Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 84/2016-T
Data da decisão: 2016-07-08  Selo  
Valor do pedido: € 16.795,60
Tema: IS - Propriedade Vertical; verba nº 28.1. da TGIS
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Decisão Arbitral [1]

 

Requerente – A… – …, S. A.

Requerida - Autoridade Tributária e Aduaneira

 

O Árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 29 de Abril de 2016, com respeito ao processo acima identificado, decidiu o seguinte:

 

1.       RELATÓRIO

 

1.1.       A… – …, S. A., Pessoa Colectiva nº …, com sede na Estrada …, nº …, …, …, …-… (doravante designada por “Requerente”), apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral singular, no dia 16 de Fevereiro de 2016, ao abrigo do disposto no artigo 4º e nº 2 do artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

1.2.       A Requerente “(…) tendo sido notificada do indeferimento da reclamação graciosa, efetuado pela Chefe do Serviço de Finanças do … …, dos atos de liquidação do Imposto do Selo efetuados pelo Chefe do Serviço de Finanças do … …, relativos à primeira e segunda prestações recebidas em 2015, respeitantes ao ano de 2014, na quantia global de 11.197,12€” e “tendo sido notificada dos atos de liquidação do Imposto do Selo efetuados pelo Chefe do Serviço de Finanças do … …, relativos à terceira prestação recebida em 2015, respeitante ao ano de 2014, para pagar a quantia total de 5.598,48€, até 30/11/2015”, “não se conformando com o referido indeferimento, nem com o teor das liquidações (…)”, veio requerer  “(…) que a pronúncia seja no sentido de considerar que a reclamação graciosa deveria ter sido considerada procedente, bem assim todas as restantes liquidações sob análise deverão ser anuladas por falta de fundamentação fáctica e de direito” e, “em consequência da anulação das liquidações, a Autoridade Tributária e Aduaneira deverá ser condenada a:

 

a) devolver à Requerente todos os montantes que já foram pagos nas execuções fiscais resultantes da falta de pagamento das liquidações supra identificadas, bem assim os respetivos juros moratórios;

b) devolver à Requerente todas as custas processuais que já foram pagas nas execuções fiscais resultantes da falta de pagamento das liquidações supra identificadas;

c) pagar à Requerente juros indemnizatórios sobre as quantias que esta pagou e vier a pagar e até integral pagamento, desde a data em que foi efetuado o pagamento, calculados com base nas quantia pagas e desde a data em que cada pagamento foi feito e a data do integral reembolso das quantias (…)”.

 

1.3.    O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite, pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, e automaticamente notificado à Requerida, em 17 de Fevereiro de 2016.

 

1.4.    Dado que a Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2, alínea a) do RJAT, a signatária foi designada como árbitro, em 12 de Abril de 2016, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

1.5.    Na mesma data, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos do disposto no artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

1.6.    Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 29 de Abril de 2016, tendo sido proferido despacho arbitral, em 2 de Maio de 2016, no sentido de notificar a Requerida, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, para:

 

1.6.1.     Apresentar resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional;

1.6.2      Remeter ao Tribunal Arbitral, dentro do prazo da resposta, cópia do processo administrativo.

 

1.7.    Em 31 de Maio de 2016, a Requerida anexou aos autos o processo administrativo tendo apresentado a sua resposta em 2 de Junho de 2016, na qual se defendeu por impugnação e concluído que deve ser “julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, por não provado, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados, absolvendo- se, em conformidade, a entidade requerida do pedido”.

 

1.8.       Adicionalmente, a Requerida na resposta apresentada, invocou que não se verifica “(…) qualquer interesse e utilidade na realização da reunião prevista no artigo 18º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e muito menos na audição da testemunha apresentada pela Requerente”, “(…) não pretende, caso esse entendimento seja confirmado, produzir quaisquer alegações (…)”, veio requerer “(…) a dispensa da reunião referida (…), bem como a dispensa da audição da testemunha apresentada pela Requerente, e caso esta não se oponha, se passe directamente à decisão da causa”.

 

1.9.       Assim, ambas as Partes foram notificadas do despacho arbitral, datado de 2 de Junho de 2016, tendo a Requerente sido notificada para se pronunciar, no prazo de 5 dias, sobre a possibilidade de dispensa:

 

1.9.1.           Da realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT;

1.9.2.           Da inquirição da testemunha indicada no pedido;

1.9.3.           Da apresentação de alegações.

 

1.10.   A Requerente apresentou requerimento, em 8 de Junho de 20165, no sentido de declarar que “(…) não se opõe à dispensa: da realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT; da inquirição da testemunha indicada no pedido; e da apresentação de alegações”.

 

1.11.   Nestes termos, foi decidido pelo Tribunal Arbitral, em despacho datado de 8 de Junho de 2016, em consonância com os princípios processuais consignados no artigo 16º do RJAT, da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar [alínea c)], da cooperação e da boa-fé processual [alínea f)] e da livre condução do processo consignado no artigo 19º e 29º, nº 2 do RJAT, e tendo ainda em conta o princípio da limitação de actos inúteis previsto no artigo 130º do Código de Processo Civil (CPC) [aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT]:

 

1.11.1.       Prescindir da realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT;

1.11.2.       Prescindir da inquirição da testemunha;

1.11.3.       Prescindir da apresentação de alegações;

1.11.4.       Designar o dia 18 de Julho de 2016 para efeitos de prolação da decisão arbitral.

 

1.12.   No mesmo despacho, foi ainda a Requerente advertida que “até à data da prolação da decisão arbitral deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD”, o que veio a efectuar com data de 14 de Julho de 2016.

 

2.       CAUSA DE PEDIR

 

Das Liquidações, Reclamação Graciosa e indeferimento expresso da mesma, relativo às primeira e segunda prestações do Imposto do Selo de 2014

 

2.1.    “A Requerente é uma sociedade comercial anónima, que se dedica à realização de operações gerais sobre imóveis, promoção de investimentos, construção, compra e venda e administração de imóveis (…)” e, nesse âmbito, “é proprietária dos prédios, sitos na Rua …, … e …, tal como se  verifica da certidão permanente do prédio que abrange a Rua …, n.os … a … (…)”.

 

2.2.    Prossegue a Requerente referindo que “foi notificada, pelo Serviço de Finanças do … …, de dezasseis liquidações relativas ao pagamento da primeira prestação do Imposto do Selo respeitante ao ano de 2014, com base na Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo relativamente aos prédios sitos na Rua …, … e …, inscritos na matriz predial urbana sob o artigo U-…, da freguesia de …, no Porto (…)” que identifica, bem como “(…) foi notificada, pelo Serviço de Finanças do … …, de dezasseis liquidações relativas ao pagamento da segunda prestação do Imposto do Selo do ano de 2014 (…)”, que também identifica.

 

2.3.    “A Requerente, por não concordar com as liquidações, apresentou a respetiva reclamação graciosa requerendo a anulação de todas as liquidações (…) identificadas, a qual foi enviada em 24/08/2015 (…)”.

 

2.4.    Refere a Requerente que “através do ofício …/…-…, de 16/11/2015 (…) foi notificada, pelo Serviço de Finanças (…) da proposta da decisão e projeto de despacho proferidos na reclamação apresentada (…)”, sendo que “(…) a proposta de decisão era no sentido do indeferimento da reclamação (…)”.

 

2.5.    Esclarece a Requerente que exerceu, “no dia 04/12/2015 (…) o seu direito de audição (…)”, tendo suscitado “no requerimento apresentado, além dos vícios já invocados na reclamação graciosa apresentada (…)”, “(…) a nulidade da decisão, por violação dos princípios da colaboração da Administração com os particulares, da participação e da decisão”.

 

2.6.    Contudo, segundo a Requerente, “a Administração Tributária não fez qualquer faz qualquer referência às provas apresentadas (…) tendo-se limitado a transcrever em tópicos o alegado por esta, sem apreciar verdadeiramente a fundamentação constante da Reclamação” e, em momento posterior (refere a Requerente) “por carta recebida em 18/12/2015 (…) foi notificada, pelo Serviço de Finanças (…) do indeferimento da sua reclamação (…)”.

 

2.7.    Ora, “a Requerente não pode concordar com o indeferimento da reclamação graciosa que apresentou, motivo pelo qual, apresenta o presente pedido de pronúncia arbitral”.

 

2.8.    A Requerente esclarece ainda que “foi notificada de dezasseis liquidações relativas ao pagamento da terceira prestação do Imposto do Selo do ano de 2014, com base na Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo relativamente aos prédios, sitos na Rua …, … e … (…)”.

 

Anulação parcial dos atos de liquidação por vício de violação de lei – direito de audição - arts. 56.º, 58.º, 59º e 60º, n.os 1 e 7 da LGT, 268º da CRP e 45º do CPPT

 

2.9.    Neste âmbito, entende a Requerente que a Requerida, não apreciou a reclamação graciosa “(…) apresentada pela Requerente” “e mais grave, mesmo após a Requerente ter arguido a nulidade do projeto de decisão, a AT notificou-a do indeferimento da sua reclamação (…)”, ignorando os vícios invocados, quer na reclamação graciosa, quer no direito de audição, revelando “(…) conduta (…)” que “(…) reforça a desigualdade existente entre as partes, violando claramente os princípios da colaboração, da participação e da decisão, a que a Administração Fiscal está adstrita”.

 

2.10.  Neste sentido, entende a Requerente que “(…) foram violados os princípios da decisão, do inquisitório e da participação”.[2]

 

Anulação dos atos de liquidação por erro sobre os pressupostos de facto e falta de fundamentos de direito - vício de violação de lei – prédio sujeito a afetação comercial

 

2.11.  Neste âmbito, esclarece a Requerente que, conforme “a certidão permanente junta (…) o prédio aqui em causa é um Edifício de sete pavimentos, para habitação e comércio” e que “(…) a entrada da Rua …, n.º …, corresponde à montra de uma loja comercial (…)” e que “os números … e … da Rua … são, sem sombra de dúvidas, estabelecimentos comerciais”.

 

2.12.  Ora, prossegue a Requerente referindo que “a verba da Tabela Geral do Imposto do Selo que incide sobre os prédios (…) referencia que este imposto se aplica a casos em que a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário  (…) seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 (…)”, mas “para além destes requisitos (…) apenas se aplica a prédios com afetação habitacional”, entendendo que “uma das condições essenciais para a aplicação deste imposto (…) é que o prédio tenha uma afetação (…) habitacional”.

 

2.13.  Para a Requerente, “não restam dúvidas de que o imóvel em questão não tem uma afetação habitacional” porquanto “da descrição matricial dos números … e …, se verifica que os mesmos são destinados a comércio” pelo que entende que “(…) a reclamação graciosa deveria ter sido considerada procedente, quanto à liquidação das primeira e segunda prestações de 2014, bem assim todas as restantes liquidações sob análise deverão ser anuladas por falta de fundamentação fáctica e de direito”.

 

Anulação dos atos de liquidação por falta de fundamentos legais – vício de violação de lei - verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo

 

2.14.  Nesta matéria, entende a Requerida que “as liquidações sob censura reportam-se a dezasseis apartamentos, cada um deles com valores patrimoniais próprios, os quais não chegam (…) ao montante de um milhão de euros” sendo que “o valor patrimonial dos dezasseis apartamentos (…) entre 104.710 € e 105.760 €”.

 

2.15.  Assim, para a Requerente, “(…) a expressão valor patrimonial tributário apenas pode ter uma interpretação, numa lógica sistemática de todos os impostos”, sendo que questiona “qual a justificação para que as frações dos prédios em propriedade horizontal não sejam sujeitas ao Imposto do Selo e as unidades independentes dos prédios em propriedade total o sejam?”, concluindo que “é manifesto existir um tratamento discriminativo quando não se verificam quaisquer motivos e/ou fundamentos para tal, visto que inexiste qualquer obrigatoriedade de constituir um prédio em propriedade horizontal”.

 

2.16.  Por outro lado, alega a Requerente que “foi propalado nos meios de comunicação que este imposto iria incidir e tributar proprietários de prédios pretensamente de luxo, mas, esta interpretação por parte da Administração Tributária, está a penalizar proprietários de prédios de rendimento, sem qualquer justificação, nem fundamento”, pelo que entende que “a conduta da Administração Tributária é violadora do princípio da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal (…)”, “não respeitando a interpretação literal, nem histórica, da norma, sequer o seu espírito quando foi criada”.

 

2.17.  Assim, entende a Requerente que “não pode a AT distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer (…) sob pena de violar a coerência lógica do sistema fiscal, bem assim como o princípio da legalidade fiscal previsto no artigo 103.º, n.º 2 da CRP, e ainda os princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade”, sendo que “a errónea interpretação da Administração Tributária da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo é violadora desta mesma norma”.

 

2.18.  Nestes termos, entende a Requerente que “também por este fundamento, a reclamação graciosa deveria ter sido considerada procedente, quanto às liquidações da primeira e segunda prestações de 2014, bem assim as restantes liquidações sob análise deverão ser anuladas por falta de fundamentação fáctica e de direito”.

 

Anulação dos atos de liquidação por vício de violação de lei - art. 24.º, n.º 1, alínea d) do RJAT

 

2.19.  Nesta matéria, refere a Requerente que no âmbito da decisão arbitral proferida no processo nº 804/2014-T (de 08/05/2015), “o Tribunal Arbitral julgou procedente o pedido da Requerente, tendo ordenado a anulação das liquidações do Imposto do Selo (…) do ano de 2012 (…) e do ano de 2013 (…) e condenou a AT no pagamento de juros indemnizatórios”.

 

2.20.  Tendo em consideração que “nos termos do art. 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22  de Março, a Autoridade Tributária está vinculada à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida (…)” entende a Requerente que “tal vinculação da Autoridade Tributária, pressupõe um estrito cumprimento pelas decisões proferidas pelos tribunais arbitrais, não podendo a mesma ignorar a existência de uma decisão favorável à Requerente relativamente aos prédios aqui em questão”.[3]

 

2.21.  Assim, entende a Requerente que “as liquidações aqui em apreço deverão ser anuladas por padecerem do vício de violação de lei, nos termos do art. 24.º, n.º 1, alínea d) do RJAT”.

 

Juros indemnizatórios

 

2.22.  Neste âmbito, afirma a Requerente que “todos os processos, à exceção dos processos …2015… e …2015…, que apenas se encontram pagos parcialmente, foram pagos totalmente através da (…) compensação de créditos”, tendo deste modo sido “(…) penhoradas diversas quantias”, entendendo a Requerente que “(…) terá pago à Autoridade Tributária montantes indevidos, (…) que ascenderam a 11.401,64 €”, pelo que “(…) com o deferimento da pretensão da Requerente, esta tem direito, para além da devolução dos montantes pagos, a ser ressarcida dos juros vencidos e vincendos desde as diversas datas de compensação até integral liquidação”.

 

Conclusão

 

2.23. Nestes termos, “por todo o exposto, e pela materialidade constante de qualquer um dos pontos supra elencados (…)” requer a Requerente “(…) que a pronúncia seja no sentido de considerar que a reclamação graciosa deveria ter sido considerada procedente, bem assim todas as restantes liquidações sob análise deverão ser anuladas por falta de fundamentação fáctica e de direito”, concluindo como no ponto 1.2., supra.

 

3.       RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.    A Requerida apresentou resposta sustentando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral e invocando os argumentos que, a seguir, se apresentam.

 

3.2.    Refere a Requerida que, à data das liquidações, “(…) a Requerente detinha a propriedade plena dos prédios urbanos em análise, avaliados nos termos do CIMI, no âmbito da avaliação geral aos prédios urbanos, descritos como prédio em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente (…) com valor patrimonial tributário (…) superior a € 1.000.000,00”.

 

3.3.    Esclarece a Requerida que “com referência ao ano de 2014, em cumprimento e nos termos do disposto no artigo 6º, n.º 2 da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, que aditou a verba n.º 28 à TGIS, com a alteração efectuada pela Lei nº 83-C/2013 de 31/12 e cuja respectiva norma de incidência refere prédios urbanos, avaliados nos termos do CIMI, com VP igual ou superior a € 1.000.000,00 e, nos termos do seu n.º 28.1, afectação habitacional, procedeu a AT à notificação dos documentos de cobranças para o pagamento das liquidações em causa”.

 

3.4.    Assim, segundo a Requerida, “o que está aqui em causa são liquidações que resultam da aplicação directa da norma legal, que se traduz em elementos objectivos, sem qualquer apreciação subjectiva ou discricionária”.

 

3.5.    Prossegue a Requerida alegando que “decorre da análise do preceito normativo que um prédio em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente é, inequivocamente, diverso de um imóvel em regime de propriedade horizontal, constituído por fracções autónomas, ou seja, vários prédios” e “quanto à liquidação de IMI, tratando-se de prédios em propriedade total, o VP que serve de base ao seu cálculo, será indiscutivelmente o VP que a ora Requerente define como valor global do prédio”.

 

3.6.    Assim, esclarece a Requerida que “em cumprimento do disposto no artigo 119º, n.º 1 do CIMI, o documento de cobrança é enviado ao sujeito passivo com discriminação das partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor patrimonial tributário e da colecta imputada a cada município da localização dos prédios”, concluindo que “estando correcta a liquidação e sendo devido o imposto apurado, não são devidos os juros indemnizatórios (…) por não existir qualquer erro imputável aos Serviços, que se limitaram a actuar, como deviam, no estrito cumprimento da norma legal”.

 

Da violação do princípio da legalidade, igualdade tributária e da capacidade contributiva

 

3.7.    Neste âmbito, entende a Requerida que “falece (…) de sustentação legal a tese defendida pela Requerente, pois muito embora a liquidação do IS, nas situações previstas na verba nº 28.1 da TGIS, se processe de acordo com as regras do CIMI, a verdade é que o legislador ressalva os aspectos que careçam das devidas adaptações (…), como é o caso dos prédios em propriedade total, ainda que com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente (…) para efeitos de IS releva o prédio na sua totalidade pois que, as divisões susceptíveis de utilização independente não são havidas como prédio, mas apenas as fracções autónomas no regime de propriedade horizontal, conforme nº 4 do art. 2º do CIMI”.

 

3.8.    Nestes termos, defende a Requerida que “o que, expressamente, resulta da letra da lei é que o legislador quis tributar com a verba 28.1 em discussão os prédios enquanto uma única realidade jurídico-tributária (…)”, sendo que “a sujeição ao imposto de selo da verba 28.1. da Tabela Geral (…) resulta da conjugação de dois factos: a afectação habitacional e o valor patrimonial do prédio urbano inscrito na matriz ser igual ou superior a € 1.000.000,00”.

 

3.9.    Na verdade, segundo a Requerida, “consta das cadernetas prediais que os prédios se encontram em regime de propriedade total, compostos por várias partes susceptíveis de utilização independente”, pelo que “sendo esta a informação matricial (…) as liquidações de imposto do selo reportados ao ano de 2014, foram efectuadas (…) tendo em conta a natureza dos prédios urbanos, à data do facto tributário, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”.

 

3.10.  Ora, alega a Requerida, “de acordo com as regras do CIMI (…), a liquidação efectua-se com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que as mesmas respeitam”.

 

3.11.  “Encontrando-se os prédios em regime de propriedade total, não possuindo fracções autónomas, às quais a lei fiscal atribua a qualificação de prédio (…)”, entende a Requerida que “deve o vício de violação de lei por erro quanto aos pressupostos de direito ser julgado improcedente, mantendo-se na ordem jurídica as liquidações impugnadas por configurarem uma correcta aplicação da lei aos factos”.

 

3.12.  Por outro lado, “entende ainda a AT, que a previsão da verba 28.1 da TGIS não consubstancia qualquer violação ao princípio da igualdade, inexistindo qualquer discriminação na tributação de prédios constituídos em propriedade horizontal e prédios em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, ou entre prédios com afectação habitacional e prédios com outras afectações, porque da noção de prédio do artigo 2º do CIMI, só as fracções autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são tidas como prédios (…)”.

 

3.13.  Com efeito, “a propriedade horizontal e a propriedade vertical são institutos jurídicos diferenciados”, sendo que “a constituição da propriedade horizontal implica (…) uma mera alteração jurídica do prédio, não havendo uma avaliação (…), mas o legislador pode (…) submeter a um enquadramento jurídico tributário distinto, logo, discriminatório, os prédios em regime de propriedade horizontal e vertical, em especial, beneficiando o instituto juridicamente mais evoluído da propriedade horizontal, sem que essa discriminação deva ser considerada necessariamente arbitrária”, porquanto “esta discriminação pode também ser imposta pela necessidade de impor coerência ao sistema fiscal”.

 

3.14.  A Requerida, nas suas explicações dos dois regimes refere que “o que se pretende concluir é que estas normas procedimentos de avaliação, as normas sobre a inscrição matricial, e ainda as normas sobre a liquidação das partes susceptíveis de utilização independente, não permitem afirmar que deva existir uma equiparação do prédio em regime de propriedade total ao regime da propriedade vertical, isto porque (…) seria ilegal e inconstitucional”, porquanto entende que “estes regimes jurídico-civilísticos são diferentes, e a lei fiscal respeita-os!

 

3.15. Assim, conclui a Requerida que “(…) o valor patrimonial relevante para efeitos da incidência do imposto (…)” deve ser “(…) o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda quando susceptíveis de utilização independente” porquanto “(…) um prédio em propriedade total constitui, para todos os efeitos, uma única realidade jurídico-tributária”, pelo que “não se pode concluir por uma alegada discriminação, ou violação do princípio da igualdade quando, na verdade, estamos perante realidades distintas, valoradas pelo legislador de forma diferente”.

 

3.16.  Por outro lado, defende a Requerida que “(…) a tributação em sede de IS obedece ao critério de adequação, na exacta medida em que visa a tributação da riqueza consubstanciada na propriedade de imóveis de elevado valor, surgindo num contexto de crise económica que não pode de todo ser ignorado”, sendo que “a medida implementada procura buscar um máximo de eficácia, quanto ao objectivo a atingir, com o mínimo de lesão para outros interesses considerados relevantes”.

 

3.17.  Nestes termos, para a Requerida “encontra-se legitimada a opção por este mecanismo de obtenção da receita, o qual apenas seria censurável, face ao princípio da proporcionalidade, se resultasse manifestamente indefensável”, o que a Requerida não acredita “(…) porquanto tal medida é aplicável de forma indistinta a todos os titulares de imóveis com afectação habitacional de valor superior a
€ 1.000.000,00

 

3.18.  Nestes termos, entende a Requerida que “temos, necessariamente concluir que as notificações efectuadas do pagamento do imposto em causa, não violaram qualquer princípio legal ou constitucional, devendo, assim ser mantidos”.[4]

 

3.19.  Por outro lado, entende a Requerida que “estando fixados os factos sobre os quais é requerida a decisão e dado parecer estar em causa apenas matéria de direito, os documentos juntos pela Requerente e pela Requerida (…) são suficientes à emissão da decisão arbitral”, pelo que:

 

3.19.1.   “Não se verificando qualquer interesse e utilidade na realização da reunião prevista no artigo 18º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e muito menos na audição da testemunha apresentada pela Requerente”;

3.19.2.   “(…) a AT não pretende (…) produzir quaisquer alegações, já que a sua produção não é susceptível de influenciar a decisão da causa”;

3.19.3.   “a AT requer a (…) a dispensa da reunião (…), bem como a dispensa da audição da testemunha apresentada pela Requerente, e caso esta não se oponha, se passe directamente à decisão da causa”.

 

3.20.  Conclui a Requerida a resposta apresentada, requerendo que seja “julgado improcedente o presente pedido de pronuncia arbitral, por não provado, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados, absolvendo- se, em conformidade, a entidade requerida do pedido”.

 

4.       SANEADOR

 

4.1.    O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.[5]

 

4.2.    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

4.3.    A cumulação de pedidos aqui efectuada pela Requerente, é legal e válida, nos termos do disposto no artigo 3º, nº 1 do RJAT, dado que a procedência dos pedidos depende, essencialmente, da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

 

4.4.    O Tribunal é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.

 

4.5.    Não foram suscitadas quaisquer excepções de que cumpra conhecer.

 

4.6.    Não se verificam nulidades pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.

 

5.       MATÉRIA DE FACTO

 

Dos factos provados

 

5.1.    Consideram-se como provados os factos documentados pelos seguintes documentos juntos aos autos:

 

5.1.1.     A Requerente é uma sociedade anónima proprietária do prédio urbano sito na Rua …, nº … a …, no Porto, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial nº U-… da União de Freguesias de … e …(…), conforme docs. nº 1 e 2 anexados com o pedido:

5.1.2.     O referido prédio urbano encontra-se constituído em regime de propriedade vertical (ou total), sendo composto por sete pisos e dezanove andares ou divisões (destinados a comércio e habitação), susceptíveis de utilização independente conforme cópia da caderneta predial urbana constante do processo administrativo anexado pela Requerida.

5.1.3.     O VPT total do referido prédio urbano era de EUR 2.324.780,00, determinado em 2012, no âmbito de avaliação realizada em 15 de Dezembro de 2012, sendo que o somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente destinadas à habitação era, a 31 de Dezembro de 2014, de EUR 1.679.560,00 (conforme processo administrativo anexado pela Requerida).

5.1.4.     O VPT de cada uma das divisões (ou partes susceptíveis de utilização independente) destinadas à habitação situa-se entre EUR 104.710,00 (valor atribuído ao 1D, 1E, 2D, 2E, 3D e 3E do nº 51 e do nº …) e EUR 105.760,00 (valor atribuído ao 4D e 4E do nº … e do nº …), conforme cópia da caderneta predial urbana constante do processo administrativo anexado pela Requerida.

5.1.5.     A Requerente foi notificada das notas de cobrança para pagamento da 1ª, 2ª e 3ª prestação de imposto, que a seguir se identificam (montantes expressos em Euros – EUR), relativas às liquidações de Imposto do Selo nº 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 …, 2014 … 2014 …, datadas de 20 de Março de 2015, referentes ao ano 2014 (cuja data limite de pagamento era, respectivamente “Abril/2015”, “Julho/2015” e “Novembro/2015”), respeitantes ao imóvel acima identificado, conforme cópias dos documentos de cobrança anexados ao processo (docs. nº 3 a 18, 19 a 34 e 40 a 55 anexados com o pedido):

 

Nº DOCUMENTO

ANDAR

VPT

COLECTA

1ª, 2ª E 3ª PRESTAÇÃO

DOC. ANEXOS AO PEDIDO

2015 …

Nº …1D

104.710,00

1.047,10

349,04

3

2015 …

349,03

19

2015 …

349,03

40

2015 …

Nº …1E

104.710,00

1.047,10

349,04

4

2015 …

349,03

20

2015 …

349,03

41

2015 …

Nº …2D

104.710,00

1.047,10

349,04

5

2015 …

349,03

21

2015 …

349,03

42

2015 …

Nº …2E

104.710,00

1.047,10

349,04

6

2015 …

349,03

22

2015 …

349,03

43

2015 …

Nº …3D

104.710,00

1.047,10

349,04

7

2015 …

349,03

23

2015 …

349,03

44

2015 …

Nº …3E

104.710,00

1.047,10

349,04

8

2015 …

349,03

24

2015 …

349,03

45

2015 …

Nº …4D

105.760,00

1.057,60

352,54

9

2015 …

352,53

25

2015 …

352,53

46

2015 …

Nº …4E

105.760,00

1.057,60

352,54

10

2015 …

352,53

26

2015 …

352,53

47

TOTAL

839.780,00

8.397,80

8.397,80

 

 

 

Nº DOCUMENTO

ANDAR

VPT

COLECTA

1ª, 2ª E 3ª PRESTAÇÃO

DOC. ANEXOS AO PEDIDO

2015 …

Nº …1D

104.710,00

1.047,10

349,04

11

2015 …

349,03

27

2015 …

349,03

48

2015 …

Nº …1E

104.710,00

1.047,10

349,04

12

2015 …

349,03

28

2015 …

349,03

49

 

 

 

Nº DOCUMENTO

ANDAR

VPT

COLECTA

1ª, 2ª E 3ª PRESTAÇÃO

DOC. ANEXOS AO PEDIDO

2015 …

Nº …2D

104.710,00

1.047,10

349,04

13

2015 …

349,03

29

2015 …

349,03

50

2015 …

Nº …2E

104.710,00

1.047,10

349,04

14

2015 …

349,03

30

2015 …

349,03

51

2015 …

Nº …3D

104.710,00

1.047,10

349,04

15

2015 …

349,03

31

2015 …

349,03

52

2015 …

Nº …3E

104.710,00

1.047,10

349,04

16

2015 …

349,03

32

2015 …

349,03

53

2015 …

Nº …4D

105.760,00

1.057,60

352,54

17

2015 …

352,53

33

2015 …

352,53

54

2015 …

Nº …4E

105.760,00

1.057,60

352,54

18

2015 …

352,53

34

2015 …

352,53

55

TOTAL

839.780,00

8.397,80

8.397,80

 

 

 

5.1.6.     Para efeitos de determinação da incidência de Imposto do Selo da verba 28 sobre diversas partes autónomas do imóvel (acima identificadas), foi considerado (i) o somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente com afectação habitacional (o qual ascendia, em 31 de Dezembro de 2014, a EUR 1.679.560,00, ou seja, era superior a EUR 1.000.000,00) e (ii) a afectação habitacional das referidas partes autónomas, sendo que, para efeitos de liquidação do imposto, a Requerida aplicou a taxa de 1% de Imposto do Selo sobre o VPT individual de cada uma das fracções destinadas à habitação identificadas no ponto anterior (conforme doc. constante do processo administrativo anexado pela Requerida).

5.1.7.     A Requerente apresentou, em 24 de Agosto de 2015, reclamação graciosa (nº …2015…) relativa às liquidações de Imposto do Selo identificadas no ponto 5.1.5., supra, referentes ao ano 2014, requerendo a anulação daquelas liquidações, alegando falta de fundamentos de direito, erro sobre os pressupostos de facto e a falta de fundamentos legais (conforme doc. nº 36 anexado com o pedido).

5.1.8.     A Requerente foi notificada do Ofício nº …/…-…, de 16 de Novembro de 2015, relativo ao projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa acima identificada, no sentido de exercer, querendo, no prazo de quinze dias o respectivo direito de audição, “(…) trazendo elementos novos ao processo, que serão tidos em conta na fundamentação da decisão final” (conforme doc. nº 37 anexado com o pedido).

5.1.9.     A Requerente exerceu o referido direito de audição prévia, por escrito, em 4 de Dezembro de 2015, tendo nele reiterado os factos alegados na reclamação (conforme doc. nº 38 anexado com o pedido).

5.1.10.   A Requerente foi notificada, por carta registada datada de 17 de Dezembro de 2015, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa acima identificada, através do Ofício nº …/…-…, de 15 de Dezembro de 2015 (conforme doc. nº 39 anexado com o pedido).

5.1.11.   No decurso do processo gracioso, foram intentadas as execuções fiscais a seguir identificadas, no sentido de cobrar coercivamente os montantes de Imposto do Selo liquidados (expressos em Euros – EUR), respeitantes ao ano de 2014, identificados no ponto 5.1.5., supra, (conforme docs. nº 66 a 113 anexados com o pedido):

 

PROCESSO

IMPOSTO DO SELO

JUROS

CUSTAS

TOTAL A PAGAR

DOC. N.º

 

…2015…

352,54

6,35

19,10

377,99

66

 

…2015…

349,03

1,52

19,10

369,65

67

 

…2015…

349,04

6,28

19,10

374,42

68

 

…2015…

349,04

6,28

19,10

374,42

69

 

…2015…

349,04

6,28

19,10

374,42

70

 

…2015…

349,03 €

1,52

19,10

369,65

71

 

…2015…

352,53

1,53

19,10

373,16

72

 

…2015…

349,04

6,28

19,10

374,42

73

 

…2015…

349,04

6,28

19,10

374,42

74

 

…2015…

349,04

6,28

19,10

374,42

75

 

…2015…

349,03

1,52

19,10

369,65

76

 

…2015…

352,54

6,35

19,10

377,99

77

 

…2015…

349,03

1,52

19,10

369,65

78

 

…2015…

349,04

6,28

19,10

374,42

79

 

…2015…

352,54

6,35

19,10

377,99

80

 

…2015…

349,03

1,52

19,10

369,65

81

 

…2015…

352,53

1,53

19,10

373,16

82

 

…2015…

349,04

6,28

19,10

374,42

83

 

…2015…

349,03

1,52

19,10

369,65

84

 

…2015…

349,04

6,28

19,10

374,42

85

 

…2015…

352,53

1,53

19,10

373,16

86

 

 

…2015…

349,04

6,28

19,10

374,42

87

 

…2015…

349,03

1,52

19,10

369,65

88

 

…2015…

349,03

1,52

19,10

369,65

89

 

…2015…

349,03

1,52

19,10

369,65

90

 

…2015…

352,54

6,35

19,10

377,99

91

 

…2015….

349,03

1,52

19,10

369,65

92

 

…2015…

349,03

1,52

19,10

369,65

93

 

…2015…

349,03

1,52

19,10

369,65

94

 

…2015…

352,53

1,53

19,10

373,16

95

                         
 

 

PROCESSO

IMPOSTO DO SELO

JUROS

CUSTAS

TOTAL A PAGAR

DOC. N.º

…2015…

349,04

6,28

19,10

374,42

96

…2015…

349,04

6,28

19,10

374,42

97

…2015…

349,03

0,00

19,10

368,13

98

…2015…

352,53

0,00

19,10

371,63

99

…2015…

349,03

0,00

19,10

368,13

100

…2015…

349,03

0,00

19,10

368,13

101

…2015…

349,03

0,00

19,10

368,13

102

…2015…

349,03

0,00

19,10

368,13

103

…2015…

349,03

0,00

19,10

368,13

104

…2015…

352,53

0,00

19,10

371,63

105

…2015…

349,03

0,00

19,10

368,13

106

…2015….

352,53

0,00

19,10

371,63

107

…2015…

349,03

0,00

19,10

368,13

108

…2015…

352,53

0,00

19,10

371,63

109

…2015…

349,03

0,00

19,10

368,13

110

…2015…

349,03

0,00

19,10

368,13

111

…2015…

349,03

0,00

19,10

368,13

112

…2015…

349,03

0,00

19,10

368,13

113

TOTAL

16.795,60

125,12

916,80

17.837,52

 

 

 

5.1.12.   A Requerente remeteu à Requerida requerimento a oferecer um imóvel sua propriedade, como garantia para a suspensão dos processos de execução identificados no documento nº 114 anexado com o pedido.

5.1.13.   A Autoridade Tributária procedeu à compensação de créditos, conforme documentos de demonstrações de aplicação do crédito e demonstrações de acerto de contas (docs. nº 115 e 116 anexados com o pedido).

 

5.2.    Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito do pedido.

 

Dos factos não provados

 

5.3.    Não se verificaram quaisquer outros factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

6.       FUNDAMENTOS DE DIREITO

 

6.1.    No caso em análise, de modo a aferir a legalidade das liquidações de Imposto do Selo notificadas à Requerente, por referência ao ano de 2014, será importante dar resposta a uma questão de direito controvertida, subjacente ao pedido de pronúncia arbitral:

 

6.1.1.     A sujeição a Imposto do Selo, nos termos do que dispõe a verba nº 28.1. da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), é determinada pelo VPT que corresponde a cada uma das partes do prédio com afectação habitacional ou se, pelo contrário, é determinada pelo VPT global do prédio, o qual corresponderia à soma de todos os VPT dos andares (com aquele tipo de afectação), que dele fazem parte?

 

6.2.    Neste âmbito, refira-se que a Requerente fundamenta o pedido de anulação dos actos de liquidação de Imposto do Selo (acima identificados) com base na existência de:

 

6.2.1.     “(…) vício de violação de lei – direito de audição – arts. 56º, 58º 59º e 60, nºs 1 e 7 da LGT, 268º da CRP e 45º do CPPT”, pelos motivos apresentados nos pontos 2.9. e 2.10., supra;

6.2.2.     “(…) erro sobre os pressupostos de facto e falta de fundamentos de direito – vício de violação de lei – prédio sujeito a afetação comercial”, pelos motivos apresentados nos pontos 2.11. a 2.13., supra;

6.2.3.     “(…) falta de fundamentos legais – vício de violação de lei – verba 28.1. da Tabela Geral do Imposto do Selo”, pelos motivos apresentados nos pontos 2.14. a 2.18., supra;

6.2.4.     “(…) vício de violação de lei – artigo 24º, nº 1, alínea d) do RJAT”, pelos motivos apresentados nos pontos 2.19. a 2.21., supra.

 

6.3.    De seguida, começaremos por analisar o normativo de incidência do Imposto do Selo (verba 28) de modo a aferir se as liquidações em crise padecem ou não de falta de fundamento legal por vício de violação de lei.

 

Da incidência do Imposto do Selo

 

6.4.    Para este efeito, importa analisar a essência das alterações decorrentes da Lei nº
55-A/2012, de 29 de Outubro (ou seja, o aditamento à TGIS da verba 28), de modo a dar resposta à questão enunciada no ponto 6.1.1., supra.

 

6.5.    Na verdade, aquele diploma “introduziu um conjunto de alterações nos diplomas codificadores de três impostos – IRS, IRC e Imposto do Selo – assim como na Lei Geral Tributária, entre as quais a norma em análise, todas norteadas à obtenção suplementar de receita fiscal e, em geral, a contrariar o desequilíbrio orçamental”.[6]

 

6.6.    Assim, “invocando os princípios da equidade social e justiça fiscal, foi agravada a tributação dos rendimentos de capitais e das mais-valias mobiliárias, introduziram-se medidas de reforço de combate à fraude e evasão fiscal, através do reforço do regime aplicável às manifestações de fortuna dos sujeitos passivos e às transferências de e para os paraísos fiscais, a que se somou a introdução, no âmbito do Imposto do Selo, da tributação de situações jurídicas (…), que se entendeu capazes de suportar esforço fiscal acrescidos, distribuindo desse modo mais equitativamente o sacrifício para atingir a consolidação orçamental exigido aos contribuintes” (sublinhado nosso).[7]

 

6.7.    E se dúvidas houvesse quanto a uma eventual inconstitucionalidade da verba 28 da TGIS, por alegada violação dos princípios da proporcionalidade, da igualdade e da capacidade contributiva, pronunciou-se o Tribunal Constitucional, no âmbito do Acórdão de 11 de Novembro de 2015 (no âmbito do processo nº 542/14), no sentido de “(…) não julgar inconstitucional a norma da verba 28. e 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aditada pelo artigo 4º da Lei nº 55-A/20121, de 29 de outubro, na medida em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de prédios urbanos com afectação habitacional, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a € 1.000.000,00”, “não se verificando a violação de parâmetros de constitucionalidade (…), nem quaisquer outros (…)” (sublinhado nosso).[8][9]

 

6.8.    Nestes termos, de acordo com alteração introduzida pelo referido diploma, a verba 28 da TGIS passou a ter a seguinte redacção (negrito nosso):

 

28. Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo VPT constante da matriz, nos termos do Código do IMI, seja igual ou superior a EUR 1.000.000,00 – sobre o VPT para efeito de IMI:

28.1 - Por prédio com afectação habitacional - 1%.

28.2 - Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças - 7,5%".

 

6.9.    Ora, não obstante a Lei nº 55-A/2012 (em vigor desde 30 de Outubro de 2012) não ter procedido à qualificação dos conceitos que constam da referida verba nº 28, nomeadamente, do conceito de “prédio com afectação habitacional”, se for observado o disposto no artigo 67º, nº 2, do Código do Imposto do Selo (também aditado pela referida Lei nº 55-A/2012), verifica-se que "às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba 28 da TGIS se aplica, subsidiariamente, o Código do IMI”.

 

6.10.  Assim sendo, da leitura do Código do IMI, facilmente é perceptível que o conceito de “prédio com afectação habitacional” remete para o conceito de “prédio urbano”, definido nos termos dos artigos 2º e 4º daquele Código.

 

6.11.  Com efeito, de acordo com o disposto no artigo 2º, nº 1 do Código do IMI, “para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial” (sublinhado nosso).

 

6.12.  Ainda de acordo com o nº 2 e o nº 3 do mesmo artigo, “os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios”, presumindo-se “o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano”.

 

6.13.  Para efeitos de IMI, “cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio” e, de acordo com o disposto no artigo 4º do Código daquele imposto “prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos (…)” (sublinhado nosso).

 

6.14.  Entre as várias espécies de “prédios urbanos” referidos no artigo 6º do Código do IMI, estão expressamente mencionados os “prédios urbanos habitacionais” [nº1, alínea a)], acrescentando o nº 2 do mesmo artigo que estes "são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins".

 

6.15.  Por outro lado, se é certo que o nº 4 do artigo 2º do Código do IMI refere que "para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio" também é certo que não há nada na lei que aponte para a discriminação entre prédios em propriedade horizontal e prédio em propriedade vertical no que se refere à sua identificação como “prédios urbanos habitacionais”.

 

6.16.  Assim, daqui pode concluir-se que as partes autónomas de prédios em propriedade vertical, com afectação habitacional, devem ser consideradas como “prédios urbanos habitacionais”.

 

6.17.  Conforme defendido em diversas Decisões Arbitrais, nomeadamente, na que foi proferida no âmbito do Processo nº 88/2013-T, “na óptica do legislador, não importa o rigor jurídico-formal da situação concreta do prédio mas sim a sua utilização normal, o fim a que se destina”, pelo que, “há assim que concluir que para o legislador é irrelevante que o prédio esteja constituído em propriedade vertical ou em propriedade horizontal, relevando apenas a verdade material subjacente à sua existência enquanto prédio urbano e à sua utilização” (sublinhado nosso).

 

6.18.  Com efeito, na interpretação do texto legal, não faz sentido distinguir aquilo que a própria lei não distingue pois distinguir, neste contexto, entre prédios constituídos em propriedade horizontal e prédios constituídos em propriedade total seria uma "inovação" sem um suporte legal associado.

 

6.19.  Na verdade, nem na verba nº 28 da TGIS, nem no disposto no Código do IMI, nada indicia uma justificação para essa diferenciação.[10]

 

6.20.  Com efeito, poder-se-á afirmar que é hoje entendimento pacífico que as leis fiscais se interpretam através da determinação do seu verdadeiro sentido, apurado de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr. artigo 9º do Código Civil e artigo 11º da Lei Geral Tributária - LGT).[11]

 

6.21.  Por outro lado, é necessário ter também em consideração que as normas de incidência dos tributos devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação.[12]

 

6.22.  Nestes termos, o critério uniforme que se impõe é o que determina que a incidência do preceituado na norma em causa (verba 28 da TGIS) apenas tenha lugar quando alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente de prédio em propriedade horizontal (ou total), com afectação habitacional, possua um VPT superior a EUR 1.000.000,00 (sublinhado nosso).

 

6.23.  Assim “se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, claramente estabeleceu um critério, que tem de ser único e inequívoco, para a definição da regra de incidência da verba 28.1. da TGIS[13], pelo que fixar como valor de referência para esse objectivo, o VPT global do prédio em causa (como pretende a Requerida), não encontra base na legislação aplicável (sublinhado nosso).[14]

 

6.24.  Por último, importará ainda indagar qual a ratio legis subjacente à regra da verba 28 da TGIS e, em obediência ao disposto no artigo 9º do Código Civil[15], quais as circunstâncias em que a norma foi elaborada e quais as condições específicas do tempo em que a mesma é aplicada.

 

6.25.  Com efeito, à data da alteração, o legislador pretendeu introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afectação habitacional, tendo considerado, como elemento determinante da capacidade contributiva, os prédios urbanos, com afectação habitacional, de elevado valor (de luxo), ou seja, de valor igual ou superior a EUR 1.000.000,00, sobre os quais passaria a incidir uma taxa especial de Imposto do Selo.

 

6.26.  Na verdade, entendemos ser isso mesmo que se pode concluir da análise da discussão da proposta de Lei nº 96/XII na Assembleia da República[16], não se vislumbrando a invocação de uma ratio interpretativa distinta da aqui apresentada.[17]

 

6.27.  Com efeito, a fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valorassenta pois na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo assim incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” (sublinhado nosso).

 

6.28.  Ora, se tal lógica parece fazer sentido quando aplicada a uma “habitação (seja ela uma casa, uma fracção autónoma, uma parte de prédio com utilização independente ou uma unidade autónoma) sempre que a mesma representar, por parte do seu titular, uma capacidade contributiva acima da média (e, nessa medida, susceptível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal), já não faria qualquer sentido se aplicada “unidade a unidade” para, através do somatório dos VPT individuais das mesmas (porque detidas pelo mesmo indivíduo), apurar o tal valor igual ou superior a um milhão de euros (sublinhado nosso).

 

6.29.  Acresce ainda que, admitir a diferenciação de tratamento poderia produzir resultados incompreensíveis e discriminatórios do ponto de vista jurídico, porquanto contrários aos objectivos (de promoção da equidade social e da justiça fiscal) que o legislador defendia ter ao aditar a referida verba nº 28.

 

6.30.  Assim, a existência de um prédio em propriedade vertical ou horizontal não pode, por si só, ser indiciador de capacidade contributiva, decorrendo da lei que uns e outros devem receber o mesmo tratamento fiscal em obediência aos princípios da justiça, da igualdade fiscal e da verdade material.

 

6.31.  Inversamente, a existência em cada prédio de habitações independentes, em regime de propriedade horizontal ou vertical, pode ser suscetível de desencadear a incidência do novo imposto se o VPT de cada uma das partes ou fracção for igual ou superior ao limite definido pela lei, ou seja, a EUR 1.000.000,00.

 

6.32.  Deste modo, é ilegal considerar que o valor de referência para a liquidação do imposto seja o correspondente ao somatório dos VPT atribuídos a cada parte ou divisão, desde logo porque estaríamos perante uma nítida violação do princípio da igualdade e proporcionalidade em matéria fiscal, porquanto o legislador fiscal não pode tratar situações iguais de forma diferente, em função de estarmos ou não perante um prédio em propriedade horizontal ou em propriedade vertical.

 

6.33.  Ora, se os prédios em análise se encontrassem em regime de propriedade horizontal, era claro que nenhuma das divisões habitacionais que deles fazem parte estaria sujeita à incidência do novo imposto, porquanto nenhum delas ultrapassaria, individualmente considerada, o limite de EUR 1.000.000,00 definido pela lei (vide ponto 5.1.4., supra, quanto ao VPT de cada um dos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente).

 

6.34.  Será por isso mesmo, que o artigo 12º, nº 3 do Código do IMI dispõe que “cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial a qual discrimina igualmente o respectivo VPT” para não gerar situações de violação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal (sublinhado nosso).

 

6.35.  Dado que a constituição da propriedade horizontal implica uma mera alteração jurídica do prédio, não impondo sequer uma nova avaliação, será a verdade material a que se impõe como critério determinante da capacidade contributiva e não a mera realidade jurídico-formal do prédio pelo que, em consequência, a discriminação operada pela Requerida traduz-se numa discriminação arbitrária e ilegal.[18]

 

6.36.  E, tendo em conta toda a realidade social e económica muitas vezes subacente em muitos dos prédios em propriedade vertical, o próprio legislador fiscal no Código do IMI tratou as duas situações (propriedade horizontal e vertical) de forma equitativa, aplicando os mesmos critérios.

 

6.37.  Com efeito, reitere-se que não pode a Requerida distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar a coerência do sistema fiscal e os princípios da legalidade fiscal (artigo 103º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa - CRP), da justiça, da igualdade e da proporcionalidade fiscal, naquele incluídos.

 

6.38.  Analisando a situação sub judice, constata-se que o VPT dos andares (unidades autónomas) com afectação habitacional no imóvel acima descrito varia entre o valor mais baixo de EUR 104.710,00 (valor atribuído ao 1D, 1E, 2D, 2E, 3D e 3E do nº … e do nº …, identificados no ponto 5.1.4., supra) e o valor mais alto de
EUR 105.760,00 (valor atribuído ao 4D e 4E do nº … e do nº …, identificados no ponto 5.1.4., supra) pelo que, em qualquer um deles, individualmente considerado, o referido VPT é sempre inferior a EUR 1.000.000,00 (conforme já acima referido no ponto 6.33.).

 

6.39.  Assim, face ao acima exposto, a resposta a dar à questão acima colocada (vide ponto 6.1.1.) será a de que a sujeição a Imposto do Selo, para efeitos da verba 28º da TGIS, é determinada pelo VPT que corresponde a cada uma das partes do prédio com afectação habitacional e não pelo VPT global do prédio, pelo que será de concluir que sobre os andares com afectação habitacional (do prédio identificado nos autos) não pode incidir o Imposto do Selo a que se refere a verba nº 28 da TGIS sendo assim ilegais os actos de liquidação de imposto objecto do pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente. [19] [20] [21]

 

6.40.  Em consequência, sendo ilegais os actos de liquidação em crise, pelos motivos acima expostos, fica prejudicada, porque inútil, a análise dos restantes vícios invocados pela Requerente (identificados no ponto 6.2., supra), no sentido de defender a anulação das referidas liquidações de Imposto do Selo.

 

Do reembolso do imposto pago, com juros indemnizatórios

 

6.41.  Nestes termos, e tendo em consideração a conclusão referida no ponto 6.39., supra, bem como o facto de uma parte das liquidações de Imposto do Selo ter sido paga por compensação de créditos (vide acima ponto 5.1.13.), a ora Requerente tem o direito ao reembolso das quantias indevidamente pagas.

 

6.42.  Ora, no que diz respeito ao pagamento de juros indemnizatórios, de acordo com o disposto no nº 5, do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na LGT e no CPPT”, daqui resultando que uma decisão arbitral não se limita à apreciação da legalidade do acto tributário.

 

6.43.  De igual modo, de acordo com o disposto no artigo 24º, nº 1, alínea b) do RJAT, deverá ser entendido que o pedido de juros indemnizatórios é uma pretensão relativa a actos tributários (v.g. de liquidação), que visa explicitar/concretizar o conteúdo do dever de “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

 

6.44.  Como refere Jorge Lopes de Sousa “insere-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a fixação dos efeitos da decisão arbitral que podem ser definidos em processo de impugnação judicial, designadamente, a anulação dos actos cuja declaração de ilegalidade é pedida, a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios (…)” (sublinhado nosso).[22] [23]

 

6.45.  Assim, nos processos arbitrais tributários pode haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43º, nºs 1 e 2, e 100º da LGT, quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

6.46.  Nestes termos, o direito a juros indemnizatórios dependerá sempre da verificação de um erro imputável aos serviços da Requerida, do qual tenha resultado um pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

6.47.  Na sequência da ilegalidade dos actos de liquidação acima já identificados (vide ponto 5.1.5. e 6.39., supra) , e nos termos do disposto na alínea b), do nº 1, do artigo 24º do RJAT (em conformidade com o que aí se estabelece), “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, pelo que terá de haver lugar ao reembolso dos montante pagos pela Requerente, como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade.

 

6.48.  Assim, face ao estabelecido no artigo 61º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), preenchidos que estão os requisitos do direito a juros indemnizatórios (ou seja, verificada a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, tal como previsto no nº 1, do artigo 43º da LGT), a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre a quantia paga, no âmbito das liquidações de Imposto do Selo objecto do pedido de pronúncia arbitral, os quais serão contados de acordo com o disposto no nº 3 do artigo 61º do CPPT, ou seja, desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito.

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

6.49.  De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral”.

 

6.50.  Assim, nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.

 

6.51.  Neste âmbito, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

6.52.  No caso em análise, tendo em consideração o acima exposto, o princípio da proporcionalidade impõe que seja atribuída a totalidade da responsabilidade por custas à Requerida, de acordo com o disposto no artigo 12º, nº 2 do RJAT e artigo 4º, nº 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

7.       DECISÃO

 

7.1.    Tendo em consideração a análise efectuada no capítulo anterior, decidiu este Tribunal Arbitral:

 

7.1.1.     Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente, e condenar a Requerida quanto ao pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo (datadas de 20 de Março de 2015 e respeitantes ao ano de 2014), subjacentes às notas de cobrança identificadas neste processo anulando-se, em consequência, todos os respectivos actos tributários de liquidação, com a consequente devolução das quantias indevidamente pagas, acrescidas de juros indemnizatórios à taxa legal, contados nos termos legais;

7.1.2.     Julgar procedente o pedido de anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa interposta das liquidações de Imposto do Selo agora anuladas, com as consequências legais daí decorrentes;

7.1.3.     Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo.

 

*****

 

Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor do processo em EUR 16.795,60.

 

Custas do processo: Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 1.224,00, a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 22º, nº4 do RJAT.

 

*****

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 8 de Julho de 2016

 

O Árbitro

 

 

Sílvia Oliveira



[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que diz respeito às transcrições efectuadas.

[2] Refere a Requerente que “o projeto de decisão não faz qualquer referência às provas apresentadas pela Requerente e limita-se a transcrever em tópicos o alegado pela mesma, sem apreciar verdadeiramente a fundamentação constante da Reclamação”, não tendo a Requerida ouvido “(…) as testemunhas apresentadas pela Requerente na sua reclamação (…)”, nem tendo diligenciado “(…) pelo apuramento da verdade (…)”.

[3] Neste âmbito, cita a Requerente anotação de Jorge Lopes de Sousa, constante do Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (pág. 221), quanto ao “dever de a Administração Tributária se abster de liquidar (…) nos casos em que não é possível elaborar uma nova liquidação sem incorrer na ilegalidade declarada na decisão arbitral”.

[4] Neste sentido, cita a Requerida a Decisão Arbitral proferida no âmbito do processo 668/2015-T, de 5 de Maio de 2016, nos termos da qual se conclui que “não procede o pedido (…) de declaração de nulidade das liquidações em crise com base em falta de pressuposto legal do facto tributário: como se demonstrou, o facto tributário existe (a propriedade de prédio urbano com valor patrimonial tributário superior a €1.000.000,00)” e “não procede igualmente o pedido de anulação das liquidações em crise fundado em erro nos pressupostos, de  facto ou de direito, pois os pressupostos para a liquidação e cobrança do imposto claramente se verificam no caso em apreço”.

[5] Neste âmbito, refira-se que o pedido de pronúncia arbitral tem, expressamente, como objecto a declaração de ilegalidade:

a)    Dos actos de liquidação do Imposto de Selo, referentes ao ano de 2014, no montante de EUR 16.795,60, com fundamento na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo, relativamente ao prédio urbano identificado nos autos;

b)    Da decisão de indeferimento da reclamação graciosa interposta dos actos de liquidação de Imposto do Selo referidos na alínea anterior.

Neste âmbito, tendo em conta que no pedido de pronúncia arbitral está incluído o pedido de sindicância da decisão de indeferimento da reclamação graciosa interposta (notificada em 17 de Dezembro de 2015), como forma de poder declarar, em última instância, a ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo objecto do pedido, a decisão da reclamação graciosa que comporte a apreciação da legalidade de acto de liquidação está abrangida pelo disposto no nº 1 do artigo 102º, do CPPT, nos termos do qual é aplicável o prazo de três meses (em vigor desde 1 de Janeiro de 2013) a contar da respectiva notificação, para a interposição da impugnação judicial.

Por outro lado, tendo também em consideração o previsto no artigo 10º, nº 1, alínea a) do RJAT [que estabelece que o pedido de constituição de tribunal arbitral deve ser apresentado “no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos nºs 1 e 2 do artigo 102º do CPPT, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma (….)”], bem como a data da interposição do pedido de pronúncia arbitral (16 de Fevereiro de 2016), considera-se que o pedido de pronúncia arbitral apresentado é tempestivo.

[6] Vide Acórdão do Tribunal Constitucional nº 590/2015, de 11 de Novembro (Processo nº 542/14) - ponto 9.

[7] Vide nota de rodapé anterior.

[8] E já se referindo às alterações introduzidas pela Lei nº 83-C/20123 de 31 de Dezembro.

[9] Com efeito, conclui o Tribunal Constitucional que “(…) a verba 28 da TGIS não enferma de nenhuma inconstitucionalidade, inexistindo qualquer violação dos princípios constitucionais conformadores da lei fiscal, especificamente, dos princípios da igualdade fiscal, da capacidade contributiva e da proporcionalidade (…)”.

[10] Neste âmbito, atente-se no disposto no artigo 12º, nº 3, do Código do IMI, ao referir que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo VPT”.

[11] Neste sentido, vide AC TCAS Processo 07648/14, de 10 de Julho de 2014.

[12] Cfr. AC TCAS Processo 5320/12, de 2 de Outubro de 2012, AC TCAS Processo 7073/13, de 12 de Dezembro de 2013 e AC TCAS 2912/09, de 27 de Março de 2014.

[13] Vide Decisão Arbitral nº 50/2013-T (CAAD), de 29 de Outubro de 2013.

[14] Que é o Código do IMI, dada a remissão feita pelo citado artigo 67º, nº 2, do Código do Imposto do Selo.

[15] Segundo o qual a interpretação da norma jurídica não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir o pensamento legislativo, a partir dos textos e dos restantes elementos de interpretação, tendo em conta a unidade do sistema jurídico.

[16] Disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de Outubro de 2012.

[17] Conforme já referido em diversas Decisões Arbitrais emitidas pelo CAAD (vide Processo nº 48/2013-T e Processo nº 50/2013-T).

[18] Uma vez que a lei não impõe a obrigação de constituição do prédio em regime de propriedade horizontal.

[19] Neste sentido, vide nomeadamente, Decisão Arbitral nº 368/2014-T, de 18 de Dezembro de 2014, emitida pela signatária.

[20] Neste sentido, se pronunciou o Acórdão do STA nº 01354/15, de 2 de Março de 2016, nos termos do qual “relativamente aos prédios em propriedade vertical, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (…), a sujeição é determinada pela conjugação de dois factores: a afectação habitacional e o VPT constante da matriz igual ou superior a € 1.000.000. Tratando-se de um prédio constituído em propriedade vertical, a incidência do IS deve ser determinada, não pelo VPT resultante do somatório do VPT de todas as divisões ou andares susceptíveis de utilização independente (individualizadas no artigo matricial), mas pelo VPT atribuído a cada um desses andares ou divisões destinadas a habitação”.

No mesmo sentido, vide também Acórdão do STA nº 047/15, de 9 de Setembro de 2015.

[21] Neste sentido, vide Decisão Arbitral nº 804/2014, de 8 de Maio de 2015, relativa ao mesmo imóvel e imposto.

[22] Vide Leite de Campos, Diogo, Silva Rodrigues, Benjamim, Sousa, Jorge Lopes, in “Lei Geral Tributária - Anotada e Comentada”, 4.ª Ed., 2012, página 116).

[23] Sobre a temática dos juros indemnizatórios pode ver-se do mesmo autor (Sousa, Jorge Lopes), Juros nas relações tributárias, in “Problemas fundamentais do Direito Tributário”, Lisboa, 1999, página 155 e sgts).