Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 860/2019-T
Data da decisão: 2020-06-23  IRS  
Valor do pedido: € 4.573,81
Tema: IRS – Rendimentos de categoria F e G – reporte de perdas.
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DECISÃO ARBITRAL

I – Relatório

 

1.            Elementos gerais do processo

 

A..., NIF..., e B..., NIF..., casados, residentes no ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, vêm requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para declaração de ilegalidade parcial do ato de liquidação de IRS com o n.º 2018..., de 15 de maio de 2018, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

2.            Posição do Requerente

Incrementos patrimoniais

A Requerente B... apurou, em 2012, perdas em sede de incrementos imobiliários no valor de € 5.951,20 e, em 2013, de € 492,25 – perdas essas que foram reportadas.

Em 2017, a Requerente auferiu e declarou uma mais-valia no valor de € 5.214,35.

A AT apenas deduziu a esse valor o montante de € 3.221,72 – sensivelmente metade das perdas apuradas em 2012 e 2013.

Rendimentos prediais

Os Requerentes auferiram os seguintes rendimentos prediais líquidos nos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017.

 

O Requerente marido reconheceu, no exercício de 2014, perdas de € 3.973,03 e, nos exercícios de 2015 e 2016, rendimentos prediais líquidos positivos de € 39.784,19 e € 45.389,85.

A Requerente mulher reconheceu, nos exercícios de 2014 e 2015, perdas de € 37.774,98 e de € 5.946,93 e, nos exercícios de 2016 e 2017, rendimentos de € 19.325,76 e € 14.991,64.

De acordo com os Requerente, a AT deveria ter deduzido as perdas apuradas nos anos anteriores pela Requerente mulher (no valor de € 18.449,22) aos referidos € 14.991,64, originando um rendimento nulo em 2017 e o reporte para 2018 de perdas no valor de € 3.457,58.

 

Contudo, a AT liquidou imposto, relativamente a 2017, no valor de € 3.113,79 a título de rendimentos prediais:

- sujeitou um rendimento de € 10.279,19 à taxa autónoma de 28%, resultando num imposto a pagar de € 2.878,17;

- sujeitou um rendimento de € 4.712,45 à taxa autónoma de 5%, resultando num imposto a pagar de € 235,62.

Os Requerentes alegam que foram tributados de forma ilegal por não terem sido deduzidas as perdas apuradas em anos anteriores relativamente ao mesmo tipo de rendimentos.

Os Requerentes apresentaram reclamação graciosa a 28.12.2018 contra a liquidação impugnada, tendo sido notificados a 15.08.2019 do projeto de indeferimento da reclamação graciosa e para exercerem o direito de audição prévia.

A 28.08.2019, os Requerentes apresentaram o direito de audição prévia, tendo sido notificados do indeferimento definitivo da reclamação graciosa a 14.10.2019.

Antes da Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, a redação do artigo 55.º, n.º 1, do CIRS era a seguinte:

“Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, é dedutível ao conjunto dos rendimentos líquidos sujeitos a tributação o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria de rendimentos.”

A Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, alterou a redação do artigo 55.º, n.º 1, do CIRS nos seguintes termos:

“Relativamente a cada titular de rendimentos, o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria só é dedutível aos seus resultados líquidos positivos da mesma categoria.”

Esta nova redação passou a ser aplicável às perdas apuradas depois de 01.01.2015 (cf. artigo 17.º, n.º 6, da Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro.

A AT entende que deve ser feita uma leitura conjugada do artigo 55.º, n.º 5, com o artigo 43.º, n.º 2, do CIRS e que dessa leitura decorre que o saldo negativo apenas é considerado em 50% do seu valor. Por esse motivo, apurou 50% de € 5.951,20 e 50% de € 492,25 quanto às perdas referentes a incrementos patrimoniais.

Contudo, referem os Requerentes que esses montantes (de € 5.951,20 e de € 492,25) já correspondiam a 50% das perdas apuradas, respetivamente, nos exercícios de 2012 e de 2013, e não à totalidade das perdas apuradas na categoria G, de incrementos patrimoniais, pelo que a liquidação padece de erro sobre os pressupostos de facto, nos termos do disposto no artigo 163.º, n.º 1 do CPA, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT. Adicionalmente, é ilegal por violação do disposto no artigo 55.º, n.º 1 e número 5 do Código do IRS e do artigo 17.º, n.º 6 da Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro.

Quanto às perdas reportadas em sede de categoria F (rendimentos prediais), a AT não deduziu aos rendimentos prediais líquidos da Requerente mulher apurados em 2017 as perdas por si geradas em 2014 e em 2015 e devidamente reportadas, respetivamente, para os 5 e 6 anos seguintes, o que resultou numa tributação de € 3.113,79 que os Requerentes consideram indevida. A AT justificou a desconsideração dessas perdas com o entendimento de que o reporte das mesmas depende do englobamento dos rendimentos dessa mesma categoria no ano em que aquelas são geradas.

Os Requerentes referem que a jurisprudência relativa ao tema é unânime ao considerar que a dedução de perdas apuradas em exercícios anteriores aos rendimentos líquidos positivos da categoria F dos anos subsequentes não depende da opção pelo englobamento. Se o legislador quisesse ter introduzido essa limitação, como fez a propósito da categoria G, tê-lo-ia feito expressamente.

Em suma, peticionam a anulação da liquidação pelos seguintes motivos:

1) não terem sido deduzidas as perdas apuradas pela Requerente mulher em 2012 às mais-valias apuradas em 2017, no montante de € 5.214,35, originando uma tributação indevida de € 1.460,02.

2) não terem sido deduzidas as perdas apuradas em 2014 e 2015, no montante global de € 18.449,22, aos rendimentos da categoria F auferidos em 2017 (€ 14.991,64) e a liquidação de imposto não refletir as perdas excedentes e ainda não consumidas no exercício de 2017 (no montante global € 3.457,58) para os exercícios seguintes, originando, em 2017, uma tributação no montante de € 3.113,79.

Peticionam ainda o pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT e 61.º do CPPT, uma vez que procederam ao pagamento do imposto indevido.

3.            Posição da Requerida

Sobre os rendimentos da categoria G:

A partir de 01.01.2015, com a entrada em vigor da Lei n.º 82-E/2014, de 31/12, que procedeu à reforma da tributação das pessoas singulares, passou a vigorar o regime da tributação separada dos contribuintes casados e a dedução de perdas passou a efetuar-se relativamente a cada titular.

Pelo que, na falta de informação em contrário, considera-se, para efeitos do reporte de perdas a recuperar, a partir de 01.01.2015, relativas aos anos 2014 e anteriores, o regime de bens supletivo, em que cada sujeito passivo participa por metade no ativo e passivo da comunhão.

Neste sentido, havendo uma perda a reportar em 2012 e 2013, por referência ao conjunto dos rendimentos do agregado familiar, considerou-se metade das perdas a reportar, a partir de 01.01.2015, para cada um dos sujeitos passivos, não tendo sido apresentados elementos probatórios em sede do presente pedido que permitam afastar esta conclusão, nomeadamente quanto à natureza do imóvel (bem próprio do SPB).

Assim, desconhecendo-se a natureza dos imóveis em causa e o regime de bens do casamento dos sujeitos passivos, as perdas verificadas a partir de 01.01.2015, por referência a anos anteriores, consideram-se metade para cada um dos cônjuges, sendo dedutíveis ao resultado líquido da mesma categoria, relativamente a cada titular de rendimentos.

Pelo que, não tendo o SPA apurado quaisquer resultados líquidos positivos da categoria G, no ano 2017, não são dedutíveis as perdas do ano 2012 e 2013 referentes a este sujeito passivo.

Sobre os rendimentos da categoria F

Na declaração de rendimentos referente ao ano de 2017, os contribuintes declararam rendimentos prediais no quadro 4 do Anexo F, tendo assinalado “não” na opção pelo englobamento daqueles rendimentos e sido tributados autonomamente.

Alegam os Requerentes que, aos rendimentos da Categoria F auferidos em 2017, deveriam ser deduzidas as perdas apuradas em 2014 e 2015 e refletidas as perdas excedentes e ainda não consumidas no exercício de 2017, para os exercícios seguintes.

 

Até 31/12/2012, os rendimentos prediais auferidos por residentes eram englobados com os rendimentos das restantes categorias e tributados às taxas gerais, pelo que a possibilidade de dedução de perdas prevista no artigo 55.º do Código do IRS, referente aos rendimentos da categoria F estava prevista para essa realidade, ou seja, para os rendimentos prediais que fossem englobados no conjunto dos rendimentos líquidos sujeitos a tributação (porque não havia alternativa).

Lei n.º 66-B/2012, aplicável a partir de 01/01/2013

Com a alteração introduzida pela Lei n.º 66-B/2012, a partir de 01/01/2013, passou a prever-se, no n.º 1 do artigo 72.º do Código do IRS, que “os rendimentos prediais são tributados autonomamente à taxa de 28%”, não obstante a possibilidade de ser exercida a opção pelo englobamento.

Pese embora esta alteração legislativa, passando os rendimentos prediais de englobamento obrigatório para englobamento facultativo, o n.º 2 do artigo 55.º do CIRS manteve a sua redação anterior:

“O resultado líquido negativo apurado na categoria F só pode ser reportado aos cinco anos seguintes àquele a que respeita, deduzindo-se aos resultados líquidos positivos da mesma categoria” (Redação dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro),

Prevendo-se no n.º 1 do mesmo normativo, à data, que:

“sem prejuízo do disposto nos números seguintes, é dedutível ao conjunto dos rendimentos líquidos sujeitos a tributação o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria de rendimentos”

Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro

Com a redação introduzida pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, o n.º 1 deste artigo passou a prever "Relativamente a cada titular de rendimentos, o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria só é dedutível aos seus resultados líquidos positivos da mesma categoria

(...)

b) o resultado liquido negativo apurado em determinado ano na categoria F só pode ser reportado aos seis anos seguintes àquele a que respeita.”

Nos termos do n.º 1 do artigo 22.º do Código do IRS, a operação de englobamento visa apurar a totalidade dos rendimentos das várias categorias auferidos em cada ano, depois de feitas as deduções e os abatimentos previstos.

A operação de dedução de perdas não é uma dedução específica, mas antes um processo prévio que, no entender da AT, é condicionado pela possibilidade de englobamento.

Para a AT, a questão decidenda prende-se com a interpretação do artigo 55.º n.º 1 e do artigo 72.º n.º 7 do CIRS, na medida em que a Lei n.º 66-B/2012 alterou significativamente a tributação dos rendimentos prediais (categoria F), uma vez que até 2012, tais rendimentos eram sujeitos a englobamento obrigatório. Com a citada Lei tais rendimentos passaram a ser tributados autonomamente à taxa de 28%.

Assim, somente por opção dos respetivos titulares residentes em território português, estes rendimentos continuam a ser englobados. O princípio da tipicidade da lei tributária refere que só são dedutíveis os gastos ou outros valores que expressamente estejam previstos na lei, não permitindo este princípio a integral dedutibilidade de todos os encargos suportados pelos contribuintes. Com este fim, o artigo 41.º n.º 1 do CIRS refere expressamente as despesas que devem ser consideradas para efeitos de dedução na categoria F. Com fundamento na previsão desta norma, quer tenha ou não havido opção pelo englobamento, há lugar a dedução das despesas previstas no normativo.

Situação diversa é a do artigo 55.º do CIRS. É de considerar o reporte das perdas somente para efeitos de apuramento do rendimento global líquido ou rendimento líquido total, que resulta do englobamento dos rendimentos das diversas categorias. A redação do referido artigo 55.º n.º 1 do CIRS refere-se ao “conjunto dos seus rendimentos líquidos”, logo a dedução das perdas ao conjunto de rendimentos líquidos, só será possível quando o tipo de rendimentos a que as perdas respeitam seja tributado em conjunto com os restantes rendimentos. Assim, o titular dos rendimentos terá de manifestar a opção pelo englobamento dos rendimentos prediais caso pretenda beneficiar do reporte conforme dispõe o artigo 72.º n.º 8 do CIRS.

Não tendo os Requerentes optado por sujeitar os rendimentos prediais à mesma forma de tributação dos restantes rendimentos, mas sim por via da tributação autónoma, os mesmos deixaram de fazer parte do conjunto de rendimentos a que se refere o artigo 55.º, n.º 1 do CIRS, não podendo as perdas dessa categoria vir a influenciar o resultado da tributação dos rendimentos englobados.

Concluem, portanto, que não se efetuando o englobamento dos rendimentos prediais obtidos, por maioria de razão, aquela operação prévia (dedução de perdas) não pode ser realizada, por estar condicionada ao prévio englobamento dos rendimentos.

4. Decurso do processo

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 06 de março de 2020.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

 

Foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e ordenada a notificação das partes para, caso pretendessem, produzirem alegações. Ambas as partes apresentaram alegações, mantendo as posições anteriores.

 

II - Fundamentação

 

1.            Matéria de facto

 

Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.

 

A)           No Anexo G da declaração de rendimentos do ano 2012 foi declarada a transmissão onerosa de vários imóveis pelo SPB com o NIF...;

B)           Tal declaração deu origem a um saldo de menos-valias a reportar para os anos seguintes de 5.951,20 (2.975,60 do SPA e 2.975,60 do SPB);

C)           No Anexo G da declaração de rendimentos do ano 2013 foi declarada a transmissão onerosa de dois imóveis pelo SPB com o NIF...;

D)           Essa declaração veio a originar um saldo de menos-valias a reportar para os anos seguintes de 492,24 (246,12 do SPA e 246,12 do SPB);

E)            Os referidos resultados líquidos negativos, apurados nos anos 2012 e 2013, não foram reportados nos anos 2013 a 2016;

F)            No Anexo G da declaração de rendimentos do ano 2017 foi declarada a transmissão onerosa de vários imóveis pelo SPB com o NIF ... e a correspondente mais-valia de € 5.214,35;

G)           Essa declaração originou um saldo de mais-valias, tendo sido consideradas "Perdas a recuperar" de € 3.221,72, ou seja, as perdas imputadas ao SPB em 2012 (2.975,60) e 2013 (246,12), não sendo consideradas as perdas imputadas ao SPA nos mesmos anos;

H)           As perdas consideradas correspondem a 50% do saldo negativo apurado, conforme tabela infra:

 

I)             Os REQUERENTES auferiram os seguintes rendimentos prediais líquidos nos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017: 

 

J)            O Requerente marido apurou perdas de € 3.973,03 em 2014;

K)           Em 2015 apurou rendimentos prediais positivos de € 39.784,19;

L)            Em 2016 apurou rendimentos prediais positivos de € 45.389,85;

M)          A Administração tributária liquidou, através da liquidação impugnada, imposto no montante de € 3.113,79 a título de rendimentos prediais, nos seguintes termos:

i)             Sujeitou um rendimento de € 10.279,19 à taxa de 28%, resultando numa tributação de € 2.878,17;

ii)            Sujeitou um rendimento de € 4.712,45 à taxa de 5%, resultando numa tributação de € 235,62.

N)           Em 2018, os REQUERENTES foram notificados da liquidação de IRS impugnada;

O)           A 28 de dezembro de 2018, os REQUERENTES apresentaram, tempestivamente, a respetiva Reclamação Graciosa;

P)           A 15 de agosto de 2019, os REQUERENTES foram notificados do projeto de indeferimento da reclamação graciosa e da possibilidade do exercício do direito de audição;

Q)           A 28 de agosto de 2019, os REQUERENTES apresentaram, por escrito, o respetivo direito de audição prévia;

R)           A 14 de outubro de 2019, os REQUERENTES foram notificados do indeferimento da respetiva reclamação graciosa;

S)            A 16 de dezembro de 2019, os REQUERENTES solicitaram a presente pronúncia arbitral.

 

2.            Factos não provados

 

Não existem factos relevantes para a causa que não tenham sido considerados provados.

 

3.            Fundamentação da matéria de facto considerada provada e não provada

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e constantes do processo administrativo junto pela Autoridade Tributária e na alegação de factos não questionados.

 

II. Matéria de direito

 

As questões a decidir no presente processo são as seguintes:

 

1) No que toca aos rendimentos da categoria F, não tendo os Requerentes, residentes em território português, optado pelo englobamento dos rendimentos prediais nas declarações de IRS, poderão ou não beneficiar do reporte de perdas dos anos anteriores previsto do artigo 55.º do CIRS?

 

2) No que toca aos rendimentos da categoria G, importa saber se, a partir de 01.01.2015, com a entrada em vigor da Lei n.º 82-E/2014, de 31/12, que procedeu à reforma da tributação das pessoas singulares, tendo passado a vigorar o regime da tributação separada dos contribuintes casados, a dedução de perdas passou a efetuar-se relativamente a cada titular, pelo que, na falta de informação em contrário, deve considerar-se, para efeitos do reporte de perdas a recuperar, a partir de 01.01.2015, o regime de bens supletivo, em que cada sujeito passivo participa por metade no ativo e passivo da comunhão. Neste caso, havendo uma perda a reportar em 2012 e 2013, por referência ao conjunto dos rendimentos do agregado familiar, estará certa a AT ao considerar metade das perdas a reportar, a partir de 01.01.2015, para cada um dos sujeitos passivos, não tendo sido apresentados elementos probatórios que permitam afastar esta conclusão, nomeadamente quanto à natureza do imóvel enquanto bem próprio do SPB?

 

Quanto à primeira questão, vejamos o que previam as principais normas aplicáveis no exercício a que se reporta a liquidação, isto é, 2017:

 

O artigo 8.º do Código do IRS define rendimentos da categoria F, ou rendimentos prediais, as rendas dos prédios rústicos, urbanos e mistos pagas ou colocadas à disposição dos respetivos titulares, quando estes não optarem pela sua tributação no âmbito da categoria B.”

 

O artigo 55.º do Código do IRS prevê que o resultado líquido negativo apurado em determinado ano na categoria F só pode ser reportado aos seis anos seguintes àquele a que respeita (a redação anterior, que tinha sido introduzida pela Lei n.º 64.º-B/2011, de 30 de dezembro, previa que “o resultado líquido negativo apurado na categoria F só pode ser reportado aos cinco anos seguintes àquele a que respeita, deduzindo-se aos resultados líquidos positivos da mesma categoria”)

 

O artigo 72.º, n.º 1, do CIRS prevê, desde 01.01.2013, que os rendimentos prediais são tributados à taxa autónoma de 28%, não obstante a possibilidade de englobamento conferida aos titulares que sejam residentes em território português.

 

Esta questão já foi analisada várias vezes no âmbito de processos arbitrais sob a égide do CAAD (veja-se o caso dos processos 51/2018-T, 538/2018-T, 180/2019-T, 688/2019-T). Em todos estes casos se faz notar um aspeto que também aqui se entende definidor da resposta ao problema: é que a norma que estabelece as condições em que tem lugar o reporte do resultado líquido negativo apurado no âmbito da categoria F prevê como condição única para esse reporte o facto de ele ocorrer num dos seis anos seguintes àquele em que o resultado líquido negativo é apurado. Ao contrário do que sucede com o reporte do saldo negativo apurado em sede de categoria G, em que o legislador expressamente conjuga as duas condições – ser reportado nos cinco anos seguintes ao respetivo apuramento e o sujeito passivo fazer a opção pelo englobamento - no caso do resultado líquido negativo apurado na categoria F, a única condição expressamente estabelecida é mesmo a temporal. Ora, se o legislador criou apenas uma condição, não cabe à AT acrescentar uma segunda. Tão-pouco resulta do disposto no artigo 72.º, n.º 8, do CIRS, onde se prevê a opção pelo englobamento, que o exercício dessa opção pelo titular do rendimento seja condição sine qua non para a dedutibilidade de perdas apuradas nessa mesma categoria. O mesmo se diga do artigo 22.º do CIRS, onde se define o que é o englobamento.

 

Além das decisões arbitrais sobre esta matéria, é ainda relevante a referência à posição assumida pelo Supremo Tribunal Administrativo, em Acórdão prolatado por unanimidade , que confirmou o entendimento segundo o qual “[a] dedução de perdas aos rendimentos líquidos positivos da categoria F, prevista no art. 55.º, n.º 2, CIRS (na redação dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro), não depende de opção pelo englobamento a que alude o 72.º, n.º 8, do mesmo diploma legal” .

 

Quanto a este ponto, procede, portanto, a argumentação dos Requerentes.

 

Quanto à segunda questão, relativa à tributação das mais-valias:

 

Resulta da declaração de rendimentos em crise no presente processo – referente ao exercício de 2017 – que os Requerentes optaram pela tributação conjunta dos rendimentos auferidos (cf. p. 1 do documento 7). Contudo, ao efetuar a liquidação de imposto desse exercício, a AT considerou que a norma prevista no artigo 55.º, n.º 1, do Código do IRS (na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro – Lei da Reforma do IRS), pressupõe a incomunicabilidade dos ganhos e perdas entre elementos do agregado familiar.

 

Nos termos do disposto nos números 2 e 3 do artigo 13.º do CIRS:

“2 - Quando exista agregado familiar, o imposto é apurado individualmente em relação a cada cônjuge ou unido de facto, sem prejuízo do disposto relativamente aos dependentes, a não ser que seja exercida a opção pela tributação conjunta.

3 - No caso de opção por tributação conjunta, o imposto é devido pela soma dos rendimentos das pessoas que constituem o agregado familiar, considerando-se como sujeitos passivos aquelas a quem incumbe a sua direção.” (sublinhado nosso)

 

No que aos rendimentos da categoria G diz respeito, os artigos 9.º e 10.º do Código do IRS estabelecem que “constituem incrementos patrimoniais (…) as mais-valias (…)”, constituindo estas “(…) os ganhos obtidos que (…) resultem de alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários (…)”, sendo que “o ganho sujeito a IRS é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais (…)”.

Nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 1 do Código do IRS, “o rendimento coletável em IRS é o que resulta do englobamento dos rendimentos das várias categorias auferidos em cada ano, depois de feitas as deduções e os abatimentos previstos (…)”, sendo que, de acordo com o seu n.º 3, alínea b), “não são englobados para efeitos da sua tributação (…) os rendimentos referidos nos artigos 71.º e 72.º auferidos por residentes em território português, sem prejuízo da opção pelo englobamento neles previsto”, sendo que “quando o sujeito passivo exerça a opção (….) fica, por esse facto, obrigado a englobar a totalidade dos rendimentos da mesma categoria de rendimentos” (n.º 5).

 

Quanto ao apuramento do rendimento tributável em sede de categoria G, o n.º 1 do artigo 43.º do CIRS prevê que “o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano (…)”. Por outro lado, como já vimos, o artigo 55.º do mesmo código, em tema de dedução de perdas, estabelece que “relativamente a cada titular de rendimentos, o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria só é dedutível aos seus resultados líquidos positivos da mesma categoria (…)”

 

Feito o enquadramento legal, cumpre decidir.

 

Com a Lei da Reforma Fiscal de 2014, à semelhança do que as pessoas em união de facto já podiam fazer, os casados passaram a poder optar pela tributação conjunta (que deixou de constituir o regime-regra). Com esta alteração, parece curial dizer-se que pretendeu o legislador assegurar que as pessoas casadas poderiam, caso assim pretendessem, optar pela tributação separada de rendimentos.

 

Esta alteração de espírito também teve efeitos no regime de perdas estabelecido no artigo 55.º do CIRS, o qual, a partir de 01.01.2015, passou a estabelecer que, por referência a cada titular de rendimentos, o resultado líquido negativo apurado nas diferentes categorias de rendimentos apenas poderia ser deduzido aos resultados líquidos positivos da mesma categoria, do seguinte modo:

             Em sede de categoria B de IRS, o resultado líquido negativo aí apurado apenas poderia ser reportado de acordo com as regras de dedução dos prejuízos fiscais previstos no Código do IRC, isto é, nos 12 anos seguintes;

             As perdas apuradas quanto aos rendimentos prediais apenas poderiam ser deduzidas aos ganhos da mesma categoria, fixando-se então um prazo de reporte de seis anos, ao invés do anterior prazo de cinco anos;

             Na categoria G, o saldo negativo, resultante de operações com instrumentos financeiros, poderia ser reportado nos cinco anos seguintes, quando anteriormente este prazo era de dois anos.

 

O apuramento do saldo sujeito a imposto é feito nos termos da regra consagrada no artigo 43.º do Código do IRS, segundo a qual o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias corresponde ao saldo apurado entre as mais e as menos-valias realizadas no mesmo ano.

 

A alteração legislativa ocorrida a partir de 01.01.2015 em nada alterou a forma de apuramento do ganho sujeito a imposto, não se tendo previsto qualquer distinção entre contribuintes casados (ou unidos de facto) e contribuintes solteiros ou divorciados. O facto de o artigo 55.º ter passado a consagrar uma forma de proibição de comunicação horizontal de perdas para o caso de reporte de resultados negativos não pode ser extrapolado para a determinação do rendimento sujeito a imposto.

 

Tal como se refere no processo 739/2016-T, “A norma constante daquele artigo 55.º do Código do IRS consubstancia, tal como acima se constatou, um mecanismo de reporte de perdas (ou de prejuízos, se quisermos) não podendo servir de base ao apuramento do saldo final apurado num determinado ano: se um saldo positivo ou negativo. Este último é apurado em função das regras e do regime pelo qual os contribuintes optaram, se de tributação conjunta ou separada.”

 

Assim, entendemos também assistir razão à Requerente no que diz respeito à questão relativa à tributação das mais-valias, considerando-se que, também neste ponto, o ato de liquidação é ilegal por violação do disposto nos artigos 10.º, 43.º e 55.º, do Código do IRS.

 

Do pedido de pagamento de juros indemnizatórios

 

Os Requerentes formulam um pedido de restituição do imposto indevidamente pago, bem como de pagamento de juros indemnizatórios. Nos termos disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito», de acordo com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

 

Não obstante o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilizar a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, há muito que se entende que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que vai ao encontro do sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

 

O processo de impugnação admite a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea.”

 

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao prever que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral. Este entendimento decorre ainda do princípio da tutela jurisdicional efetiva, constitucionalmente consagrado. Por isso, os Requerentes têm o direito de ser reembolsados do imposto pago e de receber os juros indemnizatórios que se mostrem adequados a “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.

 

No caso em apreço, o imposto foi integralmente pago pelos Requerentes, no prazo legal. Todavia, em virtude de um erro na aplicação do direito aos factos comprovados nos autos, que afetou o valor de imposto liquidado, resultou para os mesmos o pagamento de imposto em excesso. Tendo a liquidação sido resultado de erro, com a consequente violação de lei, conclui-se que o mesmo é imputável à AT.

 

Os Requerentes têm, por conseguinte, o direito a ser indemnizados através do pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento do imposto indevido (anulado) até à data da emissão da respetiva nota de crédito, contando-se o prazo para esse pagamento do início do prazo para a execução espontânea da presente decisão (art.º 61.º, n.ºs 2.º a 5º, do CPPT), tudo à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4.º do artigo 43.º da LGT.

 

III. DECISÃO

 

Em face do que vem de se expor, decide este Tribunal Arbitral Singular em:

i)             Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

ii)            Declarar ilegal a liquidação de IRS n.º 2018..., de 15 de maio de 2018, respeitante ao ano de 2017, assim como o ato de indeferimento da reclamação graciosa que lhes foi notificado a 14.10.2019;

iii)           Julgar procedente o pedido de reembolso do imposto indevidamente pago;

iv)           Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios;

v)            Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.

 

IV. VALOR DO PROCESSO

 

Em conformidade com o estatuído nos artigos 296.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 47/2013, de 26 de Junho, 97.º-A, n.º 1, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 4.573,81 (quatro mil, quinhentos e setenta e três euros e oitenta e um cêntimos)

 

V. CUSTAS

 

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, 22.º, n.º 4 do RJAT e artigo 2.º e 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem e Tabela I a este anexa fixa-se o montante de custas em € 612,00 (seiscentos e doze euros), a cargo da Requerida.           

 

23.06.2020

 

A Árbitro

Raquel Franco