. 43.º, n.º 1, da LGT). Como ficou dito na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 296/2019-T, “É, por isso, condição necessária para a atribuição dos referidos juros a demonstração da existência de erro imputável aos serviços. Nesse sentido, vejam-se, por ex., os seguintes arestos: “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT [...] depende de ter ficado demonstrado no processo que esse ato está afetado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT.” (Acórdão do STA de 30 de maio de 2012, proc. 410/12); “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária pressupõe que no processo se determine que na liquidação «houve erro imputável aos serviços», entendido este como o «erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Fiscal»” (Acórdão do STA de 10 de abril de 2013, proc. 1215/12).”

No caso dos autos, tendo-se concluído, como decorre do que foi atrás dito, erro imputável aos serviços – o qual conduz à anulação dos atos tributários em causa e à consequente devolução do montante pago pela Requerente, nos termos do disposto no artº 173.º, n.º 1, do CPTA, ex vi art. 29.º, n.º 1, al. c), do RJAT –, conclui-se, sem necessidade de mais considerações, pela procedência do pedido de pagamento de juros indemnizatórios, no termos legais.

 

 

IV-          DECISÃO

 

Termos em que, pelos fundamentos expostos, se decide neste Tribunal Colectivo:  

 

a)     Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa e, nesta sequência, anular as liquidações de imposto de Selo impugnadas referentes aos períodos de Janeiro a Maio de 2020, no montante de €122.442,50;

b)    Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios nos termos legais;

c)     Condenar a Requerida em custas.  

   

V-            VALOR DA CAUSA

Fixa-se o valor do processo em € 122.442,50, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT

 

VI-          CUSTAS

Custas no montante de € 3 060,00, a cargo da Requerida, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

Notifique-se

Lisboa, 24 de Janeiro de 2023 

 

 

O Tribunal Colectivo

                                              

                                             Fernanda Maçãs (presidente), com a seguinte declaração de voto:

Voto a decisão por estar vinculada ao douto Acórdão do TJUE, mas, salvo o devido respeito, que é muito, não posso deixar de expressar algumas perplexidades que o mesmo não conseguiu eliminar. 

1.A primeira perplexidade gira em torno da caracterização da situação dos autos.

 Cumpre em primeiro lugar salientar que, salvo melhor juízo, não foi tida em conta a verdadeira situação de facto que se discute nos autos. Como destaca a Requerida e bem, no caso em análise, a A... subcontratou a prestação de serviços das instituições de crédito  com o objetivo de estas promoverem a comercialização das UP dos Fundos por si geridos, sendo que a comercialização inclui toda “a atividade dirigida a investidores, no sentido de divulgar para efeitos de subscrição ou propor a subscrição de unidades de participação ou de ações em organismo de investimento coletivo, utilizando qualquer meio publicitário ou de comunicação”, artigo 2º, nº1, alínea c), do RGOIC. Aqui importa realçar que não estava obrigada a fazê-lo, podendo ela própria ter vendido/comercializado as UP dos Fundos que gere, porquanto em parte alguma o RGOIC impõe às SGOIC a obrigação de contratar serviços de intermediação financeira a instituições de crédito, empresas de investimento, sociedades financeiras ou a outras instituições financeiras com vista à comercialização das UP dos Fundos por si geridos. Pelo contrário, a comercialização das UP e a gestão dos fundos de acordo com a respetiva política de investimentos previamente aprovada no exclusivo interesse dos seus participantes/investidores pertence às SGOIC, conforme se extrai, nomeadamente dos artigos n.ºs 66.º/1/4, 71.º-D e 129/1 a) e 3, todos do RGOIC.

Não pode, por isso, considerar-se que as comissões de comercialização (acrescidas do devido imposto do selo), cobradas pelas instituições de crédito à A..., decorrentes dos serviços de investimento por esta contratados, estejam abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2008/7/CE. De facto, o que foi tributado foi a remuneração pela prestação de serviços de intermediação financeira (“serviços de investimento”) contratados pela A... às instituições de crédito, com vista à comercialização das UP dos Fundos por si geridos, junto dos clientes das instituições de crédito.

Em síntese, ainda que constituísse escopo da Diretiva isentar a tributação das unidades de participação dos fundos, fique claro que não estamos a tributar as unidades de participação, mas o serviço de intermediação prestado pelas instituições de crédito à A... . Serviço que esta entidade estava habilitada por lei a fazê-lo. Estamos por isso muito longe de uma operação conatural, necessária, mas meramente eventual.   

 

2.A situação é agravada pelo facto de o douto Acórdão do TJUE invocar a seu favor jurisprudência anterior que, referindo-se a uma situação protegida pela Diretiva, nada tem que ver com a situação dos autos, como acontece com o Acórdão Air Berlim, C-573/16. Por sua vez, a jurisprudência do Acórdão do TJUE, proferido no processo C-415/02, refere-se a uma situação que não tem correspondência na letra nem no espírito da nova Diretiva (2008), o que tudo conjugado não contribui para gerar confiança na jurisprudência dimanada. 

 

3.A segunda perplexidade diz respeito à interpretação da Diretiva. 

 

§ Interpretação dos artigos 1.º e 2.º

O artigo 1.º refere expressamente que regula a aplicação de impostos indiretos sobre “Entradas de capital em sociedades de capitais, “Operações de reestruturação que envolvam sociedades de capitais” e “Emissão de determinados títulos e obrigações”.

De seguida o artigo 2.º apresenta a definição do que deve entender-se por sociedades de capitais. Da análise do teor das várias alíneas destaca-se uma característica essencial: a personalização. Isto é, em todas as situações se destaca o facto de se tratar de uma pessoa coletiva. Realce-se que mesmo quando no n.º 2 o artigo 2.º alarga o conceito de sociedades de capitais  a outras  entidades consideradas “equiparadas”, refere-se expressamente a qualquer outra “sociedade”, “associação” ou “pessoa coletiva com fins lucrativos”. Ou seja, mantém-se a exigência quanto a ter de se tratar de uma pessoa coletiva.

Mais, a alínea a) do artigo 2.º abrange qualquer sociedade que assuma uma das formas enunciadas, no anexo I. Se se atentar neste anexo verifica-se que, para Portugal, serão as sociedades designadas (anónima, sociedades em comandita por ações e sociedade por quotas).  

Ora, nos casos dos autos estamos a falar de fundos que são patrimónios autónomos desprovidos de personalidade jurídica e não são património ou capital da empresa gestora. Donde da interpretação conjugada dos artigos 1.º (“objeto”) e 2º, (“sociedades de capitais”), resulta de forma inequívoca que um fundo não é uma sociedade de capitais, nem uma associação com personalidade jurídica nem integra outro tipo de pessoa coletiva.

Logo, qualquer interpretação em sentido contrário não cabe na letra da Diretiva.

Mais, estabelecendo a Diretiva um elenco das entidades que devem fazer parte do seu objeto e indo ao ponto de alargar o conceito de sociedades de capitais a determinadas entidades, que considera “equiparadas”, não se compreende como pode um Tribunal ir mais além alargando o âmbito de aplicação da Diretiva de forma a abranger entidades que nem cabem diretamente na letra do elenco nem no conceito de entidade equiparada.

Esta perplexidade estende-se à interpretação do conceito de “entradas de capital” constante do artigo 3.º. Também aqui mesmo quando se trate de vicissitudes societárias que se traduzam em operações de aumento do património ainda aí se faz referência a sociedade de capitais [alínea d)].

Por outro lado, o conceito de reunião de capitais não deve ser interpretado como mera "reunião" de capitais, mas como uma operação de recapitalização ou de reestruturação no âmbito da qual sejam emitidos ou negociados valores mobiliários (ações ou obrigações para operações de empréstimo).

 

§2.º Interpretação do artigo 5.º, n.ºs 1 e 2

Também a interpretação destes preceitos nos suscita dúvidas, porquanto, em nossa modesta opinião, o n.º 2 tem de ser lido, em conexão teleológica e sistemática, tendo em vista as operações visadas no n.º 1. As sociedades de capital e as equiparadas, para o seu desenvolvimento, crescimento, concentração, reestruturação, podem recorrer aos sócios, ou a mutuantes ou ao público em geral, e procederem à emissão de valores mobiliários representativos das partes de capital ou de empréstimos que emitem. Estes valores mobiliários são muitas vezes emitidos, negociados posteriormente, e mesmo sujeitos à admissão a mercados organizados (por vezes a admissão à negociação de valores mobiliários é mesmo obrigatória, nº5 do artigo 227º do Código dos Valores Mobiliários), o que aumenta a sua liquidez e a sua atração para os investidores que podem negociar os seus títulos de seguida. 

Assim sendo, quando a alínea a) do n.º 2 se refere a negociação de valores mobiliários (artigo 5º, nº2) deve ser interpretada no sentido de criação, emissão, admissão colocação, negociação de ações ou partes sociais ou outros títulos da mesma natureza relacionados com a operação em causa a que se refere no  n.º 1 e que sejam ações ou outras partes sociais ou títulos com a mesma natureza (não se tributando a operação é natural que se proíba que a tributação incida sobre os valores mobiliários dela resultante). 

Ora, em primeiro lugar, as unidades de participação dos fundos não revestem a mesma natureza de partes sociais resultantes de uma operação prevista no nº1 ou análoga (não revestem a natureza de uma participação no capital de uma pessoa coletiva, mas, como vimos, partes de “patrimónios autónomos, sem personalidade jurídica, pertencentes aos participantes no regime geral de comunhão”, compostos nomeadamente por valores mobiliários como as ações ou obrigações e mesmo outras Unidades de Participação,  instrumentos dos mercado monetário ou instrumentos financeiros derivados (artigo 2º, nº1, alínea u) do RGOIC). 

 

4. Também enfrentamos dificuldades quanto à aplicação do elemento racional ou teleológico, tendo por referência preceitos relevantes sobre o âmbito de aplicação material e subjetivo.

Quanto ao escopo da Diretiva 2058/7 do Conselho: a Diretiva (“impostos indirectos que incidem sobre reuniões de capital”) tem em vista incentivar e evitar distorções de concorrência na EU relativamente à criação de empresas (sociedades de capitais, associações e/ou outras pessoas coletivas com fins lucrativos ou que emitem títulos, suscetíveis de ser negociados em bolsa), intra-EU, para o seu desenvolvimento e crescimento, concentração, reagrupamento e reestruturação. Entende-se que tal seria prejudicado se houvesse obstáculos indiretos, vg fiscais, à liberdade de circulação de capitais para tal fim. 

Assim sendo, salvo melhor juízo, a Diretiva não visa isentar de impostos o mercado de capitais ou os serviços de investimento prestados pelos profissionais que nele operam (“intermediários”), mas sim as operações de capital que se destinem a fomentar, concentrar, reestruturar empresas.

Em suma, como quer que se entenda, repete-se que, para efeitos da Diretiva, as unidades de participação são partes representativas de um património autónomo (que pode ser composto por partes sociais de muitas empresas, nacionais ou estrangeiras) gerido por uma sociedade comercial anónima. Assim, o artigo 7º, nº1, do RGOIC, “O património dos fundos de investimento é representado por partes de conteúdo idêntico que asseguram aos seus titulares direitos iguais, sem valor nominal, que se designam unidades de participação”.

Termos em que, ao contrário do que se pretende, salvo melhor juízo, o legislador comunitário tem um escopo preciso na sua isenção tributária, relativo ao fomento e concentração e reestruturação de sociedades permitindo para isso a livre circulação de capitais, o que é mais restrito do que toda e qualquer “reunião de capitais” – este alegado “largo espetro” que se pretende atribuir à normas de isenção torná-la-ia numa norma imprecisa e “catch all”…

Por tudo o quanto vai exposto, considera-se que, em nossa modesta opinião, a interpretação sufragada não tem acolhimento na letra da Diretiva, nem tão pouco em qualquer elemento de interpretação sistemática nem mesmo racional.  O que nos conduz a uma última perplexidade, por tal interpretação ser contrária aos princípios basilares da Constituição da República Portuguesa da legalidade e da tipicidade dos impostos, no que respeita aos elementos essenciais, incluindo a matéria de isenções.

 

 

                                             Martins Alfaro (árbitro vogal), acompanhando na íntegra a declaração de voto da Exma. Senhora Presidente do Tribunal Arbitral.

 

 

                                            Dr. João Marques Pinto (árbitro vogal)  

 

 



[1] Conforme se retira do documento 5 junto ao pedido, embora as Requerentes se refiram genericamente a “comissões de comercialização”, a nomenclatura dada pelos Bancos para a faturação destes serviços financeiros à A... varia de instituição para instituição. Assim temos:

EE... – “Comissão de distribuição”;

FF... – “Comissão de distribuição”;

GG..., CRL – “Comissão de comercialização”;

BANCO HH..., S.A – “Comissão de gestão de fundos imobiliários”.