Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 849/2014-T
Data da decisão: 2015-05-18  Selo  
Valor do pedido: € 33.219,30
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS; Propriedade vertical
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Decisão Arbitral

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 849/2014-T

 

I – Relatório

 

1. No dia 30.12.2014, a Requerente, A..., contribuinte nº …, residente na Av. …, requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do art. 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação das liquidações de imposto de selo, tendo como sujeito passivo a Requerente, efetuadas pela Requerida em 18-03-2014, respeitantes à verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto de Selo e ao ano de 2013, incidente sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob artigo U-..., da freguesia de ... e ..., Concelho de ..., a que correspondem os documentos números  2014 ... a 2014 ... e que perfazem o montante total  de 33.219,30 €,  e ainda, à anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contras aquelas liquidações, proferida em 3.10.2014.

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 10.03.2015.

 

3. Verificando-se a inexistência de qualquer situação prevista no art. 18º, nº 1, do RJAT, que tornasse necessária a reunião arbitral aí prevista, foi dispensada  a realização da mesma, com fundamento na proibição da prática de atos inúteis.

Foi ainda dispensada a realização de alegações, nos termos do art. 18º, nº 2, do RJAT, “a contrario”.

 

4. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, sinteticamente, os seguintes:

 

a.       A requerente é proprietária do prédio urbano prédio em propriedade total, com andares suscetíveis de utilização independente, inscrito na matriz sob o artigo ..., da União das Freguesias de ... e ...,  Concelho de ..., constituído por 44 andares ou divisões com utilização independente, cujo valor patrimonial tributário (VPT) foi determinado individualmente para cada andar, conforme consta da respetiva inscrição matricial, em cumprimento do previsto nos artigos 7°, nº 2, aI. b),e 12°, nº 3, do CIMI, sendo 40 desses andares destinados a habitação.

 

b.      Este prédio não se encontra constituído em regime de propriedade horizontal, apesar de ser inteiramente constituído por andares ou divisões com utilização independente,

 

c.       Nenhum dos andares que constituem o prédio tem valor patrimonial superior a € 1.000.000,   ascendendo o valor patrimonial total a € 3.820.940.

 

d.      Em 18-03-2014 a Requerida procedeu a liquidações de imposto de selo, tendo como sujeito passivo a Requerente respeitantes  à verba 28.1 da TGIS e ao ano de 2013, incidente sobre o artigo matricial U-..., da freguesia de ... e ..., à taxa de 1% sobre o valor patrimonial de cada andar que constitui este prédio, a que correspondem os documentos números  2014 ... a 2014 ...,  que perfazem o montante total  de 33.219,30 €.

 

e.       Dessas liquidações de Imposto do Selo foi apresentada reclamação graciosa em 08 de Julho de 2014, dirigida ao Senhor  Diretor de Finanças de ..., que foi objeto de decisão de indeferimento datada de 3.10.2014, com o fundamento de que, para efeitos de tributação em sede de Imposto do Selo, os prédios constituídos em propriedade total são considerados pela totalidade como único prédio.

 

f.       A verba 28 da TGIS refere, na parte final, que o VPT a utilizar na liquidação do

imposto do Selo corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do IMI.

 

g.      O artigo 67°, nº2 do CIS, introduzido pela Lei nº 55-A/2012 que aditou à TGIS a

verba 28, determina que "As matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba nº 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI."

 

h.      Pelo que, para efeitos de incidência da verba 28.1 da TGIS, importa atender às regras previstas no Código do IMI que no seu artigo 7º  dispõe que:

1 - O valor patrimonial tributário dos prédios é determinado nos termos do presente Código.

2 - O valor patrimonial tributário dos prédios urbanos com partes enquadráveis em mais de uma das classificações do nº 1do artigo anterior determina-se:

(. ..)

b) Caso as diferentes partes sejam economicamente independentes, cada parte é avaliada por aplicação das correspondentes regras, sendo o valor do prédio a soma dos valores das suas partes."

 

i.        Por seu turno, o nº 3 do artigo 12.° do Código do IMI determina que "Cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário."

 

j.        Portanto, à  luz do Código do IMI, cada parte autónoma do imóvel, cada andar ou divisão com utilização independente, dispõe de valor patrimonial tributário próprio, sendo esse o valor tributável para efeitos deste imposto tal como sucede com as frações autónomas dos imóveis constituídos em propriedade horizontal.

 

k.       Motivo por que, sendo este o critério legal para a incidência do IMI, também é esse o valor tributável para efeitos de Imposto do selo, que, de resto, o prevê expressamente, ao mencionar na parte final da verba nº 28 da TGIS que o valor a considerar é o "valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI".

 

l.        A tributação em sede de IMI de imóveis em propriedade vertical, constituídos por diferentes partes ou andares suscetíveis de utilização independente obedece às mesmas regras de inscrição e de tributação dos imóveis constituídos em propriedade horizontal.

 

m.    Aliás, a própria AT admite que é este o critério a seguir, uma vez que, em vez de

emitir uma só liquidação de Imposto do Selo baseada no VPT total do prédio, emitiu liquidações individualizadas, considerando cada um dos andares do prédio e o seu próprio valor patrimonial tributário, tal como sucederia em sede de IMI.

 

n.      Pelo que, para efeitos de Imposto do Selo, a AT não pode atender ao valor total do prédio, dado que essa distinção viola o próprio dispositivo legal, que expressamente remete para o critério estabelecido no CIMI, além de que ofende o princípio da unidade do sistema jurídico, consagrado no art. 9° do Código civil, que pressupõe a sua coerência axiológica e valorativa.

 

o.      Acresce que, neste âmbito da aplicação da verba 28 da TGIS, deve atender-se também à retio legis,  ao pensamento legislativo e  à intenção subjacente à criação da norma cuja interpretação está em causa;

 

p.      Os trabalhos da proposta de lei da Assembleia da República que estão na génese da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, referem-se à criação de uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação e, por isso, a casas, frações autónomas destinadas à habitação ou partes de prédio com esse fim de valor superior a € 1.000.000.

 

q.      Situação que não tem qualquer semelhança com a aqui em apreço, em que se pretende tributar um prédio não constituído em propriedade horizontal mas com andares com utilização independente, considerando o seu valor patrimonial total e não o VPT de cada um dos seus andares.

 

r.        Deste modo, para efeitos de liquidação do Imposto do Selo previsto na verba 28.1 da TGIS deve ser tido em consideração o VPT determinado de acordo com o CIMI, e, no caso concreto, de prédios em propriedade total com andares ou divisões de utilização independente, o VPT individual de cada um dos andares ou divisões de utilização independente.

 

s.       Pelo que, só haverá incidência de Imposto do Selo se algum dos andares ou divisões com utilização Independente tiver um VPT superior a € 1.000.000, o que não se verifica no caso em apreço,

 

t.        E constitui fundamento para a anulação das liquidações aqui em causa, por violação dos princípios da legalidade, igualdade e unidade do sistema jurídico.

 

5. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se por impugnação, em síntese, com os fundamentos seguintes:

a.       A sujeição ao imposto de selo da verba 28.1. da Tabela Geral anexa ao CIS resulta da conjugação da afetação habitacional e do valor patrimonial de cada prédio urbano inscrito na matriz ser igual ou superior a € 1.000.000.

b.      A situação do prédio do requerente subsume-se, literalmente, na previsão da verba em causa pois só as frações autónomas de prédio em regime de propriedade horizontal são havidas como prédios - n.º 4 do citado artigo 2.º do CIMI- pelo que, encontrando-se o prédio em causa em regime de propriedade total, não possui frações autónomas às quais a lei fiscal atribui a qualificação de prédio pelo que, o ora requerente, para efeitos de IMI e também de imposto selo, por força da redação da referida verba, não é proprietário de 44 frações autónomas, mas sim de um único prédio.

c.       Não se pode, pois, aceitar que se considere, para efeitos da verba 28.1 da Tabela Geral anexa ao CIS, que as partes suscetíveis de utilização independente tenham o mesmo regime fiscal das frações autónomas do regime da propriedade horizontal.

d.      Encontrando-se o prédio submetido ao regime de propriedade total, mas sendo fisicamente constituído por partes suscetíveis de utilização independente, a lei fiscal atribuiu relevância a esta materialidade, avaliando estas partes individualmente, nos termos do artigo 12.º e consequentemente, nos termos do artigo 12º, nº 3, do C.I.M.I., cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, mas na mesma matriz, procedendo-se à liquidação do IMI tendo em conta o valor patrimonial tributário de cada parte.

e.       O facto de o IMI ter sido apurado em função do valor patrimonial tributário de cada parte de prédio com utilização económica independente não afeta a aplicação da verba 28º, nº 1, da Tabela Geral como resulta do  facto determinante da aplicação dessa verba da Tabela Geral ser o valor patrimonial total do prédio e não, separadamente, o de cada uma das suas parcelas.

f.       Outra interpretação violaria, isso sim, a letra e o espírito da verba 28.1. da Tabela Geral e o princípio da legalidade dos elementos essenciais do imposto previsto no artigo 103º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

g.      É, assim, inconstitucional, por ofensiva do princípio da legalidade tributária, a interpretação da verba 28.1. da Tabela Geral, no sentido de o valor patrimonial de que depende a sua incidência ser apurado andar a andar ou andar ou divisão a divisão  e não globalmente.

h.      Não se vislumbra, por outro lado, como a tributação em causa possa ter violado o princípio da igualdade e uma vez que  a propriedade horizontal e a propriedade vertical são institutos jurídicos diferenciados.

i.        A constituição da propriedade horizontal implica, é facto, uma mera alteração jurídica do prédio, não havendo uma nova avaliação mas o legislador pode, no entanto, submeter a um enquadramento jurídico tributário distinto, logo, discriminatório, os prédios em regimes de propriedade horizontal e vertical, em especial, beneficiando o instituto juridicamente mais evoluído da propriedade horizontal, sem que essa discriminação deva ser considerada necessariamente arbitrária.

j.        Essa discriminação pode também ser imposta pela necessidade de impor coerência ao sistema fiscal.   

k.      O facto tributário do imposto de selo da verba 28.1. ao consistir na propriedade, de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do C.I.M.I., seja igual ou superior a € 1.000 000, o valor patrimonial relevante para efeitos da incidência do imposto é, assim, o valor patrimonial total do prédio urbano e não o valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda quando suscetíveis de utilização independente.

l.        Assim, não logra vingar o pedido da requerente de que seja aplicado, por analogia ao seu prédio o regime da propriedade horizontal, considerando-se que cada uma das frações suscetíveis de utilização independente constitua um prédio,  pois isso não seria interpretar corretamente as normas do CIMI, e por consequência do CIS,  subvertendo-se todo o regime aí instituído, com as violações dos princípios supra referidos.

 

6. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

7. Cumpre solucionar  a seguinte questão:

Se são ilegais e (em consequência) devem ser anuladas a decisão que indeferiu a reclamação graciosa, bem como, todas as  liquidações sub judice.

 

 

II – A matéria de facto relevante

 

8. O tribunal considera provados os seguintes factos:

 

       I.            A requerente é proprietária do prédio urbano prédio, inscrito na matriz sob o artigo ..., da União das Freguesias de ... e ...,  Concelho de ..., constituído por 44 andares ou divisões com utilização independente, cujo valor patrimonial tributário  foi determinado individualmente para cada andar, sendo 40 dessas partes autónomas destinados a habitação.

 

    II.            Este prédio não se encontra constituído em regime de propriedade horizontal.

 

 III.            Todas as partes suscetíveis de utilização independente que constituem o prédio têm  um valor patrimonial tributário próprio,  inferior  a € 1.000.000 em todos os casos,  ascendendo o valor patrimonial total do prédio a € 3.820.940,  que corresponde à soma dos valores tributáveis de cada uma das partes autónomas.

 

 IV.            Em 18-03-2014 a Requerida procedeu a liquidações de imposto de selo, tendo como sujeito passivo a Requerente, respeitantes  à verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto de Selo e ao ano de 2013, incidentes sobre cada  uma das partes suscetíveis de utilização independente destinadas a habitação, do  prédio identificado acima em I), sendo uma liquidação por cada uma das referidas  partes   suscetíveis de utilização independente, a que correspondem os documentos números  2014 ... a 2014 ..., que perfazem o montante total  de 33.219,30 €, conforme documentos juntos pela Requerente, através do denominado “documento nº 2”, que se dá por reproduzido.

    V.            Destas liquidações de Imposto do Selo foi apresentada reclamação graciosa em 8 de Julho de 2014, dirigida ao Senhor  Diretor de Finanças de ..., que foi objeto de decisão de indeferimento datada de 3.10.2014, com o fundamento de que, para efeitos de tributação em sede de Imposto do Selo, os prédios constituídos em propriedade total, mesmo que compostos por partes autónomas, são considerados como um único prédio.

 

Com interesse para a decisão da causa inexistem factos não provados

 

9. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se nos documentos constantes do processo, bem como dos articulados apresentados, sendo de salientar ocorrer total concordância das partes relativamente à matéria de facto, cingindo-se o desacordo à matéria de direito.

 

-III- O Direito aplicável

 

10.Estabelecia a verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo, na redação à data dos factos, que ficava sujeita a imposto de selo a propriedade de prédios com afetação habitacional com VPT igual ou superior a 1.000.000 euros, nos seguintes termos:

 

28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a 1 000 000 euros – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1%;

28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%”.

 

11. O artigo 67º, nº 2 do CIS estabelece que “Às matérias não reguladas no presente Código respeitante à verba nº 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI”.

 

12.Dispõe o artigo 2º, nº 4 do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (doravante CIMI) que “Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio”.

Estabelece ainda o artigo 92º do mesmo código:

“1-A cada edifício em regime de propriedade horizontal corresponde uma só inscrição na matriz.

2-Na descrição genérica do edifício deve mencionar-se o facto de ele se encontrar  em regime de propriedade horizontal.

3-Cada uma das fracções autónomas é pormenorizadamente descrita e individualizada pela letra maiúscula que lhe competir segundo a ordem alfabética.”

 

13. Por sua vez, estabelece o artigo 12º, nº 3 deste Código que “Cada andar ou parte de prédio suscetível de utilização independente  é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário”.[1]

Escrevendo sobre esta norma, dizem-nos J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas:  “Um exemplo que pode ilustrar esta situação é o caso de um prédio urbano, não constituído em propriedade horizontal e que seja composto por vários andares. Juridicamente este prédio constitui uma única unidade (…).

Porém, como cada uma destas unidades pode ser objecto de arrendamento ou de outra qualquer utilização por parte do respectivo titular, a matriz deve evidenciar essas unidades e deve ser atribuído valor patrimonial tributário a cada uma delas”.[2]

Afigura-se, assim,  que o artigo 12º, nº 3 é  aplicável às situações de prédios em condições de satisfazer os requisitos objetivos de submissão ao regime da propriedade horizontal, previstos no artigo 1415º do Código Civil, mas em que não verifica a existência de título constitutivo.

 

14. Relativamente a prédios urbanos em condições de satisfazer os requisitos objetivos de submissão ao regime da propriedade horizontal, em  substância, a realidade económica objeto de tributação não deixa de ser a mesma  pelo facto de ter ocorrido, ou não, a prática do ato constitutivo da propriedade horizontal.

E, na perspetiva da tributação destas realidades, não se encontra no CIMI qualquer diferença substantiva de tratamento  dum imóvel em função da constituição da propriedade horizontal.

 

15. Efetivamente, no regime dos  arts. 38º e seguintes do CIMI que regulam a determinação do valor patrimonial tributário dos imóveis não se deteta diferenciação substantiva entre imóveis constituídos em propriedade horizontal e imóveis com condições objetivas para tal, mas em que a submissão a tal regime não ocorreu[3], designadamente, tais circunstâncias não constam dos elementos majorativos ou minorativos previstos nas tabelas dos  artigos 43º, nº2 do código.

 

16.  A questão essencial a solucionar o presente processo prende-se com a questão de saber se nos prédios com partes suscetíveis de utilização independente, mas não submetidas ao regime da propriedade horizontal, o imóvel  será considerado como uma unidade para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS ou se serão consideradas individualmente as suas partes independentes.

 

17. No primeiro caso, o valor relevante para efeitos da subsunção à verba 28 será o resultante da consideração da totalidade das suas partes e, em coerência,  deverá efetuar-se uma única liquidação, apenas relativamente ao imóvel, e não tantas  liquidações quantas as partes ou andares suscetíveis de utilização independente.

 

18. No segundo caso, o valor a considerar para o efeito será o de cada uma das partes suscetíveis de utilização independente à semelhança do que ocorre nas frações autónomas de prédios submetidos ao regime da propriedade horizontal, devendo efetuar-se tantas liquidações quantas as partes suscetíveis de utilização independente mas, apenas e tão só, relativamente a partes suscetíveis de utilização independente cujo valor seja igual ou superior a 1000.000 €.

 

19. A AT efetuou tantas liquidações quantas as partes suscetíveis de utilização independente, procedimento que no nosso entender não  se harmoniza com a sua própria  tese de que, nestes casos,  a realidade visada pela Verba 28 da TGIS é o imóvel na sua globalidade e  não cada uma  das suas partes autónomas.

 

20. A questão já foi apreciada em diversas decisões arbitrais[4], que foram  no sentido de considerar que o valor a considerar para o efeito será o de cada uma das partes suscetíveis de utilização independente à semelhança do que ocorre nas frações autónomas de prédios submetidos ao regime da propriedade horizontal, solução que temos por correta.

 

21. Num primeiro momento interpretativo da verba 28 da TGIS, a expressão “prédio urbano”, em conjugação com o artigo 2º, nº 4  do CIMI, que atribui a qualidade de prédio urbano a frações autónomas no regime de propriedade horizontal e, aparentemente,  parece não a atribuir a parte suscetíveis de utilização independente, poderia apontar para a consideração do prédio como um todo.

 

22. Mas, ainda no âmbito do elemento literal, a verba aponta em sentido diverso ao referir “prédio com afetação habitacional”, na medida em que, nos casos de prédios suscetíveis de utilização independente, a afetação só pode ser determinada fração a fração [5] e não globalmente, na medida em que pode acontecer, e acontece com frequência neste tipo de imóveis, haver partes afetas a habitação e outras afetas a outros fins.

Assim, o legislador ao referir “prédio com afetação habitacional”, no que respeita a prédios  com andares ou partes de prédio suscetíveis de utilização independente,  só poderá ter tido  em mente cada uma destas frações e não o prédio na sua globalidade.

 

23.Esta leitura do elemento literal está em completa harmonia com as normas do CIMI supra mencionadas, bem como dos demais elementos interpretativos, conforme demonstrado nas várias decisões do CAAD nesta matéria e a cuja jurisprudência se adere sem reservas.

 

24. Como se escreveu na decisão proferida no processo 50/2013-T:

a ratio legis subjacente à regra da verba 28 da TGIS, introduzida pela Lei nº 55-A/22012 de 29 de outubro, e em obediência ao disposto no artigo 9º do Código Civil, segundo o qual a interpretação da norma  jurídica não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos e dos restantes elementos de interpretação o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

O legislador ao introduzir esta inovação legislativa considerou como elemento determinante da capacidade contributiva os prédios urbanos, com afetação habitacional, de elevado valor (de luxo), mais rigorosamente, de valor igual ou superior a €1.000.000,00, sobre os quais passou a incidir uma taxa especial de imposto de selo, pretendendo introduzir um princípio de tributação sobre a riqueza exteriorizada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos de luxo com afetação habitacional. Por isso, o critério foi de aplicação da nova taxa aos prédios urbanos com afetação habitacional, cujo VPT seja igual ou superior a €1.000.000,00.

Isso mesmo se conclui da análise da discussão da proposta de lei nº 96/XII na Assembleia da República, disponível para consulta no Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de outubro de 2012.

A fundamentação da medida designada por “taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor” assenta na invocação dos princípios da equidade social e da justiça fiscal, chamando a contribuir de uma forma mais intensa os titulares de propriedades de elevado valor destinadas a habitação, fazendo incidir a nova taxa especial sobre as “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.”

Claramente o legislador entendeu que este valor, quando imputado a uma habitação (casa, fração autónoma ou andar com utilização independente) traduz uma capacidade contributiva acima da média e, enquanto tal, suscetível de determinar um contributo especial para garantir a justa repartição do esforço fiscal.”

 

25. A requerida sustenta, ainda, que é inconstitucional, por ofensiva do princípio da legalidade tributária, a interpretação da verba 28.1. da Tabela Geral, no sentido de o valor patrimonial de que depende a sua incidência ser apurado globalmente e não andar a andar ou andar ou divisão a divisão.

 

Afigura-se-nos que não lhe  assiste razão, pelo acima exposto e, ainda, porque  não se vislumbra  em que medida o princípio da legalidade possa interferir com a aplicação dos critérios interpretativos previstos no artigo 9º do Código Civil.

 

26. Por outro lado, entende-se que a interpretação que aqui se sustenta, na linha da jurisprudência arbitral pacífica supra mencionada  é a que se harmoniza com os princípios constitucionais  da igualdade fiscal e  da capacidade contributiva na medida em que, não seria aceitável, face a estes princípios, a tributação inequivocamente  desigual de realidades substancialmente idênticas, apenas pela razão formal de nuns casos ter ocorrido a constituição de propriedade horizontal e noutros não.

 

27. Na mesma linha, vai a consideração do princípio da coerência sistemática, que também seria afetada com a consideração destas realidades em sede de IMI de modo substancialmente idêntico à das frações de prédios formalmente constituídos em propriedade horizontal, ao invés do que sucederia em sede de imposto de selo, de acordo   com a solução sustentada pela Requerida.

 

28. Pelo exposto, considera-se que no caso de prédios urbanos com partes ou andares suscetíveis de utilização independente o valor a considerar para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS é o valor patrimonial tributário de cada uma dessas partes independentes, só estando sujeitas a este imposto as partes suscetíveis de utilização independente cujo valor patrimonial tributário próprio seja superior a € 1.000.000.

 

29. No caso em apreço, sendo o valor patrimonial tributário de cada uma das partes suscetíveis de utilização independente inferior àquele valor, as mesmas não se subsumem na norma de incidência tributária pelo que as liquidações sub judice padecem do vício de violação de lei, não podendo, em consequência, deixar de ser anuladas.

 

 

-IV- Decisão

 

 

Assim, decide o Tribunal arbitral julgar totalmente  procedente a impugnação, declarando-se a ilegalidade e consequente   anulação da decisão que indeferiu a reclamação graciosa, bem como, de todas as  liquidações sub judice.

 

 

Valor da ação: 33.219,30 € (trinta e três mil duzentos e dezanove euros e trinta cêntimos) nos termos do disposto no art. art. 306º n.º 2, do CPC e 97.º-A,n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Custas pela Requerida, no valor de 1 836.00 € (mil oitocentos e trinta e seis euros) nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, CAAD, 18 de Maio de 2015

 

 

                                O Árbitro

 

                   Marcolino Pisão Pedreiro

                       



[1] Também no sentido da consideração individualizada destas partes suscetíveis de utilização independente determina o artigo 119º, nº 1 do CIMI que o documento de cobrança do imposto conterá a “discriminação dos prédios, suas partes suscetíveis de utilização independente, respetivo valor patrimonial tributário".

Apontando também no mesmo sentido, o artigo 15º-O do Decreto-Lei nº 287/2003, de 20 de Novembro, aditado pela Lei 60-A/2011 de 30/11, referindo-se à coleta de IMI  para efeitos do regime de salvaguarda, menciona “ prédio ou parte de prédio  urbano objeto da avaliação geral”.

[2] OS IMPOSTOS SOBRE O PATRIMÓNIO IMOBILIÁRIO, O IMPOSTO DE SELO, Anotados e Comentados, Engifisco, 1ª Edição, 2005, págs. 159-160.

[3] Já assim era face ao Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Industria Agrícola  e ao  Código da Contribuição Autárquica.

Os ofícios circulados nºs 40012, de 23.12.1999 e 40.025, de 11.08.2000 (que se podem consultar em CÓDIGO DO IMPOSTO  MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS, Comentado e anotado, de Martins Alfaro, Áreas Editora, 2004, 589-592, na obra citado de Silvério Mateus e Corvelo de Freitas, pags 294-295 e 259-261, podendo  ainda hoje o segundo ser consultado no sítio da internet http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/legislacao/instrucoes_administrativas/oficios_circulados_contribuicao_autarquica.htm) explicitaram mesmo o entendimento de que a não ser em casos de reconstrução, modificação ou melhoramento do prédio que implique  alguma variação do valor tributável  a passagem ao regime da propriedade horizontal não dá origem a nova avaliação.

 

[4] Proferidas nos processos 50/2013-T, 132-2013-T, 18 1/2013-T, 183/2013-T, 185/2013-T, 248/13, que podem ser consultadas em https://caad.org.pt/.

[5] Usamos aqui a expressão no sentido de parte ou andar suscetível de utilização independente.