Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 85/2018-T
Data da decisão: 2019-09-25  IRC  
Valor do pedido: € 6.598.113,37
Tema: IRC – SGPS - Dedutibilidade de encargos financeiros (Art. 32.º, n.º 2 EBF e Art. 67.º CIRC). Mensuração pelo justo valor. Ajustamentos de transição – Reforma da decisão arbitral (anexa à decisão).
*Substitui a Decisão Arbitral de 26 de dezembro de 2018.
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DESPACHO ARBITRAL

 

Na sequência do douto Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul (“TCAS”), em 25 de junho de 2019, já transitado em julgado, que declarou a nulidade da decisão proferida nos presentes autos, profere-se nova decisão arbitral.

 

                Lisboa, 25 de setembro de 2019

               

A árbitro presidente com a concordância de todos os árbitros,

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

               

Os árbitros Dra. Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente), Prof. Doutor António Martins e Dra. Cristina Aragão Seia (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 17 de maio de 2018, acordam no seguinte:

 

 

I.             RELATÓRIO

 

A...– SGPS, S.A., pessoa coletiva número ..., com sede na ..., adiante designada por “Requerente”, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral Coletivo e de pronúncia arbitral, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 10.º, n.º 1, alínea a), ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com vista à declaração de ilegalidade, e consequente anulação, do despacho de indeferimento do Chefe de Divisão de Direção de Finanças de ..., de 24 de novembro de 2017, que recaiu sobre a reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2016..., de 28 de junho de 2016, referente ao exercício de 2013.

 

O pedido anulatório estende-se ao referido ato tributário do qual resultou uma correção à matéria coletável no valor de € 6.598.113,37 e consequente redução dos prejuízos fiscais declarados de € 7.753.914,57 para € 1.155.801,20.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).

 

Como fundamento do pedido anulatório a Requerente alega, em síntese, os seguintes vícios:

VÍCIOS PROCEDIMENTAIS DA AÇÃO INSPETIVA

 

(a)          A AT excedeu o prazo legal de 6 (seis) meses para a conclusão do procedimento inspetivo que esteve na génese das correções à matéria coletável de IRC, por invalidade da segunda prorrogação, derivada da omissão do despacho que a determinou e da consequente falta absoluta de fundamentação, nos termos dos artigos 15.º, n.º 1 e 36.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (“RCPIT”).

 

Adicionalmente, o projeto de relatório de inspeção foi notificado decorridos mais de 10 (dez) dias em relação à data da conclusão dos atos inspetivos.

 

Assim, de acordo com a Requerente, a liquidação impugnada, como ato consequente do procedimento inspetivo, é também anulável por vício de violação de lei, à face do disposto nos artigos 133.º, n.º 2, alínea i) e 135.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”) .

 

VÍCIOS DE FUNDAMENTAÇÃO E DE VIOLAÇÃO DE LEI RELATIVOS À CORREÇÃO DA DEDUÇÃO DE ENCARGOS FINANCEIROS – ARTIGO 32.º, N.º 2 DO EBF

 

(b)          A correção da dedução fiscal, em IRC, dos encargos financeiros suportados pela Requerente não está suficientemente fundamentada – o que equivale ao vício da sua falta, nos termos do artigo 153.º do CPA – e padece de vício material de erro nos pressupostos de facto e de direito. 

 

Neste âmbito, a Requerente sustenta que a AT presumiu que os encargos financeiros foram suportados com a aquisição de participações sociais e, assim, abrangidos pela previsão do artigo 32.º, n.º 2 do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), corrigindo a sua dedução, sem, contudo, demonstrar que os financiamentos se destinaram àquela finalidade, com violação da presunção de veracidade e boa fé das declarações dos contribuintes (artigo 75.º, n.º 1 da LGT).

 

Segundo a Requerente, a sua vida financeira é complexa, sendo impossível afetar encargos financeiros a operações específicas, não tendo a presunção aplicada adesão à realidade, pois nenhum dos financiamentos contraídos visou adquirir partes de capital. Aduz que a AT não realizou as diligências necessárias à descoberta da verdade material, pelo que violou o disposto nos artigos 58.º da LGT e 5.º, n.º 6 do RCPIT.

 

A desconsideração infundada, por parte da AT, de gastos incorridos relacionados com a sua atividade, por não demonstração dos seus pressupostos (do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, que assenta na relação entre passivos remunerados e a aquisição de participações sociais), viola o princípio da capacidade contributiva e da tributação das empresas pelo rendimento real (artigos 104.º, n.º 2 da CRP, 17.º, n.º 1 do Código do IRC e 4.º, n.º 1 da LGT).

 

O artigo 32.º, n.º 2 do EBF não constitui um benefício fiscal para as SGPS. Esta norma viola os artigos 2.º, n.º 1 e 6.º, n.º 2 do EBF, 55.º da LGT e 5.º do CPA e padece de inconstitucionalidade material por violação dos princípios da igualdade, neutralidade fiscal e proporcionalidade, à face da injustificada discriminação negativa das SGPS e do favorecimento do recurso a fundos próprios em detrimento dos alheios (artigos 13.º e 266.º, n.º 2 da CRP). A interpretação dos benefícios fiscais deve ser feita no sentido de estender o âmbito de aplicação dos benefícios e não de restringi-los (artigos 11.º da LGT, 9.º e 11.º do Código Civil).

 

Por outro lado, a Circular n.º 7/2004, de 30 de março, da Direção de Serviços do IRC, viola o princípio da legalidade e tipicidade, ao reger sobre a quantificação da matéria coletável deste imposto, i.e., sobre incidência e benefícios fiscais, de forma inovatória e desprovida de suporte legal (artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i) da Constituição (“CRP”). Acresce que o método da Circular representa uma ingerência na gestão financeira corrente das sociedades que conduz a resultados absurdos e consubstancia a aplicação de um método indireto (de determinação da matéria coletável) que apenas é admissível em circunstâncias excecionais devidamente justificadas, o que não foi o caso, nem tal foi alegado pela AT. Acresce que a Requerente não foi notificada para exercer o direito de audição prévia relativamente à aplicação de métodos indiretos. Por tudo isto, resultam violados os artigos 61.º, n.º 1, alínea d), 81.º, n.º 1, 83.º, 85.º, 87.º a 94.º, todos da LGT.

 

A Circular n.º 7/2004 é retroativa ao desconsiderar encargos financeiros incorridos com empréstimos contraídos antes da sua entrada em vigor, infringindo os princípios da segurança jurídica, boa fé e proteção da confiança, que constituem emanações do princípio do Estado de Direito (cf. artigos 12.º da LGT e 2.º e 103.º, n.º 3 da CRP).

 

Os próprios cálculos realizados pela AT ao abrigo da Circular acima citada estão incorretos por diversas razões: tiveram em conta partes de capital detidas há menos de 1 (um) ano (B..., SA); consideraram o ativo bruto ao invés do ativo líquido; realizaram a imputação proporcional entre passivos e ativos em função do custo médio da dívida e não do custo real e não atenderam ao custo de aquisição efetivo das participadas C... SGPS SA e D..., LDA..

 

Mesmo que existisse dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, o ato devia ser anulado, de harmonia com o artigo 100.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).

 

VÍCIO DE VIOLAÇÃO DE LEI POR ERRO DE DIREITO REFERENTE À DESCONSIDERAÇÃO DA DEDUÇÃO DE 50% DAS PERDAS DERIVADAS DE MENSURAÇÃO PELO JUSTO VALOR – ARTIGO 45.º, N.º 3 DO CÓDIGO DO IRC. VÍCIO PROCEDIMENTAL DE NÃO ADOÇÃO DO PROCEDIMENTO DO ARTIGO 63.º DO CPPT

 

(c)          A correção pela AT do tratamento fiscal atribuído pela Requerente às perdas, deduzidas na íntegra, derivadas da mensuração pelo justo valor de instrumentos financeiros (ações) cotados em bolsa, tem subjacente o entendimento, inaplicável à situação vertente, segundo o qual as variações patrimoniais negativas relativas a instrumentos de capital próprio são dedutíveis em apenas 50%, suportado no artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC (entretanto revogado pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro).

 

Estão em causa ajustamentos de transição relativos à passagem do Plano Oficial de Contabilidade (“POC”), aprovado pelo Decreto-lei n.º 410/89, de 21 de novembro, para o Sistema de Normalização Contabilística (“SNC”), aprovado pelo Decreto-lei n.º 158/2009, de 13 de julho, que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2010, referentes a ações detidas para negociação registadas ao custo histórico até à entrada em vigor do SNC. 

 

As diferenças, positivas e negativas, entre o valor de aquisição das ações e a sua cotação oficial em bolsa resultaram globalmente numa variação patrimonial líquida positiva, que a Requerente refletiu nos capitais próprios (#53) e deu à tributação em partes iguais (1/5) no exercício em que a mesma se verificou e nos 4 (quatro) consecutivos, conforme disposto no artigo 5.º do Decreto-lei n.º 159/2009, de 13 de julho, diploma que reviu o Código do IRC na perspetiva da entrada em vigor das novas normas contabilísticas e que constitui uma norma especial. 

 

A AT corrigiu ainda as variações no próprio exercício (2013) resultantes da oscilação da cotação das ações detidas para negociação, registadas como gasto na conta #661 “perdas por redução de justo valor em instrumentos financeiros”, aceitando-as apenas em 50%, novamente por apelo ao artigo 45.º, nº 3 do Código do IRC, que a Requerente entende também ser inaplicável por idênticas razões.

 

Na perspetiva da Requerente, a previsão do artigo 45.º, n.º 3 não contempla os ajustamentos (gastos) decorrentes da aplicação do justo valor, cuja introdução foi posterior (elemento histórico) e que não quadram à sua intenção anti-abuso (elemento teleológico), dada a fiabilidade e objetividade valorativa, sem possibilidade de influência ou controlo pelos sujeitos passivos, que caracteriza as situações abrangidas pelo modelo do justo valor no Código do IRC. Neste âmbito, defende que o regime do artigo 45.º, n.º 3 não pode prevalecer sobre a disciplina especial constante dos artigos 18.º, n.º 9, alínea a); 20.º, n.º 1, alínea f); 23.º, n.º 1, alínea i) e 46.º, n.º 1, alínea b), todos do Código do IRC.

 

A Requerente salienta ainda que o artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC não foi alterado quando da introdução do SNC, apresentando um sentido preciso em articulação com os artigos 23.º e 24.º do mesmo Código, assente em conceitos distintos e autónomos de gastos e perdas e de variações patrimoniais negativas, não abrangendo a sua hipótese normativa os ajustamentos decorrentes da mensuração pelo justo valor.

 

Esta interpretação é confirmada pela revogação do artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC, pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro (“Reforma do IRC”), com a simultânea manutenção do seu artigo 18.º, n.º 9, alínea a), circunstância que revela serem normas independentes e não correlacionadas.

 

Adicionalmente, para a Requerente a posição da AT é contrária aos princípios constitucionais da justiça e da proporcionalidade, pois limita a 50% a dedução fiscal de situações objetivas e involuntárias como as previstas no artigo 18.º, n.º 9, alínea a) do Código do IRC. 

 

Argui, por fim, que a aplicação do artigo 45.º, n.º 3, dada a sua natureza de norma anti-abuso postularia também a observância do procedimento previsto no artigo 63.º do CPPT, o que não foi o caso. 

 

VÍCIO DE VIOLAÇÃO DE LEI POR ERRO NA DETERMINAÇÃO DO LIMITE LEGAL DE DEDUÇÃO DE GASTOS DE FINANCIAMENTO – ARTIGO 67.º DO CÓDIGO DO IRC

 

(d)          A Requerente invoca que a AT calculou de forma errónea o limite legal à dedução de gastos de financiamento previsto no artigo 67º do Código do IRC, na redação aplicável à data dos factos, ao ajustar indevidamente o resultado (EBITDA) expurgando-o do efeito do “justo valor”, na importância de € 186.233.200,00, decorrente da avaliação, por parte de uma instituição de crédito independente, da participação financeira que detinha na sociedade E... SGPS, SA..

 

Segundo a Requerente, o artigo 67.º, n.º 8 do Código do IRC não previa limitações quanto à consideração do justo valor e ao EBITDA apurado na contabilidade, pelo que esta correção padece de vício de violação de lei e não tem sequer suporte na Circular n.º 7/2013, de 19 de agosto, que vincula a AT em conformidade com os princípios da boa fé, da segurança jurídica e da proteção da confiança, conforme preceituado nos artigos 10.º do CPA e 266.º, n.º 2 da CRP.

 

Conclui que a nova redação do mencionado artigo 67.º, n.º 8 do Código do IRC só entrou em vigor em 2014 e não é passível de aplicação retroativa. Deste modo, os gastos de financiamento por si deduzidos enquadram-se no limite legal determinado pelo artigo 67.º do Código do IRC, na redação aplicável à data dos factos. 

 

                A Requerente termina com o pedido de anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa e da liquidação de IRC e de condenação da Requerida ao pagamento da taxa arbitral e demais encargos.

 

Juntou 16 (dezasseis) documentos e requereu prova testemunhal.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação à AT.

 

Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, al. a), 6.º, n.º 2, al. a) e 11.º, n.º 1, al. a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) designou como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes, oportunamente notificadas dessa designação, não opuseram recusa nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 8.º do RJAT e 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 17 de maio de 2018, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD.

 

A Requerida apresentou resposta e juntou o processo administrativo (“PA”).

 

Segundo a Requerida, quer a prorrogação do procedimento inspetivo como a alteração do seu âmbito respeitaram todos os requisitos, incluindo o de fundamentação, contidos nos artigos 15.º, n.º 1 e 36.º, n.º 3 do RCPIT, sendo infundada a alegação da Requerente. Por outro lado, os vícios imputados ao procedimento inspetivo não afetam a validade do ato de liquidação de IRC e do ato de segundo grau que sobre o mesmo incidiu. Assim, se porventura se verificassem a única consequência seria a cessação do efeito suspensivo do prazo de caducidade (do direito à liquidação do imposto), nos termos do artigo 46.º, n.º 1 da LGT.

 

Acrescenta que uma coisa é a fundamentação do ato, outra a comunicação desses fundamentos ao interessado. Neste último caso não ocorre qualquer vício de forma do ato notificado, apenas se atinge a sua eficácia.  Se a Requerente não foi notificada dos fundamentos da segunda prorrogação do procedimento inspetivo, cabia-lhe lançar mão do mecanismo do artigo 37.º do CPPT.

 

Quanto aos encargos financeiros cuja dedução não foi aceite, segundo a Requerida, foi a conduta omissiva da Requerente que conduziu à necessidade de recorrer ao método de quantificação previsto na Circular n.º 7/2004. A Requerente, notificada para esse efeito, não forneceu à AT qualquer resposta, nem elementos que permitissem identificar o método utilizado para a imputação dos passivos remunerados às suas operações e ativos detidos.

 

A complexidade da vida financeira e a dificuldade de identificação dos fluxos financeiros não justificam, de acordo com a posição da Requerida, a não aplicação do artigo 32.º, n.º 2 do EBF que, sendo um regime especial, obriga a Requerente a organizar a contabilidade de modo a segregar os gastos e rendimentos e as variações patrimoniais positivas e negativas sujeitos ao regime geral do IRC e aos regimes especiais, exigência a que aquela não deu cumprimento.  

 

A Requerente deduziu ao lucro tributável a totalidade dos encargos de natureza financeira suportados sem observar o ónus de demonstrar a sua existência e dedutibilidade, nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da LGT.

 

Acresce que o método da Circular n.º 7/2004 é um método de repartição proporcional que não pode confundir-se com métodos indiretos de avaliação a matéria tributável. Não está em causa o registo e veracidade dos encargos de natureza financeira suportados, mas, tão-só, a sua qualificação como dedutíveis ou não dedutíveis, não sendo afastada ou substituída a contabilidade. Salienta que a Requerente não contrapôs outro método de alocação específica, nem demonstrou que não suportou encargos financeiros associados à aquisição de partes sociais. Preconiza ainda que o referido método da Circular tem cobertura na letra e no espírito do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, limitando-se a concretizar uma das formas de lhe dar aplicação, quando dificuldades de ordem prática tornem inviável a adoção de um método de imputação específica, e que a interpretação minimalista da Requerente, segundo a qual a aplicação daquela norma depende da afetação específica dos financiamentos obtidos, conduziria a circunscrever o comando da não dedutibilidade dos encargos financeiros às holdings puras.

 

Para a Requerida não se verificam as alegadas violações dos princípios constitucionais da tributação pelo rendimento real, da proporcionalidade e da igualdade, em linha com a posição sufragada no Acórdão do Tribunal Constitucional (“TC”) n.º 42/2014, de 14 de janeiro, por não existir arbitrariedade na discriminação das SGPS. Esta discriminação é justificada e não ocorre manifesto incumprimento da proibição do excesso. Para a Requerida, a interpretação que a Requerente pretende fazer prevalecer é que conduz a um resultado violador do princípio da igualdade.

 

No tocante à pretensa violação dos princípios do inquisitório e da descoberta da verdade material, tendo a Requerente deduzido a totalidade dos encargos de natureza financeira, não obstante o seu objeto social, impunha-se à AT verificar a conformidade legal desta dedução. Em face da inexistência de registos contabilísticos dos empréstimos discriminados por afetação ou por outro meio que permitisse conhecer a sua alocação, a AT recorreu à metodologia divulgada pela Circular n.º 7/2004, cabendo à Requerente contraditar os resultados da aplicação dessa metodologia, o que não fez.

 

Por outro lado, segundo a Requerida, não há qualquer falta de sustentáculo na opção legal, que foi adotada pelo artigo 32.º, n.º 2 do EBF, que consiste em os sujeitos passivos terem como regime regra a não dedutibilidade dos encargos financeiros e, no momento da realização, caso se verifique alguma das situações que implicam o seu afastamento (do regime regra), então fazer as devidas correções permitindo-lhes considerar para a formação do seu lucro tributável os encargos financeiros suportados, conforme se pronuncia o citado Acórdão do TC n.º 42/2014.

 

Acerca das perdas resultantes do critério do justo valor, entende a Requerida que a mudança do POC para o SNC originou uma alteração ao Código do IRC, mas continuaram a existir diferenças entre os critérios contabilísticos e os critérios fiscais, não tendo o legislador excluído do artigo 45.º, n.º 3 as perdas e as variações patrimoniais negativas decorrentes de reduções do justo valor, diferentemente do que fez no artigo 46.º, n.º 1 com a exclusão do regime das mais-valias e das menos-valias realizadas. Donde conclui que aquela norma continuou a aplicar-se a todas as perdas verificadas em partes de capital, com relevância fiscal, como sucede com as variações do justo valor. No caso em apreço, entende não se tratar de uma situação subsumida na primeira parte da norma (e por isso sujeita ao tratamento fiscal das mais e menos-valias), mas sim de uma variação patrimonial negativa resultante dos ajustamentos contabilísticos operados por força da transição para o SNC.

 

A formulação do artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC é abrangente não sendo de aceitar a interpretação restritiva da norma defendida pela Requerente com base numa sobrevalorização da imprecisão terminológica de “gastos” e “perdas”. Por outro lado, tal interpretação é errónea na medida em que não se pode atribuir à norma em causa a função de qualificar os gastos ou perdas como dedutíveis, que é cometida ao artigo 23.º do Código do IRC, pelo que não se suscita a alegada relação de especialidade.

 

A interpretação preconizada pela Requerente de que os encargos financeiros não dedutíveis são apenas os que direta e inequivocamente se provem como tal é contrária à lei fundamental, por violar os princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da tributação do rendimento real (artigos 13.º, 103.º e 104.º, n.º 2 da CRP), pois permite a dedução de encargos financeiros incorridos numa atividade geradora de rendimentos tributáveis e, do mesmo modo, em atividades que não se traduzam nessa geração, para além de as próprias SGPS serem tentadas a desonerar-se invocando a impossibilidade de afetação específica. 

 

                Uma SGPS que desenvolva atividades não abrangidas pelo regime especial previsto no artigo 32.º, n.º 2 do EBF, conjugado com o artigo 17.º, n.º 3, alínea b) do Código do IRC está vinculada ao dever de separação ou autonomização das atividades sujeitas a regimes fiscais diferenciados. Não basta ao sujeito passivo invocar a ilegalidade da Circular n.º 7/2004, para que lhe seja autorizada a dedução fiscal, sem que por aquele seja promovida prova para o efeito. A ilegalidade da mencionada Circular não pode constituir fundamento para a desaplicação do regime do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, ínsito no artigo 104.º, n.º 2 da CRP.

 

                A Requerida entende ser de indeferir o requerimento de prova testemunhal por apenas estar em discussão matéria de direito, e conclui pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral e pela manutenção do ato de liquidação impugnado, com absolvição do pedido com as legais consequências.

 

Por despacho de 14 de setembro de 2018, o Tribunal determinou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, com inquirição das testemunhas indicadas pela Requerente, atento o eventual contributo para o apuramento da verdade material. A reunião foi adiada por impedimento da Requerente.

 

Em 30 de outubro de 2018, realizou-se a referida reunião, na qual foram ouvidas as testemunhas F... e G..., tendo a Requerente prescindido de uma testemunha.

 

                O Tribunal notificou as partes para alegações escritas sucessivas e prorrogou por dois meses o prazo limite para prolação da decisão, que se fixou no dia 16 de janeiro de 2019, nos termos do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT. Por fim, advertiu-se a Requerente para, até essa data, proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no artigo 4º, n.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD.

               

                Requerente e Requerida apresentaram alegações mantendo, na essência, os argumentos que constam do pedido de pronúncia arbitral e da resposta, respetivamente.

 

 

II.            SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto na alínea a), do n.º 1, do artigo 10º do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades, não tendo sido suscitadas exceções.

 

 

III.          FUNDAMENTAÇÃO

 

1.            MATÉRIA DE FACTO

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

 

                A.  A A...– SGPS, S.A., aqui Requerente, foi fundada em novembro de 1994 e dedica-se à gestão de participações sociais, como forma indireta de exercício de atividades económicas, e à prestação de serviços e suporte às empresas do Grupo em que se insere, que operam em múltiplas áreas de negócio: imobiliária, extração mineira, construção metalomecânica, geração de energia elétrica a partir de fontes de energia renovável, entre outras – cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”), junto com o pedido de pronúncia arbitral (“ppa”) – documento 3 – e com o PA.

 

                B.  A Requerente está enquadrada sob o CAE 64202, no regime geral de IRC e normal trimestral de IVA – cf. RIT.

 

                C.  Com referência a 31 de dezembro de 2013, a Requerente apresentava passivos decorrentes de financiamentos obtidos no valor de € 148.958.510,21 e encargos financeiros suportados, abrangendo juros, imposto do selo, comissões e despesas bancárias, de € 11.024.953,92, os quais foram destinados de forma indiscriminada à sua atividade geral, que é complexa e composta por múltiplos movimentos financeiros, de curto, médio e longo prazo, e que inclui a centralização da obtenção e gestão de financiamentos para as sociedades participadas num modelo de cash pooling, não se encontrando os referidos passivos e encargos especificamente relevados ou associados à aquisição de partes de capital, seja na contabilidade, nas demonstrações financeiras, ou em mapas extra-contabilísticos – cf. RIT e depoimento da testemunha F... .

 

                D.  Com referência a 31 de dezembro de 2013, a Requerente alterou o método de mensuração da participação financeira que detinha na sociedade E... SGPS, SA, correspondente a 50% do seu capital social, que estava registada anteriormente (a 31 de dezembro de 2012) pelo valor de € 18.782.867,92, na subconta 41110191, de acordo com o método do custo. Esta participação passou a ser reconhecida pelo justo valor, que a Requerente considerou ser de € 205.016.067,70, na sequência de avaliação levada a efeito pelo H..., o que se traduziu num movimento contabilístico a débito na subconta “41110191 –E...-Percentagem capitais proprios”, no montante de € 186.233.199,78, por contrapartida do registo a crédito na subconta de rendimentos 77200000 – Ganhos por aumentos de justo valor em investimentos financeiros – cf. RIT.

 

                E.  Os gastos de financiamento líquidos da Requerente em 2013 cifraram-se em € 8.438.417,21, encontrando-se o resultado apurado antes de depreciações, gastos de financiamento e impostos (EBITDA), no montante de € 94.307.579,23, influenciado pelo valor de € 186.233.200,00, correspondente ao incremento de valor da participação financeira da E... SGPS, SA resultante da alteração do respetivo critério de mensuração – cf. RIT.

 

                F.  Com referência ao exercício de 2013, a Requerente registou na conta 661 – Perdas por Reduções de Justo Valor – Em Instrumentos Financeiros, o montante de € 315.973,55, parte do qual se reporta a perdas em instrumentos de capital próprio em empresas cujos valores mobiliários se encontram admitidos à negociação em mercado regulamentado, correspondentes a participação no capital social inferior a 5% – cf. RIT.

 

                G.  A Requerente acresceu ao resultado tributável o valor de € 516.435,29, correspondente a 1/5 do saldo (positivo) das variações patrimoniais positivas e negativas derivadas dos ajustamentos de transição do POC para o SNC, nos termos do regime transitório do artigo 5.º, n.ºs 1, 5 e 6 do Decreto-lei n.º 159/2009, de 13 de julho, em decorrência da alteração da mensuração dos instrumentos de capital próprio detidos para negociação em empresas cujos valores mobiliários se encontram admitidos à negociação em mercado regulamentado (que se encontravam mensurados ao custo de aquisição) para o justo valor por contrapartida de resultados – cf. RIT.

 

                H. Em 13 de agosto de 2014, a Requerente apresentou a Declaração Modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2013, em que apurou um prejuízo fiscal de € 7.753.914,57, não tendo acrescido encargos financeiros no Quadro 07, seja no Campo 748 – Limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento [artigo 67.º do CIRC], seja no Campo 779 – Encargos financeiros não dedutíveis [artigo 32.º, n.º 2 do EBF] – cf. documento 2 junto com o ppa e RIT.

 

                I. Em 1 de setembro de 2015 teve início um procedimento de inspeção externa à Requerente, relativo ao exercício de 2013, credenciado pela Ordem de Serviço OI2015..., de âmbito parcial – IRC – cf. RIT e documento 4 junto com o ppa.

 

                J. Por despacho datado de 28 de janeiro de 2016, foi prorrogado por três meses o prazo do procedimento inspetivo, em conformidade com a fundamentação e proposta constantes da informação dos serviços com a mesma data, alicerçada na complexidade, quer da investigação dos factos, quer da apreciação técnico-jurídica, ao abrigo do artigo 36.º, n.º 3, alínea a) do RCPIT. O despacho e a informação que o suporta foram notificados à Requerente por ofício da mesma data, prevendo-se a conclusão da inspeção até 1 de junho de 2016 – cf. documento 4 junto com o ppa e PA.

 

                K. A Requerente foi notificada da alteração de âmbito e de uma segunda prorrogação do prazo do procedimento de inspeção tributária, por ofício datado de 27 de abril de 2016, assinado pelo Chefe de Divisão (Divisão de Inspeção Tributária ..., Direção de Finanças de...), por subdelegação, que refere:

“Nos termos do disposto nos artigos 14.º, n.º 1, alínea a), art.º 15.º, n.º 1 e art.º 36.º, n.º 3 e 4, do Regime Complementar de Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), notificam-se V. Exas da alteração de âmbito de parcial para geral, assim como da prorrogação, por mais três meses, da(s) ação(ões) de inspeção em curso, com os fundamentos que constam da informação que segue em anexo.

Prevê-se a conclusão do(s) procedimento(s) de inspeção até 2016-09-01.”

– cf. documento 5 junto com o ppa e PA.

 

                L. Na mesma data (27 de abril de 2016), foi proferido o correspondente despacho de ampliação do âmbito da inspeção de parcial (IRC) para geral, e de (segunda) extensão do prazo por mais três meses, mediante concordância com a informação dos serviços, também datada de 27 de abril de 2016, que invoca os seguintes fundamentos:

                “Estando a decorrer os procedimentos de inspeção externa à sociedade A...– SGPS SA, NIPC:..., credenciados pelas ordens de serviço n.º OI2015... e OI2015..., referentes aos períodos de 2012 e 2013, com início em 2015-09-01.

                Atendendo a que os supra referidos procedimentos têm especial complexidade quer em termos de trabalho de investigação já realizado, quer em termos de apreciação técnico-jurídica dos factos, na medida em que há riscos significativos de distorção material do resultado tributável referentes a transações significativas com partes relacionadas, aplicação/derrogação de políticas contabilísticas que determinam a mensuração de ativos e réditos nas demonstrações financeiras que parecem não estar em concordância com Normas Internacionais de Relato Financeiro (IAS/IFRS), indicadores de incumprimento da limitação à dedutibilidade dos gastos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital detidas por SGPS (artigo 32.º EBF) e/ou dos gastos de financiamento líquidos (artigo 67.º do Código do IRC).

                Atendendo a que estas matérias envolvem julgamentos difíceis e potencialmente contenciosos, que exigem à Inspeção Tributária a recolha prova de auditoria suficiente e apropriada, por meio da conceção e implementação de respostas aos riscos significativos de distorção material identificados, cujo trabalho ainda não está concluído, e por se entender que deve proceder-se à alteração do âmbito dos procedimentos de inspeção em curso de parcial para geral, para controlo/verificação da situação tributária global dos deveres tributários do sujeito passivo, designadamente em sede de Imposto de Selo e de Imposto sobre o Valor Acrescentado.

                E, atendendo ao disposto no artigo 36.º do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária, que estabelece que o procedimento de inspeção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início, mas que prevê no n.º 3 que em determinadas circunstâncias aquele prazo poderá ser ampliado por mais dois períodos de três meses, designadamente, nas situações tributárias de especial complexidade.

                II – PROPOSTA

                Em face do exposto, propomos nos termos do disposto nos artigos 14.º, n.º 1, alínea a) e art. 15.º, n.º 1 a alteração do âmbito dos procedimentos de inspeção externos, credenciados pelas ordens de serviço n.º OI2015... e OI2015..., referentes aos períodos de 2012 e 2013, de parcial para geral, assim como a prorrogação do prazo, por mais três meses, nos termos previstos no artigo 36.º, n.º 3, alínea a), do RCPITA, prevendo-se a sua conclusão até 2016-09-01. […]” – cf. PA.

 

M. A Requerente foi notificada do Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”), em 22 de junho de 2016, do qual resultou uma correção à matéria coletável declarada no exercício de 2013 de € 6.598.113,37 e a consequente redução dos prejuízos fiscais de € 7.753.914,57 para € 1.155.801,20, com base nos fundamentos que infra se transcrevem (cf. documento 3 junto com o ppa - RIT):

 

“I. Conclusões da ação inspetiva

 

Por se ter comprovado que, nos períodos de 2012 e 2013, a A... SGPS SA contabilizou gastos de financiamento, resultantes da aquisição de partes de capital, que não são dedutíveis para efeitos de tributação em sede de IRC, nos termos do disposto no artigo 32.º, n.º 2, do EBF, por se ter apurado haver incumprimento da regra de limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento prevista no artigo 67.º do Código do IRC, assim como por se ter confirmado que 50% das perdas por reduções de justo valor relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio e das variações patrimoniais negativas que derivam dos ajustamentos de transição do POC para o SNC não podem ser dedutíveis ao resultado tributável, nos termos do disposto no artigo 45.º, n.º 3, do CIRC e regime transitório previsto no artigo 5.º, n.ºs 1, 5 e 6 do DL 159/2009, de 13/07, resultam correções / acréscimos ao resultado tributável de 2012 e 2013 no valor total de €6.357.703,87 e de €6.598.113,37, respetivamente.

[…]

 

III. Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas

 

A1 – Encargos financeiros não dedutíveis

[Artigo 32.º, n.º 2 do EBF] – 2012 e 2013

 

1. A A... SGPS SA como sociedade gestora de participações sociais integra investimentos financeiros em empresas que operam em múltiplas áreas de negócio - atividade imobiliária, extração mineira, construção metalomecânica, projetos de geração de energia elétrica a partir de fontes de energia renovável, entre outras, beneficia da aplicação do regime previsto no artigo 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, que prevê a exclusão de tributação das mais e menos valias realizadas com a alienação de partes de capital/investimentos financeiros detidos por período não inferior a um ano, assim como os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não são dedutíveis ao resultado tributável.

2. Os procedimentos de inspeção/auditoria realizados, para controlo/verificação dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital que, atendendo ao disposto no artigo 32.º, n.º 2, do EBF, não são dedutíveis ao resultado tributável, tiveram por base a análise dos Relatórios de Gestão e Contas da A... SGPS SA de 2012 e 2013, da IES - informação Empresarial Simplificada e da Declaração de Rendimentos modelo 22 IRC, entregues pelo sujeito passivo, com referência aos exercícios de 2012 e 2013, do ficheiro normalizado de auditoria tributária para exportação de dados SAF-T (PT) integrado, referente àqueles períodos, exportado pelo sujeito passivo em 2016/01/29 e apresentado aos serviços de inspeção tributária em 2016/02/25, suportes documentais de registos contabilísticos, inventário das participações financeiras reportado a 2012/12/31 e 2013/12/31, e resposta do sujeito passivo aos n/ pedidos de esclarecimentos/informações.

3. A partir do ficheiro normalizado de auditoria tributária para exportação de dados SAF-T (PT) integrado, referente aos períodos de 2012 e 2013, comprovámos que a A... SGPS SA apresentava passivos decorrentes de financiamentos obtidos conforme quadro que segue:

 

Quadro 7 – Empréstimos/Financiamentos obtidos pela A... SGPS SA – 2012 e 2013

ACCOUNT_ID_CA1          ACCOUNT_DESCRIPTION_BA1  OPENINGCREDITBALANCE_BA1 CLOSINGCREDITBALANCE_BA1

                               2012/01/01         2012/12/31         2013/12/31

25111070             CP –I...- CP          0,00       1.721.333,33      1.721.333,33

25111110             CP –J...– DO01   0,00       700.000,00          0,00

25111130             CP –K...– DO01  0,00       2.008.532,03      5.027.771,12

25111145             CP –H...– DO01 356.600,00          0,00       0,00

25111150             CP –L...– DO01  0,00       2.460.000,00      2.460.000,00

25111155             CP –M...– DO01 0,00       0,00       200.000,00

25111230             CC –K...– DO01  21.970.000,00    0,00       0,00

25111240             CC –I...– DO01   51.000.000,00    51.000.000,00    50.995.000,00

25111250             CC – H...               6.000.000,00      0,00       0,00

25111265             CC –L...– DO01  820.000,00          0,00       0,00

25111310             PC –J...– DO01   2.900.000,00      2.900.000,00       1.350.000,00

25111315             PC –N...– DO01                 7.371.500,00      5.312.500,00       3.234.615,28

25111330             PC –K...– DO01  3.875.000,00      3.150.000,00       2.450.000,00

25112050             MLP –K...– DO01              0,00       19.961.467,97    15.327.896,89

25112051             MLP –K...–Assunção Dívida ...    0,00       0,00        3.096.586,92

25112072             MLP –I... (6M)- DO01     5.164.000,00      3.442.666,67       3.442.666,67

25112076             MLP –I... (2,960M€)                        2.960.000,00       2.960.000,00

25112080             MLP – H...           3.472.222,24      0,00       0,00

25112081             MLP –O...– 7,5M              7.500.000,00      0,00        0,00

25112083             MLP –H...-22,5M€           0,00       22.500.000,00    0,00

25112090             MLP –L...– DO01              3.280.000,00      1.640.000,00       0,00

25112086             MLP –H...-48M€               0,00       0,00       48.000.000,00

25112100             MLP –M...– DO01            0,00       0,00       400.000,00

25120010             DB_J... 996.422,34          0,00       0,00

25120020             DB_N... 10.104,71            0,00       0,00

25120080             DB_H... 4.739.416,20      0,00       0,00

25410000             Subs, assoc e empreend conjunt-OTCP 3.560.540,47       9.418.275,89      8.292.640,00

                               123.015.805,96  129.174.775,89  148.958.510,21

valores em euros

Fonte: Ficheiro de auditoria tributária para exportação de dados SAF-T (PT) integrado da A... SGPS SA (2012 e 2013)

4. Pode verificar-se que, esta sociedade também contabilizou, nos períodos de 2012 e 2013, gastos materialmente relevantes com juros, imposto de selo, comissões e despesas bancárias, decorrentes da obtenção de financiamentos obtidos, conforme se discrimina no quadro seguinte:

 

Quadro 8 – Juros, imposto de selo, comissões e despesas bancárias suportados pela A... SGPS SA  – 2012 e 2013

ACCOUNT_ID_CA1          ACCOUNT_DESCRIPTION_BA1  DEBITAMOUNT_CA1_SUM

                               2012       2013

68123000             Imposto do selo               963.194,98          732.419,24

69111000             Juros – Emp.banc.cp      4.747.280,39      3.897.536,08

69112000             Juros – Emp.banc.mlp   2.972.370,30      3.593.650,11

69113000             Juros – suprimentos       363.017,74          10.439,87

69116000             Juros DO/Desc Bancarios              20.011,20             20,16

69117000             Juros – OTCP      0,00       291.186,50

69180000             Outros Juros      37.543,56            0,00

69183000             Juros de papel comercial              855.146,93          591.736,31

69184000             Juros de swaps 970.644,22          1.151.938,68

69185001             Juros de mora   89.917,87            32.045,47

69880100             Serviços Bancários           57.515,69            4.103,68

69881204             Comissões papel comercial         70.959,16             103.320,00

69881209             Outras Comissões           427.519,33          616.557,82

                               11.575.121,37    11.024.953,92

valores em euros

Fonte: Ficheiro de auditoria tributária para exportação de dados SAF-T (PT) integrado da A... SGPS SA (2012 e 2013)

5. Parte substancial dos empréstimos obtidos e dos correspondentes gastos com juros, imposto de selo, comissões e despesas bancárias foram suportados com a aquisição de investimentos financeiros, tendo-se comprovado que a A... SGPS SA, nos períodos de 2012/01/01, 2012/12/31 e 2013/12/31, detinha participações financeiras em empresas que operam em múltiplas áreas de negócio – atividade imobiliária, extração mineira, construção metalomecânica, projetos de geração de energia elétrica a partir de fontes de energia renovável, entre outras, que apresentam os seguintes valores de aquisição:

 

Quadro 9 – Participações Financeiras da A... SGPS SA – Exercícios de 2012 e 2013

INVESTIMENTOS FINANCEIROS A... SGPS SA       VALOR DE AQUISIÇÃO

                2012/01/01         2012/12/31         2013/12/31

...            C... SGPS SA        36.768.353,00    36.822.170,00    36.822.170,00

...            P... SGPS SA        11.611.870,00    11.611.870,00    11.611.870,00

...            D... LDA                4.800,00               139.800,00          139.800,00

...            Q... SA  22.750,00             22.750,00            22.750,00

...            R... UNIP LDA     5.000,00               5.000,00               5.000,00

...            E... SGPS SA        30.000,00            25.000,00            25.000,00

...            S... SA   50.000,00             0,00       0,00

...            T... LDA 1.000,00               0,00       0,00

...            U...– SGPS SA    5.000,00               5.000,00               5.000,00

...            V... SA   112.500,00          112.500,00          112.500,00

LU          W…        1.000.000,00       1.000.000,00      500.000,00

            B… SA   0,00        0,00       15.000,00

NL          X…          0,00        0,00       1.556.045,00

                               49.611.273,00    49.744.090,00    50.815.135,00

valores em euros

Fonte: Inventário das participações financeiras e Relatório de Gestão e Contas da A... SGPS SA (2011, 2012 e 2013)

6. Por outro lado, parte significativa dos empréstimos obtidos e dos correspondentes gastos com juros, imposto de selo, comissões e despesas bancárias reportam aos empréstimos concedidos e outras operações às empresas subsidiárias e associadas que, nos períodos de 2012 e 2013, apresentavam os seguintes montantes:

Quadro 10 – Empréstimos/Financiamentos concedidos e outras operações – 2012 e 2013

ACCOUNT_ID_CA1          ACCOUNT_DESCRIPTION_BA1  OPENINGCREDITBALANCE_BA1 CLOSINGCREDITBALANCE_BA1

                               2012/01/01         2012/12/31         2013/12/31

26710000             Financ.Conc.-Grupo-...  577.290,09          144.262,07          151.787,84

26720000             Fin.Conc.-Grupo-Suprimentos   38.930.219,33    27.535.440,60    37.881.785,29

26800000             Outras operações           3.604.338,63      5.081.802,22       6.904.373,08

                                                              

                TOTAL   43.111.848,05    32.761.504,89    44.937.946,21

valores em euros

Fonte: Ficheiro de auditoria tributária para exportação de dados SAF-T (PT) integrado da A...SGPS SA (2012 e 2013)

7. Em 2016/01/19, notificámos esta sociedade, nos termos do disposto nos artigos 9.º, 28.º, 29.º, 37.º, 42.º e 48.º do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), e artigo 134.º do Código do IRC, na pessoa de Y..., NIF:..., na qualidade de Técnica Oficial de Contas, para enviar / apresentar neste serviço de inspeção tributária, entre outros documentos e ficheiros, os seguintes elementos relativos aos períodos de 2012 e 2013:

             Identificar o método utilizado - afetação direta, especifica ou outro - para imputação dos passivos remunerados, quer aos empréstimos remunerados por si concedidos as partes relacionadas e/ou outras operações financeiras ativas, quer aos restantes ativos, designadamente, aquisição de participações financeiras;

             Discriminar os cálculos que justificam a aplicação do método de imputação utilizado pela A... SGPS SA, referido no ponto anterior, por forma a possibilitar o controlo dos gastos de financiamento suportados com a aquisição de partes de capital que não concorrem para o apuramento do resultado tributável, e assim dar cumprimento ao disposto no artigo 32.º, n.º 2 do EBF;

8. Na medida em que, até à presente data, a A... SGPS SA não procedeu à identificação do método utilizado, nos períodos de 2012 e 2013 - afetação direta, específica ou outro – para imputação dos passivos remunerados, quer aos empréstimos remunerados por si concedidos às partes relacionadas e/ou outras operações financeiras ativas, quer aos restantes ativos, designadamente, aquisição de participações financeiras, assim como não apresentou aos serviços de inspeção tributária discriminação dos cálculos que justificam a aplicação do método de imputação utilizado que possibilite o controlo dos gastos de financiamento suportados com a aquisição de partes de capital que, nos termos previstos no artigo 32.º, n.º 2 do EBF, não são dedutíveis ao resultado tributável dos períodos de 2012 e 2013, deve proceder-se à imputação dos encargos financeiros suportados pela A... SGPS SA com a aquisição de participações financeiras através da utilização da fórmula prevista na Circular n.º 7/2004, de 30 de março, da DSIRC, cujos cálculos foram efetuados com base em informações, elementos contabilísticos e declarações apresentados/entregues pelo sujeito passivo à Autoridade Tributária, conforme quadros 11 e 12 seguintes:

[…]

Quadro 12 – Encargos financeiros imputáveis às partes de capital não dedutíveis para efeitos de tributação em sede de IRC [Artigo 32.º, n.º 2 do EBF] da A... SGPS SA – Exercício de 2013

ENCARGOS FINANCEIROS IMPUTÁVEIS ÀS PARTES DE CAPITAL

NÃO DEDUTÍVEIS EM SEDE IRC  CONTA SNC        VALOR  OBS.

[1]          ATIVO TOTAL     11 a 46 111.106.754,09  Obs1

[2]          ATIVO – EMPRESTIMOS CONCEDIDOS REMUNERADOS  267X e 268          44.724.724,91    Obs2

[3]          ATIVO – PARTES DE CAPITAL [VALOR DE AQUISIÇÃO]     41X        50.815.135,00   

[4]          RESTANTES ATIVOS                        15.566.894,18   

                                                              

[5]          PASSIVO – EMPRESTIMOS OBTIDOS REMUNERADOS                                    

[5.1]      PASSIVO – FINANCIAMENTOS OBTIDOS CP+MLP              251X      140.665.870,21  Obs3

[5.2]      PASSIVO – FINANC. OBTIDOS SUBS. ASSOC E EMP. CONJ.             254X      8.292.640,00      Obs4

[5] = [5.1] + [5.2]              PASSIVO–EMPRESTIMOS OBTIDOS REMUNERADOS [CALC]                         148.958.510,21 

                                                              

[6]          ENCARGOS FINANCEIROS                                          

[6.1]      IMPOSTO DE SELO           681X      732.419,24          Obs5

[6.2]      JUROS BANC. E/OU SUP., JUR. PAPEL COMERCIAL, JUR. SWAPS, OUTROS JUR.    691X      9.568.553,18       Obs6

[6.3]      SERVIÇOS E COMISSÕES BANCÁRIOS, COMISSÕES PAPEL COMERCIAL    698X      723.981,50          Obs7

[6] = [6.1] + [6.2] + [6.3]                ENCARGOS FINANCEIROS [CALC]                             11.024.953,92   

                                                              

[7]          PASSIVOS REMUNERADOS IMPUTÁVEIS AOS EMPREST. CONCEDIDOS                    44.724.724,91    Obs8

[8] = [5] - [7]      PASSIVOS REMUNERADOS IMPUTÁVEIS AOS RESTANTES ATIVOS                             95.941.145,30   

[9] = [8] X ([3]/([3]+[4]))               PASSIVOS REMUNERADOS IMPUTÁVEIS ÀS PARTES DE CAPITAL [CALC]                   73.442.501,09   

                                                              

[10]        ENCARGOS FINANCEIROS IMPUTÁVEIS ÀS PARTES DE CAPITAL                                 

[10.1] = [6.1] X ([9] / [5])              IMPOSTO DE SELO                          361.111,97         

[10.2] = [6.2] X ([9] / [5])              JUROS BANC. E/OU SUP., JUR. PAPEL COMERCIAL, JUR. SWAPS, OUT. JUR.                           4.717.679,28      

[10.3] = [6.3] X ([9] / [5])              SERVIÇOS E COMISSÕES BANCÁRIOS, COMISSÕES PAPEL COMERCIAL                    356.951,83         

[10] = [10.1] + [10.2] + [10.3]      ENCARGOS FINANCEIROS IMPUTÁVEIS ÀS PARTES DE CAPITAL [CALC]                    5.435.743,07      

                                                              

[11]        MOD22IRC 2013 – VALOR ACRESCIDO Q07 C779                               0,00      

                                                              

                ENCARGOS IMPUTÁVEIS ÀS PARTES DE CAPITAL                                              

[12] = [10] – [11]              AJUSTAMENTO/CORREÇÃO RESULTADO TRIBUTÁVEL 2013                         5.435.743,07      

valores em euros

 

Fonte: Inventário das participações financeiras da A... SGPS SA (2013); Relatório de Gestão e Contas da A... SGPS SA (2013); Ficheiro de auditoria tributária para exportação de dados SAF-T (PT) integrado da A... SGPS SA (2013); IES – Informação empresarial simplificada da A... SGPS SA (2013); DR Modelo 22 IRC da A... SGPS (2013)

 

Obs1 – Mensuração das partes de capital ao valor de aquisição; Obs2 – Su«m saldo subcontas [26710000 + 26720000 + 26800000]; Obs3 – Sum saldos subcontas [25111070 a 25112090] + saldo subconta 25120080; Obs4 – saldo subconta 25410000; Obs5 – Saldo subconta 68123000; Obs6 – Sum saldo subcontas [69111000 a 69185001]; Obs7 – Sum saldo subcontas [69880100 + 69881204 + 69881209]; ; Obs8 – corresponde ao valor de [5] que couber em [2]

9. Por se ter comprovado que nas Declarações de Rendimentos Modelo 22 IRC, entregues pela A... SGPS SA à Autoridade Tributária, relativamente aos exercícios de 2012 e 2013, não foi inscrito qualquer montante no Quadro 07 Campo 779 - Encargos financeiros não dedutíveis [artigo 32.º, n.º 2 do EBF], proceder-se-á ao correspondente acréscimo/correção ao resultado tributável de 2012 e 2013 no montante de €5.565.353,39 e de €5.435.743,07, respetivamente.

Provas de Auditoria A1

(1)          – Inventário das participações financeiras da A... SGPS SA (2011, 2012 e 2013);

(2)          – Relatório de Gestão e Contas da A... SGPS SA (2011, 2012 e 2013);

(3)          – IES – Informação empresarial simplificada da A... SGPS SA (2011, 2012 e 2013);

(4)          – Declaração de Rendimentos IRC Modelo 22 da A... SGPS SA (2012 e 2013);

(5)          – Ficheiro de auditoria SAF-T (PT) Integrado da A... SGPS SA (2012 e 2013);

(6)          – Notificação/Pedido de Informações/documentos, nos termos do disposto nos artigos 9.º, 28.º, 29.º, 37.º, 42.º e 48.º do RCPITA, e artigo 134.º do CIRC de 2016/01/19.

 

A2 – Limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento [Artigo 67.º do CIRC] – 2013

 

10. Os procedimentos de inspeção/auditoria realizados, para controlo/verificação da regra da limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento líquidos de 2013, tiveram por base a análise do Relatório e Contas da A... SGPS SA de 2013, da Certificação Legal de Contas de 2013, da IES – Informação empresarial simplificada e da Declaração de Rendimentos Modelo 22 IRC, entregues pelo sujeito passivo, com referência ao exercício de 2013, do ficheiro normalizado de auditoria tributária para exportação de dados SAF-T (PT) integrado, referente ao período de 2013, exportado pelo sujeito passivo em 2016/01/29 e apresentado aos serviços de inspeção tributária em 2015/05/25, dos documentos enviados pela Z... SGPS SA [atual AA... SA] referentes aos contratos de compra e venda de ações da E... SGPS SA e do relatório do H... relativo à avaliação desta empresa.

11. Pode verificar-se que, na demonstração de resultados de 2013, a A... SGPS SA declarou na conta 69 – Gastos e perdas de financiamento no montante aproximado de 10,29 M€, que abrange os saldos das subcontas da 6911 – Juros de financiamento obtidos e da 6981 – Relativos a financiamento obtidos, assim como declarou na conta 79 – Juros, dividendos e outros rendimentos similares no montante de 1,85 M€, que integra os saldos das subcontas 791 – Juros obtidos, resultando evidência de gastos de financiamento líquidos de aproximadamente 8,44 M€.

12. Por outro lado, verificámos que na Declaração de Rendimentos Modelo 22 IRC 2013 – Quadro 07 Campo 748 – Limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento [artigo 67.º do CIRC] e Quadro 07 Campo 779 – Encargos financeiros não dedutíveis [artigo 32.º, n.º 2 do EBF], o sujeito passivo não acresceu ao resultado tributável qualquer valor.

13. Conforme estatuído no artigo 67.º do Código do IRC (CIRC), na redação introduzida pelo artigo 191.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (OE 2013), foi criado um novo regime de limitação à dedutibilidade dos gastos de financiamento que substituiu o regime de subcapitalização anteriormente previsto neste normativo. Nos termos do disposto no artigo 67.º, n.º 1 do CIRC «os gastos de financiamento líquidos são dedutíveis até à concorrência do maior dos seguintes limites: a) €3.000.000; ou b) 30% do resultado antes de depreciações/amortizações, gastos de financiamento líquidos e impostos». Segundo o regime transitório previsto no artigo 192.º, n.º 2 da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (OE 2013), nos períodos de tributação de 2013 a 2016 o limite percentual em função do EBITDA será de 70% [2013], 60% [2014], 50% [2015], 40% [2016].

14. Relativamente aos gastos de financiamento líquidos que não possam ser deduzidos no período de tributação podem ainda ser considerados na determinação do lucro tributável de 1 ou mais dos 5 períodos de tributação posteriores, desde que, adicionados aos gastos de financiamento desse mesmo período, não ultrapassem os limites legais previstos [cfr. Artigo 67.º, n.º 2 do CIRC].

15. Prevê o artigo 67.º, n.º 4 do CIRC que «consideram-se gastos de financiamento líquidos as importâncias devidas ou associadas à remuneração de capitais alheios, designadamente juros de descobertos bancários e de empréstimos obtidos a curto e longo prazos, juros de obrigações e outros títulos assimilados, amortizações de descontos ou de prémios relacionados com empréstimos obtidos, amortizações de custos acessórios incorridos em ligação com a obtenção de empréstimos, encargos financeiros relativos a locações financeiras, bem como as diferenças de câmbio provenientes de empréstimos em moeda estrangeira, deduzidos dos rendimentos de idêntica natureza».

16. Importa sublinhar que a restrição à dedutibilidade estabelecida no artigo 67.º do CIRC não impede a aplicação de outras condições ou limites legais para a dedutibilidade dos gastos de financiamento, nomeadamente, aquelas que resultam dos requisitos previstos no artigo 23.º, n.º 1, dos limites à dedutibilidade dos juros de suprimentos estabelecidos no artigo 45.º, n.º 1, alínea j), e do regime dos preços de transferência constante do artigo 63.º, todos do CIRC, assim como os limites a dedução dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital detidas por SGPS nos termos do disposto no artigo 32.º, n.º 2 do EBF.

17. Conforme consta do Relatório e Contas de 2013, assim como na IES – Informação Empresarial Simplificada de 2013, as demonstrações financeiras individuais da A... SGPS SA foram preparadas de acordo com as Normas Internacionais de Relato Financeiro (IAS/IFRS), tal como adotadas pela União Europeia, em vigor em 2013/01/01, sendo que as políticas contabilísticas e os critérios de mensuração adotados no exercício de 2013 foram consistentes com os aplicados na preparação da informação financeira relativa ao exercício anterior, apresentada para efeitos comparativos, exceto no que respeita às normas e interpretações cuja data de eficácia corresponde aos exercícios iniciados em/ou após 2013/01/01, da adoção das quais não resultaram impactos significativos no rendimento integral ou na posição financeira da Empresa e exceto quanto à mensuração da participação financeira detida na E... SGPS SA, que conforme referido na Nota 4, ficou relevada a 2013/12/31 pelo montante de €205.016.067,70 que a Administração considera ser o justo valor e não pela quantia que resultaria da aplicação do método do custo que constituía a política contabilística aplicável e que vinha sendo seguida [€18.782.867,92].

18. Quanto aos principais critérios valorimétricos, julgamentos e estimativas relativos a 2013 consta que os investimentos financeiros em subsidiárias, entidades conjuntamente controladas e associadas, de acordo com a IFRS 1 parágrafo 18 são mensurados pelo custo determinado de acordo com a IAS 27 ou pelo custo considerado deduzido de qualquer perda por imparidade acumulada, exceto quanto à participação financeira detida na E... SGPS SA, que conforme referido na Nota 4, ficou relevada a 2013/12/31 pelo montante que a Administração considera ser o justo valor e não pela quantia que resultaria da aplicação do método do custo [cfr. Relatório e Contas de 2013 e IES de 2013 da A... SGPS SA].

19. Conforme determina a Norma Internacional de Contabilidade – IAS 39 parágrafo 46 após o reconhecimento inicial, uma entidade deve mensurar os ativos financeiros, incluindo os derivados que sejam ativos, pelos seus justos valores sem qualquer dedução para os custos de transação em que possa incorrer na venda ou outra alienação, exceto quanto aos investimentos em instrumentos de capital próprio que não tenham um preço de mercado cotado num mercado ativo e cujo justo valor não possa ser fiavelmente mensurado os quais devem ser mensurados pelo custo.

20. Estabelece a IAS 39 – Apêndice A – parágrafo AG80 que o justo valor dos investimentos em instrumentos de capital próprio sem um preço cotado num mercado ativo para um instrumento idêntico é mensurável fiavelmente se: a) a variabilidade do intervalo de mensurações não for significativa para esse instrumento; ou b) as probabilidades das várias estimativas dentro do intervalo puderem ser razoavelmente avaliadas e usadas na mensuração pelo justo valor.

21. Contudo, segundo o disposto no IAS 39 – Apêndice A – parágrafo AG81 há muitas situações em que a variabilidade do intervalo de mensurações razoáveis de justo valor dos investimentos em instrumentos de capital próprio sem um preço cotado num mercado ativo para um instrumento idêntico não será provavelmente significativa. Normalmente é possível mensurar o justo valor de um ativo financeiro que uma entidade tenha adquirido a uma parte externa. No entanto, se o intervalo de medidas razoáveis do justo valor é significativo e as probabilidades das várias estimativas não podem ser razoavelmente avaliadas, uma entidade vê-se impedida de mensurar o instrumento pelo justo valor.

22. Sublinhe-se que, à exceção da C... SGPS que era (e é) uma sociedade cujos valores mobiliários se encontram admitidos à negociação no mercado regulamentado Euronext Lisbon, os restantes investimentos financeiros em instrumentos de capital próprio de empresas subsidiárias não tinham (nem têm) um preço de mercado cotado num mercado ativo, e considerando a informação disponível o respetivo valor não pode ser mensurado com fiabilidade, atendendo ao disposto na IAS 39, pelo que não devem ser designados pelo justo valor através dos lucros ou prejuízos.

23. Confirmámos que o SP optou por contabilizar, nas demonstrações financeiras em que adotou pela primeira vez as normas internacionais de relato financeiro (período de 2012), os investimentos em subsidiárias pelo custo, de acordo IAS 27, e na mensuração dos investimento pelo custo na sua demonstração separada da posição financeira de abertura, optou por mensurar esse investimento pelo custo considerado conforme IFRS 1, Apêndice D – parágrafos D15 e D16.

24. Cumpre acrescentar que segundo a IAS 39 – parágrafo 50 uma entidade não deve reclassificar um instrumento financeiro colocando-o na categoria de justo valor através dos lucros ou prejuízos, após o reconhecimento inicial.

25. Atente-se que, em 2012/12/31, o investimento financeiro na E... SGPS, que corresponde a 50% do capital social [25.000 ações], encontrava-se mensurado na subconta 41110191 pelo custo considerado de €18.782.867,92, correspondendo a uma valorização de €751,31 / por ação.

26. Em 2016/03/08, efetuámos pedido de elementos/confirmação externa à sociedade AA... SA, NIPC ..., nos termos previstos no artigo 59.º, n.º 3, alínea d), e n.º 4, e art.º 63.º da Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro, e artigos 28.º, 29.º, 37.º e 48.º do RCPITA, para enviar / apresentar neste Serviço de Inspeção Tributária, os seguintes elementos referentes à sociedade A... – SGPS SA:

             suportes documentais das transações de compra de participações financeiras efetuadas à A...– SGPS SA nos períodos de 2011, 2012 e 2013 (contratos promessa, compromissos de compra-venda, acordos vinculativos, escrituras, contratos de compra-venda, assim como anexos àqueles documentos, e/ou outros documentos particulares);

             suportes documentais dos documentos bancários correspondentes às operações referenciadas no ponto anterior (transferências bancárias, cheques, e/ou outros documentos bancários comprovativos da aquisição destas participações financeiras).

27. Pode comprovar-se que através de Contrato de Compra e Venda de Ações, datado de 2011/01/25, celebrado entre a A... SGPS SA, na qualidade de vendedora, e Z... SGPS SA [atual AA... SA], na qualidade de compradora, efetuou-se a alienação de 20.000 ações ao portador, integralmente realizadas e com direito a voto, com valor nominal de €1,00 / cada, representativas de 40% da totalidade do capital social da E... SGPS SA, livres de quaisquer ónus ou encargos, pelo preço global de €24.500.000, correspondendo a uma valorização de €1.225 / por ação. Verificámos que através do Cheque n.º..., sacado sobre o BB..., datado de 2011/01/25, a Z... SGPS SA efetuou o pagamento à A... SGPS SA do preço global acordado de €24.500.000.

28. Por outro lado, através de Contrato Promessa de Compra e Venda de Ações, datado de 2011/02/15, celebrado entre a A... SGPS SA, na qualidade de promitente vendedora, e Z... SGPS SA, na qualidade de promitente compradora, o sujeito passivo prometeu vender 5.000 ações ao portador, representativas de 10% da totalidade do capital social da E... SGPS SA, livres de quaisquer ónus ou encargos, pelo preço global de €6.468.175, correspondendo a uma valorização de €1.293,64 / por ação.

29. Verificámos que a Z... SGPS SA efetuou o pagamento à A... SGPS SA a título de sinal no montante de €3.405.675, através do Cheque n.º..., sacado sobre o BB..., datado de 2011/03/15, e através de transferência bancária do H... [CONTA AA...] para o I... [conta A... SGPS] no valor de €343.175.

30. Em 2012/04/27, após verificação das condições prévias estabelecidas no Contrato Promessa de Compra e Venda de Ações [CPCV], datado de 2011/03/15, as partes acordaram na conversão em definitivo daquele CPCV em Contrato de Compra e Venda de Ações confirmando-se a venda à Z... SGPS SA de participação de 10% do capital social da E... SGPS SA no valor de €6.468.175.

31. Comprovámos com base no ficheiro de auditoria tributária para exportação de dados SAF-T (PT) Integrado da A... SGPS, referente ao período de 2013, que o aumento do valor da participação de 50% no capital social da E... SGPS SA foi relevada na contabilidade da CC..._CA1 “2013-12-31 AS ...”, datada de 2013-12-31, com data de gravação de 2014-08-01, que se traduziu num movimento contabilístico a débito na subconta 41110191 –E...-Percentagem capitais próprios no montante de €186.233.199,78, por contrapartida do registo a crédito na subconta de rendimentos 77200000 – Ganhos por aumentos de justo valor em investimentos financeiros [vide quadro 13].

 

Quadro 13 – Transação contabilística da A... SGPS SA referente ao aumento do valor da participação de 50% na E... SGPS SA

TRANSACTION

ID_CA1 TRANSACTION

DATE_CA1          ACCOUNT ID_CA1           ACCOUNT DESCRIPTION_BA1    SYSTEM ENTRYDATE_CA1            DEBIT

AMOUNT_CA1 CREDIT

AMOUNT_CA1

 

2013-12-31

SA ...     

31-12-2013        

41110191            

E...-Percentagem

capitais próprios             

01-08-2014        

186.233.199,78 

0,00

                                                                                             

 

2013-12-31

SA ...    

31-12-2013        

77200000            

Em investimentos financeiros   

01-08-2014        

0,00      

186.233.199,78

                                                                                             

Fonte: Ficheiro de auditoria SAF-T (PT) Integrado da A... SGPS SA (2013)

 

32. Após este registo contabilístico o investimento financeiro na E... SGPS [25.000 ações correspondentes a 50% do capital social] ficou mensurado na subconta 41110191 pelo montante de €205.016.067,70 que a Administração da A... SGPS considera ser o justo valor, correspondendo a uma valorização de €8.200,64 / por ação.

33. Verificámos que o suporte documental desta transação contabilística é um documento elaborado pelo H... referente à avaliação da empresa E... SGPS SA com referência a 31 de dezembro de 2013, na sequência da proposta de entrega de ações da E... SGPS SA para liquidação da venda de 20% da participação que o H.. SA detém na DD... SGPS SA.

34. Conforme consta daquele documento a avaliação financeira e a recomendação de valor do H... basearam-se em informação histórica e prospetiva e em dados financeiros disponibilizados pela administração da E... SGPS SA, designadamente Relatório e Contas de 2012 desta sociedade, da EE... SA, Demonstrações Financeiras de 2012 da FF... SA e GG... SGPS SA, Demonstrações Financeiras de 2013 provisórias, não auditadas, daquelas empresas, assim como informação financeira prospetiva.

35. O H... declara naquele documento que o trabalho de avaliação esteve sujeito às seguintes limitações de âmbito:

             não se procedeu à realização de qualquer análise de due diligence e/ou de auditoria, revisão, ou compilação quer das demonstrações financeiras históricas quer das prospetivas, de acordo com os padrões e auditoria geralmente aceites;

             teve por base informações fornecidas pela administração da E... SGPS, e com exceção do Projeto ... não foram apresentadas avaliações independentes dos ativos das empresas;

             não se procedeu a qualquer verificação da informação financeira disponibilizada pelo que não se expressa uma opinião ou assume qualquer forma de garantia no que respeita à sua exatidão e abrangência;

             trabalho de avaliação não tem por objetivo a emissão de uma recomendação de investimento ou desinvestimento, nem de assessoria fiscal ou contabilística;

             não se procedeu à análise detalhada e aprofundada dos seguintes assuntos: (1) assuntos de natureza legal, (2) aspetos de natureza ambiental e custos associados com as respetivas correções, (3) avaliação dos montantes de recursos de minério, e (4) litígios e outros passivos contingentes que não estão registados no balanço.

36. A avaliação dos capitais próprios da E... SGPS SA efetuada através da utilização do método dos cash flows descontados, resulta da diferença entre os cash flows dos projetos disponível para distribuição descontados para a data de referência da avaliação e a Dívida Financeira Líquida.

 

Quadro 14 – Avaliação da E... SGPS através da utilização do método dos cash flows descontados

                               CENÁRIO APRESENTADO P/

ADMINISTRAÇÃO            CENÁRIO H...

                               Conservador      Otimista              Conservador      Otimista

[1]          Valor do Negócio

100% E... SGPS SA           NPV = 415,7 M€               NPV = 537,7 M€               NPV = 333,3 M€               NPV = 411,4 M€

[2]          Dívida Financeira Líquida

E... SGPS SA (*) 48,6 M€               48,6 M€               48,6 M€               48,6 M€

[3]=[1]-[2]          Valor dos Capitais Próprios

 100% E... SGPS SA          367,2 M€            489,2 M€            284,7 M€             362,8 M€

Fonte: Relatório do H... referente à avaliação da E... SGPS SA (março de 2014)

(*) valores das Demonstrações Financeiras a 2013/12/31 provisórios e não auditados

37. Segundo o relatório do H..., procedeu-se também à avaliação da EE... através do método dos múltiplos de empresas semelhantes, considerando como base de comparação o EV/EBIT 2013 referente a 26 empresas europeias que operam no setor mineiro.

 

Quadro 15 – Avaliação da EE... através da utilização do método do múltiplo implícito EV/EBIT 2013

                EE... 2013             CENÁRIO APRESENTADO P/

ADMINISTRAÇÃO            CENÁRIO H...

                               Conservador      Otimista              Conservador      Otimista

EBIT (*) €19.828.039        12,12x   15,48x   10,12x   12,40x

EV = EBIT x Múltiplo Implícito     240,3 M€            307 M€ 200,6 M€             245,8 M€

Fonte: Relatório do H... referente à avaliação da E... SGPS SA (março de 2014)

38. Para além das limitações de âmbito apontadas no trabalho de avaliação do H..., comprovámos que o intervalo de medidas razoáveis do justo valor é significativo e as probabilidades das várias estimativas não podem ser razoavelmente avaliadas, pelo que entendemos que a A... SGPS SA estava impedida de mensurar o instrumento pelo justo valor.

39. Atente-se que, em 2014/07/08, data em que a administração da A... SGPS SA terá aprovado e autorizado a emissão das demonstrações financeiras de 2013, conforme consta do Relatório de Gestão e Contas da A... SGPS SA ainda decorriam as negociações tendo em vista a venda de 10% do capital social da E... SGPS SA.

40. Comprovámos também que na Certificação Legal de Contas de 2013, o ROC emitiu uma opinião modificada e com reservas sustentando que “(…) 7. Conforme referido na Nota 4 do Anexo às Demonstrações Financeiras, a participação financeira de 50% detida no capital da E... SGPS SA, que se encontrava registada pelo método do custo por €18.782.868, ficou relevada em 31/12/2013 por €205.016.068, de que resultou o reconhecimento de um ganho no montante de €186.233.200. Apesar da quantia pela qual a participação financeira ficou escriturada ter sido determinada pela Administração com base na avaliação efetuada por uma entidade independente com a qual está a ser negociada a alienação de 10% do capital daquela participada, trata-se de uma alteração isolada da política contabilística que vinha sendo seguida pelo que o ativo, o capital próprio e o resultado líquido do período se encontram sobrevalorizados em € 186.233.200.”

41. Verificámos que na declaração de rendimentos modelo 22 IRC 2013 da A... SGPS SA – Q07 Campo 759 – ajustamentos não tributáveis decorrentes da aplicação do justo valor [artigo 18.º, n.º 9, do CIRC] foi deduzido ao resultado tributável o montante de € 186.233.200 anulando os rendimentos/ganhos relevados na demonstração de resultados que decorreram da alteração da política contabilística de mensuração da participação financeira detida na E... SGPS SA, contudo, por se ter comprovado que na situação descrita deve manter-se a mensuração desta participação financeira pelo custo, o resultado líquido do período 2013 deve ser ajustado/reduzido em € 186.233.200, não havendo necessidade de qualquer dedução a efetuar ao resultado tributável.

42. Assim, o resultado antes de depreciações, gastos de financiamento e impostos [EBITDA] de 2013 no montante de €94.307.579,23 encontra-se também sobrevalorizado em € 186.233.200, pelo que os gastos de financiamento líquidos de 2013 no valor de €8.438.417,21 devem concorrer para a determinação do lucro tributável apenas até ao limite de €3.000.000, em cumprimento da regra de limitação à dedutibilidade dos gastos de financiamento líquidos instituída no artigo 67.º do Código do IRC (redação OE 2013).

43. Importa salientar que, caso os gastos de financiamento devidos ou associados à remuneração de capitais alheios fossem dedutíveis na íntegra dever-se-ia acrescer ao resultado tributável o valor de €5.438.417,21 que excede o limite de €3.000.000.

44. Contudo, e por se ter comprovado que uma parte substancial dos gastos de financiamento foram suportados com a aquisição de partes de capital, e atendendo ao disposto no artigo 32.º, n.º 2, do EBF conjugado com o artigo 67.º do CIRC, no apuramento dos gastos de financiamento líquidos de 2013 há que deduzir os encargos financeiros imputáveis às partes de capital, com exceção do imposto de selo, não dedutíveis para efeitos de tributação [cfr. quadro 12 encargos financeiros imputáveis às partes de capital não dedutíveis para efeitos de tributação em sede de IRC da A... SGPS SA 2013 (exceto imposto de selo) = 10.2 + 10.3 = €4.717.679,28 + €356.951,83 = €5.074.631,11], resultando GFL 2013 = €8.438.417,21 - €5.074.631,11 = €3.363.786,10. Resulta que dever-se-á acrescer ao resultado tributável de 2013 o valor de €363.786,10 que corresponde ao excesso para o limite legal de €3.000.000.

 

Provas de Auditoria A2

(1)          – Relatório de Gestão e Contas da A... SGPS SA (2013);

(2)          – IES – Informação empresarial simplificada da A... SGPS SA (2013);

(3)          – Declaração de Rendimentos IRC Modelo 22 da A... SGPS SA (2013);

(4)          – Ficheiro de auditoria SAF-T (PT) Integrado da A... SGPS SA (2013);

(5)          – Contrato de Compra e Venda de Ações da E... SGPS SA de 2011/01/25;

(6)          – Cheque n.º..., sacado sobre o BB..., datado de 2011/01/25, referente ao pagamento efetuado pela Z... SGPS SA à A... SGPS SA do preço global acordado de venda de 40% do capital social da E... SGPS SA €24.500.000;

(7)          – Contrato Promessa de Compra e Venda de Ações da E... SGPS SA de 2011/03/15;

(8)          – Cheque n.º..., sacado sobre o BB..., datado de 2011/03/15 e transferência bancária do H... [conta Z... ] para o I... [conta A... SGPS], referentes ao pagamento efetuado pela Z... SGPS SA à A... SGPS SA a título de sinal no montante de €3.405.675;

(9)          – Verificação das condições prévias e conversão em definitivo do contrato promessa de compra e venda de ações da sociedade E... SGPS SA de 2012/04/27;

(10)        – Relatório do H... de avaliação da E... SGPS SA com referência a 2013/12/31;

(11)        – Certificação Legal de Contas da E... SGPS SA (2013).

 

A3 – 50% Perdas por reduções de justo valor em instrumentos de capital próprio

[Artigo 45.º, n.º 3 do CIRC] - 2012 e 2013

 

45. A A... SGPS SA recorre a instrumentos financeiros derivados na gestão dos seus riscos financeiros, designadamente Interest Rate Swaps como forma de garantir a cobertura do risco de variabilidade da taxa de juro de empréstimos obtidos, sendo também titular de instrumentos de capital próprio em empresas cujos valores mobiliários se encontram admitidos à negociação em mercado regulamentado, em que detém ações representativas de menos de 5% do capital social dessas empresas.

46. Por aplicação das Normas Internacionais de Contabilidade – IAS 32 Instrumentos Financeiros: Apresentação, IAS 39 Instrumentos Financeiros: Reconhecimento e Mensuração e IFRS 7 Instrumentos Financeiros: Divulgações, o sujeito passivo reconhece as variações de justo valor dos instrumentos financeiros derivados Interest Rate Swaps através dos lucros ou prejuízos, na medida em que não se encontram reunidas as condições para que fossem elegíveis para a contabilidade de cobertura, assim como os instrumentos de capital próprio em empresas cujos valores mobiliários se encontram admitidos à negociação em mercados regulamentados são mensurados ao justo valor por contrapartida de resultados.

47. Pode verificar-se que a A... SGPS SA registou na conta 661 - Perdas por Reduções de Justo Valor - Em Instrumentos Financeiros, nos exercícios de 2012 e 2013, os montantes de €3.174.810,73 e de €315.973,55, parte das quais reportam a perdas em instrumentos de capital próprio em empresas cujos valores mobiliários se encontram admitidos à negociação em mercado regulamentado, correspondentes a participação no capital social inferior a 5%, e que nos termos previstos no art. 18.º, n.º 9, do CIRC concorrem para a determinação do resultado tributável.

 

Quadro 16 – Registos contabilísticos na conta 661 da A... SGPS referente às perdas por reduções de justo valor em instrumentos de capital próprio / ações cotadas representativas de participação no capital < 5% – 2012

ACCOUNT

ID_CA1 ACCOUNT

DESCRIPTION_BA1         TRANSACTION ID_CA1  TRANSACTION DATE_CA1           SYSTEM ENTRYDATE_CA1            DEBIT

AMOUNT_CA1 CREDIT

AMOUNT_CA1

 

66100000             PERDAS P/RED JV –

INSTRUMENTOS

FINANC.              2012-03-...

               

31-03-2012        

26-05-2012        

145.872,56         

0,00

14290400             ...            2012-03-31 SA

...           

31-03-2012         26-05-2012          0,00       145.872,56

Fonte: Ficheiro de auditoria SAF-T (PT) Integrado da A... SGPS SA (2012)

 

Quadro 17 – Registos contabilísticos na conta 661 da A... SGPS referente às perdas por reduções de justo valor em instrumentos de capital próprio / ações cotadas representativas de participação no capital < 5% – 2013

ACCOUNT

ID_CA1 ACCOUNT

DESCRIPTION_BA1         TRANSACTION ID_CA1  TRANSACTION DATE_CA1           SYSTEM ENTRYDATE_CA1            DEBIT

AMOUNT_CA1 CREDIT

AMOUNT_CA1

14290340             ...            2013-03-31

SA ...    

31-03-2013        

05-06-2013        

0,00      

18.850,00

 

66100000             PERDAS P/RED JV –

INSTRUMENTOS

FINANC.              2013-03-31

SA ...    

31-03-2013        

05-06-2013        

18.850,00           

0,00

14290340             ...            2013-12-31

SA ...    

31-12-2013        

25-03-2014        

0,00      

139.490,00

 

66100000             PERDAS P/RED JV –

INSTRUMENTOS

FINANC.              2013-12-31

SA ...    

31-12-2013        

25-03-2014        

139.490,00         

0,00

Fonte: Ficheiro de auditoria SAF-T (PT) Integrado da A... SGPS SA (2013)

48. Contudo, conforme determina o artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC [redação vigente em 2012/12/31 e 2013/12/31] ‹‹a diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor».

49. Resulta, assim, que as perdas por reduções de justo valor referentes a instrumentos de capital próprio em empresas cujos valores mobiliários se encontram admitidos à negociação em mercado regulamentado, correspondentes a participação no capital social inferior a 5%, apenas podem ser aceites para efeitos de tributação em 50% do respetivo valor, pelo que há que acrescer ao resultado tributável de 2012 e de 2013 os montantes de €72.936,28 [€145.872,56 x 50%] e de €79.170 [€158.340 × 50%], respetivamente.

 

Provas de Auditoria A3

(1)          – Relatório de Gestão e Contas da A... SGPS SA (2012 e 2013);

(2)          – Declaração de Rendimentos IRC Modelo 22 da A... SGPS SA (2012 e 2013);

(3)          – Ficheiro de auditoria SAF-T (PT) Integrado da A... SGPS SA (2012 e 2013).

 

A4 – 50% Variações patrimoniais negativas por reduções de justo valor relativas a partes de capital que derivam dos ajustamentos de transição do POC para o SNC - 2012 e 2013

 

50. Verificámos que, em 2010/01/01, data da transição do Plano Oficial de Contabilidade para o Sistema de Normalização Contabilística [SNC], a A... SGPS SA por aplicação da NCRF 27 - Instrumentos Financeiros, procedeu à alteração da mensuração dos instrumentos de capital próprio detidos para negociação em empresas cujos valores mobiliários se encontram admitidos à negociação em mercado regulamentado, que se encontravam mensurados ao custo de aquisição para o justo valor por contrapartida de resultados.

51. Atente-se que, segundo o disposto na Norma Contabilística e de Relato Financeiro 3 - Adoção pela primeira vez das normas contabilísticas e de relato financeiro, uma entidade deve preparar um balanço de abertura de acordo com as NCRF, devendo ter em consideração determinadas regras, exceto nos casos em que esta norma prevê exceções ou proíbe aplicação retrospetiva: a) reconhecimento de todos os ativos e passivos, nos termos em que tal seja requerido pelas NCRF; b) desreconhecimento de ativos ou passivos que, nos termos das NCRF não sejam de reconhecer como tal; c) reclassificação de itens que eram reconhecidos como determinado tipo de ativo, passivo ou capital próprio no âmbito dos PCGA anteriores, mas que devem ser reconhecidos como um tipo diferente de acordo com as NCRF; d) mensuração de todos os ativos e passivos reconhecidos, de acordo com os princípios estabelecidos nas NCRF [NCRF 3 - parágrafos 8].

52. As políticas contabilísticas que uma entidade usa no seu balanço de abertura de acordo com as NCRF podem diferir das anteriores resultando em ajustamentos que derivam de acontecimentos e transações anteriores à data da transição para o SNC, pelo que a entidade deve reconhecer esses ajustamentos diretamente nos resultados transitados ou noutro item do capital próprio à data da transição para o SNC [cfr. NCRF 3 - parágrafo 5 e NCRF 3 - Apêndice].

53. Importa sublinhar que, através decreto-lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, que procedeu à adaptação do Código do IRC às normas internacionais de contabilidade adotadas pela União Europeia e ao Sistema de Normalização Contabilística, foi aprovado no artigo 5.º um regime transitório que determina que os ajustamentos nos capitais próprios decorrentes da adoção, pela primeira vez, do SNC, que sejam considerados fiscalmente relevantes nos termos previstos no Código do IRC e respetiva legislação complementar, resultantes do reconhecimento ou do não reconhecimento de ativos ou passivos, ou de alterações na respetiva mensuração, concorram em partes iguais para a determinação do resultado tributável do primeiro período em que se verifique a aplicação daquelas normas e dos quatro períodos de tributação seguintes.

54. Verificámos que nas Declarações de Rendimentos Modelo 22 IRC de 2012 e 2013 da A... SGPS SA – Quadro 07 Campo 703 – variações patrimoniais positivas [regime transitório previsto no artigo 5.º, n.ºs 1, 5 e 6 do Decreto Lei n.º 159/2009, de 13 de julho] foi acrescido ao resultado tributável o valor de €516.435,29, correspondente a 1/5 do saldo das variações patrimoniais positivas e negativas que decorre da alteração da mensuração dos instrumentos de capital próprio detidos para negociação em empresas cujos valores mobiliários se encontram admitidos a negociação em mercado regulamentado, que se encontravam mensurados ao custo de aquisição para o justo valor por contrapartida de resultados.

55. Todavia, conforme determina o artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC [redação vigente em 2012/12/31 e 2013/12/31] ‹‹a diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor».

56. Atendendo que na determinação da variação patrimonial acrescida ao resultado tributável constam ajustamentos/variações patrimoniais negativas relativas a instrumentos de capital próprio detidos para negociação em empresas cujos valores mobiliários se encontram admitidos à negociação em mercado regulamentado, resultantes do ajustamento de transição supra referido, apenas são dedutíveis para efeitos de tributação em 50%, segundo o disposto no artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC, há que acrescer ao resultado tributável dos períodos de 2012 e 2013 o montante de €719.414,20, conforme quadro 18 que abaixo segue:

 

Quadro 18 – Variações patrimoniais negativas relativas a instrumentos de capital próprio detidos para negociação em empresas cujos valores mobiliários se encontram admitidos à negociação em mercado regulamentado apuradas, em 2010/01/01, na transição do POC para o SNC – 2012 e 2013

Conta

do SNC Ações   Ajustamento de Transição           1/5 Ajustamento de Transição [aplicação do Reg. Transitório

 art.º 5.º DL 159/2009]   50% variação patrimonial negativa não aceite para

efeitos de tributação IRC

14210050             H...         -6.029.846,64     -1.205.969,33     -602.984,66

14210160             HH...      -36.274,16           -7.254,83             -3.627,42

14210270             II...         -87.843,79           -17.568,76           -8.784,38

14210400             JJ...         -219.238,97        -43.847,79           -21.923,90

14210410             KK...       -457.402,76        -91.480,55           -45.740,28

14210440             LL...        -282.639,42        -56.527,88           -28.263,94

14210460             MM...   -6.039,14             -1.207,83             -603,91

14210580             NN...     -37.424,17           -7.484,83             -3.742,42

14210600             OO...     -30.343,48           -6.068,70             -3.034,35

14210700             PP...       -7.089,43             -1.417,89             -708,94

                TOTAL   -7.194.141,96     -1.438.828,39     -719.414,20

Fonte: Informação prestada pela A... SGPS SA no âmbito do procedimento externo de inspeção – OI2014...

 

Provas de Auditoria A4

(1)          – Relatório de Gestão e Contas da A... SGPS SA (2011, 2012 e 2013);

(2)          – Declaração de Rendimentos IRC Modelo 22 da A... SGPS SA (2011, 2012 e 2013);

(3)          – Ficheiro de auditoria SAF-T (PT) Integrado da A... SGPS SA (2012 e 2013);

(4)          – Informação prestada pela A... SGPS SA no âmbito do procedimento externo de inspeção – OI2014... .

57. Por se ter comprovado que, nos períodos de 2012 e 2013, a A... SGPS SA contabilizou gastos de financiamento, resultantes da aquisição de partes de capital, que não são dedutíveis para efeitos de tributação em sede de IRC, nos termos do disposto no artigo 32.º, n.º 2, do EBF [vide A1 | 2012 | €5.565.353,39; A1 | 2013 | €5.435.743,07], por se ter apurado haver incumprimento da regra de limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento prevista no artigo 67.º do Código do IRC [vide A2 | 2013 | €363.786,10], por se ter confirmado que 50% das perdas por reduções de justo valor relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio não podem ser dedutíveis ao resultado tributável, nos termos do disposto no artigo 45.º, n.º 3, do CIRC [vide A3 | 2012 | €72.936,28; A3 | 2013 [€79.170,00], assim como por se ter comprovado que 50% das variações patrimoniais negativas que derivam dos ajustamentos de transição do POC para o SNC, relacionadas com perdas por reduções de justo valor relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, não podem ser dedutíveis ao resultado tributável, nos termos do disposto no artigo 45.º, n.º 3, do CIRC e regime transitório previsto no artigo 5.º, n.ºs 1, 5 e 6 do DL 159/2009, de 13/07 [vide A4 / 2012 | €719.414,20; A4 | 2013 | €719.414,20].

58. Em face do exposto, propõe-se a correção do rendimento tributável em sede de IRC da A... SGPS SA, relativamente aos períodos de 2012 e 2013, por força do disposto no artigo 17.º, n.ºs 1 e 3, e art.º 45.º, n.º 3, art.º 67.º, do Código do IRC, artigo 32.º, n.º 2, do EBF, no valor total de €6.357.703,87 e de €6.598.113,37, respetivamente, conforme quadros 19 e 20 que seguem:

[…]

Quadro 20 – Correção/acréscimo ao resultado tributável em sede de IRC da A... SGPS SA – 2013

RESULTADO TRIBUTÁVEL

A... SGPS SA       Exercício de 2013

                Declarado           Correção             Corrigido

PREJUÍZO PARA EFEITOS FISCAIS              -7.753.914,57     6.598.113,37       -1.155.801,20

valores em euros

[…]

 

IX. Direito de Audição - Fundamentação

 

Tendo sido notificado em 2016/05/18 - n/ ofício n.º..., nos termos previstos no artigo 60.º da LGT e artigo 60.º do RCPITA, o sujeito passivo exerceu o direito de audição cuja análise consta dos pontos que seguem.

 

Cumpre sublinhar que, ao contrário do referido no direito de audição, os serviços de inspeção tributária solicitaram logo no início do procedimento externo de inspeção, em 2015/09/01, diversos documentos/ficheiros contabilísticos tendo obtido resposta por 4 maiI's, em 2015/10/02, por parte da interlocutora da A... SGPS SA - Dra. G... (...). Após análise/verificação dos documentos/ficheiros contabilísticos apresentados efetuámos pedido de elementos adicionais, através de notificação pessoal da TOC do sujeito passivo, em 2016/01/19, na sequência de sucessivos adiamentos solicitados pela interlocutora Dra. G..., no período de 16 de novembro de 2015 a 15 de janeiro de 2016, assim como notificámos a A... SGPS, em 2016/01/28 e 2016/04/28, dos fundamentos da prorrogação do prazo do procedimento externo de inspeção, por mais três meses, nos termos do artigo 36.º, n.º 3, alínea a) do RCPITA, por haver especial complexidade quer em termos de trabalho de investigação, quer em termos de apreciação técnico-jurídica dos factos, na medida em que se apuraram riscos significativos de distorção material do resultado tributável referentes a transações significativas com partes relacionadas, aplicação/derrogação de políticas contabilísticas que determinam a mensuração de ativos e réditos nas demonstrações financeiras que parecem não estar em concordância com Normas Internacionais de Relato Financeiro (IAS/IFRS), indicadores de incumprimento da limitação à dedutibilidade dos gastos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital detidas por SGPS (artigo 32.º EBF) e/ou dos gastos de financiamento líquidos (artigo 67.º do Código do IRC). Atendendo a que estas matérias envolvem julgamentos difíceis e potencialmente contenciosos, que exigem à inspeção tributária a recolha prova de auditoria suficiente e apropriada, por meio da conceção e implementação de respostas aos riscos significativos de distorção material identificados, sendo que o trabalho de inspeção ainda não estava concluído naquelas datas.

 

No que respeita aos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital que, atendendo ao disposto no artigo 32.º, n.º 2, do EBF, não são dedutíveis ao resultado tributável, resulta do trabalho de inspeção realizado e do relatório elaborado prova suficiente e apropriada para sustentar o acréscimo/correção ao resultado tributável de 2012 e 2013 no montante de €5.565.353,39 e de €5.435.743,07, respetivamente.

 

Atente-se que, em resposta à n/ notificação datada de 2016/01/19, a A... SGPS SA não procedeu à identificação do método utilizado, nos períodos de 2012 e 2013 - afetação direta, específica ou outro - para imputação dos passivos remunerados, quer aos empréstimos remunerados por si concedidos as partes relacionadas e/ou outras operações financeiras ativas, quer aos restantes ativos, designadamente, aquisição de participações financeiras, assim como não apresentou aos serviços de inspeção tributária discriminação dos cálculos que justificam a aplicação do método de imputação utilizado que possibilite o controlo dos gastos de financiamento suportados com a aquisição de partes de capital que, nos termos previstos no artigo 32.º, n.º 2 do EBF, não são dedutíveis ao resultado tributável dos períodos de 2012 e 2013, pelo que teve que proceder-se à imputação dos encargos financeiros suportados pela A... SGPS SA com a aquisição de participações financeiras através da utilização da fórmula prevista na Circular n.º 7/2004, de 30 de março, da DSIRC, cujos cálculos foram efetuados com base em informações, elementos contabilísticos e declarações apresentados/entregues pelo sujeito passivo à Autoridade Tributária.

 

Quanto à correção resultante do incumprimento da regra de limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento líquidos de 2013 no valor de €363.786,10, comprovámos e demonstrámos que a A... SGPS SA procedeu à alteração da política contabilística de mensuração da participação financeira detida na E... SGPS SA, sem observância dos normativos internacionais de contabilidade (IAS/IFRS), tendo-se recolhido prova de auditoria suficiente e apropriada de que o sujeito passivo estava impedido de mensurar este investimento financeiro pelo justo valor, devendo manter-se a sua mensuração pelo custo, sendo que o resultado antes de depreciações, gastos de financiamento e impostos [EBITDA] de 2013 no montante de €94.307.579,23 encontra-se sobrevalorizado em €186.233.200. Importa salientar que na Certificação Legal de Contas de 2013, o ROC emitiu uma opinião modificada e com reservas sustentando que “(...) 7. Conforme referido na Nota 4 do Anexo às Demonstrações Financeiras, a participação financeira de 50% detida no capital da E... SGPS SA, que se encontrava registada pelo método do custo por €18.782.868, ficou relevada em 31/12/2013 por €205.016.068, de que resultou o reconhecimento de um ganho no montante de €186.233.200. Apesar da quantia pela qual a participação financeira ficou escriturada ter sido determinada pela Administração com base na avaliação efetuada por uma entidade independente com a qual está a ser negociada a alienação de 10% do capital daquela participada, trata-se de uma alteração isolada da política contabilística que vinha sendo seguida pelo que o ativo, o capital próprio e o resultado líquido do período se encontram sobrevalorizados em €186.233.200."

 

Comprovámos e demonstrámos que os gastos de financiamento líquidos de 2013 perfazem o valor de €3.363.786,10, após dedução dos encargos financeiros imputáveis às partes de capital, com exceção do imposto de selo, e por se ter apurado no trabalho de inspeção que o EBITDA de 2013 é negativo, estes GFL 2013 apenas podem concorrer para a determinação do lucro tributável até ao limite de €3.000.000, em cumprimento da regra de limitação à dedutibilidade dos gastos de financiamento líquidos instituída no artigo 67.º do Código do IRC (redação OE 2013), encontrando-se, assim, devidamente sustentada e fundamentada a correção/acréscimo ao resultado tributável de 2013 no valor de €363.786,10. Atente-se que, caso os gastos de financiamento devidos ou associados à remuneração de capitais alheios fossem dedutíveis na íntegra, dever-se-ia acrescer ao resultado tributável o valor de €5.438.417,21.

 

Por outro lado, quanto à correção de 50% das perdas por reduções de justo valor relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio que não podem ser dedutíveis ao resultado tributável, comprovámos e demonstrámos que a A... SGPS SA, registou nos exercícios de 2012 e 2013, perdas por reduções de justo valor referentes a instrumentos de capital próprio em empresas cujos valores mobiliários se encontram admitidos à negociação em mercado regulamentado, correspondentes a participação no capital social inferior a 5%, nos montantes de €145.872,56 e de €158.340, respetivamente, que nos termos previstos no artigo 18.º, n.º 9, do CIRC concorrem para a determinação do resultado tributável, e por cumprimento do disposto no artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC [redação vigente em 2012/12/31 e 2013/12/31], apenas podem ser aceites para efeitos de tributação em 50%, constituindo este normativo o fundamento legal do acréscimo/correção nos montantes de €72.936,28 [€145.872,56 x 50%] e de €79.170 [€158.340 x 50%], respetivamente.

 

Por último, no que respeita à correção de 50% variações patrimoniais negativas por reduções de justo valor relativas a partes de capital que derivam dos ajustamentos de transição do POC para o SNC, verificámos que nas Declarações de Rendimentos Modelo 22 IRC de 2012 e 2013 da A... SGPS SA – Quadro 07 Campo 703 – variações patrimoniais positivas [regime transitório previsto no artigo 5.º, n.ºs 1, 5 e 6 do Decreto Lei n.º 159/2009, de 13 de julho] foi acrescido ao resultado tributável o valor de €516.435,29, correspondente a 1/5 do saldo das variações patrimoniais positivas e negativas que decorre da alteração da mensuração dos instrumentos de capital próprio detidos para negociação em empresas cujos valores mobiliários se encontram admitidos à negociação em mercado regulamentado, que se encontravam mensurados ao custo de aquisição para o justo valor por contrapartida de resultados, e por se ter comprovado e demonstrado que na determinação da variação patrimonial acrescida ao resultado tributável constam ajustamentos/variações patrimoniais negativas relativas a instrumentos de capital próprio detidos para negociação em empresas cujos valores mobiliários se encontram admitidos à negociação em mercado regulamentado, resultantes do ajustamento de transição supra referido, apenas são dedutíveis para efeitos de tributação em 50%, segundo o disposto no artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC, está justificado/fundamentado o acréscimo/correção de €719.414,20, nos períodos de 2012 e 2013, conforme consta do Relatório de Inspeção.

 

A administração da A... SGPS, no exercício do direito de audição, não apresentou argumentos que sustentem a desconformidade dos factos e conclusões apuradas pelos serviços de inspeção tributária, e também não apresentou quaisquer documentos de prova adicionais que justifiquem a necessidade de reformulação do n/ relatório, pelo que entendemos que devem manter-se as correções / acréscimos ao resultado tributável de 2012 e 2013 no valor total de €6.357.703,87 e de €6.598.113,37, respetivamente.”

 

                N. A Requerente foi notificada da liquidação de IRC n.º 2016..., com data de 28 de junho de 2016, respeitante ao exercício de 2013, da qual resultou a redução dos seus prejuízos fiscais (de € 7.753.914,57) para € 1.155.801,20 – cf. documento 1 junto com o ppa e PA.

 

                O. Não se conformando com o referido ato tributário, a Requerente apresentou reclamação graciosa em 4 de novembro de 2016 a qual veio a ser indeferida por despacho do Chefe de Divisão da Direção de Finanças de ..., por delegação, em 24 de novembro de 2017, do que a Requerente veio a ser notificada, e que foi antecedido do correspondente projeto. A decisão de indeferimento é fundada numa informação dos serviços que contém argumentos idênticos aos constantes do RIT – cf. documentos 6 e 7 juntos com o ppa e PA.

 

P. Em discordância com as correções à matéria coletável de IRC constantes da acima identificada liquidação de imposto (IRC), a Requerente apresentou no sistema informático do CAAD, em 5 de março de 2018, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo que deu origem ao presente processo.

 

MOTIVAÇÃO E FACTOS NÃO PROVADOS

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se, essencialmente, nas posições assumidas pelas partes que são, no essencial, coincidentes e na análise crítica da prova documental junta aos autos.

 

O depoimento das testemunhas inquiridas, F..., Diretor Financeiro da  Requerente, e G..., consultora fiscal, sem prejuízo de se afigurar objetivo, em geral não contribuiu para a comprovação da matéria de facto, exceto na parte referente à descrição, pelo primeiro, da atividade de centralização da função financeira da Requerente relativamente às sociedades participadas, que complementou a prova do(s) facto(s) constante(s) do ponto C supra. No mais, seja porque os depoimentos recaíram sobre matéria passível de prova por documentos, seja, no caso da segunda testemunha, por desconhecimento, ou por não incidir sobre factos, mas sobre o respetivo enquadramento jurídico-tributário, a prova testemunhal não se revelou útil.

 

Não se provou a alegação da Requerente de que jamais contraiu financiamentos para aquisição de quaisquer partes de capital.

 

Com relevo para a decisão não existem outros factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

2.            DO DIREITO

 

2.1. DELIMITAÇÃO DAS QUESTÕES A DECIDIR

 

Estão fundamentalmente em discussão três correções à matéria tributável da Requerente, a saber:

 

(i)           A não aceitação da dedução de encargos financeiros, ao abrigo do artigo 32.º, n.º 2 do EBF;

(ii)          A desconsideração de 50% das perdas derivadas de mensuração de instrumentos financeiros pelo justo valor através de resultados, abrangendo quer as relativas aos ajustamentos de transição do POC para o SNC, quer as resultantes do próprio exercício (2013); e

(iii)         A não aceitação da dedução de gastos de financiamento, por aplicação do limite previsto no artigo 67.º do Código do IRC.

 

Em relação a estas correções, a Requerente suscita vícios de ordem formal e substantiva que se apreciam de seguida.

 

Atento o disposto no artigo 124.º do CPPT, que se entende subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT, na ausência de vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado, a ordem de apreciação dos vícios deve ser a que determine, segundo o prudente critério do julgador, a mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos. Uma vez os efeitos da procedência dos vícios imputados ao ato são semelhantes sob o prisma da estabilidade e eficácia da tutela dos interesses da Requerente , segue-se a ordem por esta indicada.

 

2.2. SOBRE OS VÍCIOS DO PROCEDIMENTO INSPETIVO

 

                A ação inspetiva de que a Requerente foi alvo, com referência ao exercício de 2013, teve duas prorrogações por períodos consecutivos de três meses e o seu âmbito foi alargado, na segunda prorrogação, de parcial [IRC] para geral.

 

                Sobre esta matéria determina o artigo 36.º do RCIPTA que o procedimento de inspeção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início, podendo ser ampliado por mais dois períodos de três meses em determinadas circunstâncias de especial complexidade como sejam, entre outras, as resultantes do volume de operações, da dispersão geográfica ou da integração em grupos económicos nacionais ou internacionais (n.ºs 2 e 3, alínea a) da citada norma). De acordo com o artigo 15.º, n.º 1 do RCPIT, esta ampliação de prazo bem como a alteração dos fins e/ou do âmbito do procedimento inspetivo devem ser objeto de despacho fundamentado da entidade que o(s) tiver ordenado, o qual deve ser notificado à entidade inspecionada.

 

                Segundo a Requerente, do ofício de notificação da segunda prorrogação da inspeção, datado de 27 de abril de 2016, não consta o despacho que a determinou, nem os seus fundamentos, pelo que não só violou a disciplina do RCPIT acima citada, como a prorrogação enferma de absoluta falta de fundamentação, que afeta, também, a alteração do seu âmbito de parcial [IRC] para geral.

 

                Verifica-se, no entanto, a existência do despacho de extensão e alteração de âmbito da ação inspetiva. Com efeito, esta segunda prorrogação foi ordenada por despacho de 27 de abril de 2016, que se fundamenta expressamente na informação dos serviços da mesma data, na qual são explicitados os motivos da ampliação e da necessidade da segunda prorrogação da ação inspetiva, que se prendem com o “controlo/verificação da situação tributária global dos deveres tributários do sujeito passivo, designadamente em sede de Imposto de Selo e de Imposto sobre o Valor Acrescentado”  e com a complexidade da investigação dos factos e da apreciação técnico-jurídica, respetivamente.

 

Deste modo, não está em falta o despacho fundamentado que a Requerente alega, sendo que o ofício de notificação à Requerente faz uma referência e remissão expressa para “os fundamentos que constam da informação que segue em anexo”.

 

Por outro lado, a eventual falta de notificação do despacho e respetiva fundamentação, não afeta a perfeição do ato notificado, nem sobre este projeta invalidade, uma vez que a notificação configura uma simples condição de eficácia. Neste domínio, rege o artigo 37.º do CPPT, que concede ao interessado, em caso de comunicação ou notificação insuficiente, a faculdade de, “dentro de 30 dias ou dentro do prazo para reclamação, recurso ou impugnação ou outro meio judicial que desta decisão caiba, se inferior, requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento”, suspendendo-se o prazo para acionar os meios de reação até à notificação ou entrega da certidão que tenha sido requerida (n.ºs 1 e 2).

 

A Requerente tinha, pois, ao seu dispor a faculdade de solicitar a comunicação da fundamentação do ato notificado (de alteração de âmbito e de prorrogação de prazo do procedimento inspetivo), beneficiando, enquanto tal pretensão não fosse satisfeita, da suspensão da contagem do prazo (de caducidade) de reação contra o ato, efeito que acautela as garantias de defesa do contribuinte.

 

                Refira-se também que, no que se refere à alteração de âmbito da inspeção, de parcial [IRC] para geral, mesmo em caso de invalidade, esta não afetaria a ação inspetiva relativamente ao segmento do IRC, pois desde o início que o procedimento visa o IRC, tendo o alargamento incidido sobre outros impostos que não constituem objeto desta ação centrada em exclusivo nos ajustamentos à matéria tributável de IRC.  

               

O entendimento explanado é o que perfilha a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), referindo-se a título ilustrativo o Acórdão de 3 de maio de 2006, processo n.º 154/06, segundo o qual “fundamentação do ato e notificação da fundamentação são realidades diversas, apenas a primeira constituindo vício de forma determinante da anulabilidade daquele.”. No mesmo sentido refere o Acórdão do STA, de 16 de novembro de 2016, no processo n.º 954/16, que “uma coisa é a fundamentação do ato e outra é a comunicação desses fundamentos ao interessado: enquanto aquela constitui um vício suscetível de determinar a anulação do ato que dela padeça, o incumprimento ou cumprimento defeituoso do dever de comunicação dos fundamentos não se podem refletir na validade do ato comunicando.

 

                Convém assinalar que a situação vertente não tem paralelismo com aquela que foi apreciada no recente Acórdão do STA, de 19 de setembro de 2018, no processo n.º 1460/17, que a Requerente invoca em sede de alegações. Nesta última, o contribuinte só foi informado da extensão e da alteração de âmbito no momento da conclusão da ação inspetiva, ou seja, ex post facto, traduzindo-se num “facto consumado”. Como refere o aresto do STA, nesse caso, ocorre a “omissão de uma formalidade essencial do procedimento inspetivo, invalidante dos posteriores termos procedimentais, designadamente da liquidação posterior que neles se suporta” (no mesmo sentido também o Acórdão do STA de 15 de junho de 2016, processo n.º 1101/15).

 

                Com efeito, o artigo 42.º do RCPIT prevê que a notificação dos atos de inspeção possa ser efetuada no momento da sua prática ou em momento anterior e nunca em momento posterior.

 

                Porém, no caso em análise, a Requerente foi informada, em momento prévio e de forma atempada (e não apenas no momento da respetiva conclusão), por ofício da Direção de Finanças de Viseu da extensão da ação inspetiva e da alteração de âmbito. Por outro lado, a notificação é expressa e clara quanto à “alteração de âmbito parcial para geral, assim como da prorrogação por mais três meses”. A circunstância de, porventura, não ter sido acompanhada do anexo, que vem referido no próprio ofício de notificação, com a informação que continha os respetivos fundamentos, não determina, ao contrário do que reclama a Requerente, a invalidade do ato. Esta incompletude parcial é uma deficiência do ato de notificação e não do ato notificado e o seu regime consta do citado artigo 37.º do CPPT, que não prevê qualquer efeito cominatório de invalidade (anulabilidade) do ato notificado. Cabia à Requerente, de acordo com a solução legal, a faculdade de requerer a notificação dos requisitos omitidos ou a emissão de certidão que os contivesse, com a suspensão do decurso do prazo para exercer os meios de defesa. Nenhum outro efeito decorre da lei.

 

                De salientar ainda que, de acordo com o entendimento do Acórdão do STA de 25 de fevereiro de 2015, no processo n.º 709/14, “a preterição de formalidades na ação de inspeção - ultrapassagem do prazo máximo de 6 meses para a conclusão do procedimento de inspeção a que se refere o n.º 2 do artigo 36º do RCPIT - de âmbito parcial” não seria inevitavelmente geradora da anulação dos atos tributários de liquidação emitidos. Como aí salientado “já este Supremo Tribunal, bem como o Tribunal Constitucional, tiveram oportunidade de se pronunciar quanto à mesma [questão], tendo-se aí concluído que a ilegal prorrogação do prazo para a realização da inspeção parcial ou univalente não sequência necessariamente, a se, a ilegalidade da liquidação mas apenas a cessação do efeito suspensivo da própria inspeção, pelo que corre, então, desde o início, o prazo de caducidade da liquidação - artigo 46.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária.”

 

                Adicionalmente, a Requerente suscita a invalidade do procedimento por não ter sido cumprido o disposto no n.º artigo 60.º, n.º 1, que, no seu entender, determina que o “projeto de conclusões do relatório inspetivo deve ser notificado ao contribuinte no prazo de 10 dias contado da data da conclusão dos atos de inspeção – os quais, nos termos do artigo 61º do RCPIT, consideram-se concluídos com a notificação da nota de diligência” (transcrição do artigo 28.º do ppa).

 

                Todavia, a norma invocada pela Requerente relativa ao projeto de conclusões (artigo 60.º, n.º 1 do RCPIT) não contém aquela estipulação de prazo. De notar que o n.º 4 do artigo 60.º do RCPIT determina o prazo de 10 dias, mas para a “elaboração” do “relatório definitivo” e não para a “notificação” do “projeto”, contando-se o referido prazo a partir do exercício, escrito ou oral, do direito de audição e não da conclusão dos atos de inspeção como refere a Requerente.

 

                Assim, a argumentação expendida pela Requerente não tem qualquer suporte na disciplina legal aplicável, pelo que padece de erro de direito. Acresce que, mesmo que tal suporte se constatasse (que não se constata), a Requerente não satisfez o ónus de alegação de factos concretos dos quais emergisse a solução jurídica preconizada, desde logo, as datas relevantes de “conclusão dos atos de inspeção”, da “notificação da nota de diligência” e da notificação do “projeto de conclusões”.

 

                À face do exposto, conclui-se que o procedimento inspetivo não contém os vícios de falta de fundamentação e de violação lei arguidos pela Requerente, não tendo sido ultrapassados os prazos de duração do procedimento de inspeção previstos no artigo 36.º, n.ºs 2 e 3 do RCPIT, pelo que o ato consequente de liquidação aqui impugnado não foi praticado com ofensa das normas jurídicas invocadas e não é anulável em razão de vícios procedimentais.

 

2.3. ENCARGOS FINANCEIROS NÃO DEDUTÍVEIS – ARTIGO 32.º, N.º 2 DO EBF

 

A.           VÍCIO DE FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO

 

A Requerente começa por invocar que o afastamento da dedução fiscal em IRC dos encargos financeiros por si suportados não está suficientemente fundamentada, em virtude de a AT não ter demonstrado que os financiamentos se destinaram à aquisição de participações sociais e de ter presumido indevidamente essa conexão sem adesão à realidade, o que equivale a vício de falta de fundamentação nos termos do artigo 153.º do CPA.

 

Não se pode, porém, aderir à tese da Requerente, que labora em erro sobre a natureza do vício formal de falta de fundamentação. O dever de fundamentação desempenha a função primordial de permitir que o destinatário do ato se inteire das razões que subjazem à decisão, permitindo o controlo da sua validade através da análise dos respetivos pressupostos e o acesso à garantia contenciosa. O novo CPA densifica, na sua extensão e requisitos, o dever de fundamentação (artigos 152.º a 154.º) que, em matéria tributária, é, especificamente regulado pelo artigo 77.º da LGT, nos seguintes termos:

 

“Artigo 77.º

Fundamentação e eficácia

1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo. […]”

 

Seguindo a jurisprudência do STA, a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal de ato e visa responder às necessidades de esclarecimento do contribuinte, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática e por que motivo se decidiu num sentido e não noutro (cf. Acórdão do STA, de 2 de fevereiro de 2006, processo n.º 01114/05).

 

A fundamentação pode ser sucinta e per relationem, desde que se encontre garantida a função de dar a conhecer o iter cognoscitivo e valorativo do ato. Um ato está suficientemente fundamentado sempre que um destinatário normal, colocado perante o mesmo, possa ficar ciente das razões que sustentam a decisão nele prolatada (cf. Acórdão do STA, de 20 de novembro de 2002, processo n.º 42180). E ainda que se encontra devidamente fundamentado o ato que, de forma direta ou por remissão, contém a indicação contextual dos motivos de facto e de direito que permitem ao seu destinatário normal, apreender o raciocínio decisório, as causas e o sentido da decisão (cf. Acórdão do STA, de 14 de março de 2001, processo n.º 46796).

 

Compulsados os autos arbitrais, constata-se que o Relatório de Inspeção contém, com clareza e suficiente grau de detalhe os argumentos, de facto e de direito, nos quais a AT alicerçou a correção da matéria tributável de IRC, que se prendem com a aplicação da fórmula de quantificação de encargos financeiros não dedutíveis constante da Circular n.º 7/2004, em aplicação do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, por entender tratar-se de um caso em que não lhe era possível [à AT] a aplicação de um método de afetação direta ou específica que, interpelada para o efeito, a Requerente não forneceu.

 

Estes argumentos foram bem percecionados pela Requerente que contra os mesmos esgrime uma extensa oposição de 469 artigos e 118 páginas (exclusivamente dedicadas à correção dos encargos financeiros realizada ao abrigo do artigo 32.º, n.º 2 do EBF). A Requerente compreendeu os factos e o enquadramento técnico preconizado pela AT, entendeu o seu sentido e alcance.

 

Questão distinta é a de saber se a Requerente discorda da fundamentação por não considerar verificados ou demonstrados os pressupostos de tributação nela retratados. Neste caso não se trata de apreciar o vício formal de falta de fundamentação, mas a validade substantiva do ato tributário, que de seguida se aprecia. 

 

Pelas razões expostas, improcede a invocação do vício de falta de fundamentação suscitado pela Requerente em relação à correção dos encargos financeiros nos termos do artigo 32.º, n.º 2 do EBF.

 

B.            VÍCIOS MATERIAIS

 

O tema da indedutibilidade dos encargos financeiros prevista no artigo 32.º, n.º 2 do EBF tem sido amplamente discutido na jurisprudência e também na doutrina, dado o grau de incompletude da previsão legislativa que, em caso de dificuldade ou até mesmo impossibilidade de as SGPS identificarem uma conexão direta e específica entre os recursos financeiros que obtêm e a sua aplicação, na multiplicidade e diversidade das finalidades existentes, deixa em aberto a forma de aplicar o preceito.

 

Dispunha este artigo, à data dos factos, o seguinte:

 

“Artigo 32.º

Sociedades gestoras de participações sociais (SGPS)

1 – [Revogado pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro]

2 – As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.

3 – (…)”

 

Trata-se de uma solução equilibrada no sentido em que faz corresponder a exclusão de tributação das mais-valias à irrelevância fiscal dos encargos financeiros associados às participações sociais que as produziram, pois de outra forma verificar-se-ia um duplo benefício, o de não tributação do rendimento e a simultânea dedução dos encargos financeiros incorridos na sua obtenção, como salientado no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 750/2017, de 15 de novembro : “decidiu o legislador prever um regime tributário mais favorável para essas sociedades [SGPS], desconsiderando, para o apuramento do lucro tributável em IRC, as mais valias realizadas com a alienação de partes de capital detidas durante mais de um ano, a que se associou, de modo a impedir a obtenção de uma dupla vantagem radicada no mesmo pressuposto económico, a exclusão da dedutibilidade dos custos financeiros incorridos com tal aquisição.”

 

                Daqui decorre, sem mais, a manifesta improcedência da pretensa ofensa deste preceito a princípios constitucionais como o vigente para a tributação do rendimento das pessoas coletivas, da tributação (tendencialmente) baseada no rendimento efetivo, pelo que não assiste à Requerente razão neste ponto.

 

                No entanto, e como acima se referiu, a incompletude parcial do preceito com as inerentes dificuldades de aplicação prática, conduziram à definição e adoção pela AT de uma metodologia de imputação dos encargos financeiros à aquisição de participações sociais, regulamentada na Circular n.º 7/2004, de 30 de março, com base na qual foi desconsiderada uma parcela significativa dos encargos financeiros suportados pela Requerente em 2013.

 

Determina o n.º 7 da referida Circular que: “[q]uanto ao método a utilizar para efeitos de afetação dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais, dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afetação direta ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efetuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR  deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afetando-se o remanescente aos restantes ativos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respetivo custo de aquisição.”

 

Sobre esta matéria, em particular acerca das condições de validade da dimensão interpretativa do artigo 32.º, n.º 2 alcançada pela Circular n.º 7/2004, que, segundo entendemos, estabelece um método verdadeiramente indireto e presuntivo de afetação dos encargos financeiros das SGPS para efeitos de cálculo do seu lucro tributável, acompanha-se a jurisprudência do STA, designadamente os Acórdãos proferidos nos processos n.ºs 1111/16, de 18 de abril de 2018; 1157/17, de 31 de janeiro de 2018; 745/15, de 24 de janeiro de 2018; 1292/16, de 29 de novembro de 2017; 364/14, de 21 de junho de 2017; 1229/15, de 31 de maio de 2017, e 227/16, de 8 de março de 2017 . De igual modo, seguimos as decisões arbitrais de 29 de setembro de 2018, processo n.º 84/2018-T; de 17 de junho de 2016, processo n.º 738/2015-T; e de 12 de novembro de 2015, processo n.º 326/2015-T , cuja factualidade e/ou vícios arguidos são similares aos suscitados no presente processo, ainda que respeitantes a outros exercícios.

 

Começando pelo ónus da prova, coloca-se a questão de saber se recaía sobre a Requerente a demonstração de que os encargos financeiros incorridos no âmbito da atividade não eram conexos com a aquisição de participações sociais, por estar em causa a aplicação de um benefício fiscal (artigo 74.º da LGT), circunstância em que, não o tendo feito, poderiam aqueles ser desconsiderados, como em parte o veio a fazer a AT.

 

Não obstante, em matéria de não dedução de encargos financeiros não se pode afirmar que se trata da aplicação de um benefício fiscal.

A este respeito acolhe-se a fundamentação expendida na decisão do processo arbitral n.º 326/2015-T, de 12 de novembro de 2015, segundo a qual:

“Na verdade, embora em matéria de benefícios fiscais existam normas especiais de que se infere que o ónus da prova dos factos necessários para deles usufruir cabe a quem os invoca (artigos 14.º, n.º 2, e 74.º, n.º 1, da LGT), na específica situação em apreço não se está perante a invocação de pressupostos de benefícios fiscais, pois a parte do artigo 32.º, n.º 2, do EBF que prevê a não dedutibilidade dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital não estabelece um benefício fiscal, mas sim uma limitação à dedutibilidade de encargos financeiros, negativa para o contribuinte, estabelecida com a finalidade de atenuar o regime fiscalmente favorecido de que usufruem as SGPS em relação às sociedades em geral.

Por isso, ao determinar a não dedutibilidade do[s] encargos financeiros, a Autoridade Tributária e Aduaneira está levar a cabo uma atividade de natureza desfavorável para o contribuinte, pelo que lhe cabe o ónus da prova dos factos que invocar para fundamentar a sua atuação, designadamente, ao optar pela utilização de método indireto de determinação da matéria tributável, de provar que se verificava algum ou alguns dos pressupostos legais da sua aplicação, indicados no artigo 87.º da LGT, como decorre do n.º 3 do artigo 74.º da LGT. Será esta a regra especial do ónus da prova a aplicável aos casos de uso de métodos indiretos de determinação da matéria tributável e não a regra geral do artigo 74.º, n.º 1, invocada pela Requerente. “

 

                Deste modo, assente, por não ser controvertido, que os encargos financeiros suportados pela Requerente o foram no âmbito do desenvolvimento da sua atividade – sendo, portanto, dedutíveis de acordo com o regime-regra de dedução dos gastos e perdas contido no artigo 23.º, n.º 1 e n.º 2, alínea c) do Código do IRC –, para preencher a hipótese normativa do artigo 32.º, n.º 2 do EBF e aplicar a sua estatuição, competia à AT demonstrar de duas uma: (i) ou os pressupostos da conexão direta daqueles encargos (na medida em que o fossem) com a aquisição de participações sociais, ou (ii) os pressupostos de aplicação de métodos indiretos para estabelecer essa mesma conexão que respeitam à impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata. Afigura-se que nem uma, nem outra.

 

A AT considera que não se está sequer perante a aplicação de um método indireto, mas de um método de repartição proporcional, asserção com a qual não podemos concordar. Sem prejuízo de a fórmula utilizada se basear numa proporção, trata-se efetivamente de um raciocínio presuntivo, que parte de factos conhecidos para firmar um facto desconhecido (artigo 349.º do Código Civil). Acresce que está longe de ser um dado que as premissas dessa presunção sejam as adequadas à imputação ou afetação pretendida (entre passivos remunerados e a aquisição de participações sociais).

A conduta omissiva de que a AT acusa a Requerente, por esta não lhe ter prestado esclarecimentos ou fornecido dados sobre a afetação específica ou direta dos encargos financeiros às participações sociais, mais admitindo não ser capaz de o fazer, não se afigura  censurável do ponto de vista da consistência das alegações da Requerente, que afirma não ter afetado quaisquer financiamentos obtidos à aquisição de partes sociais (em coerência com o declarado na modelo 22 de IRC, na qual não acresceu esses encargos no Quadro 07, Campo 779) e que, em qualquer caso, dada a complexidade da sua vida financeira, tal seria inexequível.

 

Além do mais, este argumento da AT não preenche os pressupostos da avaliação indireta que, independentemente da sinceridade da Requerente, reclama que a AT demonstre a impossibilidade objetiva de comprovação e quantificação diretas (artigos 87.º, n.º 1 e 90.º, n.º 1 da LGT), não podendo o regime da Circular operar como sanção de uma conduta.

 

Com efeito, mesmo que em abstrato não seja acolhida uma tese de liminar invalidade do método da Circular n.º 7/2004, ou da sua incompatibilidade com o preceituado no artigo 32.º, n.º 2 do EBF, como se afigura ser o entendimento do Acórdão do STA de 8 de março de 2017, no processo n.º 227/16 , a qualificação desse método como presuntivo implica o seu enquadramento no regime de avaliação indireta que é, de acordo com o sistema vigente, subsidiário do da avaliação direta, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indireta nos casos e condições expressamente previstos na lei, em concordância com o princípio constitucional de tributação das empresas fundamentalmente com base no seu rendimento real (artigo 104.º, n.º 2 da CRP).

 

Neste sentido, como conclui o Acórdão do STA, de 24 de janeiro de 2018, no processo n.º 745/15: “não vindo expressamente invocado pela AT que no caso concreto da recorrente se imponha o recurso a um método de avaliação indireto, o que lhe competia nos termos do disposto no artigo 74º, n.º 3 da LGT, em caso de determinação da matéria tributável por métodos indiretos compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respetiva quantificação-, não se pode valer da dita “norma administrativa” da Circular em análise para manter a autoliquidação efetuada de acordo com a mesma.”

 

                Nestes termos, tendo em conta as regras do ónus da prova acima expendidas, a AT não satisfez as condições de afetação direta ínsitas no artigo 32.º, n.º 2 do EBF, nem demonstrou os pressupostos de aplicação de métodos de avaliação indireta (artigos 87.º, n.º 1, alínea a) da LGT e 74.º, n.º 3 da LGT) .

 

Por outro lado, sobre o recurso à Circular, conforme salienta a decisão arbitral relativa ao processo n.º 738/2015:

 

                “A falta de previsão do legislador abriu, quer a insegurança jurídica patente em toda a conflitualidade emergente das correções feitas pela AT com base na Circular n.º 7/2004, quer, forçoso é reconhecê-lo, uma verdadeira autoestrada de obstrução fácil à aplicação da lei, através do mero recurso a uma opacidade calculada nos fluxos de financiamentos e respetivas afetações. Na ausência de contratos de financiamento vinculados pelo fim da aquisição de uma certa participação financeira, a identificação de um nexo, juridicamente sustentado, entre encargos financeiros suportados e uma concreta aquisição de partes sociais torna-se tarefa inviabilizável com excessiva facilidade, ainda que não fosse inviável de raiz.

Como alega a AT e a Requerente aceita, no caso vertente esta não elaborou qualquer mapa de afetações, apesar de ter sido notificada do projeto de RIT, com as correções atrás especificadas, para exercício do direito de pronúncia. Em casos como este, mostra-se impossível – mas também irrelevante no contexto de um contencioso de mera anulação, pelo que nenhum juízo o Tribunal formula a este respeito – determinar se a impossibilidade de afetação real é autêntica ou é meramente tática.

O que importa para a decisão é que a AT determinou os encargos financeiros que entendeu terem sido suportados pela Requerente para adquirir as participações sociais recorrendo ao método previsto no ponto 7 da Circular n.º 7/2014.

Sobre a ilegalidade destas correções, o Tribunal acompanha vários arestos da Arbitragem Tributária, que não identificam suporte legal para a interpretação veiculada na Circular e feita, in casu, pela AT. Acompanhando, em particular, o argumentário e as referências doutrinárias vertidos no Processo n.º 326/2015-T, dir-se-á que “as normas relativas à liquidação de tributos, designadamente, as que definem a incidência e os benefícios fiscais, estão subordinadas ao princípio da legalidade, estando consequentemente afastada a possibilidade de, por via administrativa, serem criadas normas de que resulte uma efetiva oneração para os contribuintes (…) O ponto 7 da Circular n.º 7/2014 consubstancia uma norma de natureza inovadora sobre a determinação da matéria tributável de IRC e, em última análise, sobre a amplitude de um benefício fiscal, pelo que é inválida por violação do princípio da legalidade.” E, mais adiante, “era este o método direto o que deveria ter sido utilizado, pois a Autoridade Tributária e Aduaneira não pode fazer uso de um método indireto para determinar a matéria tributável da Requerente sem estarem reunidos os requisitos legais de que a lei faz depender a sua utilização, previstos nos artigos 85.º e 87.º da LGT, e não pode usar para a quantificação da matéria tributável critérios não previstos na lei (artigo 90.º da LGT).”

Por outras palavras, não se vê que venha juridicamente sustentada, em termos de ser a melhor interpretação da lei, a tese – defendida pela AT – de que “não há ilegalidade na aplicação do n.º 2 do art. 32.º do EBF na fórmula constante da Circular n.º 7/2004, ainda que não seja possível à AT e ao contribuinte proceder a uma afetação específica ou direta, dado que qualquer método (direto ou indireto) é bom, desde que respeitada a ratio legis da norma.”

E não é juridicamente sustentável em termos de ser a melhor interpretação da lei porquanto há que dar cumprimento à norma nos seus precisos termos, segundo os quais o aplicador da lei tem que desconsiderar os encargos financeiros suportados com a aquisição das participações sociais cujas mais-valias, quando realizadas, estão isentas, o que só pode licitamente fazer se puder identificar a relação entre os financiamentos usados e a aquisição das participações sociais (cujas mais-valias, quando realizadas, estão isentas), segregando-os dos usados para outras afetações, como sejam as de fazer financiamentos a participadas.

Defende também a AT que, “caso contrário, corria-se o risco de dar relevância fiscal aos encargos financeiros ao mesmo tempo que se isentava as mais-valias que advieram da alienação das participações, o que violaria o princípio da neutralidade fiscal e conduziria a uma solução contra legem (só assim não seria se se consagrasse na lei uma solução – que não existe – que estabelecesse que, não podendo os sujeitos passivos demonstrar a afetação direta, não poderiam beneficiar da isenção das mais-valias de partes de capital que viessem a alienar).” A asserção é pertinente, mas esse risco, bem evidente, devia – e só podia – ter sido prevenido pelo legislador. Não é um risco que uma Circular praeter legem possa vir reparar.

A AT refere ainda que “é infundada a alegada violação do princípio da legalidade vertido no artigo 103.º, n.ºs 2 e 3, da CRP, na medida em que a Circular não alterou nem desvirtuou a estatuição legal do n.º 2 do artigo 32.º do EBF.” Nisto tem a AT razão, pois a Circular em causa não é, no entender do Tribunal, contra legem. Porém, basta que seja, como abundante jurisprudência o tem decidido, praeter legem, para lhe faltar o incontornável amparo de uma lei habilitante.”

 

De igual modo, em situação exatamente idêntica à dos presentes autos, respeitante a um exercício anterior, a decisão arbitral no processo n.º 84/2018 dispõe em sentido idêntico ao preconizado, numa interpretação do artigo 32.º, n.º 2 do EBF que reclama que a imputação de encargos à aquisição de participações sociais seja direta e que aqui se sufraga nas suas conclusões.

 

Elucida este aresto que “tem de se concluir que o seu teor literal [do artigo 32.º, n.º 2 do EBF] indica que tão só os encargos financeiros que estejam conexionados com a aquisição de participações sociais são abrangidos pela indedutibilidade que aí se estabelece.

Para além de ser esta a interpretação que resulta do teor literal, ela é corroborada pela explicação para a sua introdução no EBF que foi dada no Relatório do Orçamento do Estado para 2003 (Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro).

Na verdade, como se refere na Circular n.º 7/2004, o regime desta norma foi introduzido no EBF pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, que aprovou o  Orçamento do Estado para 2003, dando nova redação ao artigo 31.º, cujo regime passou a constar do artigo 32.º depois da renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de junho.

[…]

No referido Relatório do Orçamento do Estado para 2003 , depois de se constatar uma quebra na execução orçamental em 2002 quanto ao IRC anuncia-se a introdução de várias medidas visando o «alargamento da base tributável e medidas de moralização e neutralidade», entre as quais a da indedutibilidade dos encargos de natureza financeira diretamente associados à aquisição de partes sociais por parte das SGPS, que se anuncia nos seguintes termos:

                «Estabelece-se a desconsideração da dedutibilidade, para efeitos de determinação do lucro tributável, dos encargos de natureza financeira diretamente associados à aquisição de partes sociais por parte das SGPS»;

 

É inequívoco, assim, que se pretendeu que apenas os encargos financeiros diretamente associados à aquisição de partes sociais ficassem abrangidos pela indedutibilidade.

Por aquela referência expressa no Relatório à necessidade de os encargos financeiros estarem diretamente associados à aquisição de partes sociais (que também está expressa no texto da norma através da referência aos «encargos financeiros com a sua aquisição»), conclui-se que não basta, para determinar a indedutibilidade de encargos financeiros, a constatação de que a SGPS é titular de participações sociais e suportou encargos financeiros, sendo necessário demonstrar que há uma relação direta entre certos encargos financeiros e a aquisição de determinadas participações sociais.

É corolário desta interpretação, imposta pelo teor literal do artigo 32.º, n.º 2, que, se determinadas participações não foram adquiridas com passivos geradores de encargos financeiros (designadamente, as obtidas por entradas em espécie ou com utilização de capitais próprios), elas são irrelevantes para efeito da aplicação daquela norma, na parte que se reporta à indedutibilidade de encargos financeiros.

É também corolário desta interpretação que, relativamente às participações sociais adquiridas com financiamentos geradores de encargos, apenas os encargos derivados dos financiamentos relativos à sua aquisição são indedutíveis.

Não há assim suporte legal para afastar a regra da dedutibilidade de encargos financeiros, que consta da alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, em relação a encargos que não estejam diretamente associados à aquisição de participações sociais.

Por isso, é claro, à face da letra da parte final do n.º 1 do artigo 32.º e da explicação dada no Relatório do Orçamento para 2003, que a indedutibilidade de encargos apenas se aplica aos que forem diretamente derivados de financiamentos utilizados para aquisição de participações sociais.

Sendo este o regime que está previsto na lei, ele não pode ser alterado por via regulamentar, pois preceitos criados por atos de natureza legislativa não podem ser, com eficácia externa, interpretados, integrados, modificados, suspensos ou revogados por atos de outra natureza (artigo 112.º, n.º 5, da CRP).

Para além disso, como defende a Requerente, o artigo 32.º, n.º 2, do EBF é uma norma que versa sobre a incidência tributária, em sentido lado, ao influenciar decisivamente a determinação da matéria tributável, pelo que está incluída na reserva de lei, nos termos dos artigos 103.º, n. 2, e 165.º,n.º 1, alínea i), da CRP.

No caso em apreço, não se demonstrou que qualquer das participações sociais tivesse sido adquirida com financiamentos, designadamente que gerassem encargos em 2012.

Relativamente às participações adquiridas em 2012, não se coloca a questão da aplicabilidade do regime do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, pois não tinham sido adquiridas há mais de um ano e foram consideradas na fórmula utilizada valores de participações adquiridas no ano de 2012 a F..., Lda. e D... SGSP, SA.).

Para além disso, como defende a Requerente, também não há fundamento para ser relevante o valor dos encargos financeiros e das participações registados na contabilidade em 31-12-2012 e não ao longo do ano.

Neste contexto, a prova produzida aponta no sentido de as participações sociais não terem sido adquiridas com financiamentos que tivessem gerado encargos em 2012.

No mínimo, estar-se-á perante uma situação de dúvida fundada que, nos termos do artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, justifica a anulação do ato tributário.

De qualquer modo, basta o facto de a correção efetuada se ter baseado no método referido no ponto 7. da Circular n.º 7/2004, não previsto na lei, para ter de se concluir pela ilegalidade da correção efetuada, à face da mais recente jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo […]”. 

 

Atento o exposto, é de concluir que a liquidação de IRC efetuada e a decisão da reclamação graciosa que a confirmou enfermam de vício de violação de lei por erro de direito, na interpretação e aplicação do artigo 32.º, n.º 2 do EBF e por violação do princípio da legalidade tributária, pelo que este fundamento é inválido para suportar a liquidação de IRC que, nessa medida, é parcialmente anulável, nos termos do artigo 163.º, n.º 1 do CPA.

 

Fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento das demais questões colocadas sobre esta correção.

 

2.4. MENSURAÇÃO PELO JUSTO VALOR – LIMITE DE 50% DA DEDUÇÃO DOS GASTOS – ARTIGO 45.º, N.º 3 DO CÓDIGO DO IRC

 

A.           ENQUADRAMENTO PRELIMINAR

 

                A Requerente opõe-se à aplicação do limite de 50% à dedução das perdas e variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital, previsto no artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC, em vigor à data dos factos, subjacente às correções à matéria tributável declarada do IRC de 2013, nas importâncias de € 79.170, com referência a reduções de justo valor em instrumentos de capital próprio, e de € 719.414,20, reportadas a variações patrimoniais negativas por reduções de justo valor relativas a partes de capital que derivam dos ajustamentos de transição do POC para o SNC, as quais se tratam conjuntamente por ser a mesma a questão de direito a dilucidar.

 

Trata-se de matéria que também já foi apreciada pela jurisprudência, no que acompanhamos, por concordância com os respetivos fundamentos, o sentido das decisões dos processos n.º 582/17, de 6 de junho de 2018 (STA) e arbitrais n.º 108/2013-T, de 25 de novembro de 2013; 776/2014-T, de 18 de junho de 2015, e 84/2018-T, de 25 de setembro de 2018, em linha com a posição da Requerente.

 

As normas em concatenação dispunham, à data dos factos (2013), o seguinte:

 

“Artigo 18.º

Periodização do lucro tributável

[…]

9 — Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados, exceto quando:

a) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, tratando-se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, direta ou indiretamente, uma participação no capital superior a 5% do respetivo capital social; ou

b) Tal se encontre expressamente previsto neste Código.

[…]

 

Artigo 23.º

Gastos

1 — Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:

[…]

i) Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros;

[…]

 

Artigo 45.º

Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais

[…]

3 — A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.

[…]

 

Artigo 46.º

Conceito de mais-valias e de menos-valias

1 — Consideram-se mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere e, bem assim, os decorrentes de sinistros ou os resultantes da afetação permanente a fins alheios à atividade exercida, respeitantes a:

a) Ativos fixos tangíveis, ativos intangíveis, ativos biológicos que não sejam consumíveis e propriedades de investimento, ainda que qualquer destes ativos tenha sido reclassificado como ativo não corrente detido para venda;

b) Instrumentos financeiros, com exceção dos reconhecidos pelo justo valor nos termos das alíneas a) e b) do n.º 9 do artigo 18.º.

[…]”.

 

Interessa relembrar que o ponto de partida dos ajustamentos efetuados pela AT nesta sede é o entendimento de que o legislador optou por uma redação abrangente e genérica que não inclui na previsão do artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC qualquer ponderação de circunstâncias particulares das operações concretas que originam as menos-valias, bem como outras perdas e variações patrimoniais negativas. Assim, quaisquer perdas, gastos ou variações patrimoniais negativas que respeitem a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, independentemente do modo e local de realização das operações concretas que lhes tenham dado origem, apenas seriam consideradas em metade do seu valor. A norma em apreço, à semelhança de outras dispersas pelo compêndio do IRC, tem subjacente o propósito de atenuar os efeitos de práticas de erosão na base tributável sufragados pelo Tribunal Constitucional.

 

Para a AT o conceito de “perdas” ínsito no artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC reveste uma formulação aberta, no âmbito da qual se enquadra todo o tipo de perdas relativas a partes de capital, incluindo as perdas potenciais. Desta forma, o legislador, ao consagrar o conceito amplo de perdas, não pretendeu excluir quaisquer perdas atinentes a partes de capital, que sejam refletidas na contabilidade, e não afastou expressamente as perdas potenciais resultantes da aplicação do justo valor a instrumentos financeiros, quer as registadas em contas de gastos e perdas, quer em contas de capital próprio.

 

De acordo com esta posição, carece de sentido a tentativa de defender que o artigo 18.º, n.º 9, alínea a) e o artigo 45.º, n.º 3, ambos do Código do IRC, se excluem mutuamente, por este último não contemplar na sua previsão literal factos que sejam qualificáveis como “gastos”, mesmo que relativos a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, resultante de uma leitura descontextualizada em que releva a estrita questão semântica em redor dos “custos”, “perdas” ou “gastos” que conduz a uma interpretação redutora do âmbito da norma.

 

Embora cada um dos referidos termos tenha um significado próprio, a dicotomia entre “gastos” e “perdas” só pode qualificar-se, no entender da AT, como uma imprecisão terminológica do legislador sem consequências na interpretação dos citados preceitos, reforçando que nem poderia ser de outro modo, de acordo com o artigo 17.º, n.º 1 do Código do IRC, já que, no Código de Contas do SNC, a conta #661, onde são registados os ajustamentos negativos decorrentes da utilização do justo valor, sempre foi denominada de “Perdas por reduções de justo valor em instrumentos financeiros”, tendo aquela imprecisão sido corrigida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, com a substituição nos mencionados preceitos de “gastos” por “perdas”.

 

A ideia de que no artigo 18.º, n.º 9 do Código do IRC é definido o tratamento fiscal dos ajustamentos positivos ou negativos decorrentes da aplicação do justo valor a instrumentos de capital próprio com preço formado num mercado regulamentado constitui, na perspetiva da AT, um erro de análise, porquanto a finalidade deste artigo contém-se, tão-só, na definição dos critérios de imputação temporal das componentes positivas e negativas do lucro tributável, dando concretização ao princípio da especialização dos exercícios, cabendo aos artigos 20.º e seguintes a determinação das regras aplicáveis no apuramento do lucro tributável.

 

Neste sentido se pronunciam as decisões arbitrais relativas aos processos n.ºs 25/2015-T, de 24 de setembro de 2015; 90/2016-T, de 26 de outubro de 2016, e 707/2016-T, de 13 de outubro de 2017.

 

Não podemos, no entanto, concordar com este raciocínio, que desvaloriza importantes elementos interpretativos – gramaticais, históricos e sobretudo teleológicos – desatendendo a ratio que presidiu à adoção do regime constante do artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC, num resultado desconforme à Constituição, por violação do princípio da tributação das empresas (fundamentalmente) pelo seu rendimento real (artigo 104.º, n.º 2 da CRP).

 

B.            SOBRE A RELEVÂNCIA DO ELEMENTO LITERAL

 

A norma em discussão (artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC), quer na sua redação primitiva, resultante da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, quer na que lhe foi dada pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de dezembro, explica-se, de acordo com a motivação expressa pelo legislador, por necessidades ligadas ao combate à fraude e evasão fiscais e ao alargamento da base tributável, dirigidas à consolidação das contas públicas.

 

Se o aplicador da norma a desligar da sua génese, como a pura literalidade interpretativa implicaria, tal pode conduzir a resultados jurídico-fiscais indefensáveis, porque economicamente absurdos e violando princípios basilares da tributação do rendimento dos entes coletivos, como se mostra adiante.

 

Perante uma solução que pode conduzir a resultados ao arrepio do paradigma da tributação do rendimento, e em face da manutenção (em 2009) de uma redação que fora pensada (em 2002 e 2005) pera fenómenos económico-fiscais bem diversos dos que emergem do justo valor, julga-se que o elemento literal terá de ser caldeado por outros parâmetros interpretativos.

 

Tanto mais que, como nota a Requerente, se afirma no preâmbulo do Decreto-lei n.º 159/2009: “[a]inda no domínio da aproximação entre contabilidade e fiscalidade, é aceite a aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, cuja contrapartida seja reconhecida através de resultados, mas apenas nos casos em que a fiabilidade da determinação do justo valor esteja em princípio assegurada”.

 

Tal motivação, expressa pelo legislador, induz à convicção de que, quando verificadas as condições previstas no artigo 18.º, n.º 9, alínea a) do Código do IRC, o justo valor assume relevo fiscal, sem assimetrias de tratamento das variações positivas e negativas.

 

Adicionalmente, em várias decisões arbitrais sobre este tema a questão terminológica acerca de gastos e perdas, constante dos artigos 23.º e 45.º do Código do IRC (na versão de 2013) é trazida à colação. A AT sustenta que o conceito de gastos compreende o de perdas. E isso, embora com nuances económico-empresariais relacionadas com a natureza dos fenómenos que originam perdas, resulta do SNC. 

 

As perdas, englobando-se no conceito de diminuição de benefícios económicos que caracterizam aos gastos, têm, (vide §§ 76 e 78 da Estrutura Concetual do SNC citados em nota anterior) uma natureza não recorrente, irregular, na vida económica das empresas. No contexto desta questão terminológica, é certo que, quando da adaptação do Código do IRC ao SNC, o artigo 23.º, n.º 1, alínea h) refere “Perdas por imparidade” e mostra que se importou para o Código do IRC o conceito da conta “65 - Perdas por imparidade” do SNC. Porém, nas alíneas i) e j) cataloga de “Gastos resultantes da aplicação justo valor” as importâncias que na conta 66 do SNC se designam de “Perdas por reduções de justo valor”. Observam-se, assim, imprecisões na transposição para o Código do IRC de conceitos tipicamente contabilísticos, o que não ajuda a uma leitura óbvia e isenta de dúvidas.

 

Uma vez que as reduções de justo valor se designam, no SNC, por perdas, e que o Código do IRC, no seu artigo 23.º, nunca se refere a perdas de justo valor e sim a gastos, observar-se-ia, num  plano literal, uma certa desconexão conceitual. E é também desta desconexão que surgem as interpretações díspares que o preceito suscita.

 

Importa sublinhar que a pura literalidade não é o único critério interpretativo, muito menos quando conduz a resultados absurdos e inadmissíveis do ponto de vista económico e jurídico. Tal decorre, para o caso em apreço, do disposto no artigo 9.º do Código Civil, do artigo 11.º da LGT e do artigo 104.º da CRP, acompanhando-se o que a tal respeito se escreve na decisão arbitral 84/2018-T sobre o relevo do elemento teleológico na interpretação da lei fiscal.

 

Ainda no sentido que a literalidade não se impõe como critério único e óbvio para o caso dos autos, há que referir a perspetiva doutrinal. A AT convoca a posição de ANDRÉ A. VASCONCELOS que refere:

 

“Pela leitura deste preceito [n.º 3 do art. 42.º, atual art. 45.º], e dada a extensa abrangência do mesmo, somos levados a concluir que todas as perdas referentes a partes de capital, onde se incluem os ativos financeiros ora em análise [aqueles a que se refere a alínea a) do n.º 9 do art.18.º do CIRC], apenas relevarão para efeitos fiscais em metade do seu valor.” 

 

Saliente-se, contudo, que no texto do referido autor, esse afirma (p. 202 e 203):

"Fica, no entanto, a dúvida de saber se, ao não alterar a redação citada, o legislador fiscal o fez com base no argumento que esta havia sido introduzida antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 159/2009, tendo como propósito prevenir determinadas situações existentes à data, e que esta nova realidade registo de  perdas pelo justo valor — se encontra excluída do alcance daquela norma, ou se, pelo contrário, o legislador fiscal não alterou aquela redação por entender que a mesma respondia às necessidades de "(...) preservar os interesses e as perspetivas próprias da fiscalidade (...)" relacionadas com esta nova realidade. Sendo este um caso em que a "manipulação" de resultados fiscais se encontra afastada, conforme atrás defendido, não seria de estranhar que tivesse sido intenção do legislador a aceitação fiscal dos resultados contabilísticos decorrentes da aplicação do método do justo valor para estes casos". 

 

Lendo-se a globalidade do texto, o autor não revela uma categórica posição em favor da aplicação do artigo 45.º, n.º 3, no sentido em que AT a sustenta. Toma uma posição, mas subsistem-lhe dúvidas.  E as dúvidas relacionam-se com o facto de a natureza das perdas de justo valor em instrumentos financeiros cotados num mercado regulamentado ser estruturalmente bem diversa (nas suas razões determinantes) do tipo de perdas que presidiu à criação da norma original daquele artigo.

 

A este respeito, a posição de TOMÁS TAVARES  defendendo que “ao justo valor negativo nunca subjaz uma motivação de evasão fiscal, por arbitrariedade valorimétrica, pela razão simples de que a tributação do fair value se cinge aos ativos transacionados em mercado organizado, onde a cotação do ativo (valorização e desvalorização) se desenraíza, totalmente da vontade fiscal do contribuinte” é a que melhor retrata a realidade dos autos. O mesmo autor, quando refere que “um hipotético tratamento assimétrico (…) cria, bem vistas as coisas, um regime fiscal mais injusto do que o modelo puro da realização, que é, por isso, flagrantemente inconstitucional, porque esta disparidade louva-se apenas na necessidade de preservação da receita – e não em quaisquer razões legitimadoras de base fiscal, económica ou jurídica” merece, de igual modo, a nossa adesão.

 

Acresce que tanto a AT como a Requerente referem decisões arbitrais que vão em sentido diverso. Tal é razão adicional para se convocarem elementos de interpretação que permitam um quadro mais completo para analisar uma questão a que essas divergências decisórias trazem complexidade analítico-interpretativa.

 

A questão de saber se os decréscimos de justo valor em instrumentos financeiros que são reconhecidos em resultados do período devem ou não sofrer a limitação constante do artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC, foi, como acima se referiu, objeto de diversas decisões arbitrais com sentidos decisórios divergentes.

 

Com decisão favorável ao contribuinte refiram-se, por exemplo, os processos n.ºs 108/2013-T, 776/2014-T e 84/2018-T. Aí se erige a teleologia do preceito como elemento central e se desvaloriza a pura literalidade em virtude de poder conduzir a resultados jurídico-fiscais absurdos (haver imposto a pagar com rendimento nulo) e frontalmente contrários a princípios da tributação empresarial legalmente consagrados.

 

Com sentido favorável à AT, salientem-se, por exemplo, os processos n.ºs 25/2015-T e 707/2016-T. Em tais decisões, a literalidade do preceito foi julgada elemento central, não se distinguindo os tipos de perdas e negando ao elemento teleológico importância interpretativa. Também é usualmente referida a não oposição do Tribunal Constitucional a restrições à dedutibilidade de custos ou perdas.

 

Por fim, em Acórdão recente, de 6 de junho de 2018, proferido no processo n.º 582/17, o STA rejeita a literalidade nos seguintes termos:

 

“[…] o n.º 3 introduzido no art. 42.º do CIRC (depois, art. 45.º) pelo Orçamento do Estado para 2003 veio impor uma limitação à dedutibilidade das perdas resultantes de menos-valias, nos termos da qual a diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital concorre em apenas metade do seu valor para a formação do lucro tributável.

                Sob essa ótica, na realização de uma menos-valia seria determinante apurar se esta resulta da transmissão onerosa de partes de capital. Na afirmativa, haveria de se aplicar a limitação dos 50% da diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias.

Com o Orçamento do Estado para o ano de 2006, a referida limitação viu o seu âmbito de aplicação ser alargado: para além das menos-valias resultantes de alienações onerosas, passou também a incluir as transmissões onerosas de «outras componentes do capital próprio».

                A norma, em qualquer das suas versões, integra uma medida anti-abuso, na medida em que o legislador terá pretendido (para além do alargamento da base tributável) evitar a manipulação do resultado fiscal.      

                […]

                A existência desta norma visou, portanto, de forma imediata combater a fraude e a evasão fiscal, evitar a manipulação dos resultados fiscais, e de forma mediata obter um alargamento da base tributável resultante da redução significativa daqueles mecanismos usados pelos contribuintes para reduzir ou anular o montante do imposto a pagar.

                Vejamos agora em que medida a mensuração dos ativos-instrumentos financeiros cotados em mercados regulamentados - ao Justo Valor pode ser compatibilizada com esta norma do CIRC.

                […]

                O conceito de Justo Valor resultante das regras contabilísticas, quer nacionais (Sistema de Normalização Contabilística – SNC, Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de Julho), quer internacionais (NIC), quando incorporado no sistema fiscal, consubstancia-se, no essencial, na “quantia pela qual um ativo pode ser trocado, ou um passivo liquidado, entre partes conhecedoras e dispostas a isso, numa transação em que não existe relacionamento entre as partes”.

                […]

                Portanto, a consideração do Justo Valor, no que aqui nos interessa (a introdução do modelo do Justo Valor no âmbito do IRC quando estejam em causa instrumentos financeiros, operou-se pelo Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho) e para efeitos fiscais (que, nos termos do artigo 17º, n.º 1, do CIRC se encontra diretamente ligado com a própria contabilidade da empresa), tem uma ligação imediata à cotação oficial dos títulos, no caso dos autos encontra-se sujeita a um mercado regulado por entidades oficiais, deixando o facto tributário de se associar à venda dos títulos -realização das mais ou menos valias- passando a estar associada à oscilação da cotação oficial entre o início e o fim do período de tributação, cfr. Tomás Castro Tavares, Justo valor e tributação de mais valias de ações de sociedades cotadas, Estudos em Memória do Prof. Doutor J.L. Saldanha Sanches, vol. IV, págs. 1137 e 1138.

Estas “mais valias ou menos valias” assim determinadas pelo Justo Valor são meramente potenciais ou provisórias (…)  porque não há uma efetiva entrada de capital ou perda de capital face ao custo histórico, tal como é reconhecido pelo próprio legislador nacional no artigo 32º, n.º 2 do CSC.

                Não há, assim, qualquer dúvida que o Justo Valor negativo, (…) não lhe …subjaz uma motivação de evasão fiscal, por arbitrariedade valorimétrica, pela razão simples de que a tributação do fair value se cinge aos ativos transacionados em mercado organizado, onde a cotação do ativo (valorização e desvalorização) se desenraíza, totalmente, da vontade fiscal do contribuinte… A vontade do contribuinte nunca molda o facto tributário assente no fair value: desaparece o óbice económico do lock-in (o facto tributário dissocia-se da decisão de venda); se os proveitos do justo valor são totalmente tributados (nunca se lhes aplica o regime das mais e menos valias), os gastos também devem ser aceites na totalidade; e não há, por fim uma assimétrica inclinação para a realização do custo de justo valor, por comparação com o ganho - pela razão simples de que o facto tributário do justo valor (positivo e negativo) dissocia-se, totalmente, da vontade do sujeito passivo…cfr. Tomás Castro Tavares, ibidem, págs. 1143 e 1144.                    

                […]

                Do exposto resulta claramente, ao abrigo do disposto no artigo 9º do CC, que a norma do artigo 45º, n.º 3 do CIRC em análise, não se coaduna com a determinação –ao Justo Valor- do valor dos ativos sujeitos a mercado regulado por entidades oficiais, porque a razão da sua existência, combate à evasão e elisão fiscal, não tem justificação no caso concreto, o valor dos ativos –a posição financeira- acaba por ser “estranho” e alheio à vontade do contribuinte que, em última instância, nada releva para a valorização ou desvalorização do respetivo ativo.”

 

Em face do que fica dito, há que convocar outros elementos de análise para demonstrar que a desconsideração da teleologia do preceito pode levar a resultados indefensáveis no plano jurídico-fiscal e que o arrimo que a AT parece encontrar no Tribunal Constitucional não se afigura adequado à sua tese.

 

C.            SOBRE O ELEMENTO TELEOLÓGICO E O INACEITÁVEL RESULTADO JURÍDICO-FISCAL A QUE A SUA REJEIÇÃO CONDUZ

 

Há, sobre este ponto, duas teses em confronto: a que se colhe, entre outras, nas decisões relativas aos processos n.ºs 108/2103-T e 776/2014-T, e a que consta das decisões referentes aos processos n.ºs 25/2015-T e 707/2016-T, já mencionadas. Nas primeiras, salienta-se que a norma do anterior artigo 42.º, n.º 3 do Código do IRC, que precede o atual artigo 45.º, n.º 3 do mesmo diploma, quer na sua redação primitiva, resultante da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, quer na que lhe foi dada pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de dezembro, explica-se, face à motivação expressa pelo legislador, por necessidades ligadas ao combate à fraude e evasão fiscais e ao alargamento da base tributável, dirigidas à consolidação orçamental das contas públicas.

 

Com as novas normas integrantes do regime da relevância tributária da contabilização pelo justo valor de instrumentos financeiros, os rendimentos ou gastos resultantes da aplicação do justo valor passam a relevar diretamente para a formação do lucro tributável (artigos 20.º, n.º 1, alínea f) e 23.º, n.º 1, alínea i) do Código do IRC) do próprio ano em que se verificam, cumpridas que sejam determinadas condições (artigo 18.º, n.º 9 do mesmo Código), que incluem: (i) estarem em causa instrumentos financeiros de capital próprio; (ii) serem reconhecidos pelo justo valor através de resultados; (iii) terem o preço formado em mercados regulamentados; e (iv) o sujeito passivo titular desses instrumentos não deter, direta ou indiretamente, uma participação no capital superior a 5%, não sendo tributadas as variações patrimoniais como mais ou menos-valias (artigo 46.º, n.º 1, alínea b)).

 

Neste quadro, cessam as necessidades relativas ao combate e evasão fiscais, não só  porquanto a relevância tributária das variações patrimoniais deixa de estar condicionada por um ato de vontade do sujeito passivo, mas também porque a valorimetria passa a ser objetivamente fixada.

 

Diferentemente, na decisão arbitral n.º 770/2016-T prescinde-se do recurso à teleologia da norma, nos seguintes termos: “[d]a simples interpretação dos textos normativos relevantes, na sua redação à data, poder-se-á concluir pacificamente que as perdas decorrentes da redução do justo valor de instrumentos financeiros, designadamente partes de capital cabem no âmbito do artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC, pelo que, nesse sentido, só deverão ser consideradas, para efeito do apuramento do lucro tributável, em metade do seu valor.”

 

Como supra referido, este Tribunal adere à tese sufragada pela decisão arbitral proferida no processo n.º 84/2018-T, relativa à mesma entidade e a igual questão decidenda, na qual se sustenta a necessidade de ir além do elemento literal para obtenção de uma solução acertada, o que é reforçado pelo resultado não menos do que absurdo a que a interpretação puramente literal pode conduzir.

 

No plano económico-fiscal compreende-se que a relevância fiscal do justo valor se tenha circunscrito a certo tipo de ativos. A adoção generalizada do justo valor como critério de mensuração com total relevo fiscal poderia conduzir a oscilações significativas na base tributável, para além de ser passível de considerável subjetividade quando fora do contexto de um mercado regulamentado.

 

 Para ativos nos quais o normativo contabilístico permitisse o apuramento de justo valor com base em estimativas dos gestores, em modelos de avaliação financeira assentes em hipóteses subjetivas, a repercussão automática de rendimentos ou gastos contabilísticos no resultado tributável encontraria fortes reservas. Não custa por isso entender que os ativos transacionados em mercados organizados, com preços divulgados publicamente, fossem selecionados como o subconjunto de elementos patrimoniais relativamente aos quais o justo valor poderia ter relevo fiscal.

 

A transacionabilidade regular, a regulamentação do mercado e a divulgação pública dos preços, conferem ao justo valor um suporte económico-legal, e um grau de objetividade, que reduz os receios do legislador quanto ao respetivo acolhimento fiscal. É este o conjunto de traços económicos que justifica a relevância fiscal do justo valor em determinados ativos financeiros.

 

Contudo, deles devem decorrer certas consequências não menos importantes para a aplicação das regras tributárias relativas à tributação do rendimento societário. Uma delas, que se considera central, é a do tratamento simétrico de ganhos e de perdas. É certo que existem no Código do IRC alguns preceitos que restringem a dedutibilidade de gastos e perdas. Mas essas regras têm propósitos compreensíveis: combater a evasão fiscal que decorreria da imputação ao lucro tributável de gastos não relacionados com a atividade ou propósito empresarial; limitar a aceitação fiscal de depreciações, provisões e imparidades em razão da manipulação que as estimativas poderiam induzir, e, por essa via, adulterar o resultado tributável; restringir a dedutibilidade de certos gastos e perdas que se consideram permeáveis a abusos ou excessos.

 

No caso do justo valor, em particular no que se apura em ativos financeiros que evidenciam os traços económicos acima referidos, derivando a sua valorização de um mercado no qual o contribuinte não controla os preços, sendo os ganhos e perdas associados à atividade de gestão de ativos e contribuindo para o propósito empresarial da entidade, não se vê motivo para qualquer assimetria no tratamento fiscal de ganhos e perdas. Esta conduziria, aliás, a resultados económicos e fiscalmente absurdos.

 

O quadro que se apresenta de seguida ilustra essa possibilidade, que resulta de uma limitação de dedução de perdas, ou tratamento assimétrico.

 

GANHOS E PERDAS DE JUSTO VALOR NUMA CARTEIRA DE ATIVOS FINANCEIROS MENSURADOS A JUSTO VALOR

                Valor de mercado                                          

Período Ativo A Ativo B  Ganho/perda em A        Ganho/perda em B         Ganho/perda total

1             100         100                                         

2             30           170         -70         70          0

3             60           140         30          -30         0

4             100         100         40          -40         0

 

Admita-se que no ano 1 um contribuinte adquire uma carteira de ativos financeiros, composta pelos títulos A e B, e que a evolução dos preços de mercado dos ativos nos exercícios 2, 3 e 4 é a que consta do quadro supra. Dele resulta que a assimetria de tratamento fiscal de rendimentos e gastos resultaria na desconsideração da capacidade contributiva num mesmo período – caso, por exemplo, no ano 3 se tribute todo o rendimento (+30) e se restrinja a dedutibilidade do gasto (-30). E tal violação também se verificaria entre diferentes períodos – caso, por exemplo, se tributem os ganhos totais de 140 (70+30+40) e se limite, total ou parcialmente, a dedução das perdas que totalizam igualmente 140.

 

A assimetria de tratamento fiscal conduziria ao apuramento de lucro tributável em cada exercício – em que, porém, nenhum incremento patrimonial existe na carteira de investimento do sujeito passivo –, e também no período temporal de três anos, em que nenhuma variação de capacidade contributiva se registou, já que ambos os títulos em carteira têm, no final do período 4, exatamente o mesmo valor que evidenciavam no período 1.

 

É patente a inadequação de tal solução, que postula a indagação de outros parâmetros interpretativos desprendidos de uma literalidade mantida inalterada em face de modificações de fundo no tratamento contabilístico-fiscal das variações de justo valor (para as quais a norma em causa não fora por certo pensada) e, por isso, suscetível de gerar resultados económica e juridicamente absurdos, como o de haver imposto sem existir qualquer rendimento.

 

E, no caso, mais do que se justifica, pois a norma cuja aplicação se discute foi criada no paradigma jurídico fiscal da realização e manteve-se inalterada quando o Código do IRC absorveu, relativamente a instrumentos financeiros mensurados a justo valor, um outro modelo tributário ancorado no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 159/2009.

 

D.           O PRINCÍPIO DE TRIBUTAÇÃO DAS EMPRESAS SOBRE O LUCRO REAL. O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL FACE AO ARTIGO 45.º, N.º 3 DO CÓDIGO DO IRC

 

Quanto à eventual lesão dos princípios da justiça e proporcionalidade provocada pelo regime da dedutibilidade em apenas 50% das perdas decorrentes das reduções do justo valor, a AT, e algumas decisões arbitrais, referem que o Tribunal Constitucional se pronunciou sobre tal questão no sentido de o mesmo não ferir os princípios da legalidade, da tipicidade, da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real. O Acórdão n.º 85/2010, de 16 de abril, é habitualmente mencionado neste contexto. Porém, este Acórdão apreciou apenas a primeira parte do artigo 45, nº 3, e não a segunda parte, onde constam as perdas aqui em causa.

 

Eis um extrato desse Acórdão, no qual o Tribunal Constitucional (subl. e negrito nossos):

 

                “Decide não julgar inconstitucional a norma do n.º 3 do artigo 42.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, na redação da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, enquanto estabelece que a diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital concorre para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor. (Proc. nº 653/09)

7 - No que toca à questão da 'proibição de tributação por um rendimento presumido' é a própria letra do artigo 104.º, n.º 3, da CRP, que fornece uma resposta segura: 'a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real.

Como se afirmou no Acórdão 162/2004 «[...] o rendimento real fiscalmente relevante não é, em si próprio, uma realidade de valor fisicamente apreensível, mas antes um conceito normativamente modelado e contabilisticamente mensurável [...].

Por outro lado, a injunção constitucional da tributação segundo o rendimento real não pode deixar de atender, necessariamente, aos princípios da praticabilidade e de operacionalidade do sistema, pelo que não pode deixar de se lhes reconhecer natureza constitucional, sob pena dos arquétipos legalmente construídos não conseguirem realizar, com a aproximação possível, o princípio da universalidade e da igualdade no  pagamento dos impostos.

Um sistema inexequível ou um sistema que não permita o controlo dos rendimentos e da evasão fiscal, na medida aproximada à realidade existente, conduz em linha reta à distorção, na prática, do princípio da capacidade contributiva e da tributação segundo o rendimento real.

São estas as dificuldades que explicam que a Constituição se tenha limitado a prever que a imposição fiscal deve incidir fundamentalmente sobre o rendimento real, não excluindo com tal disposição o recurso a outras formas fiscais estranhas ao mito do apuramento declarativo-contabilístico do rendimento real.”

 

Como se constata, estava em causa apenas a primeira parte do artigo 45.º, nº 3 do Código do IRC e não a segunda parte. O Tribunal Constitucional sustenta a não desconformidade daquele segmento normativo nos princípios da praticabilidade e da operacionalidade do sistema que velam para que o sistema fiscal permita o controlo dos rendimentos e da evasão fiscal, na medida aproximada à realidade existente; porque se assim não fosse tal conduziria em linha reta à distorção, na prática, do princípio da capacidade contributiva e da tributação segundo o rendimento real.

 

Traduz-se a aceitação das reduções de justo valor em 100% numa compressão à praticabilidade ou à operacionalidade? Para mais, quando tais perdas decorrem da redução de um preço de mercado, lateral à vontade do contribuinte, como no caso em apreço? Julga-se que não.

 

Pode ser tal aceitação indutora de evasão fiscal? Já se mostrou claramente que, num paradigma de justo valor, tal não é motivação possível, porque o contribuinte que sofre tais reduções não tem nelas influência. Elas resultam de um preço que mercado que não pode influenciar, em face das percentagens de participação que tornam o justo valor fiscalmente relevante (inferiores a 5%).

 

A motivação anti evasiva da admissibilidade da primeira parte da norma (artigo 45.º, n.º 3), apenas prevendo a indedutibilidade de 50% das menos-valias realizadas, aqui em causa  voltou  a ser reiterada pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 753/2014, de 12 de novembro, de que se transcreve o seguinte excerto:

 

“[…]

8. A questão que se coloca é a de saber se a não dedutibilidade dos custos, nos termos previstos, não constitui uma restrição inaceitável ao direito de ser tributado segundo o lucro real.

Deste ponto de vista, e contrariamente ao que defende a recorrente, não é inteiramente despicienda a abordagem feita no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 85/2010, que julgou não inconstitucional a norma do artigo 42.º, n.º 3, do CIRC na medida em que se veio a declarar dedutível apenas em metade do seu valor as menos valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, independentemente das condições da sua realização.

Há seguramente uma relação de especialidade entre as normas dos artigos 23.º, n.º 7, e 42.º, n.º 3, sendo a particular circunstância de a operação ser realizada entre empresas que se encontram numa relação de dependência entre si que justifica o regime de indedutibilidade total das perdas, por contraposição ao critério geral resultante do disposto no artigo 42.º, n.º 3, que é aplicável às transações efetuadas entre entidades independentes.

Em qualquer dos casos, a não dedutibilidade de encargos para efeitos fiscais, que consta do artigo 42.º do CIRC, podendo representar potencialmente uma limitação ao princípio da tributação segundo o lucro real, encontra justificação em diversas ordens de razões, que poderão relacionar-se com a quantificação técnica do imposto ou com a dificuldade de inserção da despesa na esfera empresarial ou na atividade lucrativa (quanto a estes aspetos, Saldanha Sanches, ob. cit., págs. 393-394) [a obra em causa é o Manual de Direito Fiscal, 3ª edição, Coimbra].

[…]

Trata-se de opções de política fiscal que assentam numa ideia de praticabilidade, que exige ao legislador a elaboração de leis cuja aplicação e execução seja eficaz e económica ou eficiente, e que conduzam a resultados consonantes com os objetivos pretendidos. Com essa finalidade, com que se pretende também assegurar os princípios materiais da igualdade e da justiça fiscal, é constitucionalmente justificável que o legislador possa recorrer não apenas às referidas presunções legais, mas também a técnicas de tipificação e de simplificação, que permitam disciplinar certos aspetos do direito dos impostos segundo critérios de normalidade, afastando as situações atípicas ou anormais (idem, págs. 622-623).

[…]

Por outro lado, tendo a lei consignado, em regra, a dedutibilidade das menos valias, resultantes da transmissão onerosa de partes de capital, apenas em metade do seu valor (artigo 42.º, n.º 3) – norma que não foi julgada inconstitucional –, não se afigura ser excessivo ou desproporcionado, face ao objetivo central de combate à evasão e fraude fiscal, que se tenha adotado um critério mais apertado naquelas situações em que se verifique um especial risco de planeamento fiscal por se tratar de operações realizadas no seio de grupos societários. Relevando também aqui razões de normalidade e viabilidade prática.

[…]”

 

Afigura-se que destas posições do Tribunal Constitucional não pode retirar a AT o apoio da Lei Fundamental à indedutibilidade de 50% das perdas de justo valor em instrumentos financeiros cotados num mercado organizado e nos quais os contribuintes não possam interferir ou manipular a respetiva valorização.

 

Em primeiro lugar, porque no nosso sistema jurídico aquele Tribunal não se pronuncia sobre a melhor interpretação das normas no plano infra-constitucional, nem para a mesma aduz critérios hermenêuticos preferenciais. Limita-se a um estrito controlo negativo que visa aferir a desconformidade ou não desconformidade ao parâmetro constitucional de uma determinada interpretação de uma norma que lhe é dada.

 

Em segundo lugar, porque a motivação subjacente à admissão da redução a 50% das menos-valias realizadas por parte daquele Tribunal se estriba no controlo da evasão fiscal, fator que não pontua no caso concreto dos gastos ou perdas de justo valor em instrumentos financeiros cotados com percentagem de participação abaixo de 5%.

 

A porosidade ou plasticidade do advérbio “fundamentalmente”, constante da hipótese normativa do artigo 104.º, n.º 3 da CRP, não deve ser levada tão longe que permita tributar de forma constante e reiterada, ao longo de anos e anos, variações nulas de património líquido, que é onde pode conduzir a interpretação da AT.

 

Certamente não foram, em 2003, os aumentos ou diminuições do justo valor que motivaram o legislador à adoção do artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC, longe que estava ainda a consagração fiscal daquele modelo, apenas operada com a aprovação do SNC pelo Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, e com a revisão do Código do IRC pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, da mesma data.

 

O carácter singularmente gravoso do artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC, tem sido também suscitado por diversa doutrina . CASALTA NABAIS sublinha que:

 

“ […] a exclusão da consideração fiscal das menos-valias realizadas, que nos suscita maior crítica, é a estabelecida no n° 3 do art. 45°, em que se prescreve «[a] diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor».

[…]

Naturalmente que não se põe em causa o poder de o legislador fiscal excluir dos gastos fiscais certos gastos económicos e contabilísticos, como são as menos-valias realizadas com a alienação de partes sociais ou outras variações patrimoniais negativas do capital próprio das sociedades, quando a realização dessas menos-valias é levada a cabo em circunstâncias de tempo, lugar ou modo que, em abstrato, apresentem elevado risco de as empresas adotarem puras práticas de «gestão de resultados» (earning management). Em tais situações impõe-se mesmo que o legislador prescreva a desconsideração fiscal dessas menos-valias, sob pena de deixar à rédea solta à realização das mesmas com o único ou principal intuito de engendrar puros gastos fiscais, pois decorre dos princípios constitucionais ser incumbência do legislador fiscal prevenir e reprimir o planeamento fiscal abusivo.

 

Mas é óbvio que a norma em referência não apresenta essa configuração. É que a sua formulação tão genérica e abrangente não se reporta a quaisquer situações que, em abstrato, sejam suscetíveis de comportar risco de planeamento fiscal abusivo. Pois essa norma abarca também as situações de desenvolvimento normal da atividade das empresas, segundo um estrito business purpose, baseando-se, portanto, em atos absolutamente normais de gestão, em que estas, todavia, apuram menos-valias realizadas com a alienação de partes sociais ou outras variações patrimoniais negativas do seu capital próprio” .

 

Este Tribunal não pode deixar de comungar do mérito desta perspetiva, concluindo-se que a segunda parte da norma em apreço (artigo 45.º, n.º 3) contém disposições que infringem o princípio da tributação pelo lucro real e que não foram sanadas pela jurisprudência constitucional citada, que as não analisou. Tal Acórdão apenas apreciou a primeira parte da norma e a declarou constitucional com um fundamento essencialmente anti evasivo. Essa hipotética propensão para a evasão poderia dar-se na medida em que a realização de menos-valias estava dependente de atos do contribuinte, o que não quadra com as reduções de justo valor em causa nos autos.

 

Em suma, sufraga-se a decisão do STA no processo n.º 582/17 acima referido, que conclui:

“A norma  em qualquer das suas versões, integra uma medida anti-abuso, na medida em que o legislador terá pretendido (para além do alargamento da base tributável) evitar a manipulação do resultado fiscal.

[…]

Do exposto resulta claramente, ao abrigo do disposto no artigo 9º do CC, que a norma do artigo 45.º, n.º 3 do CIRC em análise, não se coaduna com a determinação –ao Justo Valor– do valor dos ativos sujeitos a mercado regulado por entidades oficiais, porque a razão da sua existência, combate à evasão e elisão fiscal, não tem justificação no caso concreto, o valor dos ativos –a posição financeira- acaba por ser “estranho” e alheio à vontade do contribuinte que, em última instância, nada releva para a valorização ou desvalorização do respetivo ativo.”

 

                Pelo exposto, procede o vício substantivo invocado pela Requerente, gerador de invalidade, pelo que a liquidação de IRC e a decisão [de indeferimento] da reclamação graciosa que sobre a mesma se pronunciou vai anulada no segmento respeitante às correções à matéria tributável efetuadas ao abrigo do artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC, nos montantes de € 79.170 (perdas por reduções de justo valor em instrumentos de capital próprio) e de € 719.414,20 (variações patrimoniais negativas por reduções de justo valor relativas a partes de capital que derivam dos ajustamentos de transição do POC para o SNC).

 

2.5. GASTOS DE FINANCIAMENTO NÃO DEDUTÍVEIS – LIMITE DO ART. 67.º DO CÓDIGO DO IRC

 

O ajustamento efetuado pela AT deriva de não ter sido aceite no cômputo do EBITDA o reconhecimento contabilístico ao justo valor da participação de 50% que a Requerente detinha no capital da sociedade E... SGPS e que, até 2013, estava registada a custo histórico nas suas demonstrações financeiras.

 

A AT considerou que se verificava uma sobrevalorização indevida do EBITDA de 2013, por via da avaliação ao justo valor da referida participação, pois as normas contabilísticas a que a Requerente aderiu (IAS/IFRS) não permitiam (nem permitem) aquela mudança de critério de mensuração nas circunstâncias em que a mesma ocorreu, pelo que o EBITDA apurado pela contabilidade enferma de pressupostos de cálculo incorretos. Mais ainda, sustenta a AT que a avaliação pelo método dos cash flows descontados como fundamento do justo valor não pode, neste caso concreto, ser tomada como base para aceitação de tal critério valorimétrico.

 

Por seu turno, a Requerente alega a ilegalidade, por erro de direito, desta correção ao abrigo do artigo 67.º do Código do IRC, na sua versão de 2013, argumentando que a AT procedeu à correção do EBITDA que resultava da contabilidade como determinado pela norma (“resultado antes de depreciações, gastos de financiamento líquidos e impostos”), aplicando um método de cálculo do EBITDA que a lei lhe não consentia e que apenas foi consagrado posteriormente, em 2014. Segundo a Requerente, só em 2014 o artigo 67.º passou a contemplar correções ao resultado contabilístico, nomeadamente as referentes a ganhos e perdas resultantes de alterações de justo valor que não concorram para a determinação do lucro tributável (atual n.º 13, alínea a)).

 

À data dos factos controvertidos era a seguinte a redação do artigo 67.º, n.º 1 do Código do IRC:

 

“1 - Os gastos de financiamento líquidos são dedutíveis até à concorrência do maior dos seguintes limites:

        a) (euro) 3 000 000; ou

        b) 30 % do resultado antes de depreciações, gastos de financiamento líquidos e impostos.

[…]”

 

                Como aponta a Requerente e se observa no texto legal, não existia na citada norma qualquer adaptação fiscal do EBITDA apurado pela contabilidade. Ou seja, a AT não poderia adaptar ou moldar o EBITDA apurado pela contabilidade da Requerente em 2013, para um suposto EBITDA corrigido pelas disposições do artigo 67º em vigor em 2014.  

 

Bem assim, a Circular n.º 7/2013, que desenvolve vários aspetos do artigo 67.º do Código do IRC na sua versão original (2013), menciona, no seu nº 3, que o EBITDA relevante é o que constar da demonstração de resultados, ou seja o EBITDA contabilístico.

 

Porém, a arguição da Requerente labora em equívoco, pois a AT não sustenta o ajustamento efetuado no mencionado artigo 67.º na versão de 2014. Ao contrário, o que AT defende é que o EBITDA contabilístico de 2013 está, segundo as regras (IAS/IFRS) adotadas  pela Requerente, sobrevalorizado em € 186.233.200,00. Tal sobrevalorização implica um EBITDA contabilístico superior ao que se apuraria na sua ausência e incrementa indevidamente a dedutibilidade dos encargos financeiros que, em 2013, estava fixada na proporção de 70% do EBITDA.

 

Conforme consta do probatório, a Requerente modificou a política contabilística relativa à mensuração da participação de 50% na E... SGPS, alterando o modelo de mensuração do custo histórico para o justo valor. Tal mudança baseou-se, no plano quantitativo, num relatório de avaliação elaborado pela entidade “H...”.

 

A participação de 50% na E... vinha sendo contabilizada pelo custo e constava no balanço, durante o ano de 2013, por € 18.782.867,92. Pela aplicação do justo valor, alicerçada na dita avaliação pelo H..., passou tal participação a estar reconhecida, em 31 de dezembro de 2013, por € 205.016.067,70, donde resultou uma diferença positiva de € 186.233.200,00 (o aumento de justo valor), que incrementou o EBITDA contabilístico em igual montante, porque reconhecido por via de resultados.

 

Esta mudança de critério e o consequente aumento do EBITDA contabilístico fica a dever-se a uma incorreta e, portanto inválida, aplicação das regras contabilísticas por parte da Requerente. Assim, a AT ajusta em baixa o EBITDA, não por se suportar na versão de 2014 do artigo 67.º do Código do IRC, mas por entender existir deficiente e indevida aplicação das normas contabilísticas IAS/IFRS no apuramento do EBITDA de 2013.

 

A Requerente, além de criticar uma posição que a AT não sustenta e que não constitui o verdadeiro fundamento da correção efetuada à sua matéria tributável, não contribui com nenhum argumento para contrapor e afastar o único e real fundamento da correção que é tão-só a errada aplicação das normas contabilísticas no apuramento do EBITDA.

 

Com efeito, a IAS 39 , no seu § 46, estabelece que os investimentos em instrumentos de capital próprio, que não tenham um preço formado num mercado ativo e cujo justo valor não possa ser fiavelmente mensurado devem ser mensurados ao custo. Mais: no seu § 50 a mesma IAS 39 estabelece que, após o reconhecimento inicial, uma entidade não deve reclassificar a justo valor um instrumento financeiro inicialmente reconhecido ao custo.

 

Todavia, a mesma IAS, no respetivo Apêndice A, §§ 80 e 81, permite, excecionalmente, mensurar o justo valor de um instrumento financeiro não transacionado e cotado num mercado ativo, se a variabilidade do intervalo de mensurações não for significativa, ou as probabilidades das várias estimativas dentro do intervalo puderem ser razoavelmente avaliadas e usadas na mensuração pelo justo valor.

 

Dito de outro modo: o que essas normas admitem é que se o justo valor não puder ser apurado por via da sua normal configuração, designada de mark to market, então, em certos casos, acima descritos, se pode usar a técnica conhecida por mark to model. Na sua versão mais usual, esta técnica implica usar o valor atual dos cash flows futuros previstos para o investimento financeiro. Foi isso que se apurou no relatório do H... .

Cumpre, neste âmbito, aquilatar, em primeiro lugar, se a avaliação do H... permitiria à requerente considerar cumpridas as condições dos §§ 80 e 81 do Apêndice A da IAS 39 e, em segundo lugar, se a auditoria externa (no cumprimento da revisão oficial de contas) validou ou infirmou tal procedimento, quanto ao seu impacto na fiabilidade e na forma verdadeira e apropriada que a informação contabilística deve possuir.

 

Quanto à primeira questão, importa relembrar o quadro síntese da avaliação da E... pelo método dos cash flows descontados que consta da matéria de facto:

 

Quadro 14 – Avaliação da E... SGPS através da utilização do método dos cash flows descontados

                               CENÁRIO APRESENTADO P/

ADMINISTRAÇÃO            CENÁRIO H...

                               Conservador      Otimista              Conservador      Otimista

[1]          Valor do Negócio

100% E... SGPS SA           NPV = 415,7 M€               NPV = 537,7 M€               NPV = 333,3 M€               NPV = 411,4 M€

[2]          Dívida Financeira Líquida

E... SGPS SA (*) 48,6 M€               48,6 M€               48,6 M€               48,6 M€

[3]=[1]-[2]          Valor dos Capitais Próprios

 100% E... SGPS SA          367,2 M€            489,2 M€            284,7 M€             362,8 M€

Fonte: Relatório do H... referente à avaliação da E... SGPS SA (março de 2014)

(*) valores das Demonstrações Financeiras a 2013/12/31 provisórios e não auditados

 

Nos quatro cenários apresentados, o intervalo de medidas do justo valor apurado é significativo, com uma variação do valor da E... entre 284,7 milhões de euro e 489,2 milhões de euro. O mais elevado (489,2 milhões) é superior em mais de 70% ao mais baixo (284,7 milhões). Acresce que ficou provado que no Relatório do H..., existem diversas limitações expressas por esta entidade avaliadora que vulnerabilizam a consistência dos valores alcançados como fundamentos do justo valor que partes conhecedoras e independentes hipoteticamente atribuiriam às ações da E... .

 

                Ou seja: o relatório calcula o que se poderia designar por um valor de uso económico-financeiro; o qual, depois, numa negociação, se transformaria num preço observado e, por isso, na medida mais fiável do justo valor. E tal cálculo enferma, como se disse, de algumas fragilidades não despiciendas. Vejamos.

 

Sublinha-se no Relatório de avaliação que não foi efetuada qualquer análise de due diligence ou de auditoria das demonstrações financeiras históricas e prospetivas. Não se usaram avaliações aos ativos  da empresa sob análise efetuadas por entidades independentes. Refere ainda o Relatório que não tem por objetivo a prestação de assessoria contabilística, que constitui limitação a assinalar.

 

Afirma-se também que não se avaliaram os recursos de minério passíveis de exploração futura (assunto que se reputa essencial na avaliação de uma empresa deste setor, cujas particularidades de avaliação são bem conhecidas, dadas as habituais hipóteses quanto à  duração do período de geração futura previsível de cash flows. Estas terão de ser bem analisadas e ponderadas face à efetiva disponibilidade de recursos minerais para exploração temporal mais ou menos limitada).

 

Não se levaram também em conta aspetos de natureza ambiental e passivos ou passivos contingentes daí eventualmente resultantes.

 

Enfim, é a própria entidade autora do relatório de avaliação que chama a atenção para tais ressalvas e limitações. Estas, conjugadas com a disparidade de valores obtidos e as exigências das IAS 39 quanto à aplicação do justo valor em investimentos financeiros não cotados, levam este Tribunal a considerar que, no contexto da primeira questão antes suscitada, no plano contabilístico, o EBITDA de 2013 enferma de problemas de cálculo que o tornam  inviável como referencial para uso no artigo 67.º do Código IRC, na redação em vigor em 2013, por não estarem reunidas as condições legais que, à luz, da IAS 39 permitiriam a contabilização pelo justo valor da participação financeira de 50% na sociedade E... .

 

Relativamente ao segundo tema, é incontornável a referência à reserva às contas que consta da certificação legal de contas de 2013 da Requerente, emitida em julho de 2014, conforme ficou provado, nos termos infra transcritos:

                “[…] na Certificação Legal de Contas de 2013, o ROC emitiu uma opinião modificada e com reservas sustentando que “(…) 7. Conforme referido na Nota 4 do Anexo às Demonstrações Financeiras, a participação financeira de 50% detida no capital da E... SGPS SA, que se encontrava registada pelo método do custo por €18.782.868, ficou relevada em 31/12/2013 por €205.016.068, de que resultou o reconhecimento de um ganho no montante de €186.233.200. Apesar da quantia pela qual a participação financeira ficou escriturada ter sido determinada pela Administração com base na avaliação efetuada por uma entidade independente com a qual está a ser negociada a alienação de 10% do capital daquela participada, trata-se de uma alteração isolada da política contabilística que vinha sendo seguida pelo que o ativo, o capital próprio e o resultado líquido do período se encontram sobrevalorizados em € 186.233.200.”

               

                Esta reserva, constante da certificação legal de contas, assenta na alteração isolada, e por isso indevida, de uma política contabilística aplicada a um investimento financeiro, que estava englobado numa carteira de investimentos, ou numa categoria de ativos com idênticas características. A IAS 8, que dispõe sobre a consistência da aplicação de políticas contabilísticas, não permite convalidar esta abordagem da requerente à face do disposto nos seus §§ 13, 14 e 15. A auditoria externa é bem clara ao expressar que o resultado (EBITDA) está sobrevalorizado em 186,2 milhões de euros.

 

O facto de a certificação ter sido emitida em julho de 2014 não pode ser erigido em justificação para a manutenção da situação fiscal em 2013, pois uma declaração de substituição poderia ter sido entregue. Isto caso a requerente entendesse, o que não terá sido o caso, que a reserva de auditoria externa implicava novo apuramento do EBITDA contabilístico e consequente correção fiscal ao abrigo do artigo 67.º do Código do IRC.

 

Conclui-se que, pela aplicação de regras contabilísticas de apuramento do EBITDA o mesmo está sobrevalorizado, pois a Requerente não poderia ter mensurado a participação na E... pelo o método do justo valor nas condições em que o fez. Tendo-a reconhecido ao custo, a IAS 39 não permite, em regra, mudança de critério.

 

E, mesmo que fosse aceitável (e julga-se que não é), restaria saber se o método usado para o quantificar era o apropriado. Da análise empreendida, afigura-se não estarem reunidas as condições para aplicar o justo valor por via de uma avaliação por cash flows descontados, em face da factualidade emergente do Relatório de avaliação elaborado e, para mais, da reserva que a certificação legal de contas expressamente evidencia. Assim, a liquidação de IRC e a decisão da reclamação graciosa, nesta matéria, não padecem do vício de violação de lei que foi suscitado pela Requerente que é improcedente.

 

                No que se refere ao valor da correção importa considerar que, à face do EBITDA negativo verificado (ao contrário do EBITDA positivo de € 94.307.579,23 em que se alicerçava erroneamente a Requerente), o limite para a dedução dos gastos de financiamento líquido corresponde ao previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 67.º do Código do IRC, de € 3.000.000,00.

 

Assim, a correção da dedução, para efeitos de IRC, dos gastos financeiros (líquidos) incorridos pela Requerente, no valor de € 363.786,10, não enferma do vício de erro nos pressupostos que lhe foi apontado, encontrando-se em conformidade com o disposto no artigo 67.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRC, na redação aplicável à data dos factos (2013), por ter sido excedido o limite legal de € 3.000.000,00 aí mencionado.

 

* * *

               

                À face do exposto, o ato tributário de liquidação de IRC, relativo ao exercício de 2013, enferma de vícios materiais por erro nos pressupostos e deve ser anulado parcialmente, em conformidade com o disposto no artigo 163.º, n.º 1 do CPA, com exceção do segmento em que acresce o montante de € 363.786,10 à matéria tributável de IRC, relativamente ao qual se mantém válido, por respeitar a gastos de financiamento que ultrapassaram o limiar de € 3.000.000,00 previsto no artigo 67.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRC.

 

                A invalidade parcial comunica-se nos mesmos moldes à decisão da reclamação graciosa que confirmou o ato tributário. 

 

* * *

 

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras. 

 

 

IV.          DECISÃO

 

                Em face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar parcialmente procedente o pedido de anulação do ato tributário de liquidação de IRC n.º 2016..., de 28 de junho de 2016, referente ao exercício de 2013, na parte correspondente ao acréscimo de € 6.234.327,27 à matéria coletável de IRC e, nessa medida, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que recaiu sobre aquele ato tributário, tudo com as legais consequências. 

 

* * *

 

                Fixa-se ao processo o valor de € 6.598.113,37 de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

                Custas no montante de € 82.314,00, repartidas na proporção da sucumbência, sendo € 77.786,73 a cargo da Requerida, e € 4.527,27 a cargo da Requerente, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Lisboa, 25 de setembro de 2019

 

[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT]

 

 

 

Os Árbitros,

 

 

 

Alexandra Coelho Martins

 

 

 

 

António Martins

 

 

 

 

Cristina Aragão Seia

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

               

Os árbitros Dra. Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente), Prof. Doutor António Martins e Dra. Cristina Aragão Seia (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 17 de maio de 2018, acordam no seguinte:

 

 

V.           RELATÓRIO

 

A...– SGPS, S.A., pessoa coletiva número..., com sede na ..., adiante designada por “Requerente”, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral Coletivo e de pronúncia arbitral, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 10.º, n.º 1, alínea a), ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com vista à declaração de ilegalidade, e consequente anulação, do despacho de indeferimento do Chefe de Divisão de Direção de Finanças de..., de 24 de novembro de 2017, que recaiu sobre a reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2016..., de 28 de junho de 2016, referente ao exercício de 2013.

 

O pedido anulatório estende-se ao referido ato tributário do qual resultou uma correção à matéria coletável no valor de € 6.598.113,37 e consequente redução dos prejuízos fiscais declarados de € 7.753.914,57 para € 1.155.801,20.

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).

 

Como fundamento do pedido anulatório a Requerente alega, em síntese, os seguintes vícios:

VÍCIOS PROCEDIMENTAIS DA AÇÃO INSPETIVA

 

(e)          A AT excedeu o prazo legal de 6 (seis) meses para a conclusão do procedimento inspetivo que esteve na génese das correções à matéria coletável de IRC, por invalidade da segunda prorrogação, derivada da omissão do despacho que a determinou e da consequente falta absoluta de fundamentação, nos termos dos artigos 15.º, n.º 1 e 36.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (“RCPIT”).

 

Adicionalmente, o projeto de relatório de inspeção foi notificado decorridos mais de 10 (dez) dias em relação à data da conclusão dos atos inspetivos.

 

Assim, de acordo com a Requerente, a liquidação impugnada, como ato consequente do procedimento inspetivo, é também anulável por vício de violação de lei, à face do disposto nos artigos 133.º, n.º 2, alínea i) e 135.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”) .

 

VÍCIOS DE FUNDAMENTAÇÃO E DE VIOLAÇÃO DE LEI RELATIVOS À CORREÇÃO DA DEDUÇÃO DE ENCARGOS FINANCEIROS – ARTIGO 32.º, N.º 2 DO EBF

 

(f)           A correção da dedução fiscal, em IRC, dos encargos financeiros suportados pela Requerente não está suficientemente fundamentada – o que equivale ao vício da sua falta, nos termos do artigo 153.º do CPA – e padece de vício material de erro nos pressupostos de facto e de direito. 

 

Neste âmbito, a Requerente sustenta que a AT presumiu que os encargos financeiros foram suportados com a aquisição de participações sociais e, assim, abrangidos pela previsão do artigo 32.º, n.º 2 do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), corrigindo a sua dedução, sem, contudo, demonstrar que os financiamentos se destinaram àquela finalidade, com violação da presunção de veracidade e boa fé das declarações dos contribuintes (artigo 75.º, n.º 1 da LGT).

 

Segundo a Requerente, a sua vida financeira é complexa, sendo impossível afetar encargos financeiros a operações específicas, não tendo a presunção aplicada adesão à realidade, pois nenhum dos financiamentos contraídos visou adquirir partes de capital. Aduz que a AT não realizou as diligências necessárias à descoberta da verdade material, pelo que violou o disposto nos artigos 58.º da LGT e 5.º, n.º 6 do RCPIT.

 

A desconsideração infundada, por parte da AT, de gastos incorridos relacionados com a sua atividade, por não demonstração dos seus pressupostos (do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, que assenta na relação entre passivos remunerados e a aquisição de participações sociais), viola o princípio da capacidade contributiva e da tributação das empresas pelo rendimento real (artigos 104.º, n.º 2 da CRP, 17.º, n.º 1 do Código do IRC e 4.º, n.º 1 da LGT).

 

O artigo 32.º, n.º 2 do EBF não constitui um benefício fiscal para as SGPS. Esta norma viola os artigos 2.º, n.º 1 e 6.º, n.º 2 do EBF, 55.º da LGT e 5.º do CPA e padece de inconstitucionalidade material por violação dos princípios da igualdade, neutralidade fiscal e proporcionalidade, à face da injustificada discriminação negativa das SGPS e do favorecimento do recurso a fundos próprios em detrimento dos alheios (artigos 13.º e 266.º, n.º 2 da CRP). A interpretação dos benefícios fiscais deve ser feita no sentido de estender o âmbito de aplicação dos benefícios e não de restringi-los (artigos 11.º da LGT, 9.º e 11.º do Código Civil).

 

Por outro lado, a Circular n.º 7/2004, de 30 de março, da Direção de Serviços do IRC, viola o princípio da legalidade e tipicidade, ao reger sobre a quantificação da matéria coletável deste imposto, i.e., sobre incidência e benefícios fiscais, de forma inovatória e desprovida de suporte legal (artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i) da Constituição (“CRP”). Acresce que o método da Circular representa uma ingerência na gestão financeira corrente das sociedades que conduz a resultados absurdos e consubstancia a aplicação de um método indireto (de determinação da matéria coletável) que apenas é admissível em circunstâncias excecionais devidamente justificadas, o que não foi o caso, nem tal foi alegado pela AT. Acresce que a Requerente não foi notificada para exercer o direito de audição prévia relativamente à aplicação de métodos indiretos. Por tudo isto, resultam violados os artigos 61.º, n.º 1, alínea d), 81.º, n.º 1, 83.º, 85.º, 87.º a 94.º, todos da LGT.

 

A Circular n.º 7/2004 é retroativa ao desconsiderar encargos financeiros incorridos com empréstimos contraídos antes da sua entrada em vigor, infringindo os princípios da segurança jurídica, boa fé e proteção da confiança, que constituem emanações do princípio do Estado de Direito (cf. artigos 12.º da LGT e 2.º e 103.º, n.º 3 da CRP).

 

Os próprios cálculos realizados pela AT ao abrigo da Circular acima citada estão incorretos por diversas razões: tiveram em conta partes de capital detidas há menos de 1 (um) ano (B..., SA); consideraram o ativo bruto ao invés do ativo líquido; realizaram a imputação proporcional entre passivos e ativos em função do custo médio da dívida e não do custo real e não atenderam ao custo de aquisição efetivo das participadas C... SGPS SA e D..., LDA..

 

Mesmo que existisse dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, o ato devia ser anulado, de harmonia com o artigo 100.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).

 

VÍCIO DE VIOLAÇÃO DE LEI POR ERRO DE DIREITO REFERENTE À DESCONSIDERAÇÃO DA DEDUÇÃO DE 50% DAS PERDAS DERIVADAS DE MENSURAÇÃO PELO JUSTO VALOR – ARTIGO 45.º, N.º 3 DO CÓDIGO DO IRC. VÍCIO PROCEDIMENTAL DE NÃO ADOÇÃO DO PROCEDIMENTO DO ARTIGO 63.º DO CPPT

 

(g)          A correção pela AT do tratamento fiscal atribuído pela Requerente às perdas, deduzidas na íntegra, derivadas da mensuração pelo justo valor de instrumentos financeiros (ações) cotados em bolsa, tem subjacente o entendimento, inaplicável à situação vertente, segundo o qual as variações patrimoniais negativas relativas a instrumentos de capital próprio são dedutíveis em apenas 50%, suportado no artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC (entretanto revogado pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro).

 

Estão em causa ajustamentos de transição relativos à passagem do Plano Oficial de Contabilidade (“POC”), aprovado pelo Decreto-lei n.º 410/89, de 21 de novembro, para o Sistema de Normalização Contabilística (“SNC”), aprovado pelo Decreto-lei n.º 158/2009, de 13 de julho, que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2010, referentes a ações detidas para negociação registadas ao custo histórico até à entrada em vigor do SNC. 

 

As diferenças, positivas e negativas, entre o valor de aquisição das ações e a sua cotação oficial em bolsa resultaram globalmente numa variação patrimonial líquida positiva, que a Requerente refletiu nos capitais próprios (#53) e deu à tributação em partes iguais (1/5) no exercício em que a mesma se verificou e nos 4 (quatro) consecutivos, conforme disposto no artigo 5.º do Decreto-lei n.º 159/2009, de 13 de julho, diploma que reviu o Código do IRC na perspetiva da entrada em vigor das novas normas contabilísticas e que constitui uma norma especial. 

 

A AT corrigiu ainda as variações no próprio exercício (2013) resultantes da oscilação da cotação das ações detidas para negociação, registadas como gasto na conta #661 “perdas por redução de justo valor em instrumentos financeiros”, aceitando-as apenas em 50%, novamente por apelo ao artigo 45.º, nº 3 do Código do IRC, que a Requerente entende também ser inaplicável por idênticas razões.

 

Na perspetiva da Requerente, a previsão do artigo 45.º, n.º 3 não contempla os ajustamentos (gastos) decorrentes da aplicação do justo valor, cuja introdução foi posterior (elemento histórico) e que não quadram à sua intenção anti-abuso (elemento teleológico), dada a fiabilidade e objetividade valorativa, sem possibilidade de influência ou controlo pelos sujeitos passivos, que caracteriza as situações abrangidas pelo modelo do justo valor no Código do IRC. Neste âmbito, defende que o regime do artigo 45.º, n.º 3 não pode prevalecer sobre a disciplina especial constante dos artigos 18.º, n.º 9, alínea a); 20.º, n.º 1, alínea f); 23.º, n.º 1, alínea i) e 46.º, n.º 1, alínea b), todos do Código do IRC.

 

A Requerente salienta ainda que o artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC não foi alterado quando da introdução do SNC, apresentando um sentido preciso em articulação com os artigos 23.º e 24.º do mesmo Código, assente em conceitos distintos e autónomos de gastos e perdas e de variações patrimoniais negativas, não abrangendo a sua hipótese normativa os ajustamentos decorrentes da mensuração pelo justo valor.

 

Esta interpretação é confirmada pela revogação do artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC, pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro (“Reforma do IRC”), com a simultânea manutenção do seu artigo 18.º, n.º 9, alínea a), circunstância que revela serem normas independentes e não correlacionadas.

 

Adicionalmente, para a Requerente a posição da AT é contrária aos princípios constitucionais da justiça e da proporcionalidade, pois limita a 50% a dedução fiscal de situações objetivas e involuntárias como as previstas no artigo 18.º, n.º 9, alínea a) do Código do IRC. 

 

Argui, por fim, que a aplicação do artigo 45.º, n.º 3, dada a sua natureza de norma anti-abuso postularia também a observância do procedimento previsto no artigo 63.º do CPPT, o que não foi o caso. 

 

VÍCIO DE VIOLAÇÃO DE LEI POR ERRO NA DETERMINAÇÃO DO LIMITE LEGAL DE DEDUÇÃO DE GASTOS DE FINANCIAMENTO – ARTIGO 67.º DO CÓDIGO DO IRC

 

(h)          A Requerente invoca que a AT calculou de forma errónea o limite legal à dedução de gastos de financiamento previsto no artigo 67º do Código do IRC, na redação aplicável à data dos factos, ao ajustar indevidamente o resultado (EBITDA) expurgando-o do efeito do “justo valor”, na importância de € 186.233.200,00, decorrente da avaliação, por parte de uma instituição de crédito independente, da participação financeira que detinha na sociedade E... SGPS, SA. .

 

Segundo a Requerente, o artigo 67.º, n.º 8 do Código do IRC não previa limitações quanto à consideração do justo valor e ao EBITDA apurado na contabilidade, pelo que esta correção padece de vício de violação de lei e não tem sequer suporte na Circular n.º 7/2013, de 19 de agosto, que vincula a AT em conformidade com os princípios da boa fé, da segurança jurídica e da proteção da confiança, conforme preceituado nos artigos 10.º do CPA e 266.º, n.º 2 da CRP.

 

Conclui que a nova redação do mencionado artigo 67.º, n.º 8 do Código do IRC só entrou em vigor em 2014 e não é passível de aplicação retroativa. Deste modo, os gastos de financiamento por si deduzidos enquadram-se no limite legal determinado pelo artigo 67.º do Código do IRC, na redação aplicável à data dos factos. 

 

                A Requerente termina com o pedido de anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa e da liquidação de IRC e de condenação da Requerida ao pagamento da taxa arbitral e demais encargos.

 

Juntou 16 (dezasseis) documentos e requereu prova testemunhal.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação à AT.

 

Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, al. a), 6.º, n.º 2, al. a) e 11.º, n.º 1, al. a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) designou como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes, oportunamente notificadas dessa designação, não opuseram recusa nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 8.º do RJAT e 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 17 de maio de 2018, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD.

 

A Requerida apresentou resposta e juntou o processo administrativo (“PA”).

 

Segundo a Requerida, quer a prorrogação do procedimento inspetivo como a alteração do seu âmbito respeitaram todos os requisitos, incluindo o de fundamentação, contidos nos artigos 15.º, n.º 1 e 36.º, n.º 3 do RCPIT, sendo infundada a alegação da Requerente. Por outro lado, os vícios imputados ao procedimento inspetivo não afetam a validade do ato de liquidação de IRC e do ato de segundo grau que sobre o mesmo incidiu. Assim, se porventura se verificassem a única consequência seria a cessação do efeito suspensivo do prazo de caducidade (do direito à liquidação do imposto), nos termos do artigo 46.º, n.º 1 da LGT.

 

Acrescenta que uma coisa é a fundamentação do ato, outra a comunicação desses fundamentos ao interessado. Neste último caso não ocorre qualquer vício de forma do ato notificado, apenas se atinge a sua eficácia. Se a Requerente não foi notificada dos fundamentos da segunda prorrogação do procedimento inspetivo, cabia-lhe lançar mão do mecanismo do artigo 37.º do CPPT.

 

Quanto aos encargos financeiros cuja dedução não foi aceite, segundo a Requerida, foi a conduta omissiva da Requerente que conduziu à necessidade de recorrer ao método de quantificação previsto na Circular n.º 7/2004. A Requerente, notificada para esse efeito, não forneceu à AT qualquer resposta, nem elementos que permitissem identificar o método utilizado para a imputação dos passivos remunerados às suas operações e ativos detidos.

 

A complexidade da vida financeira e a dificuldade de identificação dos fluxos financeiros não justificam, de acordo com a posição da Requerida, a não aplicação do artigo 32.º, n.º 2 do EBF que, sendo um regime especial, obriga a Requerente a organizar a contabilidade de modo a segregar os gastos e rendimentos e as variações patrimoniais positivas e negativas sujeitos ao regime geral do IRC e aos regimes especiais, exigência a que aquela não deu cumprimento.  

 

A Requerente deduziu ao lucro tributável a totalidade dos encargos de natureza financeira suportados sem observar o ónus de demonstrar a sua existência e dedutibilidade, nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da LGT.

 

Acresce que o método da Circular n.º 7/2004 é um método de repartição proporcional que não pode confundir-se com métodos indiretos de avaliação a matéria tributável. Não está em causa o registo e veracidade dos encargos de natureza financeira suportados, mas, tão-só, a sua qualificação como dedutíveis ou não dedutíveis, não sendo afastada ou substituída a contabilidade. Salienta que a Requerente não contrapôs outro método de alocação específica, nem demonstrou que não suportou encargos financeiros associados à aquisição de partes sociais. Preconiza ainda que o referido método da Circular tem cobertura na letra e no espírito do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, limitando-se a concretizar uma das formas de lhe dar aplicação, quando dificuldades de ordem prática tornem inviável a adoção de um método de imputação específica, e que a interpretação minimalista da Requerente, segundo a qual a aplicação daquela norma depende da afetação específica dos financiamentos obtidos, conduziria a circunscrever o comando da não dedutibilidade dos encargos financeiros às holdings puras.

 

Para a Requerida não se verificam as alegadas violações dos princípios constitucionais da tributação pelo rendimento real, da proporcionalidade e da igualdade, em linha com a posição sufragada no Acórdão do Tribunal Constitucional (“TC”) n.º 42/2014, de 14 de janeiro, por não existir arbitrariedade na discriminação das SGPS. Esta discriminação é justificada e não ocorre manifesto incumprimento da proibição do excesso. Para a Requerida, a interpretação que a Requerente pretende fazer prevalecer é que conduz a um resultado violador do princípio da igualdade.

 

No tocante à pretensa violação dos princípios do inquisitório e da descoberta da verdade material, tendo a Requerente deduzido a totalidade dos encargos de natureza financeira, não obstante o seu objeto social, impunha-se à AT verificar a conformidade legal desta dedução. Em face da inexistência de registos contabilísticos dos empréstimos discriminados por afetação ou por outro meio que permitisse conhecer a sua alocação, a AT recorreu à metodologia divulgada pela Circular n.º 7/2004, cabendo à Requerente contraditar os resultados da aplicação dessa metodologia, o que não fez.

 

Por outro lado, segundo a Requerida, não há qualquer falta de sustentáculo na opção legal, que foi adotada pelo artigo 32.º, n.º 2 do EBF, que consiste em os sujeitos passivos terem como regime regra a não dedutibilidade dos encargos financeiros e, no momento da realização, caso se verifique alguma das situações que implicam o seu afastamento (do regime regra), então fazer as devidas correções permitindo-lhes considerar para a formação do seu lucro tributável os encargos financeiros suportados, conforme se pronuncia o citado Acórdão do TC n.º 42/2014.

 

Acerca das perdas resultantes do critério do justo valor, entende a Requerida que a mudança do POC para o SNC originou uma alteração ao Código do IRC, mas continuaram a existir diferenças entre os critérios contabilísticos e os critérios fiscais, não tendo o legislador excluído do artigo 45.º, n.º 3 as perdas e as variações patrimoniais negativas decorrentes de reduções do justo valor, diferentemente do que fez no artigo 46.º, n.º 1 com a exclusão do regime das mais-valias e das menos-valias realizadas. Donde conclui que aquela norma continuou a aplicar-se a todas as perdas verificadas em partes de capital, com relevância fiscal, como sucede com as variações do justo valor. No caso em apreço, entende não se tratar de uma situação subsumida na primeira parte da norma (e por isso sujeita ao tratamento fiscal das mais e menos-valias), mas sim de uma variação patrimonial negativa resultante dos ajustamentos contabilísticos operados por força da transição para o SNC.

 

A formulação do artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC é abrangente não sendo de aceitar a interpretação restritiva da norma defendida pela Requerente com base numa sobrevalorização da imprecisão terminológica de “gastos” e “perdas”. Por outro lado, tal interpretação é errónea na medida em que não se pode atribuir à norma em causa a função de qualificar os gastos ou perdas como dedutíveis, que é cometida ao artigo 23.º do Código do IRC, pelo que não se suscita a alegada relação de especialidade.

 

A interpretação preconizada pela Requerente de que os encargos financeiros não dedutíveis são apenas os que direta e inequivocamente se provem como tal é contrária à lei fundamental, por violar os princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da tributação do rendimento real (artigos 13.º, 103.º e 104.º, n.º 2 da CRP), pois permite a dedução de encargos financeiros incorridos numa atividade geradora de rendimentos tributáveis e, do mesmo modo, em atividades que não se traduzam nessa geração, para além de as próprias SGPS serem tentadas a desonerar-se invocando a impossibilidade de afetação específica. 

 

                Uma SGPS que desenvolva atividades não abrangidas pelo regime especial previsto no artigo 32.º, n.º 2 do EBF, conjugado com o artigo 17.º, n.º 3, alínea b) do Código do IRC está vinculada ao dever de separação ou autonomização das atividades sujeitas a regimes fiscais diferenciados. Não basta ao sujeito passivo invocar a ilegalidade da Circular n.º 7/2004, para que lhe seja autorizada a dedução fiscal, sem que por aquele seja promovida prova para o efeito. A ilegalidade da mencionada Circular não pode constituir fundamento para a desaplicação do regime do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, ínsito no artigo 104.º, n.º 2 da CRP.

 

                A Requerida entende ser de indeferir o requerimento de prova testemunhal por apenas estar em discussão matéria de direito, e conclui pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral e pela manutenção do ato de liquidação impugnado, com absolvição do pedido com as legais consequências.

 

Por despacho de 14 de setembro de 2018, o Tribunal determinou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, com inquirição das testemunhas indicadas pela Requerente, atento o eventual contributo para o apuramento da verdade material. A reunião foi adiada por impedimento da Requerente.

 

Em 30 de outubro de 2018, realizou-se a referida reunião, na qual foram ouvidas as testemunhas F... e G..., tendo a Requerente prescindido de uma testemunha.

 

                O Tribunal notificou as partes para alegações escritas sucessivas e prorrogou por dois meses o prazo limite para prolação da decisão, que se fixou no dia 16 de janeiro de 2019, nos termos do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT. Por fim, advertiu-se a Requerente para, até essa data, proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no artigo 4º, n.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD.

               

                Requerente e Requerida apresentaram alegações mantendo, na essência, os argumentos que constam do pedido de pronúncia arbitral e da resposta, respetivamente.

 

 

VI.          SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto na alínea a), do n.º 1, do artigo 10º do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades, não tendo sido suscitadas exceções.

 

 

VII.         FUNDAMENTAÇÃO

 

3.            MATÉRIA DE FACTO

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

 

                A.  A A...– SGPS, S.A., aqui Requerente, foi fundada em novembro de 1994 e dedica-se à gestão de participações sociais, como forma indireta de exercício de atividades económicas, e à prestação de serviços e suporte às empresas do Grupo em que se insere, que operam em múltiplas áreas de negócio: imobiliária, extração mineira, construção metalomecânica, geração de energia elétrica a partir de fontes de energia renovável, entre outras – cf. Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”), junto com o pedido de pronúncia arbitral (“ppa”) – documento 3 – e com o PA.

 

                B.  A Requerente está enquadrada sob o CAE 64202, no regime geral de IRC e normal trimestral de IVA – cf. RIT.

 

                C.  Com referência a 31 de dezembro de 2013, a Requerente apresentava passivos decorrentes de financiamentos obtidos no valor de € 148.958.510,21 e encargos financeiros suportados, abrangendo juros, imposto do selo, comissões e despesas bancárias, de € 11.024.953,92, os quais foram destinados de forma indiscriminada à sua atividade geral, que é complexa e composta por múltiplos movimentos financeiros, de curto, médio e longo prazo, e que inclui a centralização da obtenção e gestão de financiamentos para as sociedades participadas num modelo de cash pooling, não se encontrando os referidos passivos e encargos especificamente relevados ou associados à aquisição de partes de capital, seja na contabilidade, nas demonstrações financeiras, ou em mapas extra-contabilísticos – cf. RIT e depoimento da testemunha F... .

 

                D.  Com referência a 31 de dezembro de 2013, a Requerente alterou o método de mensuração da participação financeira que detinha na sociedade E... SGPS, SA, correspondente a 50% do seu capital social, que estava registada anteriormente (a 31 de dezembro de 2012) pelo valor de € 18.782.867,92, na subconta 41110191, de acordo com o método do custo. Esta participação passou a ser reconhecida pelo justo valor, que a Requerente considerou ser de € 205.016.067,70, na sequência de avaliação levada a efeito pelo H..., o que se traduziu num movimento contabilístico a débito na subconta “41110191 – E... -Percentagem capitais próprios”, no montante de € 186.233.199,78, por contrapartida do registo a crédito na subconta de rendimentos 77200000 – Ganhos por aumentos de justo valor em investimentos financeiros – cf. RIT.

 

                E.  Os gastos de financiamento líquidos da Requerente em 2013 cifraram-se em € 8.438.417,21, encontrando-se o resultado apurado antes de depreciações, gastos de financiamento e impostos (EBITDA), no montante de € 94.307.579,23, influenciado pelo valor de € 186.233.200,00, correspondente ao incremento de valor da participação financeira da E... SGPS, SA resultante da alteração do respetivo critério de mensuração – cf. RIT.

 

                F.  Com referência ao exercício de 2013, a Requerente registou na conta 661 – Perdas por Reduções de Justo Valor – Em Instrumentos Financeiros, o montante de € 315.973,55, parte do qual se reporta a perdas em instrumentos de capital próprio em empresas cujos valores mobiliários se encontram admitidos à negociação em mercado regulamentado, correspondentes a participação no capital social inferior a 5% – cf. RIT.

 

                G.  A Requerente acresceu ao resultado tributável o valor de € 516.435,29, correspondente a 1/5 do saldo (positivo) das variações patrimoniais positivas e negativas derivadas dos ajustamentos de transição do POC para o SNC, nos termos do regime transitório do artigo 5.º, n.ºs 1, 5 e 6 do Decreto-lei n.º 159/2009, de 13 de julho, em decorrência da alteração da mensuração dos instrumentos de capital próprio detidos para negociação em empresas cujos valores mobiliários se encontram admitidos à negociação em mercado regulamentado (que se encontravam mensurados ao custo de aquisição) para o justo valor por contrapartida de resultados – cf. RIT.

 

                H. Em 13 de agosto de 2014, a Requerente apresentou a Declaração Modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2013, em que apurou um prejuízo fiscal de € 7.753.914,57, não tendo acrescido encargos financeiros no Quadro 07, seja no Campo 748 – Limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento [artigo 67.º do CIRC], seja no Campo 779 – Encargos financeiros não dedutíveis [artigo 32.º, n.º 2 do EBF] – cf. documento 2 junto com o ppa e RIT.

 

                I. Em 1 de setembro de 2015 teve início um procedimento de inspeção externa à Requerente, relativo ao exercício de 2013, credenciado pela Ordem de Serviço OI2015..., de âmbito parcial – IRC – cf. RIT e documento 4 junto com o ppa.

 

                J. Por despacho datado de 28 de janeiro de 2016, foi prorrogado por três meses o prazo do procedimento inspetivo, em conformidade com a fundamentação e proposta constantes da informação dos serviços com a mesma data, alicerçada na complexidade, quer da investigação dos factos, quer da apreciação técnico-jurídica, ao abrigo do artigo 36.º, n.º 3, alínea a) do RCPIT. O despacho e a informação que o suporta foram notificados à Requerente por ofício da mesma data, prevendo-se a conclusão da inspeção até 1 de junho de 2016 – cf. documento 4 junto com o ppa e PA.

 

                K. A Requerente foi notificada da alteração de âmbito e de uma segunda prorrogação do prazo do procedimento de inspeção tributária, por ofício datado de 27 de abril de 2016, assinado pelo Chefe de Divisão (Divisão de Inspeção Tributária 1, Direção de Finanças de ...), por subdelegação, que refere:

“Nos termos do disposto nos artigos 14.º, n.º 1, alínea a), art.º 15.º, n.º 1 e art.º 36.º, n.º 3 e 4, do Regime Complementar de Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), notificam-se V. Exas da alteração de âmbito de parcial para geral, assim como da prorrogação, por mais três meses, da(s) ação(ões) de inspeção em curso, com os fundamentos que constam da informação que segue em anexo.

Prevê-se a conclusão do(s) procedimento(s) de inspeção até 2016-09-01.”

– cf. documento 5 junto com o ppa e PA.

 

                L. Na mesma data (27 de abril de 2016), foi proferido o correspondente despacho de ampliação do âmbito da inspeção de parcial (IRC) para geral, e de (segunda) extensão do prazo por mais três meses, mediante concordância com a informação dos serviços, também datada de 27 de abril de 2016, que invoca os seguintes fundamentos:

                “Estando a decorrer os procedimentos de inspeção externa à sociedade A...– SGPS SA, NIPC:..., credenciados pelas ordens de serviço n.º OI2015... e OI2015..., referentes aos períodos de 2012 e 2013, com início em 2015-09-01.

                Atendendo a que os supra referidos procedimentos têm especial complexidade quer em termos de trabalho de investigação já realizado, quer em termos de apreciação técnico-jurídica dos factos, na medida em que há riscos significativos de distorção material do resultado tributável referentes a transações significativas com partes relacionadas, aplicação/derrogação de políticas contabilísticas que determinam a mensuração de ativos e réditos nas demonstrações financeiras que parecem não estar em concordância com Normas Internacionais de Relato Financeiro (IAS/IFRS), indicadores de incumprimento da limitação à dedutibilidade dos gastos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital detidas por SGPS (artigo 32.º EBF) e/ou dos gastos de financiamento líquidos (artigo 67.º do Código do IRC).

                Atendendo a que estas matérias envolvem julgamentos difíceis e potencialmente contenciosos, que exigem à Inspeção Tributária a recolha prova de auditoria suficiente e apropriada, por meio da conceção e implementação de respostas aos riscos significativos de distorção material identificados, cujo trabalho ainda não está concluído, e por se entender que deve proceder-se à alteração do âmbito dos procedimentos de inspeção em curso de parcial para geral, para controlo/verificação da situação tributária global dos deveres tributários do sujeito passivo, designadamente em sede de Imposto de Selo e de Imposto sobre o Valor Acrescentado.

                E, atendendo ao disposto no artigo 36.º do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária, que estabelece que o procedimento de inspeção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início, mas que prevê no n.º 3 que em determinadas circunstâncias aquele prazo poderá ser ampliado por mais dois períodos de três meses, designadamente, nas situações tributárias de especial complexidade.

                II – PROPOSTA

                Em face do exposto, propomos nos termos do disposto nos artigos 14.º, n.º 1, alínea a) e art. 15.º, n.º 1 a alteração do âmbito dos procedimentos de inspeção externos, credenciados pelas ordens de serviço n.º OI2015... e OI2015..., referentes aos períodos de 2012 e 2013, de parcial para geral, assim como a prorrogação do prazo, por mais três meses, nos termos previstos no artigo 36.º, n.º 3, alínea a), do RCPITA, prevendo-se a sua conclusão até 2016-09-01. […]” – cf. PA.

 

M. A Requerente foi notificada do Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”), em 22 de junho de 2016, do qual resultou uma correção à matéria coletável declarada no exercício de 2013 de € 6.598.113,37 e a consequente redução dos prejuízos fiscais de € 7.753.914,57 para € 1.155.801,20, com base nos fundamentos que infra se transcrevem (cf. documento 3 junto com o ppa - RIT):

 

“I. Conclusões da ação inspetiva

 

Por se ter comprovado que, nos períodos de 2012 e 2013, a A... SGPS SA contabilizou gastos de financiamento, resultantes da aquisição de partes de capital, que não são dedutíveis para efeitos de tributação em sede de IRC, nos termos do disposto no artigo 32.º, n.º 2, do EBF, por se ter apurado haver incumprimento da regra de limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento prevista no artigo 67.º do Código do IRC, assim como por se ter confirmado que 50% das perdas por reduções de justo valor relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio e das variações patrimoniais negativas que derivam dos ajustamentos de transição do POC para o SNC não podem ser dedutíveis ao resultado tributável, nos termos do disposto no artigo 45.º, n.º 3, do CIRC e regime transitório previsto no artigo 5.º, n.ºs 1, 5 e 6 do DL 159/2009, de 13/07, resultam correções / acréscimos ao resultado tributável de 2012 e 2013 no valor total de €6.357.703,87 e de €6.598.113,37, respetivamente.

 

[…]

 

III. Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas

 

A1 – Encargos financeiros não dedutíveis

[Artigo 32.º, n.º 2 do EBF] – 2012 e 2013

 

1. A A... SGPS SA como sociedade gestora de participações sociais integra investimentos financeiros em empresas que operam em múltiplas áreas de negócio - atividade imobiliária, extração mineira, construção metalomecânica, projetos de geração de energia elétrica a partir de fontes de energia renovável, entre outras, beneficia da aplicação do regime previsto no artigo 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, que prevê a exclusão de tributação das mais e menos valias realizadas com a alienação de partes de capital/investimentos financeiros detidos por período não inferior a um ano, assim como os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não são dedutíveis ao resultado tributável.

2. Os procedimentos de inspeção/auditoria realizados, para controlo/verificação dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital que, atendendo ao disposto no artigo 32.º, n.º 2, do EBF, não são dedutíveis ao resultado tributável, tiveram por base a análise dos Relatórios de Gestão e Contas da A... SGPS SA de 2012 e 2013, da IES - informação Empresarial Simplificada e da Declaração de Rendimentos modelo 22 IRC, entregues pelo sujeito passivo, com referência aos exercícios de 2012 e 2013, do ficheiro normalizado de auditoria tributária para exportação de dados SAF-T (PT) integrado, referente àqueles períodos, exportado pelo sujeito passivo em 2016/01/29 e apresentado aos serviços de inspeção tributária em 2016/02/25, suportes documentais de registos contabilísticos, inventário das participações financeiras reportado a 2012/12/31 e 2013/12/31, e resposta do sujeito passivo aos n/ pedidos de esclarecimentos/informações.

3. A partir do ficheiro normalizado de auditoria tributária para exportação de dados SAF-T (PT) integrado, referente aos períodos de 2012 e 2013, comprovámos que a A... SGPS SA apresentava passivos decorrentes de financiamentos obtidos conforme quadro que segue:

 

Quadro 7 – Empréstimos/Financiamentos obtidos pela A... SGPS SA – 2012 e 2013

ACCOUNT_ID_CA1          ACCOUNT_DESCRIPTION_BA1  OPENINGCREDITBALANCE_BA1 CLOSINGCREDITBALANCE_BA1

                               2012/01/01         2012/12/31         2013/12/31

25111070             CP –M...- CP       0,00       1.721.333,33      1.721.333,33

25111110             CP –U...– DO01 0,00       700.000,00          0,00

25111130             CP –V...– DO01 0,00       2.008.532,03      5.027.771,12

25111145             CP –H...– DO01 356.600,00          0,00       0,00

25111150             CP – BANCO W...– DO01               0,00       2.460.000,00       2.460.000,00

25111155             CP –X...– DO01  0,00       0,00       200.000,00

25111230             CC –V...– DO01 21.970.000,00    0,00       0,00

25111240             CC –M...– DO01 51.000.000,00    51.000.000,00    50.995.000,00

25111250             CC – H...               6.000.000,00      0,00       0,00

25111265             CC –W...– DO01                820.000,00          0,00        0,00

25111310             PC –U...– DO01 2.900.000,00      2.900.000,00       1.350.000,00

25111315             PC –Y...– DO01 7.371.500,00      5.312.500,00       3.234.615,28

25111330             PC –V...– DO01 3.875.000,00      3.150.000,00       2.450.000,00

25112050             MLP –V...– DO01              0,00       19.961.467,97    15.327.896,89

25112051             MLP –V...–Assunção Dívida ...    0,00       0,00        3.096.586,92

25112072             MLP –M... (6M)- DO01  5.164.000,00      3.442.666,67       3.442.666,67

25112076             MLP – M... (2,960M€)                    2.960.000,00       2.960.000,00

25112080             MLP – H...           3.472.222,24      0,00       0,00

25112081             MLP –Z...– 7,5M               7.500.000,00      0,00        0,00

25112083             MLP –H...-22,5M€           0,00       22.500.000,00    0,00

25112090             MLP – BANCO W...– DO01           3.280.000,00       1.640.000,00      0,00

25112086             MLP –H...-48M€               0,00       0,00       48.000.000,00

25112100             MLP –X...– DO01              0,00       0,00       400.000,00

25120010             DB_U...                996.422,34          0,00       0,00

25120020             DB_Y... 10.104,71            0,00       0,00

25120080             DB_H... 4.739.416,20      0,00       0,00

25410000             Subs, assoc e empreend conjunt-OTCP 3.560.540,47       9.418.275,89      8.292.640,00

                               123.015.805,96  129.174.775,89  148.958.510,21

valores em euros

Fonte: Ficheiro de auditoria tributária para exportação de dados SAF-T (PT) integrado da A... SGPS SA (2012 e 2013)

4. Pode verificar-se que, esta sociedade também contabilizou, nos períodos de 2012 e 2013, gastos materialmente relevantes com juros, imposto de selo, comissões e despesas bancárias, decorrentes da obtenção de financiamentos obtidos, conforme se discrimina no quadro seguinte:

 

Quadro 8 – Juros, imposto de selo, comissões e despesas bancárias suportados pela A...  SGPS SA – 2012 e 2013

ACCOUNT_ID_CA1          ACCOUNT_DESCRIPTION_BA1  DEBITAMOUNT_CA1_SUM

                               2012       2013

68123000             Imposto do selo               963.194,98          732.419,24

69111000             Juros – Emp.banc.cp      4.747.280,39      3.897.536,08

69112000             Juros – Emp.banc.mlp   2.972.370,30      3.593.650,11

69113000             Juros – suprimentos       363.017,74          10.439,87

69116000             Juros DO/Desc Bancarios              20.011,20             20,16

69117000             Juros – OTCP      0,00       291.186,50

69180000             Outros Juros      37.543,56            0,00

69183000             Juros de papel comercial              855.146,93          591.736,31

69184000             Juros de swaps 970.644,22          1.151.938,68

69185001             Juros de mora   89.917,87            32.045,47

69880100             Serviços Bancários           57.515,69            4.103,68

69881204             Comissões papel comercial         70.959,16             103.320,00

69881209             Outras Comissões           427.519,33          616.557,82

                               11.575.121,37    11.024.953,92

valores em euros

Fonte: Ficheiro de auditoria tributária para exportação de dados SAF-T (PT) integrado da A... SGPS SA (2012 e 2013)

5. Parte substancial dos empréstimos obtidos e dos correspondentes gastos com juros, imposto de selo, comissões e despesas bancárias foram suportados com a aquisição de investimentos financeiros, tendo-se comprovado que a A... SGPS SA, nos períodos de 2012/01/01, 2012/12/31 e 2013/12/31, detinha participações financeiras em empresas que operam em múltiplas áreas de negócio – atividade imobiliária, extração mineira, construção metalomecânica, projetos de geração de energia elétrica a partir de fontes de energia renovável, entre outras, que apresentam os seguintes valores de aquisição:

 

Quadro 9 – Participações Financeiras da A... SGPS SA – Exercícios de 2012 e 2013

INVESTIMENTOS FINANCEIROS A... SGPS SA       VALOR DE AQUISIÇÃO

                2012/01/01         2012/12/31         2013/12/31

...            C... SGPS SA        36.768.353,00    36.822.170,00    36.822.170,00

...            AA... SGPS SA    11.611.870,00    11.611.870,00    11.611.870,00

...            D... LDA                4.800,00               139.800,00          139.800,00

...            BB... SA 22.750,00             22.750,00            22.750,00

...            CC... LDA              5.000,00               5.000,00               5.000,00

...            E... SGPS SA        30.000,00            25.000,00            25.000,00

...            DD... SA               50.000,00            0,00       0,00

...            EE... LDA              1.000,00               0,00       0,00

...            FF...– SGPS SA   5.000,00               5.000,00               5.000,00

...            GG... SA               112.500,00          112.500,00          112.500,00

LU          HH…      1.000.000,00       1.000.000,00      500.000,00

            B… SA   0,00        0,00       15.000,00

NL          II…          0,00        0,00       1.556.045,00

                               49.611.273,00    49.744.090,00    50.815.135,00

valores em euros

Fonte: Inventário das participações financeiras e Relatório de Gestão e Contas da A... SGPS SA (2011, 2012 e 2013)

6. Por outro lado, parte significativa dos empréstimos obtidos e dos correspondentes gastos com juros, imposto de selo, comissões e despesas bancárias reportam aos empréstimos concedidos e outras operações às empresas subsidiárias e associadas que, nos períodos de 2012 e 2013, apresentavam os seguintes montantes:

Quadro 10 – Empréstimos/Financiamentos concedidos e outras operações – 2012 e 2013

ACCOUNT_ID_CA1          ACCOUNT_DESCRIPTION_BA1  OPENINGCREDITBALANCE_BA1 CLOSINGCREDITBALANCE_BA1

                               2012/01/01         2012/12/31         2013/12/31

26710000             Financ.Conc.-Grupo-CP 577.290,09          144.262,07          151.787,84

26720000             Fin.Conc.-Grupo-Suprimentos   38.930.219,33    27.535.440,60    37.881.785,29

26800000             Outras operações           3.604.338,63      5.081.802,22       6.904.373,08

                                                              

                TOTAL   43.111.848,05    32.761.504,89    44.937.946,21

valores em euros

Fonte: Ficheiro de auditoria tributária para exportação de dados SAF-T (PT) integrado da A... SGPS SA (2012 e 2013)

7. Em 2016/01/19, notificámos esta sociedade, nos termos do disposto nos artigos 9.º, 28.º, 29.º, 37.º, 42.º e 48.º do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), e artigo 134.º do Código do IRC, na pessoa de I..., NIF:..., na qualidade de Técnica Oficial de Contas, para enviar / apresentar neste serviço de inspeção tributária, entre outros documentos e ficheiros, os seguintes elementos relativos aos períodos de 2012 e 2013:

             Identificar o método utilizado - afetação direta, especifica ou outro - para imputação dos passivos remunerados, quer aos empréstimos remunerados por si concedidos as partes relacionadas e/ou outras operações financeiras ativas, quer aos restantes ativos, designadamente, aquisição de participações financeiras;

             Discriminar os cálculos que justificam a aplicação do método de imputação utilizado pela A... SGPS SA, referido no ponto anterior, por forma a possibilitar o controlo dos gastos de financiamento suportados com a aquisição de partes de capital que não concorrem para o apuramento do resultado tributável, e assim dar cumprimento ao disposto no artigo 32.º, n.º 2 do EBF;

8. Na medida em que, até à presente data, a A... SGPS SA não procedeu à identificação do método utilizado, nos períodos de 2012 e 2013 - afetação direta, específica ou outro – para imputação dos passivos remunerados, quer aos empréstimos remunerados por si concedidos às partes relacionadas e/ou outras operações financeiras ativas, quer aos restantes ativos, designadamente, aquisição de participações financeiras, assim como não apresentou aos serviços de inspeção tributária discriminação dos cálculos que justificam a aplicação do método de imputação utilizado que possibilite o controlo dos gastos de financiamento suportados com a aquisição de partes de capital que, nos termos previstos no artigo 32.º, n.º 2 do EBF, não são dedutíveis ao resultado tributável dos períodos de 2012 e 2013, deve proceder-se à imputação dos encargos financeiros suportados pela A... SGPS SA com a aquisição de participações financeiras através da utilização da fórmula prevista na Circular n.º 7/2004, de 30 de março, da DSIRC, cujos cálculos foram efetuados com base em informações, elementos contabilísticos e declarações apresentados/entregues pelo sujeito passivo à Autoridade Tributária, conforme quadros 11 e 12 seguintes:

[…]

Quadro 12 – Encargos financeiros imputáveis às partes de capital não dedutíveis para efeitos de tributação em sede de IRC [Artigo 32.º, n.º 2 do EBF] da A... SGPS SA – Exercício de 2013

ENCARGOS FINANCEIROS IMPUTÁVEIS ÀS PARTES DE CAPITAL

NÃO DEDUTÍVEIS EM SEDE IRC  CONTA SNC        VALOR  OBS.

[1]          ATIVO TOTAL     11 a 46 111.106.754,09  Obs1

[2]          ATIVO – EMPRESTIMOS CONCEDIDOS REMUNERADOS  267X e 268          44.724.724,91    Obs2

[3]          ATIVO – PARTES DE CAPITAL [VALOR DE AQUISIÇÃO]     41X        50.815.135,00   

[4]          RESTANTES ATIVOS                        15.566.894,18   

                                                              

[5]          PASSIVO – EMPRESTIMOS OBTIDOS REMUNERADOS                                    

[5.1]      PASSIVO – FINANCIAMENTOS OBTIDOS CP+MLP              251X      140.665.870,21  Obs3

[5.2]      PASSIVO – FINANC. OBTIDOS SUBS. ASSOC E EMP. CONJ.             254X      8.292.640,00      Obs4

[5] = [5.1] + [5.2]              PASSIVO–EMPRESTIMOS OBTIDOS REMUNERADOS [CALC]                         148.958.510,21 

                                                              

[6]          ENCARGOS FINANCEIROS                                          

[6.1]      IMPOSTO DE SELO           681X      732.419,24          Obs5

[6.2]      JUROS BANC. E/OU SUP., JUR. PAPEL COMERCIAL, JUR. SWAPS, OUTROS JUR.    691X      9.568.553,18       Obs6

[6.3]      SERVIÇOS E COMISSÕES BANCÁRIOS, COMISSÕES PAPEL COMERCIAL    698X      723.981,50          Obs7

[6] = [6.1] + [6.2] + [6.3]                ENCARGOS FINANCEIROS [CALC]                             11.024.953,92   

                                                              

[7]          PASSIVOS REMUNERADOS IMPUTÁVEIS AOS EMPREST. CONCEDIDOS                    44.724.724,91    Obs8

[8] = [5] - [7]      PASSIVOS REMUNERADOS IMPUTÁVEIS AOS RESTANTES ATIVOS                             95.941.145,30   

[9] = [8] X ([3]/([3]+[4]))               PASSIVOS REMUNERADOS IMPUTÁVEIS ÀS PARTES DE CAPITAL [CALC]                   73.442.501,09   

                                                              

[10]        ENCARGOS FINANCEIROS IMPUTÁVEIS ÀS PARTES DE CAPITAL                                 

[10.1] = [6.1] X ([9] / [5])              IMPOSTO DE SELO                          361.111,97         

[10.2] = [6.2] X ([9] / [5])              JUROS BANC. E/OU SUP., JUR. PAPEL COMERCIAL, JUR. SWAPS, OUT. JUR.                           4.717.679,28      

[10.3] = [6.3] X ([9] / [5])              SERVIÇOS E COMISSÕES BANCÁRIOS, COMISSÕES PAPEL COMERCIAL                    356.951,83         

[10] = [10.1] + [10.2] + [10.3]      ENCARGOS FINANCEIROS IMPUTÁVEIS ÀS PARTES DE CAPITAL [CALC]                    5.435.743,07      

                                                              

[11]        MOD22IRC 2013 – VALOR ACRESCIDO Q07 C779                               0,00      

                                                              

                ENCARGOS IMPUTÁVEIS ÀS PARTES DE CAPITAL                                              

[12] = [10] – [11]              AJUSTAMENTO/CORREÇÃO RESULTADO TRIBUTÁVEL 2013                         5.435.743,07      

valores em euros

 

Fonte: Inventário das participações financeiras da A... SGPS SA (2013); Relatório de Gestão e Contas da A... SGPS SA (2013); Ficheiro de auditoria tributária para exportação de dados SAF-T (PT) integrado da A... SGPS SA (2013); IES – Informação empresarial simplificada da A... SGPS SA (2013); DR Modelo 22 IRC da A... SGPS (2013)

 

Obs1 – Mensuração das partes de capital ao valor de aquisição; Obs2 – Su«m saldo subcontas [26710000 + 26720000 + 26800000]; Obs3 – Sum saldos subcontas [25111070 a 25112090] + saldo subconta 25120080; Obs4 – saldo subconta 25410000; Obs5 – Saldo subconta 68123000; Obs6 – Sum saldo subcontas [69111000 a 69185001]; Obs7 – Sum saldo subcontas [69880100 + 69881204 + 69881209]; ; Obs8 – corresponde ao valor de [5] que couber em [2]

9. Por se ter comprovado que nas Declarações de Rendimentos Modelo 22 IRC, entregues pela A... SGPS SA à Autoridade Tributária, relativamente aos exercícios de 2012 e 2013, não foi inscrito qualquer montante no Quadro 07 Campo 779 - Encargos financeiros não dedutíveis [artigo 32.º, n.º 2 do EBF], proceder-se-á ao correspondente acréscimo/correção ao resultado tributável de 2012 e 2013 no montante de €5.565.353,39 e de €5.435.743,07, respetivamente.

Provas de Auditoria A1

(7)          – Inventário das participações financeiras da A... SGPS SA (2011, 2012 e 2013);

(8)          – Relatório de Gestão e Contas da A... SGPS SA (2011, 2012 e 2013);

(9)          – IES – Informação empresarial simplificada da A... SGPS SA (2011, 2012 e 2013);

(10)        – Declaração de Rendimentos IRC Modelo 22 da A... SGPS SA (2012 e 2013);

(11)        – Ficheiro de auditoria SAF-T (PT) Integrado da A... SGPS SA (2012 e 2013);

(12)        – Notificação/Pedido de Informações/documentos, nos termos do disposto nos artigos 9.º, 28.º, 29.º, 37.º, 42.º e 48.º do RCPITA, e artigo 134.º do CIRC de 2016/01/19.

 

A2 – Limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento [Artigo 67.º do CIRC] – 2013

 

10. Os procedimentos de inspeção/auditoria realizados, para controlo/verificação da regra da limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento líquidos de 2013, tiveram por base a análise do Relatório e Contas da A... SGPS SA de 2013, da Certificação Legal de Contas de 2013, da IES – Informação empresarial simplificada e da Declaração de Rendimentos Modelo 22 IRC, entregues pelo sujeito passivo, com referência ao exercício de 2013, do ficheiro normalizado de auditoria tributária para exportação de dados SAF-T (PT) integrado, referente ao período de 2013, exportado pelo sujeito passivo em 2016/01/29 e apresentado aos serviços de inspeção tributária em 2015/05/25, dos documentos enviados pela J... SGPS SA [atual K... SA] referentes aos contratos de compra e venda de ações da E... SGPS SA e do relatório do H... relativo à avaliação desta empresa.

11. Pode verificar-se que, na demonstração de resultados de 2013, a A... SGPS SA declarou na conta 69 – Gastos e perdas de financiamento no montante aproximado de 10,29 M€, que abrange os saldos das subcontas da 6911 – Juros de financiamento obtidos e da 6981 – Relativos a financiamento obtidos, assim como declarou na conta 79 – Juros, dividendos e outros rendimentos similares no montante de 1,85 M€, que integra os saldos das subcontas 791 – Juros obtidos, resultando evidência de gastos de financiamento líquidos de aproximadamente 8,44 M€.

12. Por outro lado, verificámos que na Declaração de Rendimentos Modelo 22 IRC 2013 – Quadro 07 Campo 748 – Limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento [artigo 67.º do CIRC] e Quadro 07 Campo 779 – Encargos financeiros não dedutíveis [artigo 32.º, n.º 2 do EBF], o sujeito passivo não acresceu ao resultado tributável qualquer valor.

13. Conforme estatuído no artigo 67.º do Código do IRC (CIRC), na redação introduzida pelo artigo 191.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (OE 2013), foi criado um novo regime de limitação à dedutibilidade dos gastos de financiamento que substituiu o regime de subcapitalização anteriormente previsto neste normativo. Nos termos do disposto no artigo 67.º, n.º 1 do CIRC «os gastos de financiamento líquidos são dedutíveis até à concorrência do maior dos seguintes limites: a) €3.000.000; ou b) 30% do resultado antes de depreciações/amortizações, gastos de financiamento líquidos e impostos». Segundo o regime transitório previsto no artigo 192.º, n.º 2 da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (OE 2013), nos períodos de tributação de 2013 a 2016 o limite percentual em função do EBITDA será de 70% [2013], 60% [2014], 50% [2015], 40% [2016].

14. Relativamente aos gastos de financiamento líquidos que não possam ser deduzidos no período de tributação podem ainda ser considerados na determinação do lucro tributável de 1 ou mais dos 5 períodos de tributação posteriores, desde que, adicionados aos gastos de financiamento desse mesmo período, não ultrapassem os limites legais previstos [cfr. Artigo 67.º, n.º 2 do CIRC].

15. Prevê o artigo 67.º, n.º 4 do CIRC que «consideram-se gastos de financiamento líquidos as importâncias devidas ou associadas à remuneração de capitais alheios, designadamente juros de descobertos bancários e de empréstimos obtidos a curto e longo prazos, juros de obrigações e outros títulos assimilados, amortizações de descontos ou de prémios relacionados com empréstimos obtidos, amortizações de custos acessórios incorridos em ligação com a obtenção de empréstimos, encargos financeiros relativos a locações financeiras, bem como as diferenças de câmbio provenientes de empréstimos em moeda estrangeira, deduzidos dos rendimentos de idêntica natureza».

16. Importa sublinhar que a restrição à dedutibilidade estabelecida no artigo 67.º do CIRC não impede a aplicação de outras condições ou limites legais para a dedutibilidade dos gastos de financiamento, nomeadamente, aquelas que resultam dos requisitos previstos no artigo 23.º, n.º 1, dos limites à dedutibilidade dos juros de suprimentos estabelecidos no artigo 45.º, n.º 1, alínea j), e do regime dos preços de transferência constante do artigo 63.º, todos do CIRC, assim como os limites a dedução dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital detidas por SGPS nos termos do disposto no artigo 32.º, n.º 2 do EBF.

17. Conforme consta do Relatório e Contas de 2013, assim como na IES – Informação Empresarial Simplificada de 2013, as demonstrações financeiras individuais da A... SGPS SA foram preparadas de acordo com as Normas Internacionais de Relato Financeiro (IAS/IFRS), tal como adotadas pela União Europeia, em vigor em 2013/01/01, sendo que as políticas contabilísticas e os critérios de mensuração adotados no exercício de 2013 foram consistentes com os aplicados na preparação da informação financeira relativa ao exercício anterior, apresentada para efeitos comparativos, exceto no que respeita às normas e interpretações cuja data de eficácia corresponde aos exercícios iniciados em/ou após 2013/01/01, da adoção das quais não resultaram impactos significativos no rendimento integral ou na posição financeira da Empresa e exceto quanto à mensuração da participação financeira detida na E... SGPS SA, que conforme referido na Nota 4, ficou relevada a 2013/12/31 pelo montante de €205.016.067,70 que a Administração considera ser o justo valor e não pela quantia que resultaria da aplicação do método do custo que constituía a política contabilística aplicável e que vinha sendo seguida [€18.782.867,92].

18. Quanto aos principais critérios valorimétricos, julgamentos e estimativas relativos a 2013 consta que os investimentos financeiros em subsidiárias, entidades conjuntamente controladas e associadas, de acordo com a IFRS 1 parágrafo 18 são mensurados pelo custo determinado de acordo com a IAS 27 ou pelo custo considerado deduzido de qualquer perda por imparidade acumulada, exceto quanto à participação financeira detida na E... SGPS SA, que conforme referido na Nota 4, ficou relevada a 2013/12/31 pelo montante que a Administração considera ser o justo valor e não pela quantia que resultaria da aplicação do método do custo [cfr. Relatório e Contas de 2013 e IES de 2013 da A... SGPS SA].

19. Conforme determina a Norma Internacional de Contabilidade – IAS 39 parágrafo 46 após o reconhecimento inicial, uma entidade deve mensurar os ativos financeiros, incluindo os derivados que sejam ativos, pelos seus justos valores sem qualquer dedução para os custos de transação em que possa incorrer na venda ou outra alienação, exceto quanto aos investimentos em instrumentos de capital próprio que não tenham um preço de mercado cotado num mercado ativo e cujo justo valor não possa ser fiavelmente mensurado os quais devem ser mensurados pelo custo.

20. Estabelece a IAS 39 – Apêndice A – parágrafo AG80 que o justo valor dos investimentos em instrumentos de capital próprio sem um preço cotado num mercado ativo para um instrumento idêntico é mensurável fiavelmente se: a) a variabilidade do intervalo de mensurações não for significativa para esse instrumento; ou b) as probabilidades das várias estimativas dentro do intervalo puderem ser razoavelmente avaliadas e usadas na mensuração pelo justo valor.

21. Contudo, segundo o disposto no IAS 39 – Apêndice A – parágrafo AG81 há muitas situações em que a variabilidade do intervalo de mensurações razoáveis de justo valor dos investimentos em instrumentos de capital próprio sem um preço cotado num mercado ativo para um instrumento idêntico não será provavelmente significativa. Normalmente é possível mensurar o justo valor de um ativo financeiro que uma entidade tenha adquirido a uma parte externa. No entanto, se o intervalo de medidas razoáveis do justo valor é significativo e as probabilidades das várias estimativas não podem ser razoavelmente avaliadas, uma entidade vê-se impedida de mensurar o instrumento pelo justo valor.

22. Sublinhe-se que, à exceção da C... SGPS que era (e é) uma sociedade cujos valores mobiliários se encontram admitidos à negociação no mercado regulamentado Euronext Lisbon, os restantes investimentos financeiros em instrumentos de capital próprio de empresas subsidiárias não tinham (nem têm) um preço de mercado cotado num mercado ativo, e considerando a informação disponível o respetivo valor não pode ser mensurado com fiabilidade, atendendo ao disposto na IAS 39, pelo que não devem ser designados pelo justo valor através dos lucros ou prejuízos.

23. Confirmámos que o SP optou por contabilizar, nas demonstrações financeiras em que adotou pela primeira vez as normas internacionais de relato financeiro (período de 2012), os investimentos em subsidiárias pelo custo, de acordo IAS 27, e na mensuração dos investimento pelo custo na sua demonstração separada da posição financeira de abertura, optou por mensurar esse investimento pelo custo considerado conforme IFRS 1, Apêndice D – parágrafos D15 e D16.

24. Cumpre acrescentar que segundo a IAS 39 – parágrafo 50 uma entidade não deve reclassificar um instrumento financeiro colocando-o na categoria de justo valor através dos lucros ou prejuízos, após o reconhecimento inicial.

25. Atente-se que, em 2012/12/31, o investimento financeiro na E... SGPS, que corresponde a 50% do capital social [25.000 ações], encontrava-se mensurado na subconta 41110191 pelo custo considerado de €18.782.867,92, correspondendo a uma valorização de €751,31 / por ação.

26. Em 2016/03/08, efetuámos pedido de elementos/confirmação externa à sociedade K... SA, NIPC..., nos termos previstos no artigo 59.º, n.º 3, alínea d), e n.º 4, e art.º 63.º da Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro, e artigos 28.º, 29.º, 37.º e 48.º do RCPITA, para enviar / apresentar neste Serviço de Inspeção Tributária, os seguintes elementos referentes à sociedade A...– SGPS SA:

             suportes documentais das transações de compra de participações financeiras efetuadas à A... – SGPS SA nos períodos de 2011, 2012 e 2013 (contratos promessa, compromissos de compra-venda, acordos vinculativos, escrituras, contratos de compra-venda, assim como anexos àqueles documentos, e/ou outros documentos particulares);

             suportes documentais dos documentos bancários correspondentes às operações referenciadas no ponto anterior (transferências bancárias, cheques, e/ou outros documentos bancários comprovativos da aquisição destas participações financeiras).

27. Pode comprovar-se que através de Contrato de Compra e Venda de Ações, datado de 2011/01/25, celebrado entre a A... SGPS SA, na qualidade de vendedora, e J... SGPS SA [atual K... SA], na qualidade de compradora, efetuou-se a alienação de 20.000 ações ao portador, integralmente realizadas e com direito a voto, com valor nominal de €1,00 / cada, representativas de 40% da totalidade do capital social da E... SGPS SA, livres de quaisquer ónus ou encargos, pelo preço global de €24.500.000, correspondendo a uma valorização de €1.225 / por ação. Verificámos que através do Cheque n.º..., sacado sobre o L..., datado de 2011/01/25, a J... SGPS SA efetuou o pagamento à A... SGPS SA do preço global acordado de €24.500.000.

28. Por outro lado, através de Contrato Promessa de Compra e Venda de Ações, datado de 2011/02/15, celebrado entre a A... SGPS SA, na qualidade de promitente vendedora, e J... SGPS SA, na qualidade de promitente compradora, o sujeito passivo prometeu vender 5.000 ações ao portador, representativas de 10% da totalidade do capital social da E... SGPS SA, livres de quaisquer ónus ou encargos, pelo preço global de €6.468.175, correspondendo a uma valorização de €1.293,64 / por ação.

29. Verificámos que a J... SGPS SA efetuou o pagamento à A... SGPS SA a título de sinal no montante de €3.405.675, através do Cheque n.º..., sacado sobre o L..., datado de 2011/03/15, e através de transferência bancária do H... [CONTA K...] para o M... [conta A... SGPS] no valor de €343.175.

30. Em 2012/04/27, após verificação das condições prévias estabelecidas no Contrato Promessa de Compra e Venda de Ações [CPCV], datado de 2011/03/15, as partes acordaram na conversão em definitivo daquele CPCV em Contrato de Compra e Venda de Ações confirmando-se a venda à J... SGPS SA de participação de 10% do capital social da E... SGPS SA no valor de €6.468.175.

31. Comprovámos com base no ficheiro de auditoria tributária para exportação de dados SAF-T (PT) Integrado da A... SGPS, referente ao período de 2013, que o aumento do valor da participação de 50% no capital social da E... SGPS SA foi relevada na contabilidade da N...“2013-12-31 SA. ...”, datada de 2013-12-31, com data de gravação de 2014-08-01, que se traduziu num movimento contabilístico a débito na subconta 41110191 –E...-Percentagem capitais próprios no montante de €186.233.199,78, por contrapartida do registo a crédito na subconta de rendimentos 77200000 – Ganhos por aumentos de justo valor em investimentos financeiros [vide quadro 13].

 

Quadro 13 – Transação contabilística da A... SGPS SA referente ao aumento do valor da participação de 50%$ na E... SGPS SA

TRANSACTION

ID_CA1 TRANSACTION

DATE_CA1          ACCOUNT ID_CA1           ACCOUNT DESCRIPTION_BA1    SYSTEM ENTRYDATE_CA1            DEBIT

AMOUNT_CA1 CREDIT

AMOUNT_CA1

 

2013-12-31

SA ...    

31-12-2013        

41110191            

E...-Percentagem

capitais próprios             

01-08-2014        

186.233.199,78 

0,00

                                                                                             

 

2013-12-31

SA ...    

31-12-2013        

77200000            

Em investimentos financeiros   

01-08-2014        

0,00      

186.233.199,78

                                                                                             

Fonte: Ficheiro de auditoria SAF-T (PT) Integrado da A... SGPS SA (2013)

 

32. Após este registo contabilístico o investimento financeiro na E... SGPS [25.000 ações correspondentes a 50% do capital social] ficou mensurado na subconta 41110191 pelo montante de €205.016.067,70 que a Administração da A... SGPS considera ser o justo valor, correspondendo a uma valorização de €8.200,64 / por ação.

33. Verificámos que o suporte documental desta transação contabilística é um documento elaborado pelo H... referente à avaliação da empresa E... SGPS SA com referência a 31 de dezembro de 2013, na sequência da proposta de entrega de ações da E... SGPS SA para liquidação da venda de 20% da participação que o O... SA detém na P... SGPS SA.

34. Conforme consta daquele documento a avaliação financeira e a recomendação de valor do H... basearam-se em informação histórica e prospetiva e em dados financeiros disponibilizados pela administração da E... SGPS SA, designadamente Relatório e Contas de 2012 desta sociedade, da Q... SA, Demonstrações Financeiras de 2012 da R... SA e S... SGPS SA, Demonstrações Financeiras de 2013 provisórias, não auditadas, daquelas empresas, assim como informação financeira prospetiva.

35. O H... declara naquele documento que o trabalho de avaliação esteve sujeito às seguintes limitações de âmbito:

             não se procedeu à realização de qualquer análise de due diligence e/ou de auditoria, revisão, ou compilação quer das demonstrações financeiras históricas quer das prospetivas, de acordo com os padrões e auditoria geralmente aceites;

             teve por base informações fornecidas pela administração da E... SGPS, e com exceção do Projeto ... não foram apresentadas avaliações independentes dos ativos das empresas;

             não se procedeu a qualquer verificação da informação financeira disponibilizada pelo que não se expressa uma opinião ou assume qualquer forma de garantia no que respeita à sua exatidão e abrangência;

             trabalho de avaliação não tem por objetivo a emissão de uma recomendação de investimento ou desinvestimento, nem de assessoria fiscal ou contabilística;

             não se procedeu à análise detalhada e aprofundada dos seguintes assuntos: (1) assuntos de natureza legal, (2) aspetos de natureza ambiental e custos associados com as respetivas correções, (3) avaliação dos montantes de recursos de minério, e (4) litígios e outros passivos contingentes que não estão registados no balanço.

36. A avaliação dos capitais próprios da E... SGPS SA efetuada através da utilização do método dos cash flows descontados, resulta da diferença entre os cash flows dos projetos disponível para distribuição descontados para a data de referência da avaliação e a Dívida Financeira Líquida.

 

Quadro 14 – Avaliação da E... SGPS através da utilização do método dos cash flows descontados

                               CENÁRIO APRESENTADO P/

ADMINISTRAÇÃO            CENÁRIO H...

                               Conservador      Otimista              Conservador      Otimista

[1]          Valor do Negócio

100% E... SGPS SA           NPV = 415,7 M€               NPV = 537,7 M€               NPV = 333,3 M€               NPV = 411,4 M€

[2]          Dívida Financeira Líquida

E... SGPS SA (*) 48,6 M€               48,6 M€               48,6 M€               48,6 M€

[3]=[1]-[2]          Valor dos Capitais Próprios

 100% E... SGPS SA          367,2 M€            489,2 M€            284,7 M€             362,8 M€

Fonte: Relatório do H... referente à avaliação da E... SGPS SA (março de 2014)

(*) valores das Demonstrações Financeiras a 2013/12/31 provisórios e não auditados

37. Segundo o relatório do H..., procedeu-se também à avaliação da Q... através do método dos múltiplos de empresas semelhantes, considerando como base de comparação o EV/EBIT 2013 referente a 26 empresas europeias que operam no setor mineiro.

 

Quadro 15 – Avaliação da Q... através da utilização do método do múltiplo implícito EV/EBIT 2013

                Q...

2013      CENÁRIO APRESENTADO P/

ADMINISTRAÇÃO            CENÁRIO H...

                               Conservador      Otimista              Conservador      Otimista

EBIT (*) €19.828.039        12,12x   15,48x   10,12x   12,40x

EV = EBIT x Múltiplo Implícito     240,3 M€            307 M€ 200,6 M€             245,8 M€

Fonte: Relatório do H... referente à avaliação da E... SGPS SA (março de 2014)

38. Para além das limitações de âmbito apontadas no trabalho de avaliação do H..., comprovámos que o intervalo de medidas razoáveis do justo valor é significativo e as probabilidades das várias estimativas não podem ser razoavelmente avaliadas, pelo que entendemos que a A... SGPS SA estava impedida de mensurar o instrumento pelo justo valor.

39. Atente-se que, em 2014/07/08, data em que a administração da A... SGPS SA terá aprovado e autorizado a emissão das demonstrações financeiras de 2013, conforme consta do Relatório de Gestão e Contas da A... SGPS SA ainda decorriam as negociações tendo em vista a venda de 10% do capital social da E... SGPS SA.

40. Comprovámos também que na Certificação Legal de Contas de 2013, o ROC emitiu uma opinião modificada e com reservas sustentando que “(…) 7. Conforme referido na Nota 4 do Anexo às Demonstrações Financeiras, a participação financeira de 50% detida no capital da E... SGPS SA, que se encontrava registada pelo método do custo por €18.782.868, ficou relevada em 31/12/2013 por €205.016.068, de que resultou o reconhecimento de um ganho no montante de €186.233.200. Apesar da quantia pela qual a participação financeira ficou escriturada ter sido determinada pela Administração com base na avaliação efetuada por uma entidade independente com a qual está a ser negociada a alienação de 10% do capital daquela participada, trata-se de uma alteração isolada da política contabilística que vinha sendo seguida pelo que o ativo, o capital próprio e o resultado líquido do período se encontram sobrevalorizados em € 186.233.200.”

41. Verificámos que na declaração de rendimentos modelo 22 IRC 2013 da A... SGPS SA – Q07 Campo 759 – ajustamentos não tributáveis decorrentes da aplicação do justo valor [artigo 18.º, n.º 9, do CIRC] foi deduzido ao resultado tributável o montante de € 186.233.200 anulando os rendimentos/ganhos relevados na demonstração de resultados que decorreram da alteração da política contabilística de mensuração da participação financeira detida na E... SGPS SA, contudo, por se ter comprovado que na situação descrita deve manter-se a mensuração desta participação financeira pelo custo, o resultado líquido do período 2013 deve ser ajustado/reduzido em € 186.233.200, não havendo necessidade de qualquer dedução a efetuar ao resultado tributável.

42. Assim, o resultado antes de depreciações, gastos de financiamento e impostos [EBITDA] de 2013 no montante de €94.307.579,23 encontra-se também sobrevalorizado em € 186.233.200, pelo que os gastos de financiamento líquidos de 2013 no valor de €8.438.417,21 devem concorrer para a determinação do lucro tributável apenas até ao limite de €3.000.000, em cumprimento da regra de limitação à dedutibilidade dos gastos de financiamento líquidos instituída no artigo 67.º do Código do IRC (redação OE 2013).

43. Importa salientar que, caso os gastos de financiamento devidos ou associados à remuneração de capitais alheios fossem dedutíveis na íntegra dever-se-ia acrescer ao resultado tributável o valor de €5.438.417,21 que excede o limite de €3.000.000.

44. Contudo, e por se ter comprovado que uma parte substancial dos gastos de financiamento foram suportados com a aquisição de partes de capital, e atendendo ao disposto no artigo 32.º, n.º 2, do EBF conjugado com o artigo 67.º do CIRC, no apuramento dos gastos de financiamento líquidos de 2013 há que deduzir os encargos financeiros imputáveis às partes de capital, com exceção do imposto de selo, não dedutíveis para efeitos de tributação [cfr. quadro 12 encargos financeiros imputáveis às partes de capital não dedutíveis para efeitos de tributação em sede de IRC da A... SGPS SA 2013 (exceto imposto de selo) = 10.2 + 10.3 = €4.717.679,28 + €356.951,83 = €5.074.631,11], resultando GFL 2013 = €8.438.417,21 - €5.074.631,11 = €3.363.786,10. Resulta que dever-se-á acrescer ao resultado tributável de 2013 o valor de €363.786,10 que corresponde ao excesso para o limite legal de €3.000.000.

 

Provas de Auditoria A2

(12)        – Relatório de Gestão e Contas da A... SGPS SA (2013);

(13)        – IES – Informação empresarial simplificada da A... SGPS SA (2013);

(14)        – Declaração de Rendimentos IRC Modelo 22 da A... SGPS SA (2013);

(15)        – Ficheiro de auditoria SAF-T (PT) Integrado da A... SGPS SA (2013);

(16)        – Contrato de Compra e Venda de Ações da E... SGPS SA de 2011/01/25;

(17)        – Cheque n.º..., sacado sobre o L..., datado de 2011/01/25, referente ao pagamento efetuado pela J... SGPS SA à A... SGPS SA do preço global acordado de venda de 40% do capital social da E... SGPS SA €24.500.000;

(18)        – Contrato Promessa de Compra e Venda de Ações da E... SGPS SA de 2011/03/15;

(19)        – Cheque n.º..., sacado sobre o L..., datado de 2011/03/15 e transferência bancária do H... [conta J...] para o M... [conta A...SGPS], referentes ao pagamento efetuado pela J... SGPS SA à A... SGPS SA a título de sinal no montante de €3.405.675;

(20)        – Verificação das condições prévias e conversão em definitivo do contrato promessa de compra e venda de ações da sociedade E... SGPS SA de 2012/04/27;

(21)        – Relatório do H... de avaliação da E... SGPS SA com referência a 2013/12/31;

(22)        – Certificação Legal de Contas da E... SGPS SA (2013).

 

A3 – 50% Perdas por reduções de justo valor em instrumentos de capital próprio

[Artigo 45.º, n.º 3 do CIRC] - 2012 e 2013

 

45. A A... SGPS SA recorre a instrumentos financeiros derivados na gestão dos seus riscos financeiros, designadamente Interest Rate Swaps como forma de garantir a cobertura do risco de variabilidade da taxa de juro de empréstimos obtidos, sendo também titular de instrumentos de capital próprio em empresas cujos valores mobiliários se encontram admitidos à negociação em mercado regulamentado, em que detém ações representativas de menos de 5% do capital social dessas empresas.

46. Por aplicação das Normas Internacionais de Contabilidade – IAS 32 Instrumentos Financeiros: Apresentação, IAS 39 Instrumentos Financeiros: Reconhecimento e Mensuração e IFRS 7 Instrumentos Financeiros: Divulgações, o sujeito passivo reconhece as variações de justo valor dos instrumentos financeiros derivados Interest Rate Swaps através dos lucros ou prejuízos, na medida em que não se encontram reunidas as condições para que fossem elegíveis para a contabilidade de cobertura, assim como os instrumentos de capital próprio em empresas cujos valores mobiliários se encontram admitidos à negociação em mercados regulamentados são mensurados ao justo valor por contrapartida de resultados.

47. Pode verificar-se que a A... SGPS SA registou na conta 661 - Perdas por Reduções de Justo Valor - Em Instrumentos Financeiros, nos exercícios de 2012 e 2013, os montantes de €3.174.810,73 e de €315.973,55, parte das quais reportam a perdas em instrumentos de capital próprio em empresas cujos valores mobiliários se encontram admitidos à negociação em mercado regulamentado, correspondentes a participação no capital social inferior a 5%, e que nos termos previstos no art. 18.º, n.º 9, do CIRC concorrem para a determinação do resultado tributável.

 

Quadro 16 – Registos contabilísticos na conta 661 da A... SGPS referente às perdas por reduções de justo valor em instrumentos de capital próprio / ações cotadas representativas de participação no capital < 5% – 2012

ACCOUNT

ID_CA1 ACCOUNT

DESCRIPTION_BA1         TRANSACTION ID_CA1  TRANSACTION DATE_CA1           SYSTEM ENTRYDATE_CA1            DEBIT

AMOUNT_CA1 CREDIT

AMOUNT_CA1

 

66100000             PERDAS P/RED JV –

INSTRUMENTOS

FINANC.              2012-03-31 SA

...           

31-03-2012        

26-05-2012        

145.872,56         

0,00

14290400             ... TECHNOLOG. 2012-03-31 SA

...           

31-03-2012         26-05-2012          0,00       145.872,56

Fonte: Ficheiro de auditoria SAF-T (PT) Integrado da A... SGPS SA (2012)

 

Quadro 17 – Registos contabilísticos na conta 661 da A... SGPS referente às perdas por reduções de justo valor em instrumentos de capital próprio / ações cotadas representativas de participação no capital < 5% – 2013

ACCOUNT

ID_CA1 ACCOUNT

DESCRIPTION_BA1         TRANSACTION ID_CA1  TRANSACTION DATE_CA1           SYSTEM ENTRYDATE_CA1            DEBIT

AMOUNT_CA1 CREDIT

AMOUNT_CA1

14290340             ...            2013-03-31

SA ...    

31-03-2013        

05-06-2013        

0,00      

18.850,00

 

66100000             PERDAS P/RED JV –

INSTRUMENTOS

FINANC.              2013-03-31

SA. ...   

31-03-2013        

05-06-2013        

18.850,00           

0,00

14290340             ...            2013-12-31

SA ...    

31-12-2013        

25-03-2014        

0,00      

139.490,00

 

66100000             PERDAS P/RED JV –

INSTRUMENTOS

FINANC.              2013-12-31

SA ...    

31-12-2013        

25-03-2014        

139.490,00         

0,00

Fonte: Ficheiro de auditoria SAF-T (PT) Integrado da A... SGPS SA (2013)

48. Contudo, conforme determina o artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC [redação vigente em 2012/12/31 e 2013/12/31] ‹‹a diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor».

49. Resulta, assim, que as perdas por reduções de justo valor referentes a instrumentos de capital próprio em empresas cujos valores mobiliários se encontram admitidos à negociação em mercado regulamentado, correspondentes a participação no capital social inferior a 5%, apenas podem ser aceites para efeitos de tributação em 50% do respetivo valor, pelo que há que acrescer ao resultado tributável de 2012 e de 2013 os montantes de €72.936,28 [€145.872,56 x 50%] e de €79.170 [€158.340 × 50%], respetivamente.

 

Provas de Auditoria A3

(4)          – Relatório de Gestão e Contas da A... SGPS SA (2012 e 2013);

(5)          – Declaração de Rendimentos IRC Modelo 22 da A...  SGPS SA (2012 e 2013);

(6)          – Ficheiro de auditoria SAF-T (PT) Integrado da A... SGPS SA (2012 e 2013).

 

A4 – 50% Variações patrimoniais negativas por reduções de justo valor relativas a partes de capital que derivam dos ajustamentos de transição do POC para o SNC - 2012 e 2013

 

50. Verificámos que, em 2010/01/01, data da transição do Plano Oficial de Contabilidade para o Sistema de Normalização Contabilística [SNC], a A... SGPS SA por aplicação da NCRF 27 - Instrumentos Financeiros, procedeu à alteração da mensuração dos instrumentos de capital próprio detidos para negociação em empresas cujos valores mobiliários se encontram admitidos à negociação em mercado regulamentado, que se encontravam mensurados ao custo de aquisição para o justo valor por contrapartida de resultados.

51. Atente-se que, segundo o disposto na Norma Contabilística e de Relato Financeiro 3 - Adoção pela primeira vez das normas contabilísticas e de relato financeiro, uma entidade deve preparar um balanço de abertura de acordo com as NCRF, devendo ter em consideração determinadas regras, exceto nos casos em que esta norma prevê exceções ou proíbe aplicação retrospetiva: a) reconhecimento de todos os ativos e passivos, nos termos em que tal seja requerido pelas NCRF; b) desreconhecimento de ativos ou passivos que, nos termos das NCRF não sejam de reconhecer como tal; c) reclassificação de itens que eram reconhecidos como determinado tipo de ativo, passivo ou capital próprio no âmbito dos PCGA anteriores, mas que devem ser reconhecidos como um tipo diferente de acordo com as NCRF; d) mensuração de todos os ativos e passivos reconhecidos, de acordo com os princípios estabelecidos nas NCRF [NCRF 3 - parágrafos 8].

52. As políticas contabilísticas que uma entidade usa no seu balanço de abertura de acordo com as NCRF podem diferir das anteriores resultando em ajustamentos que derivam de acontecimentos e transações anteriores à data da transição para o SNC, pelo que a entidade deve reconhecer esses ajustamentos diretamente nos resultados transitados ou noutro item do capital próprio à data da transição para o SNC [cfr. NCRF 3 - parágrafo 5 e NCRF 3 - Apêndice].

53. Importa sublinhar que, através decreto-lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, que procedeu à adaptação do Código do IRC às normas internacionais de contabilidade adotadas pela União Europeia e ao Sistema de Normalização Contabilística, foi aprovado no artigo 5.º um regime transitório que determina que os ajustamentos nos capitais próprios decorrentes da adoção, pela primeira vez, do SNC, que sejam considerados fiscalmente relevantes nos termos previstos no Código do IRC e respetiva legislação complementar, resultantes do reconhecimento ou do não reconhecimento de ativos ou passivos, ou de alterações na respetiva mensuração, concorram em partes iguais para a determinação do resultado tributável do primeiro período em que se verifique a aplicação daquelas normas e dos quatro períodos de tributação seguintes.

54. Verificámos que nas Declarações de Rendimentos Modelo 22 IRC de 2012 e 2013 da A... SGPS SA – Quadro 07 Campo 703 – variações patrimoniais positivas [regime transitório previsto no artigo 5.º, n.ºs 1, 5 e 6 do Decreto Lei n.º 159/2009, de 13 de julho] foi acrescido ao resultado tributável o valor de €516.435,29, correspondente a 1/5 do saldo das variações patrimoniais positivas e negativas que decorre da alteração da mensuração dos instrumentos de capital próprio detidos para negociação em empresas cujos valores mobiliários se encontram admitidos a negociação em mercado regulamentado, que se encontravam mensurados ao custo de aquisição para o justo valor por contrapartida de resultados.

55. Todavia, conforme determina o artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC [redação vigente em 2012/12/31 e 2013/12/31] ‹‹a diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor».

56. Atendendo que na determinação da variação patrimonial acrescida ao resultado tributável constam ajustamentos/variações patrimoniais negativas relativas a instrumentos de capital próprio detidos para negociação em empresas cujos valores mobiliários se encontram admitidos à negociação em mercado regulamentado, resultantes do ajustamento de transição supra referido, apenas são dedutíveis para efeitos de tributação em 50%, segundo o disposto no artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC, há que acrescer ao resultado tributável dos períodos de 2012 e 2013 o montante de €719.414,20, conforme quadro 18 que abaixo segue:

 

Quadro 18 – Variações patrimoniais negativas relativas a instrumentos de capital próprio detidos para negociação em empresas cujos valores mobiliários se encontram admitidos à negociação em mercado regulamentado apuradas, em 2010/01/01, na transição do POC para o SNC – 2012 e 2013

Conta

do SNC Ações   Ajustamento de Transição           1/5 Ajustamento de Transição [aplicação do Reg. Transitório

 art.º 5.º DL 159/2009]   50% variação patrimonial negativa não aceite para

efeitos de tributação IRC

14210050             H...         -6.029.846,64     -1.205.969,33     -602.984,66

14210160             JJ...         -36.274,16           -7.254,83             -3.627,42

14210270             KK...       -87.843,79           -17.568,76           -8.784,38

14210400             LL...        -219.238,97        -43.847,79           -21.923,90

14210410             MM...   -457.402,76        -91.480,55           -45.740,28

14210440             NN...     -282.639,42        -56.527,88           -28.263,94

14210460             OO...     -6.039,14             -1.207,83             -603,91

14210580             PP...       -37.424,17           -7.484,83             -3.742,42

14210600             QQ...     -30.343,48           -6.068,70             -3.034,35

14210700             RR...       -7.089,43             -1.417,89             -708,94

                TOTAL   -7.194.141,96     -1.438.828,39     -719.414,20

Fonte: Informação prestada pela A... SGPS SA no âmbito do procedimento externo de inspeção – OI2014...

 

Provas de Auditoria A4

(5)          – Relatório de Gestão e Contas da A... SGPS SA (2011, 2012 e 2013);

(6)          – Declaração de Rendimentos IRC Modelo 22 da A... SGPS SA (2011, 2012 e 2013);

(7)          – Ficheiro de auditoria SAF-T (PT) Integrado da A... SGPS SA (2012 e 2013);

(8)          – Informação prestada pela A... SGPS SA no âmbito do procedimento externo de inspeção – OI2014... .

57. Por se ter comprovado que, nos períodos de 2012 e 2013, a A... SGPS SA contabilizou gastos de financiamento, resultantes da aquisição de partes de capital, que não são dedutíveis para efeitos de tributação em sede de IRC, nos termos do disposto no artigo 32.º, n.º 2, do EBF [vide A1 | 2012 | €5.565.353,39; A1 | 2013 | €5.435.743,07], por se ter apurado haver incumprimento da regra de limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento prevista no artigo 67.º do Código do IRC [vide A2 | 2013 | €363.786,10], por se ter confirmado que 50% das perdas por reduções de justo valor relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio não podem ser dedutíveis ao resultado tributável, nos termos do disposto no artigo 45.º, n.º 3, do CIRC [vide A3 | 2012 | €72.936,28; A3 | 2013 [€79.170,00], assim como por se ter comprovado que 50% das variações patrimoniais negativas que derivam dos ajustamentos de transição do POC para o SNC, relacionadas com perdas por reduções de justo valor relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, não podem ser dedutíveis ao resultado tributável, nos termos do disposto no artigo 45.º, n.º 3, do CIRC e regime transitório previsto no artigo 5.º, n.ºs 1, 5 e 6 do DL 159/2009, de 13/07 [vide A4 / 2012 | €719.414,20; A4 | 2013 | €719.414,20].

58. Em face do exposto, propõe-se a correção do rendimento tributável em sede de IRC da A... SGPS SA, relativamente aos períodos de 2012 e 2013, por força do disposto no artigo 17.º, n.ºs 1 e 3, e art.º 45.º, n.º 3, art.º 67.º, do Código do IRC, artigo 32.º, n.º 2, do EBF, no valor total de €6.357.703,87 e de €6.598.113,37, respetivamente, conforme quadros 19 e 20 que seguem:

 

[…]

Quadro 20 – Correção/acréscimo ao resultado tributável em sede de IRC da A... SGPS SA – 2013

RESULTADO TRIBUTÁVEL

A... SGPS SA       Exercício de 2013

                Declarado           Correção             Corrigido

PREJUÍZO PARA EFEITOS FISCAIS              -7.753.914,57     6.598.113,37       -1.155.801,20

valores em euros

[…]

 

IX. Direito de Audição - Fundamentação

 

Tendo sido notificado em 2016/05/18 - n/ ofício n.º..., nos termos previstos no artigo 60.º da LGT e artigo 60.º do RCPITA, o sujeito passivo exerceu o direito de audição cuja análise consta dos pontos que seguem.

 

Cumpre sublinhar que, ao contrário do referido no direito de audição, os serviços de inspeção tributária solicitaram logo no início do procedimento externo de inspeção, em 2015/09/01, diversos documentos/ficheiros contabilísticos tendo obtido resposta por 4 maiI's, em 2015/10/02, por parte da interlocutora da A... SGPS SA - Dra. T... (...com). Após análise/verificação dos documentos/ficheiros contabilísticos apresentados efetuámos pedido de elementos adicionais, através de notificação pessoal da TOC do sujeito passivo, em 2016/01/19, na sequência de sucessivos adiamentos solicitados pela interlocutora Dra. T..., no período de 16 de novembro de 2015 a 15 de janeiro de 2016, assim como notificámos a A... SGPS, em 2016/01/28 e 2016/04/28, dos fundamentos da prorrogação do prazo do procedimento externo de inspeção, por mais três meses, nos termos do artigo 36.º, n.º 3, alínea a) do RCPITA, por haver especial complexidade quer em termos de trabalho de investigação, quer em termos de apreciação técnico-jurídica dos factos, na medida em que se apuraram riscos significativos de distorção material do resultado tributável referentes a transações significativas com partes relacionadas, aplicação/derrogação de políticas contabilísticas que determinam a mensuração de ativos e réditos nas demonstrações financeiras que parecem não estar em concordância com Normas Internacionais de Relato Financeiro (IAS/IFRS), indicadores de incumprimento da limitação à dedutibilidade dos gastos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital detidas por SGPS (artigo 32.º EBF) e/ou dos gastos de financiamento líquidos (artigo 67.º do Código do IRC). Atendendo a que estas matérias envolvem julgamentos difíceis e potencialmente contenciosos, que exigem à inspeção tributária a recolha prova de auditoria suficiente e apropriada, por meio da conceção e implementação de respostas aos riscos significativos de distorção material identificados, sendo que o trabalho de inspeção ainda não estava concluído naquelas datas.

 

No que respeita aos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital que, atendendo ao disposto no artigo 32.º, n.º 2, do EBF, não são dedutíveis ao resultado tributável, resulta do trabalho de inspeção realizado e do relatório elaborado prova suficiente e apropriada para sustentar o acréscimo/correção ao resultado tributável de 2012 e 2013 no montante de €5.565.353,39 e de €5.435.743,07, respetivamente.

 

Atente-se que, em resposta à n/ notificação datada de 2016/01/19, a A... SGPS SA não procedeu à identificação do método utilizado, nos períodos de 2012 e 2013 - afetação direta, específica ou outro - para imputação dos passivos remunerados, quer aos empréstimos remunerados por si concedidos as partes relacionadas e/ou outras operações financeiras ativas, quer aos restantes ativos, designadamente, aquisição de participações financeiras, assim como não apresentou aos serviços de inspeção tributária discriminação dos cálculos que justificam a aplicação do método de imputação utilizado que possibilite o controlo dos gastos de financiamento suportados com a aquisição de partes de capital que, nos termos previstos no artigo 32.º, n.º 2 do EBF, não são dedutíveis ao resultado tributável dos períodos de 2012 e 2013, pelo que teve que proceder-se à imputação dos encargos financeiros suportados pela A... SGPS SA com a aquisição de participações financeiras através da utilização da fórmula prevista na Circular n.º 7/2004, de 30 de março, da DSIRC, cujos cálculos foram efetuados com base em informações, elementos contabilísticos e declarações apresentados/entregues pelo sujeito passivo à Autoridade Tributária.

 

Quanto à correção resultante do incumprimento da regra de limitação à dedutibilidade de gastos de financiamento líquidos de 2013 no valor de €363.786,10, comprovámos e demonstrámos que a A... SGPS SA procedeu à alteração da política contabilística de mensuração da participação financeira detida na E... SGPS SA, sem observância dos normativos internacionais de contabilidade (IAS/IFRS), tendo-se recolhido prova de auditoria suficiente e apropriada de que o sujeito passivo estava impedido de mensurar este investimento financeiro pelo justo valor, devendo manter-se a sua mensuração pelo custo, sendo que o resultado antes de depreciações, gastos de financiamento e impostos [EBITDA] de 2013 no montante de €94.307.579,23 encontra-se sobrevalorizado em €186.233.200. Importa salientar que na Certificação Legal de Contas de 2013, o ROC emitiu uma opinião modificada e com reservas sustentando que “(...) 7. Conforme referido na Nota 4 do Anexo às Demonstrações Financeiras, a participação financeira de 50% detida no capital da E... SGPS SA, que se encontrava registada pelo método do custo por €18.782.868, ficou relevada em 31/12/2013 por €205.016.068, de que resultou o reconhecimento de um ganho no montante de €186.233.200. Apesar da quantia pela qual a participação financeira ficou escriturada ter sido determinada pela Administração com base na avaliação efetuada por uma entidade independente com a qual está a ser negociada a alienação de 10% do capital daquela participada, trata-se de uma alteração isolada da política contabilística que vinha sendo seguida pelo que o ativo, o capital próprio e o resultado líquido do período se encontram sobrevalorizados em €186.233.200."

 

Comprovámos e demonstrámos que os gastos de financiamento líquidos de 2013 perfazem o valor de €3.363.786,10, após dedução dos encargos financeiros imputáveis às partes de capital, com exceção do imposto de selo, e por se ter apurado no trabalho de inspeção que o EBITDA de 2013 é negativo, estes GFL 2013 apenas podem concorrer para a determinação do lucro tributável até ao limite de €3.000.000, em cumprimento da regra de limitação à dedutibilidade dos gastos de financiamento líquidos instituída no artigo 67.º do Código do IRC (redação OE 2013), encontrando-se, assim, devidamente sustentada e fundamentada a correção/acréscimo ao resultado tributável de 2013 no valor de €363.786,10. Atente-se que, caso os gastos de financiamento devidos ou associados à remuneração de capitais alheios fossem dedutíveis na íntegra, dever-se-ia acrescer ao resultado tributável o valor de €5.438.417,21.

 

Por outro lado, quanto à correção de 50% das perdas por reduções de justo valor relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio que não podem ser dedutíveis ao resultado tributável, comprovámos e demonstrámos que a A... SGPS SA, registou nos exercícios de 2012 e 2013, perdas por reduções de justo valor referentes a instrumentos de capital próprio em empresas cujos valores mobiliários se encontram admitidos à negociação em mercado regulamentado, correspondentes a participação no capital social inferior a 5%, nos montantes de €145.872,56 e de €158.340, respetivamente, que nos termos previstos no artigo 18.º, n.º 9, do CIRC concorrem para a determinação do resultado tributável, e por cumprimento do disposto no artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC [redação vigente em 2012/12/31 e 2013/12/31], apenas podem ser aceites para efeitos de tributação em 50%, constituindo este normativo o fundamento legal do acréscimo/correção nos montantes de €72.936,28 [€145.872,56 x 50%] e de €79.170 [€158.340 x 50%], respetivamente.

 

Por último, no que respeita à correção de 50% variações patrimoniais negativas por reduções de justo valor relativas a partes de capital que derivam dos ajustamentos de transição do POC para o SNC, verificámos que nas Declarações de Rendimentos Modelo 22 IRC de 2012 e 2013 da A... SGPS SA – Quadro 07 Campo 703 – variações patrimoniais positivas [regime transitório previsto no artigo 5.º, n.ºs 1, 5 e 6 do Decreto Lei n.º 159/2009, de 13 de julho] foi acrescido ao resultado tributável o valor de €516.435,29, correspondente a 1/5 do saldo das variações patrimoniais positivas e negativas que decorre da alteração da mensuração dos instrumentos de capital próprio detidos para negociação em empresas cujos valores mobiliários se encontram admitidos à negociação em mercado regulamentado, que se encontravam mensurados ao custo de aquisição para o justo valor por contrapartida de resultados, e por se ter comprovado e demonstrado que na determinação da variação patrimonial acrescida ao resultado tributável constam ajustamentos/variações patrimoniais negativas relativas a instrumentos de capital próprio detidos para negociação em empresas cujos valores mobiliários se encontram admitidos à negociação em mercado regulamentado, resultantes do ajustamento de transição supra referido, apenas são dedutíveis para efeitos de tributação em 50%, segundo o disposto no artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC, está justificado/fundamentado o acréscimo/correção de €719.414,20, nos períodos de 2012 e 2013, conforme consta do Relatório de Inspeção.

 

A administração da A... SGPS, no exercício do direito de audição, não apresentou argumentos que sustentem a desconformidade dos factos e conclusões apuradas pelos serviços de inspeção tributária, e também não apresentou quaisquer documentos de prova adicionais que justifiquem a necessidade de reformulação do n/ relatório, pelo que entendemos que devem manter-se as correções / acréscimos ao resultado tributável de 2012 e 2013 no valor total de €6.357.703,87 e de €6.598.113,37, respetivamente.”

 

                N. A Requerente foi notificada da liquidação de IRC n.º 2016..., com data de 28 de junho de 2016, respeitante ao exercício de 2013, da qual resultou a redução dos seus prejuízos fiscais (de € 7.753.914,57) para € 1.155.801,20 – cf. documento 1 junto com o ppa e PA.

 

                O. Não se conformando com o referido ato tributário, a Requerente apresentou reclamação graciosa em 4 de novembro de 2016 a qual veio a ser indeferida por despacho do Chefe de Divisão da Direção de Finanças de..., por delegação, em 24 de novembro de 2017, do que a Requerente veio a ser notificada, e que foi antecedido do correspondente projeto. A decisão de indeferimento é fundada numa informação dos serviços que contém argumentos idênticos aos constantes do RIT – cf. documentos 6 e 7 juntos com o ppa e PA.

 

P. Em discordância com as correções à matéria coletável de IRC constantes da acima identificada liquidação de imposto (IRC), a Requerente apresentou no sistema informático do CAAD, em 5 de março de 2018, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo que deu origem ao presente processo.

 

MOTIVAÇÃO E FACTOS NÃO PROVADOS

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se, essencialmente, nas posições assumidas pelas partes que são, no essencial, coincidentes e na análise crítica da prova documental junta aos autos.

 

O depoimento das testemunhas inquiridas, F..., Diretor Financeiro da  Requerente, e T..., consultora fiscal, sem prejuízo de se afigurar objetivo, em geral não contribuiu para a comprovação da matéria de facto, exceto na parte referente à descrição, pelo primeiro, da atividade de centralização da função financeira da Requerente relativamente às sociedades participadas, que complementou a prova do(s) facto(s) constante(s) do ponto C supra. No mais, seja porque os depoimentos recaíram sobre matéria passível de prova por documentos, seja, no caso da segunda testemunha, por desconhecimento, ou por não incidir sobre factos, mas sobre o respetivo enquadramento jurídico-tributário, a prova testemunhal não se revelou útil.

 

Não se provou a alegação da Requerente de que jamais contraiu financiamentos para aquisição de quaisquer partes de capital.

 

Com relevo para a decisão não existem outros factos alegados que devam considerar-se não provados.

 

4.            DO DIREITO

 

2.1. DELIMITAÇÃO DAS QUESTÕES A DECIDIR

 

Estão fundamentalmente em discussão três correções à matéria tributável da Requerente, a saber:

 

(iv)         A não aceitação da dedução de encargos financeiros, ao abrigo do artigo 32.º, n.º 2 do EBF;

(v)          A desconsideração de 50% das perdas derivadas de mensuração de instrumentos financeiros pelo justo valor através de resultados, abrangendo quer as relativas aos ajustamentos de transição do POC para o SNC, quer as resultantes do próprio exercício (2013); e

(vi)         A não aceitação da dedução de gastos de financiamento, por aplicação do limite previsto no artigo 67.º do Código do IRC.

 

Em relação a estas correções, a Requerente suscita vícios de ordem formal e substantiva que se apreciam de seguida.

 

Atento o disposto no artigo 124.º do CPPT, que se entende subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do RJAT, na ausência de vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado, a ordem de apreciação dos vícios deve ser a que determine, segundo o prudente critério do julgador, a mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos. Uma vez os efeitos da procedência dos vícios imputados ao ato são semelhantes sob o prisma da estabilidade e eficácia da tutela dos interesses da Requerente , segue-se a ordem por esta indicada.

 

2.2. SOBRE OS VÍCIOS DO PROCEDIMENTO INSPETIVO

 

                A ação inspetiva de que a Requerente foi alvo, com referência ao exercício de 2013, teve duas prorrogações por períodos consecutivos de três meses e o seu âmbito foi alargado, na segunda prorrogação, de parcial [IRC] para geral.

 

                Sobre esta matéria determina o artigo 36.º do RCIPTA que o procedimento de inspeção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início, podendo ser ampliado por mais dois períodos de três meses em determinadas circunstâncias de especial complexidade como sejam, entre outras, as resultantes do volume de operações, da dispersão geográfica ou da integração em grupos económicos nacionais ou internacionais (n.ºs 2 e 3, alínea a) da citada norma). De acordo com o artigo 15.º, n.º 1 do RCPIT, esta ampliação de prazo bem como a alteração dos fins e/ou do âmbito do procedimento inspetivo devem ser objeto de despacho fundamentado da entidade que o(s) tiver ordenado, o qual deve ser notificado à entidade inspecionada.

 

                Segundo a Requerente, do ofício de notificação da segunda prorrogação da inspeção, datado de 27 de abril de 2016, não consta o despacho que a determinou, nem os seus fundamentos, pelo que não só violou a disciplina do RCPIT acima citada, como a prorrogação enferma de absoluta falta de fundamentação, que afeta, também, a alteração do seu âmbito de parcial [IRC] para geral.

 

                Verifica-se, no entanto, a existência do despacho de extensão e alteração de âmbito da ação inspetiva. Com efeito, esta segunda prorrogação foi ordenada por despacho de 27 de abril de 2016, que se fundamenta expressamente na informação dos serviços da mesma data, na qual são explicitados os motivos da ampliação e da necessidade da segunda prorrogação da ação inspetiva, que se prendem com o “controlo/verificação da situação tributária global dos deveres tributários do sujeito passivo, designadamente em sede de Imposto de Selo e de Imposto sobre o Valor Acrescentado”  e com a complexidade da investigação dos factos e da apreciação técnico-jurídica, respetivamente.

 

Deste modo, não está em falta o despacho fundamentado que a Requerente alega, sendo que o ofício de notificação à Requerente faz uma referência e remissão expressa para “os fundamentos que constam da informação que segue em anexo”.

 

Por outro lado, a eventual falta de notificação do despacho e respetiva fundamentação, não afeta a perfeição do ato notificado, nem sobre este projeta invalidade, uma vez que a notificação configura uma simples condição de eficácia. Neste domínio, rege o artigo 37.º do CPPT, que concede ao interessado, em caso de comunicação ou notificação insuficiente, a faculdade de, “dentro de 30 dias ou dentro do prazo para reclamação, recurso ou impugnação ou outro meio judicial que desta decisão caiba, se inferior, requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento”, suspendendo-se o prazo para acionar os meios de reação até à notificação ou entrega da certidão que tenha sido requerida (n.ºs 1 e 2).

 

A Requerente tinha, pois, ao seu dispor a faculdade de solicitar a comunicação da fundamentação do ato notificado (de alteração de âmbito e de prorrogação de prazo do procedimento inspetivo), beneficiando, enquanto tal pretensão não fosse satisfeita, da suspensão da contagem do prazo (de caducidade) de reação contra o ato, efeito que acautela as garantias de defesa do contribuinte.

 

                Refira-se também que, no que se refere à alteração de âmbito da inspeção, de parcial [IRC] para geral, mesmo em caso de invalidade, esta não afetaria a ação inspetiva relativamente ao segmento do IRC, pois desde o início que o procedimento visa o IRC, tendo o alargamento incidido sobre outros impostos que não constituem objeto desta ação centrada em exclusivo nos ajustamentos à matéria tributável de IRC.  

               

O entendimento explanado é o que perfilha a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), referindo-se a título ilustrativo o Acórdão de 3 de maio de 2006, processo n.º 154/06, segundo o qual “fundamentação do ato e notificação da fundamentação são realidades diversas, apenas a primeira constituindo vício de forma determinante da anulabilidade daquele.”. No mesmo sentido refere o Acórdão do STA, de 16 de novembro de 2016, no processo n.º 954/16, que “uma coisa é a fundamentação do ato e outra é a comunicação desses fundamentos ao interessado: enquanto aquela constitui um vício suscetível de determinar a anulação do ato que dela padeça, o incumprimento ou cumprimento defeituoso do dever de comunicação dos fundamentos não se podem refletir na validade do ato comunicando.

 

                Convém assinalar que a situação vertente não tem paralelismo com aquela que foi apreciada no recente Acórdão do STA, de 19 de setembro de 2018, no processo n.º 1460/17, que a Requerente invoca em sede de alegações. Nesta última, o contribuinte só foi informado da extensão e da alteração de âmbito no momento da conclusão da ação inspetiva, ou seja, ex post facto, traduzindo-se num “facto consumado”. Como refere o aresto do STA, nesse caso, ocorre a “omissão de uma formalidade essencial do procedimento inspetivo, invalidante dos posteriores termos procedimentais, designadamente da liquidação posterior que neles se suporta” (no mesmo sentido também o Acórdão do STA de 15 de junho de 2016, processo n.º 1101/15).

 

                Com efeito, o artigo 42.º do RCPIT prevê que a notificação dos atos de inspeção possa ser efetuada no momento da sua prática ou em momento anterior e nunca em momento posterior.

 

                Porém, no caso em análise, a Requerente foi informada, em momento prévio e de forma atempada (e não apenas no momento da respetiva conclusão), por ofício da Direção de Finanças de ... da extensão da ação inspetiva e da alteração de âmbito. Por outro lado, a notificação é expressa e clara quanto à “alteração de âmbito parcial para geral, assim como da prorrogação por mais três meses”. A circunstância de, porventura, não ter sido acompanhada do anexo, que vem referido no próprio ofício de notificação, com a informação que continha os respetivos fundamentos, não determina, ao contrário do que reclama a Requerente, a invalidade do ato. Esta incompletude parcial é uma deficiência do ato de notificação e não do ato notificado e o seu regime consta do citado artigo 37.º do CPPT, que não prevê qualquer efeito cominatório de invalidade (anulabilidade) do ato notificado. Cabia à Requerente, de acordo com a solução legal, a faculdade de requerer a notificação dos requisitos omitidos ou a emissão de certidão que os contivesse, com a suspensão do decurso do prazo para exercer os meios de defesa. Nenhum outro efeito decorre da lei.

 

                De salientar ainda que, de acordo com o entendimento do Acórdão do STA de 25 de fevereiro de 2015, no processo n.º 709/14, “a preterição de formalidades na ação de inspeção - ultrapassagem do prazo máximo de 6 meses para a conclusão do procedimento de inspeção a que se refere o n.º 2 do artigo 36º do RCPIT - de âmbito parcial” não seria inevitavelmente geradora da anulação dos atos tributários de liquidação emitidos. Como aí salientado “já este Supremo Tribunal, bem como o Tribunal Constitucional, tiveram oportunidade de se pronunciar quanto à mesma [questão], tendo-se aí concluído que a ilegal prorrogação do prazo para a realização da inspeção parcial ou univalente não sequência necessariamente, a se, a ilegalidade da liquidação mas apenas a cessação do efeito suspensivo da própria inspeção, pelo que corre, então, desde o início, o prazo de caducidade da liquidação - artigo 46.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária.”

 

                Adicionalmente, a Requerente suscita a invalidade do procedimento por não ter sido cumprido o disposto no n.º artigo 60.º, n.º 1, que, no seu entender, determina que o “projeto de conclusões do relatório inspetivo deve ser notificado ao contribuinte no prazo de 10 dias contado da data da conclusão dos atos de inspeção – os quais, nos termos do artigo 61º do RCPIT, consideram-se concluídos com a notificação da nota de diligência” (transcrição do artigo 28.º do ppa).

 

                Todavia, a norma invocada pela Requerente relativa ao projeto de conclusões (artigo 60.º, n.º 1 do RCPIT) não contém aquela estipulação de prazo. De notar que o n.º 4 do artigo 60.º do RCPIT determina o prazo de 10 dias, mas para a “elaboração” do “relatório definitivo” e não para a “notificação” do “projeto”, contando-se o referido prazo a partir do exercício, escrito ou oral, do direito de audição e não da conclusão dos atos de inspeção como refere a Requerente.

 

                Assim, a argumentação expendida pela Requerente não tem qualquer suporte na disciplina legal aplicável, pelo que padece de erro de direito. Acresce que, mesmo que tal suporte se constatasse (que não se constata), a Requerente não satisfez o ónus de alegação de factos concretos dos quais emergisse a solução jurídica preconizada, desde logo, as datas relevantes de “conclusão dos atos de inspeção”, da “notificação da nota de diligência” e da notificação do “projeto de conclusões”.

 

                À face do exposto, conclui-se que o procedimento inspetivo não contém os vícios de falta de fundamentação e de violação lei arguidos pela Requerente, não tendo sido ultrapassados os prazos de duração do procedimento de inspeção previstos no artigo 36.º, n.ºs 2 e 3 do RCPIT, pelo que o ato consequente de liquidação aqui impugnado não foi praticado com ofensa das normas jurídicas invocadas e não é anulável em razão de vícios procedimentais.

 

2.3. ENCARGOS FINANCEIROS NÃO DEDUTÍVEIS – ARTIGO 32.º, N.º 2 DO EBF

 

C.            VÍCIO DE FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO

 

A Requerente começa por invocar que o afastamento da dedução fiscal em IRC dos encargos financeiros por si suportados não está suficientemente fundamentada, em virtude de a AT não ter demonstrado que os financiamentos se destinaram à aquisição de participações sociais e de ter presumido indevidamente essa conexão sem adesão à realidade, o que equivale a vício de falta de fundamentação nos termos do artigo 153.º do CPA.

 

Não se pode, porém, aderir à tese da Requerente, que labora em erro sobre a natureza do vício formal de falta de fundamentação. O dever de fundamentação desempenha a função primordial de permitir que o destinatário do ato se inteire das razões que subjazem à decisão, permitindo o controlo da sua validade através da análise dos respetivos pressupostos e o acesso à garantia contenciosa. O novo CPA densifica, na sua extensão e requisitos, o dever de fundamentação (artigos 152.º a 154.º) que, em matéria tributária, é, especificamente regulado pelo artigo 77.º da LGT, nos seguintes termos:

 

“Artigo 77.º

Fundamentação e eficácia

1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo. […]”

 

Seguindo a jurisprudência do STA, a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal de ato e visa responder às necessidades de esclarecimento do contribuinte, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática e por que motivo se decidiu num sentido e não noutro (cf. Acórdão do STA, de 2 de fevereiro de 2006, processo n.º 01114/05).

 

A fundamentação pode ser sucinta e per relationem, desde que se encontre garantida a função de dar a conhecer o iter cognoscitivo e valorativo do ato. Um ato está suficientemente fundamentado sempre que um destinatário normal, colocado perante o mesmo, possa ficar ciente das razões que sustentam a decisão nele prolatada (cf. Acórdão do STA, de 20 de novembro de 2002, processo n.º 42180). E ainda que se encontra devidamente fundamentado o ato que, de forma direta ou por remissão, contém a indicação contextual dos motivos de facto e de direito que permitem ao seu destinatário normal, apreender o raciocínio decisório, as causas e o sentido da decisão (cf. Acórdão do STA, de 14 de março de 2001, processo n.º 46796).

 

Compulsados os autos arbitrais, constata-se que o Relatório de Inspeção contém, com clareza e suficiente grau de detalhe os argumentos, de facto e de direito, nos quais a AT alicerçou a correção da matéria tributável de IRC, que se prendem com a aplicação da fórmula de quantificação de encargos financeiros não dedutíveis constante da Circular n.º 7/2004, em aplicação do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, por entender tratar-se de um caso em que não lhe era possível [à AT] a aplicação de um método de afetação direta ou específica que, interpelada para o efeito, a Requerente não forneceu.

 

Estes argumentos foram bem percecionados pela Requerente que contra os mesmos esgrime uma extensa oposição de 469 artigos e 118 páginas (exclusivamente dedicadas à correção dos encargos financeiros realizada ao abrigo do artigo 32.º, n.º 2 do EBF). A Requerente compreendeu os factos e o enquadramento técnico preconizado pela AT, entendeu o seu sentido e alcance.

 

Questão distinta é a de saber se a Requerente discorda da fundamentação por não considerar verificados ou demonstrados os pressupostos de tributação nela retratados. Neste caso não se trata de apreciar o vício formal de falta de fundamentação, mas a validade substantiva do ato tributário, que de seguida se aprecia. 

 

Pelas razões expostas, improcede a invocação do vício de falta de fundamentação suscitado pela Requerente em relação à correção dos encargos financeiros nos termos do artigo 32.º, n.º 2 do EBF.

 

D.           VÍCIOS MATERIAIS

 

O tema da indedutibilidade dos encargos financeiros prevista no artigo 32.º, n.º 2 do EBF tem sido amplamente discutido na jurisprudência e também na doutrina, dado o grau de incompletude da previsão legislativa que, em caso de dificuldade ou até mesmo impossibilidade de as SGPS identificarem uma conexão direta e específica entre os recursos financeiros que obtêm e a sua aplicação, na multiplicidade e diversidade das finalidades existentes, deixa em aberto a forma de aplicar o preceito.

 

Dispunha este artigo, à data dos factos, o seguinte:

 

“Artigo 32.º

Sociedades gestoras de participações sociais (SGPS)

1 – [Revogado pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro]

2 – As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.

3 – (…)”

 

Trata-se de uma solução equilibrada no sentido em que faz corresponder a exclusão de tributação das mais-valias à irrelevância fiscal dos encargos financeiros associados às participações sociais que as produziram, pois de outra forma verificar-se-ia um duplo benefício, o de não tributação do rendimento e a simultânea dedução dos encargos financeiros incorridos na sua obtenção, como salientado no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 750/2017, de 15 de novembro : “decidiu o legislador prever um regime tributário mais favorável para essas sociedades [SGPS], desconsiderando, para o apuramento do lucro tributável em IRC, as mais valias realizadas com a alienação de partes de capital detidas durante mais de um ano, a que se associou, de modo a impedir a obtenção de uma dupla vantagem radicada no mesmo pressuposto económico, a exclusão da dedutibilidade dos custos financeiros incorridos com tal aquisição.”

 

                Daqui decorre, sem mais, a manifesta improcedência da pretensa ofensa deste preceito a princípios constitucionais como o vigente para a tributação do rendimento das pessoas coletivas, da tributação (tendencialmente) baseada no rendimento efetivo, pelo que não assiste à Requerente razão neste ponto.

 

                No entanto, e como acima se referiu, a incompletude parcial do preceito com as inerentes dificuldades de aplicação prática, conduziram à definição e adoção pela AT de uma metodologia de imputação dos encargos financeiros à aquisição de participações sociais, regulamentada na Circular n.º 7/2004, de 30 de março, com base na qual foi desconsiderada uma parcela significativa dos encargos financeiros suportados pela Requerente em 2013.

 

Determina o n.º 7 da referida Circular que: “[q]uanto ao método a utilizar para efeitos de afetação dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais, dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afetação direta ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efetuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR  deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afetando-se o remanescente aos restantes ativos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respetivo custo de aquisição.”

 

Sobre esta matéria, em particular acerca das condições de validade da dimensão interpretativa do artigo 32.º, n.º 2 alcançada pela Circular n.º 7/2004, que, segundo entendemos, estabelece um método verdadeiramente indireto e presuntivo de afetação dos encargos financeiros das SGPS para efeitos de cálculo do seu lucro tributável, acompanha-se a jurisprudência do STA, designadamente os Acórdãos proferidos nos processos n.ºs 1111/16, de 18 de abril de 2018; 1157/17, de 31 de janeiro de 2018; 745/15, de 24 de janeiro de 2018; 1292/16, de 29 de novembro de 2017; 364/14, de 21 de junho de 2017; 1229/15, de 31 de maio de 2017, e 227/16, de 8 de março de 2017 . De igual modo, seguimos as decisões arbitrais de 29 de setembro de 2018, processo n.º 84/2018-T; de 17 de junho de 2016, processo n.º 738/2015-T; e de 12 de novembro de 2015, processo n.º 326/2015-T , cuja factualidade e/ou vícios arguidos são similares aos suscitados no presente processo, ainda que respeitantes a outros exercícios.

 

Começando pelo ónus da prova, coloca-se a questão de saber se recaía sobre a Requerente a demonstração de que os encargos financeiros incorridos no âmbito da atividade não eram conexos com a aquisição de participações sociais, por estar em causa a aplicação de um benefício fiscal (artigo 74.º da LGT), circunstância em que, não o tendo feito, poderiam aqueles ser desconsiderados, como em parte o veio a fazer a AT.

 

Não obstante, em matéria de não dedução de encargos financeiros não se pode afirmar que se trata da aplicação de um benefício fiscal.

A este respeito acolhe-se a fundamentação expendida na decisão do processo arbitral n.º 326/2015-T, de 12 de novembro de 2015, segundo a qual:

“Na verdade, embora em matéria de benefícios fiscais existam normas especiais de que se infere que o ónus da prova dos factos necessários para deles usufruir cabe a quem os invoca (artigos 14.º, n.º 2, e 74.º, n.º 1, da LGT), na específica situação em apreço não se está perante a invocação de pressupostos de benefícios fiscais, pois a parte do artigo 32.º, n.º 2, do EBF que prevê a não dedutibilidade dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital não estabelece um benefício fiscal, mas sim uma limitação à dedutibilidade de encargos financeiros, negativa para o contribuinte, estabelecida com a finalidade de atenuar o regime fiscalmente favorecido de que usufruem as SGPS em relação às sociedades em geral.

Por isso, ao determinar a não dedutibilidade do[s] encargos financeiros, a Autoridade Tributária e Aduaneira está levar a cabo uma atividade de natureza desfavorável para o contribuinte, pelo que lhe cabe o ónus da prova dos factos que invocar para fundamentar a sua atuação, designadamente, ao optar pela utilização de método indireto de determinação da matéria tributável, de provar que se verificava algum ou alguns dos pressupostos legais da sua aplicação, indicados no artigo 87.º da LGT, como decorre do n.º 3 do artigo 74.º da LGT. Será esta a regra especial do ónus da prova a aplicável aos casos de uso de métodos indiretos de determinação da matéria tributável e não a regra geral do artigo 74.º, n.º 1, invocada pela Requerente. “

 

                Deste modo, assente, por não ser controvertido, que os encargos financeiros suportados pela Requerente o foram no âmbito do desenvolvimento da sua atividade – sendo, portanto, dedutíveis de acordo com o regime-regra de dedução dos gastos e perdas contido no artigo 23.º, n.º 1 e n.º 2, alínea c) do Código do IRC –, para preencher a hipótese normativa do artigo 32.º, n.º 2 do EBF e aplicar a sua estatuição, competia à AT demonstrar de duas uma: (i) ou os pressupostos da conexão direta daqueles encargos (na medida em que o fossem) com a aquisição de participações sociais, ou (ii) os pressupostos de aplicação de métodos indiretos para estabelecer essa mesma conexão que respeitam à impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata. Afigura-se que nem uma, nem outra.

 

A AT considera que não se está sequer perante a aplicação de um método indireto, mas de um método de repartição proporcional, asserção com a qual não podemos concordar. Sem prejuízo de a fórmula utilizada se basear numa proporção, trata-se efetivamente de um raciocínio presuntivo, que parte de factos conhecidos para firmar um facto desconhecido (artigo 349.º do Código Civil). Acresce que está longe de ser um dado que as premissas dessa presunção sejam as adequadas à imputação ou afetação pretendida (entre passivos remunerados e a aquisição de participações sociais).

A conduta omissiva de que a AT acusa a Requerente, por esta não lhe ter prestado esclarecimentos ou fornecido dados sobre a afetação específica ou direta dos encargos financeiros às participações sociais, mais admitindo não ser capaz de o fazer, não se afigura  censurável do ponto de vista da consistência das alegações da Requerente, que afirma não ter afetado quaisquer financiamentos obtidos à aquisição de partes sociais (em coerência com o declarado na modelo 22 de IRC, na qual não acresceu esses encargos no Quadro 07, Campo 779) e que, em qualquer caso, dada a complexidade da sua vida financeira, tal seria inexequível.

 

Além do mais, este argumento da AT não preenche os pressupostos da avaliação indireta que, independentemente da sinceridade da Requerente, reclama que a AT demonstre a impossibilidade objetiva de comprovação e quantificação diretas (artigos 87.º, n.º 1 e 90.º, n.º 1 da LGT), não podendo o regime da Circular operar como sanção de uma conduta.

 

Com efeito, mesmo que em abstrato não seja acolhida uma tese de liminar invalidade do método da Circular n.º 7/2004, ou da sua incompatibilidade com o preceituado no artigo 32.º, n.º 2 do EBF, como se afigura ser o entendimento do Acórdão do STA de 8 de março de 2017, no processo n.º 227/16 , a qualificação desse método como presuntivo implica o seu enquadramento no regime de avaliação indireta que é, de acordo com o sistema vigente, subsidiário do da avaliação direta, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indireta nos casos e condições expressamente previstos na lei, em concordância com o princípio constitucional de tributação das empresas fundamentalmente com base no seu rendimento real (artigo 104.º, n.º 2 da CRP).

 

Neste sentido, como conclui o Acórdão do STA, de 24 de janeiro de 2018, no processo n.º 745/15: “não vindo expressamente invocado pela AT que no caso concreto da recorrente se imponha o recurso a um método de avaliação indireto, o que lhe competia nos termos do disposto no artigo 74º, n.º 3 da LGT, em caso de determinação da matéria tributável por métodos indiretos compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respetiva quantificação-, não se pode valer da dita “norma administrativa” da Circular em análise para manter a autoliquidação efetuada de acordo com a mesma.”

 

                Nestes termos, tendo em conta as regras do ónus da prova acima expendidas, a AT não satisfez as condições de afetação direta ínsitas no artigo 32.º, n.º 2 do EBF, nem demonstrou os pressupostos de aplicação de métodos de avaliação indireta (artigos 87.º, n.º 1, alínea a) da LGT e 74.º, n.º 3 da LGT) .

 

Por outro lado, sobre o recurso à Circular, conforme salienta a decisão arbitral relativa ao processo n.º 738/2015:

 

                “A falta de previsão do legislador abriu, quer a insegurança jurídica patente em toda a conflitualidade emergente das correções feitas pela AT com base na Circular n.º 7/2004, quer, forçoso é reconhecê-lo, uma verdadeira autoestrada de obstrução fácil à aplicação da lei, através do mero recurso a uma opacidade calculada nos fluxos de financiamentos e respetivas afetações. Na ausência de contratos de financiamento vinculados pelo fim da aquisição de uma certa participação financeira, a identificação de um nexo, juridicamente sustentado, entre encargos financeiros suportados e uma concreta aquisição de partes sociais torna-se tarefa inviabilizável com excessiva facilidade, ainda que não fosse inviável de raiz.

Como alega a AT e a Requerente aceita, no caso vertente esta não elaborou qualquer mapa de afetações, apesar de ter sido notificada do projeto de RIT, com as correções atrás especificadas, para exercício do direito de pronúncia. Em casos como este, mostra-se impossível – mas também irrelevante no contexto de um contencioso de mera anulação, pelo que nenhum juízo o Tribunal formula a este respeito – determinar se a impossibilidade de afetação real é autêntica ou é meramente tática.

O que importa para a decisão é que a AT determinou os encargos financeiros que entendeu terem sido suportados pela Requerente para adquirir as participações sociais recorrendo ao método previsto no ponto 7 da Circular n.º 7/2014.

Sobre a ilegalidade destas correções, o Tribunal acompanha vários arestos da Arbitragem Tributária, que não identificam suporte legal para a interpretação veiculada na Circular e feita, in casu, pela AT. Acompanhando, em particular, o argumentário e as referências doutrinárias vertidos no Processo n.º 326/2015-T, dir-se-á que “as normas relativas à liquidação de tributos, designadamente, as que definem a incidência e os benefícios fiscais, estão subordinadas ao princípio da legalidade, estando consequentemente afastada a possibilidade de, por via administrativa, serem criadas normas de que resulte uma efetiva oneração para os contribuintes (…) O ponto 7 da Circular n.º 7/2014 consubstancia uma norma de natureza inovadora sobre a determinação da matéria tributável de IRC e, em última análise, sobre a amplitude de um benefício fiscal, pelo que é inválida por violação do princípio da legalidade.” E, mais adiante, “era este o método direto o que deveria ter sido utilizado, pois a Autoridade Tributária e Aduaneira não pode fazer uso de um método indireto para determinar a matéria tributável da Requerente sem estarem reunidos os requisitos legais de que a lei faz depender a sua utilização, previstos nos artigos 85.º e 87.º da LGT, e não pode usar para a quantificação da matéria tributável critérios não previstos na lei (artigo 90.º da LGT).”

Por outras palavras, não se vê que venha juridicamente sustentada, em termos de ser a melhor interpretação da lei, a tese – defendida pela AT – de que “não há ilegalidade na aplicação do n.º 2 do art. 32.º do EBF na fórmula constante da Circular n.º 7/2004, ainda que não seja possível à AT e ao contribuinte proceder a uma afetação específica ou direta, dado que qualquer método (direto ou indireto) é bom, desde que respeitada a ratio legis da norma.”

E não é juridicamente sustentável em termos de ser a melhor interpretação da lei porquanto há que dar cumprimento à norma nos seus precisos termos, segundo os quais o aplicador da lei tem que desconsiderar os encargos financeiros suportados com a aquisição das participações sociais cujas mais-valias, quando realizadas, estão isentas, o que só pode licitamente fazer se puder identificar a relação entre os financiamentos usados e a aquisição das participações sociais (cujas mais-valias, quando realizadas, estão isentas), segregando-os dos usados para outras afetações, como sejam as de fazer financiamentos a participadas.

Defende também a AT que, “caso contrário, corria-se o risco de dar relevância fiscal aos encargos financeiros ao mesmo tempo que se isentava as mais-valias que advieram da alienação das participações, o que violaria o princípio da neutralidade fiscal e conduziria a uma solução contra legem (só assim não seria se se consagrasse na lei uma solução – que não existe – que estabelecesse que, não podendo os sujeitos passivos demonstrar a afetação direta, não poderiam beneficiar da isenção das mais-valias de partes de capital que viessem a alienar).” A asserção é pertinente, mas esse risco, bem evidente, devia – e só podia – ter sido prevenido pelo legislador. Não é um risco que uma Circular praeter legem possa vir reparar.

A AT refere ainda que “é infundada a alegada violação do princípio da legalidade vertido no artigo 103.º, n.ºs 2 e 3, da CRP, na medida em que a Circular não alterou nem desvirtuou a estatuição legal do n.º 2 do artigo 32.º do EBF.” Nisto tem a AT razão, pois a Circular em causa não é, no entender do Tribunal, contra legem. Porém, basta que seja, como abundante jurisprudência o tem decidido, praeter legem, para lhe faltar o incontornável amparo de uma lei habilitante.”

 

De igual modo, em situação exatamente idêntica à dos presentes autos, respeitante a um exercício anterior, a decisão arbitral no processo n.º 84/2018 dispõe em sentido idêntico ao preconizado, numa interpretação do artigo 32.º, n.º 2 do EBF que reclama que a imputação de encargos à aquisição de participações sociais seja direta e que aqui se sufraga nas suas conclusões.

 

Elucida este aresto que “tem de se concluir que o seu teor literal [do artigo 32.º, n.º 2 do EBF] indica que tão só os encargos financeiros que estejam conexionados com a aquisição de participações sociais são abrangidos pela indedutibilidade que aí se estabelece.

Para além de ser esta a interpretação que resulta do teor literal, ela é corroborada pela explicação para a sua introdução no EBF que foi dada no Relatório do Orçamento do Estado para 2003 (Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro).

Na verdade, como se refere na Circular n.º 7/2004, o regime desta norma foi introduzido no EBF pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, que aprovou o  Orçamento do Estado para 2003, dando nova redação ao artigo 31.º, cujo regime passou a constar do artigo 32.º depois da renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de junho.

[…]

No referido Relatório do Orçamento do Estado para 2003 , depois de se constatar uma quebra na execução orçamental em 2002 quanto ao IRC anuncia-se a introdução de várias medidas visando o «alargamento da base tributável e medidas de moralização e neutralidade», entre as quais a da indedutibilidade dos encargos de natureza financeira diretamente associados à aquisição de partes sociais por parte das SGPS, que se anuncia nos seguintes termos:

                «Estabelece-se a desconsideração da dedutibilidade, para efeitos de determinação do lucro tributável, dos encargos de natureza financeira diretamente associados à aquisição de partes sociais por parte das SGPS»;

 

É inequívoco, assim, que se pretendeu que apenas os encargos financeiros diretamente associados à aquisição de partes sociais ficassem abrangidos pela indedutibilidade.

Por aquela referência expressa no Relatório à necessidade de os encargos financeiros estarem diretamente associados à aquisição de partes sociais (que também está expressa no texto da norma através da referência aos «encargos financeiros com a sua aquisição»), conclui-se que não basta, para determinar a indedutibilidade de encargos financeiros, a constatação de que a SGPS é titular de participações sociais e suportou encargos financeiros, sendo necessário demonstrar que há uma relação direta entre certos encargos financeiros e a aquisição de determinadas participações sociais.

É corolário desta interpretação, imposta pelo teor literal do artigo 32.º, n.º 2, que, se determinadas participações não foram adquiridas com passivos geradores de encargos financeiros (designadamente, as obtidas por entradas em espécie ou com utilização de capitais próprios), elas são irrelevantes para efeito da aplicação daquela norma, na parte que se reporta à indedutibilidade de encargos financeiros.

É também corolário desta interpretação que, relativamente às participações sociais adquiridas com financiamentos geradores de encargos, apenas os encargos derivados dos financiamentos relativos à sua aquisição são indedutíveis.

Não há assim suporte legal para afastar a regra da dedutibilidade de encargos financeiros, que consta da alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, em relação a encargos que não estejam diretamente associados à aquisição de participações sociais.

Por isso, é claro, à face da letra da parte final do n.º 1 do artigo 32.º e da explicação dada no Relatório do Orçamento para 2003, que a indedutibilidade de encargos apenas se aplica aos que forem diretamente derivados de financiamentos utilizados para aquisição de participações sociais.

Sendo este o regime que está previsto na lei, ele não pode ser alterado por via regulamentar, pois preceitos criados por atos de natureza legislativa não podem ser, com eficácia externa, interpretados, integrados, modificados, suspensos ou revogados por atos de outra natureza (artigo 112.º, n.º 5, da CRP).

Para além disso, como defende a Requerente, o artigo 32.º, n.º 2, do EBF é uma norma que versa sobre a incidência tributária, em sentido lado, ao influenciar decisivamente a determinação da matéria tributável, pelo que está incluída na reserva de lei, nos termos dos artigos 103.º, n. 2, e 165.º,n.º 1, alínea i), da CRP.

No caso em apreço, não se demonstrou que qualquer das participações sociais tivesse sido adquirida com financiamentos, designadamente que gerassem encargos em 2012.

Relativamente às participações adquiridas em 2012, não se coloca a questão da aplicabilidade do regime do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, pois não tinham sido adquiridas há mais de um ano e foram consideradas na fórmula utilizada valores de participações adquiridas no ano de 2012 a F..., Lda. e D... SGSP, SA.).

Para além disso, como defende a Requerente, também não há fundamento para ser relevante o valor dos encargos financeiros e das participações registados na contabilidade em 31-12-2012 e não ao longo do ano.

Neste contexto, a prova produzida aponta no sentido de as participações sociais não terem sido adquiridas com financiamentos que tivessem gerado encargos em 2012.

No mínimo, estar-se-á perante uma situação de dúvida fundada que, nos termos do artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, justifica a anulação do ato tributário.

De qualquer modo, basta o facto de a correção efetuada se ter baseado no método referido no ponto 7. da Circular n.º 7/2004, não previsto na lei, para ter de se concluir pela ilegalidade da correção efetuada, à face da mais recente jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo […]”. 

 

Atento o exposto, é de concluir que a liquidação de IRC efetuada e a decisão da reclamação graciosa que a confirmou enfermam de vício de violação de lei por erro de direito, na interpretação e aplicação do artigo 32.º, n.º 2 do EBF e por violação do princípio da legalidade tributária, pelo que este fundamento é inválido para suportar a liquidação de IRC que, nessa medida, é parcialmente anulável, nos termos do artigo 163.º, n.º 1 do CPA.

 

Fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento das demais questões colocadas sobre esta correção.

 

2.4. MENSURAÇÃO PELO JUSTO VALOR – LIMITE DE 50% DA DEDUÇÃO DOS GASTOS – ARTIGO 45.º, N.º 3 DO CÓDIGO DO IRC

 

E.            ENQUADRAMENTO PRELIMINAR

 

                A Requerente opõe-se à aplicação do limite de 50% à dedução das perdas e variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital, previsto no artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC, em vigor à data dos factos, subjacente às correções à matéria tributável declarada do IRC de 2013, nas importâncias de € 79.170, com referência a reduções de justo valor em instrumentos de capital próprio, e de € 719.414,20, reportadas a variações patrimoniais negativas por reduções de justo valor relativas a partes de capital que derivam dos ajustamentos de transição do POC para o SNC, as quais se tratam conjuntamente por ser a mesma a questão de direito a dilucidar.

 

Trata-se de matéria que também já foi apreciada pela jurisprudência, no que acompanhamos, por concordância com os respetivos fundamentos, o sentido das decisões dos processos n.º 582/17, de 6 de junho de 2018 (STA) e arbitrais n.º 108/2013-T, de 25 de novembro de 2013; 776/2014-T, de 18 de junho de 2015, e 84/2018-T, de 25 de setembro de 2018, em linha com a posição da Requerente.

 

As normas em concatenação dispunham, à data dos factos (2013), o seguinte:

 

“Artigo 18.º

Periodização do lucro tributável

[…]

9 — Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados, exceto quando:

a) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, tratando-se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, direta ou indiretamente, uma participação no capital superior a 5% do respetivo capital social; ou

b) Tal se encontre expressamente previsto neste Código.

[…]

 

Artigo 23.º

Gastos

1 — Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:

[…]

i) Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros;

[…]

 

Artigo 45.º

Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais

[…]

3 — A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.

[…]

 

Artigo 46.º

Conceito de mais-valias e de menos-valias

1 — Consideram-se mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere e, bem assim, os decorrentes de sinistros ou os resultantes da afetação permanente a fins alheios à atividade exercida, respeitantes a:

a) Ativos fixos tangíveis, ativos intangíveis, ativos biológicos que não sejam consumíveis e propriedades de investimento, ainda que qualquer destes ativos tenha sido reclassificado como ativo não corrente detido para venda;

b) Instrumentos financeiros, com exceção dos reconhecidos pelo justo valor nos termos das alíneas a) e b) do n.º 9 do artigo 18.º.

[…]”.

 

Interessa relembrar que o ponto de partida dos ajustamentos efetuados pela AT nesta sede é o entendimento de que o legislador optou por uma redação abrangente e genérica que não inclui na previsão do artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC qualquer ponderação de circunstâncias particulares das operações concretas que originam as menos-valias, bem como outras perdas e variações patrimoniais negativas. Assim, quaisquer perdas, gastos ou variações patrimoniais negativas que respeitem a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, independentemente do modo e local de realização das operações concretas que lhes tenham dado origem, apenas seriam consideradas em metade do seu valor. A norma em apreço, à semelhança de outras dispersas pelo compêndio do IRC, tem subjacente o propósito de atenuar os efeitos de práticas de erosão na base tributável sufragados pelo Tribunal Constitucional.

 

Para a AT o conceito de “perdas” ínsito no artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC reveste uma formulação aberta, no âmbito da qual se enquadra todo o tipo de perdas relativas a partes de capital, incluindo as perdas potenciais. Desta forma, o legislador, ao consagrar o conceito amplo de perdas, não pretendeu excluir quaisquer perdas atinentes a partes de capital, que sejam refletidas na contabilidade, e não afastou expressamente as perdas potenciais resultantes da aplicação do justo valor a instrumentos financeiros, quer as registadas em contas de gastos e perdas, quer em contas de capital próprio.

 

De acordo com esta posição, carece de sentido a tentativa de defender que o artigo 18.º, n.º 9, alínea a) e o artigo 45.º, n.º 3, ambos do Código do IRC, se excluem mutuamente, por este último não contemplar na sua previsão literal factos que sejam qualificáveis como “gastos”, mesmo que relativos a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, resultante de uma leitura descontextualizada em que releva a estrita questão semântica em redor dos “custos”, “perdas” ou “gastos” que conduz a uma interpretação redutora do âmbito da norma.

 

Embora cada um dos referidos termos tenha um significado próprio, a dicotomia entre “gastos” e “perdas” só pode qualificar-se, no entender da AT, como uma imprecisão terminológica do legislador sem consequências na interpretação dos citados preceitos, reforçando que nem poderia ser de outro modo, de acordo com o artigo 17.º, n.º 1 do Código do IRC, já que, no Código de Contas do SNC, a conta #661, onde são registados os ajustamentos negativos decorrentes da utilização do justo valor, sempre foi denominada de “Perdas por reduções de justo valor em instrumentos financeiros”, tendo aquela imprecisão sido corrigida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, com a substituição nos mencionados preceitos de “gastos” por “perdas”.

 

A ideia de que no artigo 18.º, n.º 9 do Código do IRC é definido o tratamento fiscal dos ajustamentos positivos ou negativos decorrentes da aplicação do justo valor a instrumentos de capital próprio com preço formado num mercado regulamentado constitui, na perspetiva da AT, um erro de análise, porquanto a finalidade deste artigo contém-se, tão-só, na definição dos critérios de imputação temporal das componentes positivas e negativas do lucro tributável, dando concretização ao princípio da especialização dos exercícios, cabendo aos artigos 20.º e seguintes a determinação das regras aplicáveis no apuramento do lucro tributável.

 

Neste sentido se pronunciam as decisões arbitrais relativas aos processos n.ºs 25/2015-T, de 24 de setembro de 2015; 90/2016-T, de 26 de outubro de 2016, e 707/2016-T, de 13 de outubro de 2017.

 

Não podemos, no entanto, concordar com este raciocínio, que desvaloriza importantes elementos interpretativos – gramaticais, históricos e sobretudo teleológicos – desatendendo a ratio que presidiu à adoção do regime constante do artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC, num resultado desconforme à Constituição, por violação do princípio da tributação das empresas (fundamentalmente) pelo seu rendimento real (artigo 104.º, n.º 2 da CRP).

 

F.            SOBRE A RELEVÂNCIA DO ELEMENTO LITERAL

 

A norma em discussão (artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC), quer na sua redação primitiva, resultante da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, quer na que lhe foi dada pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de dezembro, explica-se, de acordo com a motivação expressa pelo legislador, por necessidades ligadas ao combate à fraude e evasão fiscais e ao alargamento da base tributável, dirigidas à consolidação das contas públicas.

 

Se o aplicador da norma a desligar da sua génese, como a pura literalidade interpretativa implicaria, tal pode conduzir a resultados jurídico-fiscais indefensáveis, porque economicamente absurdos e violando princípios basilares da tributação do rendimento dos entes coletivos, como se mostra adiante.

 

Perante uma solução que pode conduzir a resultados ao arrepio do paradigma da tributação do rendimento, e em face da manutenção (em 2009) de uma redação que fora pensada (em 2002 e 2005) pera fenómenos económico-fiscais bem diversos dos que emergem do justo valor, julga-se que o elemento literal terá de ser caldeado por outros parâmetros interpretativos.

 

Tanto mais que, como nota a Requerente, se afirma no preâmbulo do Decreto-lei n.º 159/2009: “[a]inda no domínio da aproximação entre contabilidade e fiscalidade, é aceite a aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, cuja contrapartida seja reconhecida através de resultados, mas apenas nos casos em que a fiabilidade da determinação do justo valor esteja em princípio assegurada”.

 

Tal motivação, expressa pelo legislador, induz à convicção de que, quando verificadas as condições previstas no artigo 18.º, n.º 9, alínea a) do Código do IRC, o justo valor assume relevo fiscal, sem assimetrias de tratamento das variações positivas e negativas.

 

Adicionalmente, em várias decisões arbitrais sobre este tema a questão terminológica acerca de gastos e perdas, constante dos artigos 23.º e 45.º do Código do IRC (na versão de 2013) é trazida à colação. A AT sustenta que o conceito de gastos compreende o de perdas. E isso, embora com nuances económico-empresariais relacionadas com a natureza dos fenómenos que originam perdas, resulta do SNC. 

 

As perdas, englobando-se no conceito de diminuição de benefícios económicos que caracterizam aos gastos, têm, (vide §§ 76 e 78 da Estrutura Concetual do SNC citados em nota anterior) uma natureza não recorrente, irregular, na vida económica das empresas. No contexto desta questão terminológica, é certo que, quando da adaptação do Código do IRC ao SNC, o artigo 23.º, n.º 1, alínea h) refere “Perdas por imparidade” e mostra que se importou para o Código do IRC o conceito da conta “65 - Perdas por imparidade” do SNC. Porém, nas alíneas i) e j) cataloga de “Gastos resultantes da aplicação justo valor” as importâncias que na conta 66 do SNC se designam de “Perdas por reduções de justo valor”. Observam-se, assim, imprecisões na transposição para o Código do IRC de conceitos tipicamente contabilísticos, o que não ajuda a uma leitura óbvia e isenta de dúvidas.

 

Uma vez que as reduções de justo valor se designam, no SNC, por perdas, e que o Código do IRC, no seu artigo 23.º, nunca se refere a perdas de justo valor e sim a gastos, observar-se-ia, num  plano literal, uma certa desconexão conceitual. E é também desta desconexão que surgem as interpretações díspares que o preceito suscita.

 

Importa sublinhar que a pura literalidade não é o único critério interpretativo, muito menos quando conduz a resultados absurdos e inadmissíveis do ponto de vista económico e jurídico. Tal decorre, para o caso em apreço, do disposto no artigo 9.º do Código Civil, do artigo 11.º da LGT e do artigo 104.º da CRP, acompanhando-se o que a tal respeito se escreve na decisão arbitral 84/2018-T sobre o relevo do elemento teleológico na interpretação da lei fiscal.

 

Ainda no sentido que a literalidade não se impõe como critério único e óbvio para o caso dos autos, há que referir a perspetiva doutrinal. A AT convoca a posição de ANDRÉ A. VASCONCELOS que refere:

 

“Pela leitura deste preceito [n.º 3 do art. 42.º, atual art. 45.º], e dada a extensa abrangência do mesmo, somos levados a concluir que todas as perdas referentes a partes de capital, onde se incluem os ativos financeiros ora em análise [aqueles a que se refere a alínea a) do n.º 9 do art.18.º do CIRC], apenas relevarão para efeitos fiscais em metade do seu valor.” 

 

Saliente-se, contudo, que no texto do referido autor, esse afirma (p. 202 e 203):

"Fica, no entanto, a dúvida de saber se, ao não alterar a redação citada, o legislador fiscal o fez com base no argumento que esta havia sido introduzida antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 159/2009, tendo como propósito prevenir determinadas situações existentes à data, e que esta nova realidade registo de  perdas pelo justo valor — se encontra excluída do alcance daquela norma, ou se, pelo contrário, o legislador fiscal não alterou aquela redação por entender que a mesma respondia às necessidades de "(...) preservar os interesses e as perspetivas próprias da fiscalidade (...)" relacionadas com esta nova realidade. Sendo este um caso em que a "manipulação" de resultados fiscais se encontra afastada, conforme atrás defendido, não seria de estranhar que tivesse sido intenção do legislador a aceitação fiscal dos resultados contabilísticos decorrentes da aplicação do método do justo valor para estes casos". 

 

Lendo-se a globalidade do texto, o autor não revela uma categórica posição em favor da aplicação do artigo 45.º, n.º 3, no sentido em que AT a sustenta. Toma uma posição, mas subsistem-lhe dúvidas.  E as dúvidas relacionam-se com o facto de a natureza das perdas de justo valor em instrumentos financeiros cotados num mercado regulamentado ser estruturalmente bem diversa (nas suas razões determinantes) do tipo de perdas que presidiu à criação da norma original daquele artigo.

 

A este respeito, a posição de TOMÁS TAVARES  defendendo que “ao justo valor negativo nunca subjaz uma motivação de evasão fiscal, por arbitrariedade valorimétrica, pela razão simples de que a tributação do fair value se cinge aos ativos transacionados em mercado organizado, onde a cotação do ativo (valorização e desvalorização) se desenraíza, totalmente da vontade fiscal do contribuinte” é a que melhor retrata a realidade dos autos. O mesmo autor, quando refere que “um hipotético tratamento assimétrico (…) cria, bem vistas as coisas, um regime fiscal mais injusto do que o modelo puro da realização, que é, por isso, flagrantemente inconstitucional, porque esta disparidade louva-se apenas na necessidade de preservação da receita – e não em quaisquer razões legitimadoras de base fiscal, económica ou jurídica” merece, de igual modo, a nossa adesão.

 

Acresce que tanto a AT como a Requerente referem decisões arbitrais que vão em sentido diverso. Tal é razão adicional para se convocarem elementos de interpretação que permitam um quadro mais completo para analisar uma questão a que essas divergências decisórias trazem complexidade analítico-interpretativa.

 

A questão de saber se os decréscimos de justo valor em instrumentos financeiros que são reconhecidos em resultados do período devem ou não sofrer a limitação constante do artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC, foi, como acima se referiu, objeto de diversas decisões arbitrais com sentidos decisórios divergentes.

 

Com decisão favorável ao contribuinte refiram-se, por exemplo, os processos n.ºs 108/2013-T, 776/2014-T e 84/2018-T. Aí se erige a teleologia do preceito como elemento central e se desvaloriza a pura literalidade em virtude de poder conduzir a resultados jurídico-fiscais absurdos (haver imposto a pagar com rendimento nulo) e frontalmente contrários a princípios da tributação empresarial legalmente consagrados.

 

Com sentido favorável à AT, salientem-se, por exemplo, os processos n.ºs 25/2015-T e 707/2016-T. Em tais decisões, a literalidade do preceito foi julgada elemento central, não se distinguindo os tipos de perdas e negando ao elemento teleológico importância interpretativa. Também é usualmente referida a não oposição do Tribunal Constitucional a restrições à dedutibilidade de custos ou perdas.

 

Por fim, em Acórdão recente, de 6 de junho de 2018, proferido no processo n.º 582/17, o STA rejeita a literalidade nos seguintes termos:

 

“[…] o n.º 3 introduzido no art. 42.º do CIRC (depois, art. 45.º) pelo Orçamento do Estado para 2003 veio impor uma limitação à dedutibilidade das perdas resultantes de menos-valias, nos termos da qual a diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital concorre em apenas metade do seu valor para a formação do lucro tributável.

                Sob essa ótica, na realização de uma menos-valia seria determinante apurar se esta resulta da transmissão onerosa de partes de capital. Na afirmativa, haveria de se aplicar a limitação dos 50% da diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias.

Com o Orçamento do Estado para o ano de 2006, a referida limitação viu o seu âmbito de aplicação ser alargado: para além das menos-valias resultantes de alienações onerosas, passou também a incluir as transmissões onerosas de «outras componentes do capital próprio».

                A norma, em qualquer das suas versões, integra uma medida anti-abuso, na medida em que o legislador terá pretendido (para além do alargamento da base tributável) evitar a manipulação do resultado fiscal.      

                […]

                A existência desta norma visou, portanto, de forma imediata combater a fraude e a evasão fiscal, evitar a manipulação dos resultados fiscais, e de forma mediata obter um alargamento da base tributável resultante da redução significativa daqueles mecanismos usados pelos contribuintes para reduzir ou anular o montante do imposto a pagar.

                Vejamos agora em que medida a mensuração dos ativos-instrumentos financeiros cotados em mercados regulamentados - ao Justo Valor pode ser compatibilizada com esta norma do CIRC.

                […]

                O conceito de Justo Valor resultante das regras contabilísticas, quer nacionais (Sistema de Normalização Contabilística – SNC, Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de Julho), quer internacionais (NIC), quando incorporado no sistema fiscal, consubstancia-se, no essencial, na “quantia pela qual um ativo pode ser trocado, ou um passivo liquidado, entre partes conhecedoras e dispostas a isso, numa transação em que não existe relacionamento entre as partes”.

                […]

                Portanto, a consideração do Justo Valor, no que aqui nos interessa (a introdução do modelo do Justo Valor no âmbito do IRC quando estejam em causa instrumentos financeiros, operou-se pelo Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho) e para efeitos fiscais (que, nos termos do artigo 17º, n.º 1, do CIRC se encontra diretamente ligado com a própria contabilidade da empresa), tem uma ligação imediata à cotação oficial dos títulos, no caso dos autos encontra-se sujeita a um mercado regulado por entidades oficiais, deixando o facto tributário de se associar à venda dos títulos -realização das mais ou menos valias- passando a estar associada à oscilação da cotação oficial entre o início e o fim do período de tributação, cfr. Tomás Castro Tavares, Justo valor e tributação de mais valias de ações de sociedades cotadas, Estudos em Memória do Prof. Doutor J.L. Saldanha Sanches, vol. IV, págs. 1137 e 1138.

Estas “mais valias ou menos valias” assim determinadas pelo Justo Valor são meramente potenciais ou provisórias (…)  porque não há uma efetiva entrada de capital ou perda de capital face ao custo histórico, tal como é reconhecido pelo próprio legislador nacional no artigo 32º, n.º 2 do CSC.

                Não há, assim, qualquer dúvida que o Justo Valor negativo, (…) não lhe …subjaz uma motivação de evasão fiscal, por arbitrariedade valorimétrica, pela razão simples de que a tributação do fair value se cinge aos ativos transacionados em mercado organizado, onde a cotação do ativo (valorização e desvalorização) se desenraíza, totalmente, da vontade fiscal do contribuinte… A vontade do contribuinte nunca molda o facto tributário assente no fair value: desaparece o óbice económico do lock-in (o facto tributário dissocia-se da decisão de venda); se os proveitos do justo valor são totalmente tributados (nunca se lhes aplica o regime das mais e menos valias), os gastos também devem ser aceites na totalidade; e não há, por fim uma assimétrica inclinação para a realização do custo de justo valor, por comparação com o ganho - pela razão simples de que o facto tributário do justo valor (positivo e negativo) dissocia-se, totalmente, da vontade do sujeito passivo…cfr. Tomás Castro Tavares, ibidem, págs. 1143 e 1144.                    

                […]

                Do exposto resulta claramente, ao abrigo do disposto no artigo 9º do CC, que a norma do artigo 45º, n.º 3 do CIRC em análise, não se coaduna com a determinação –ao Justo Valor- do valor dos ativos sujeitos a mercado regulado por entidades oficiais, porque a razão da sua existência, combate à evasão e elisão fiscal, não tem justificação no caso concreto, o valor dos ativos –a posição financeira- acaba por ser “estranho” e alheio à vontade do contribuinte que, em última instância, nada releva para a valorização ou desvalorização do respetivo ativo.”

 

Em face do que fica dito, há que convocar outros elementos de análise para demonstrar que a desconsideração da teleologia do preceito pode levar a resultados indefensáveis no plano jurídico-fiscal e que o arrimo que a AT parece encontrar no Tribunal Constitucional não se afigura adequado à sua tese.

 

G.           SOBRE O ELEMENTO TELEOLÓGICO E O INACEITÁVEL RESULTADO JURÍDICO-FISCAL A QUE A SUA REJEIÇÃO CONDUZ

 

Há, sobre este ponto, duas teses em confronto: a que se colhe, entre outras, nas decisões relativas aos processos n.ºs 108/2103-T e 776/2014-T, e a que consta das decisões referentes aos processos n.ºs 25/2015-T e 707/2016-T, já mencionadas. Nas primeiras, salienta-se que a norma do anterior artigo 42.º, n.º 3 do Código do IRC, que precede o atual artigo 45.º, n.º 3 do mesmo diploma, quer na sua redação primitiva, resultante da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, quer na que lhe foi dada pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de dezembro, explica-se, face à motivação expressa pelo legislador, por necessidades ligadas ao combate à fraude e evasão fiscais e ao alargamento da base tributável, dirigidas à consolidação orçamental das contas públicas.

 

Com as novas normas integrantes do regime da relevância tributária da contabilização pelo justo valor de instrumentos financeiros, os rendimentos ou gastos resultantes da aplicação do justo valor passam a relevar diretamente para a formação do lucro tributável (artigos 20.º, n.º 1, alínea f) e 23.º, n.º 1, alínea i) do Código do IRC) do próprio ano em que se verificam, cumpridas que sejam determinadas condições (artigo 18.º, n.º 9 do mesmo Código), que incluem: (i) estarem em causa instrumentos financeiros de capital próprio; (ii) serem reconhecidos pelo justo valor através de resultados; (iii) terem o preço formado em mercados regulamentados; e (iv) o sujeito passivo titular desses instrumentos não deter, direta ou indiretamente, uma participação no capital superior a 5%, não sendo tributadas as variações patrimoniais como mais ou menos-valias (artigo 46.º, n.º 1, alínea b)).

 

Neste quadro, cessam as necessidades relativas ao combate e evasão fiscais, não só  porquanto a relevância tributária das variações patrimoniais deixa de estar condicionada por um ato de vontade do sujeito passivo, mas também porque a valorimetria passa a ser objetivamente fixada.

 

Diferentemente, na decisão arbitral n.º 770/2016-T prescinde-se do recurso à teleologia da norma, nos seguintes termos: “[d]a simples interpretação dos textos normativos relevantes, na sua redação à data, poder-se-á concluir pacificamente que as perdas decorrentes da redução do justo valor de instrumentos financeiros, designadamente partes de capital cabem no âmbito do artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC, pelo que, nesse sentido, só deverão ser consideradas, para efeito do apuramento do lucro tributável, em metade do seu valor.”

 

Como supra referido, este Tribunal adere à tese sufragada pela decisão arbitral proferida no processo n.º 84/2018-T, relativa à mesma entidade e a igual questão decidenda, na qual se sustenta a necessidade de ir além do elemento literal para obtenção de uma solução acertada, o que é reforçado pelo resultado não menos do que absurdo a que a interpretação puramente literal pode conduzir.

 

No plano económico-fiscal compreende-se que a relevância fiscal do justo valor se tenha circunscrito a certo tipo de ativos. A adoção generalizada do justo valor como critério de mensuração com total relevo fiscal poderia conduzir a oscilações significativas na base tributável, para além de ser passível de considerável subjetividade quando fora do contexto de um mercado regulamentado.

 

 Para ativos nos quais o normativo contabilístico permitisse o apuramento de justo valor com base em estimativas dos gestores, em modelos de avaliação financeira assentes em hipóteses subjetivas, a repercussão automática de rendimentos ou gastos contabilísticos no resultado tributável encontraria fortes reservas. Não custa por isso entender que os ativos transacionados em mercados organizados, com preços divulgados publicamente, fossem selecionados como o subconjunto de elementos patrimoniais relativamente aos quais o justo valor poderia ter relevo fiscal.

 

A transacionabilidade regular, a regulamentação do mercado e a divulgação pública dos preços, conferem ao justo valor um suporte económico-legal, e um grau de objetividade, que reduz os receios do legislador quanto ao respetivo acolhimento fiscal. É este o conjunto de traços económicos que justifica a relevância fiscal do justo valor em determinados ativos financeiros.

 

Contudo, deles devem decorrer certas consequências não menos importantes para a aplicação das regras tributárias relativas à tributação do rendimento societário. Uma delas, que se considera central, é a do tratamento simétrico de ganhos e de perdas. É certo que existem no Código do IRC alguns preceitos que restringem a dedutibilidade de gastos e perdas. Mas essas regras têm propósitos compreensíveis: combater a evasão fiscal que decorreria da imputação ao lucro tributável de gastos não relacionados com a atividade ou propósito empresarial; limitar a aceitação fiscal de depreciações, provisões e imparidades em razão da manipulação que as estimativas poderiam induzir, e, por essa via, adulterar o resultado tributável; restringir a dedutibilidade de certos gastos e perdas que se consideram permeáveis a abusos ou excessos.

 

No caso do justo valor, em particular no que se apura em ativos financeiros que evidenciam os traços económicos acima referidos, derivando a sua valorização de um mercado no qual o contribuinte não controla os preços, sendo os ganhos e perdas associados à atividade de gestão de ativos e contribuindo para o propósito empresarial da entidade, não se vê motivo para qualquer assimetria no tratamento fiscal de ganhos e perdas. Esta conduziria, aliás, a resultados económicos e fiscalmente absurdos.

 

O quadro que se apresenta de seguida ilustra essa possibilidade, que resulta de uma limitação de dedução de perdas, ou tratamento assimétrico.

 

GANHOS E PERDAS DE JUSTO VALOR NUMA CARTEIRA DE ATIVOS FINANCEIROS MENSURADOS A JUSTO VALOR

                Valor de mercado                                          

Período Ativo A Ativo B  Ganho/perda em A        Ganho/perda em B         Ganho/perda total

1             100         100                                         

2             30           170         -70         70          0

3             60           140         30          -30         0

4             100         100         40          -40         0

 

Admita-se que no ano 1 um contribuinte adquire uma carteira de ativos financeiros, composta pelos títulos A e B, e que a evolução dos preços de mercado dos ativos nos exercícios 2, 3 e 4 é a que consta do quadro supra. Dele resulta que a assimetria de tratamento fiscal de rendimentos e gastos resultaria na desconsideração da capacidade contributiva num mesmo período – caso, por exemplo, no ano 3 se tribute todo o rendimento (+30) e se restrinja a dedutibilidade do gasto (-30). E tal violação também se verificaria entre diferentes períodos – caso, por exemplo, se tributem os ganhos totais de 140 (70+30+40) e se limite, total ou parcialmente, a dedução das perdas que totalizam igualmente 140.

 

A assimetria de tratamento fiscal conduziria ao apuramento de lucro tributável em cada exercício – em que, porém, nenhum incremento patrimonial existe na carteira de investimento do sujeito passivo –, e também no período temporal de três anos, em que nenhuma variação de capacidade contributiva se registou, já que ambos os títulos em carteira têm, no final do período 4, exatamente o mesmo valor que evidenciavam no período 1.

 

É patente a inadequação de tal solução, que postula a indagação de outros parâmetros interpretativos desprendidos de uma literalidade mantida inalterada em face de modificações de fundo no tratamento contabilístico-fiscal das variações de justo valor (para as quais a norma em causa não fora por certo pensada) e, por isso, suscetível de gerar resultados económica e juridicamente absurdos, como o de haver imposto sem existir qualquer rendimento.

 

E, no caso, mais do que se justifica, pois a norma cuja aplicação se discute foi criada no paradigma jurídico fiscal da realização e manteve-se inalterada quando o Código do IRC absorveu, relativamente a instrumentos financeiros mensurados a justo valor, um outro modelo tributário ancorado no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 159/2009.

 

H.           O PRINCÍPIO DE TRIBUTAÇÃO DAS EMPRESAS SOBRE O LUCRO REAL. O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL FACE AO ARTIGO 45.º, N.º 3 DO CÓDIGO DO IRC

 

Quanto à eventual lesão dos princípios da justiça e proporcionalidade provocada pelo regime da dedutibilidade em apenas 50% das perdas decorrentes das reduções do justo valor, a AT, e algumas decisões arbitrais, referem que o Tribunal Constitucional se pronunciou sobre tal questão no sentido de o mesmo não ferir os princípios da legalidade, da tipicidade, da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real. O Acórdão n.º 85/2010, de 16 de abril, é habitualmente mencionado neste contexto. Porém, este Acórdão apreciou apenas a primeira parte do artigo 45, nº 3, e não a segunda parte, onde constam as perdas aqui em causa.

 

Eis um extrato desse Acórdão, no qual o Tribunal Constitucional (subl. e negrito nossos):

 

                “Decide não julgar inconstitucional a norma do n.º 3 do artigo 42.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, na redação da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, enquanto estabelece que a diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital concorre para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor. (Proc. nº 653/09)

7 - No que toca à questão da 'proibição de tributação por um rendimento presumido' é a própria letra do artigo 104.º, n.º 3, da CRP, que fornece uma resposta segura: 'a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real.

Como se afirmou no Acórdão 162/2004 «[...] o rendimento real fiscalmente relevante não é, em si próprio, uma realidade de valor fisicamente apreensível, mas antes um conceito normativamente modelado e contabilisticamente mensurável [...].

Por outro lado, a injunção constitucional da tributação segundo o rendimento real não pode deixar de atender, necessariamente, aos princípios da praticabilidade e de operacionalidade do sistema, pelo que não pode deixar de se lhes reconhecer natureza constitucional, sob pena dos arquétipos legalmente construídos não conseguirem realizar, com a aproximação possível, o princípio da universalidade e da igualdade no  pagamento dos impostos.

Um sistema inexequível ou um sistema que não permita o controlo dos rendimentos e da evasão fiscal, na medida aproximada à realidade existente, conduz em linha reta à distorção, na prática, do princípio da capacidade contributiva e da tributação segundo o rendimento real.

São estas as dificuldades que explicam que a Constituição se tenha limitado a prever que a imposição fiscal deve incidir fundamentalmente sobre o rendimento real, não excluindo com tal disposição o recurso a outras formas fiscais estranhas ao mito do apuramento declarativo-contabilístico do rendimento real.”

 

Como se constata, estava em causa apenas a primeira parte do artigo 45.º, nº 3 do Código do IRC e não a segunda parte. O Tribunal Constitucional sustenta a não desconformidade daquele segmento normativo nos princípios da praticabilidade e da operacionalidade do sistema que velam para que o sistema fiscal permita o controlo dos rendimentos e da evasão fiscal, na medida aproximada à realidade existente; porque se assim não fosse tal conduziria em linha reta à distorção, na prática, do princípio da capacidade contributiva e da tributação segundo o rendimento real.

 

Traduz-se a aceitação das reduções de justo valor em 100% numa compressão à praticabilidade ou à operacionalidade? Para mais, quando tais perdas decorrem da redução de um preço de mercado, lateral à vontade do contribuinte, como no caso em apreço? Julga-se que não.

 

Pode ser tal aceitação indutora de evasão fiscal? Já se mostrou claramente que, num paradigma de justo valor, tal não é motivação possível, porque o contribuinte que sofre tais reduções não tem nelas influência. Elas resultam de um preço que mercado que não pode influenciar, em face das percentagens de participação que tornam o justo valor fiscalmente relevante (inferiores a 5%).

 

A motivação anti evasiva da admissibilidade da primeira parte da norma (artigo 45.º, n.º 3), apenas prevendo a indedutibilidade de 50% das menos-valias realizadas, aqui em causa voltou a ser reiterada pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 753/2014, de 12 de novembro, de que se transcreve o seguinte excerto:

 

“[…]

8. A questão que se coloca é a de saber se a não dedutibilidade dos custos, nos termos previstos, não constitui uma restrição inaceitável ao direito de ser tributado segundo o lucro real.

Deste ponto de vista, e contrariamente ao que defende a recorrente, não é inteiramente despicienda a abordagem feita no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 85/2010, que julgou não inconstitucional a norma do artigo 42.º, n.º 3, do CIRC na medida em que se veio a declarar dedutível apenas em metade do seu valor as menos valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, independentemente das condições da sua realização.

Há seguramente uma relação de especialidade entre as normas dos artigos 23.º, n.º 7, e 42.º, n.º 3, sendo a particular circunstância de a operação ser realizada entre empresas que se encontram numa relação de dependência entre si que justifica o regime de indedutibilidade total das perdas, por contraposição ao critério geral resultante do disposto no artigo 42.º, n.º 3, que é aplicável às transações efetuadas entre entidades independentes.

Em qualquer dos casos, a não dedutibilidade de encargos para efeitos fiscais, que consta do artigo 42.º do CIRC, podendo representar potencialmente uma limitação ao princípio da tributação segundo o lucro real, encontra justificação em diversas ordens de razões, que poderão relacionar-se com a quantificação técnica do imposto ou com a dificuldade de inserção da despesa na esfera empresarial ou na atividade lucrativa (quanto a estes aspetos, Saldanha Sanches, ob. cit., págs. 393-394) [a obra em causa é o Manual de Direito Fiscal, 3ª edição, Coimbra].

[…]

Trata-se de opções de política fiscal que assentam numa ideia de praticabilidade, que exige ao legislador a elaboração de leis cuja aplicação e execução seja eficaz e económica ou eficiente, e que conduzam a resultados consonantes com os objetivos pretendidos. Com essa finalidade, com que se pretende também assegurar os princípios materiais da igualdade e da justiça fiscal, é constitucionalmente justificável que o legislador possa recorrer não apenas às referidas presunções legais, mas também a técnicas de tipificação e de simplificação, que permitam disciplinar certos aspetos do direito dos impostos segundo critérios de normalidade, afastando as situações atípicas ou anormais (idem, págs. 622-623).

[…]

Por outro lado, tendo a lei consignado, em regra, a dedutibilidade das menos valias, resultantes da transmissão onerosa de partes de capital, apenas em metade do seu valor (artigo 42.º, n.º 3) – norma que não foi julgada inconstitucional –, não se afigura ser excessivo ou desproporcionado, face ao objetivo central de combate à evasão e fraude fiscal, que se tenha adotado um critério mais apertado naquelas situações em que se verifique um especial risco de planeamento fiscal por se tratar de operações realizadas no seio de grupos societários. Relevando também aqui razões de normalidade e viabilidade prática.

[…]”

 

Afigura-se que destas posições do Tribunal Constitucional não pode retirar a AT o apoio da Lei Fundamental à indedutibilidade de 50% das perdas de justo valor em instrumentos financeiros cotados num mercado organizado e nos quais os contribuintes não possam interferir ou manipular a respetiva valorização.

 

Em primeiro lugar, porque no nosso sistema jurídico aquele Tribunal não se pronuncia sobre a melhor interpretação das normas no plano infra-constitucional, nem para a mesma aduz critérios hermenêuticos preferenciais. Limita-se a um estrito controlo negativo que visa aferir a desconformidade ou não desconformidade ao parâmetro constitucional de uma determinada interpretação de uma norma que lhe é dada.

 

Em segundo lugar, porque a motivação subjacente à admissão da redução a 50% das menos-valias realizadas por parte daquele Tribunal se estriba no controlo da evasão fiscal, fator que não pontua no caso concreto dos gastos ou perdas de justo valor em instrumentos financeiros cotados com percentagem de participação abaixo de 5%.

 

A porosidade ou plasticidade do advérbio “fundamentalmente”, constante da hipótese normativa do artigo 104.º, n.º 3 da CRP, não deve ser levada tão longe que permita tributar de forma constante e reiterada, ao longo de anos e anos, variações nulas de património líquido, que é onde pode conduzir a interpretação da AT.

 

Certamente não foram, em 2003, os aumentos ou diminuições do justo valor que motivaram o legislador à adoção do artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC, longe que estava ainda a consagração fiscal daquele modelo, apenas operada com a aprovação do SNC pelo Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, e com a revisão do Código do IRC pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, da mesma data.

 

O carácter singularmente gravoso do artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC, tem sido também suscitado por diversa doutrina . CASALTA NABAIS sublinha que:

 

“ […] a exclusão da consideração fiscal das menos-valias realizadas, que nos suscita maior crítica, é a estabelecida no n° 3 do art. 45°, em que se prescreve «[a] diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor».

[…]

Naturalmente que não se põe em causa o poder de o legislador fiscal excluir dos gastos fiscais certos gastos económicos e contabilísticos, como são as menos-valias realizadas com a alienação de partes sociais ou outras variações patrimoniais negativas do capital próprio das sociedades, quando a realização dessas menos-valias é levada a cabo em circunstâncias de tempo, lugar ou modo que, em abstrato, apresentem elevado risco de as empresas adotarem puras práticas de «gestão de resultados» (earning management). Em tais situações impõe-se mesmo que o legislador prescreva a desconsideração fiscal dessas menos-valias, sob pena de deixar à rédea solta à realização das mesmas com o único ou principal intuito de engendrar puros gastos fiscais, pois decorre dos princípios constitucionais ser incumbência do legislador fiscal prevenir e reprimir o planeamento fiscal abusivo.

 

Mas é óbvio que a norma em referência não apresenta essa configuração. É que a sua formulação tão genérica e abrangente não se reporta a quaisquer situações que, em abstrato, sejam suscetíveis de comportar risco de planeamento fiscal abusivo. Pois essa norma abarca também as situações de desenvolvimento normal da atividade das empresas, segundo um estrito business purpose, baseando-se, portanto, em atos absolutamente normais de gestão, em que estas, todavia, apuram menos-valias realizadas com a alienação de partes sociais ou outras variações patrimoniais negativas do seu capital próprio” .

 

Este Tribunal não pode deixar de comungar do mérito desta perspetiva, concluindo-se que a segunda parte da norma em apreço (artigo 45.º, n.º 3) contém disposições que infringem o princípio da tributação pelo lucro real e que não foram sanadas pela jurisprudência constitucional citada, que as não analisou. Tal Acórdão apenas apreciou a primeira parte da norma e a declarou constitucional com um fundamento essencialmente anti evasivo. Essa hipotética propensão para a evasão poderia dar-se na medida em que a realização de menos-valias estava dependente de atos do contribuinte, o que não quadra com as reduções de justo valor em causa nos autos.

 

Em suma, sufraga-se a decisão do STA no processo n.º 582/17 acima referido, que conclui:

“A norma  em qualquer das suas versões, integra uma medida anti-abuso, na medida em que o legislador terá pretendido (para além do alargamento da base tributável) evitar a manipulação do resultado fiscal.

[…]

Do exposto resulta claramente, ao abrigo do disposto no artigo 9º do CC, que a norma do artigo 45.º, n.º 3 do CIRC em análise, não se coaduna com a determinação –ao Justo Valor– do valor dos ativos sujeitos a mercado regulado por entidades oficiais, porque a razão da sua existência, combate à evasão e elisão fiscal, não tem justificação no caso concreto, o valor dos ativos –a posição financeira- acaba por ser “estranho” e alheio à vontade do contribuinte que, em última instância, nada releva para a valorização ou desvalorização do respetivo ativo.”

 

                Pelo exposto, procede o vício substantivo invocado pela Requerente, gerador de invalidade, pelo que a liquidação de IRC e a decisão [de indeferimento] da reclamação graciosa que sobre a mesma se pronunciou vai anulada no segmento respeitante às correções à matéria tributável efetuadas ao abrigo do artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC, nos montantes de € 79.170 (perdas por reduções de justo valor em instrumentos de capital próprio) e de € 719.414,20 (variações patrimoniais negativas por reduções de justo valor relativas a partes de capital que derivam dos ajustamentos de transição do POC para o SNC).

 

2.5. GASTOS DE FINANCIAMENTO NÃO DEDUTÍVEIS – LIMITE DO ART. 67.º DO CÓDIGO DO IRC

 

O ajustamento efetuado pela AT deriva de não ter sido aceite no cômputo do EBITDA o reconhecimento contabilístico ao justo valor da participação de 50% que a Requerente detinha no capital da sociedade E... SGPS e que, até 2013, estava registada a custo histórico nas suas demonstrações financeiras.

 

A AT considerou que se verificava uma sobrevalorização indevida do EBITDA de 2013, por via da avaliação ao justo valor da referida participação, pois as normas contabilísticas a que a Requerente aderiu (IAS/IFRS) não permitiam (nem permitem) aquela mudança de critério de mensuração nas circunstâncias em que a mesma ocorreu, pelo que o EBITDA apurado pela contabilidade enferma de pressupostos de cálculo incorretos. Mais ainda, sustenta a AT que a avaliação pelo método dos cash flows descontados como fundamento do justo valor não pode, neste caso concreto, ser tomada como base para aceitação de tal critério valorimétrico.

 

Por seu turno, a Requerente alega a ilegalidade, por erro de direito, desta correção ao abrigo do artigo 67.º do Código do IRC, na sua versão de 2013, argumentando que a AT procedeu à correção do EBITDA que resultava da contabilidade como determinado pela norma (“resultado antes de depreciações, gastos de financiamento líquidos e impostos”), aplicando um método de cálculo do EBITDA que a lei lhe não consentia e que apenas foi consagrado posteriormente, em 2014. Segundo a Requerente, só em 2014 o artigo 67.º passou a contemplar correções ao resultado contabilístico, nomeadamente as referentes a ganhos e perdas resultantes de alterações de justo valor que não concorram para a determinação do lucro tributável (atual n.º 13, alínea a)).

 

À data dos factos controvertidos era a seguinte a redação do artigo 67.º, n.º 1 do Código do IRC:

 

“1 - Os gastos de financiamento líquidos são dedutíveis até à concorrência do maior dos seguintes limites:

        a) (euro) 3 000 000; ou

        b) 30 % do resultado antes de depreciações, gastos de financiamento líquidos e impostos.

[…]”

 

                Como aponta a Requerente e se observa no texto legal, não existia na citada norma qualquer adaptação fiscal do EBITDA apurado pela contabilidade. Ou seja, a AT não poderia adaptar ou moldar o EBITDA apurado pela contabilidade da Requerente em 2013, para um suposto EBITDA corrigido pelas disposições do artigo 67º em vigor em 2014.  

 

Bem assim, a Circular n.º 7/2013, que desenvolve vários aspetos do artigo 67.º do Código do IRC na sua versão original (2013), menciona, no seu nº 3, que o EBITDA relevante é o que constar da demonstração de resultados, ou seja o EBITDA contabilístico.

 

Porém, a arguição da Requerente labora em equívoco, pois a AT não sustenta o ajustamento efetuado no mencionado artigo 67.º na versão de 2014. Ao contrário, o que AT defende é que o EBITDA contabilístico de 2013 está, segundo as regras (IAS/IFRS) adotadas pela Requerente, sobrevalorizado em € 186.233.200,00. Tal sobrevalorização implica um EBITDA contabilístico superior ao que se apuraria na sua ausência e incrementa indevidamente a dedutibilidade dos encargos financeiros que, em 2013, estava fixada na proporção de 70% do EBITDA.

 

Conforme consta do probatório, a Requerente modificou a política contabilística relativa à mensuração da participação de 50% na E... SGPS, alterando o modelo de mensuração do custo histórico para o justo valor. Tal mudança baseou-se, no plano quantitativo, num relatório de avaliação elaborado pela entidade “H...”.

A participação de 50% na E... vinha sendo contabilizada pelo custo e constava no balanço, durante o ano de 2013, por € 18.782.867,92. Pela aplicação do justo valor, alicerçada na dita avaliação pelo H..., passou tal participação a estar reconhecida, em 31 de dezembro de 2013, por € 205.016.067,70, donde resultou uma diferença positiva de € 186.233.200,00 (o aumento de justo valor), que incrementou o EBITDA contabilístico em igual montante, porque reconhecido por via de resultados.

 

Esta mudança de critério e o consequente aumento do EBITDA contabilístico fica a dever-se a uma incorreta e, portanto inválida, aplicação das regras contabilísticas por parte da Requerente. Assim, a AT ajusta em baixa o EBITDA, não por se suportar na versão de 2014 do artigo 67.º do Código do IRC, mas por entender existir deficiente e indevida aplicação das normas contabilísticas IAS/IFRS no apuramento do EBITDA de 2013.

 

A Requerente, além de criticar uma posição que a AT não sustenta e que não constitui o verdadeiro fundamento da correção efetuada à sua matéria tributável, não contribui com nenhum argumento para contrapor e afastar o único e real fundamento da correção que é tão-só a errada aplicação das normas contabilísticas no apuramento do EBITDA.

 

Com efeito, a IAS 39 , no seu § 46, estabelece que os investimentos em instrumentos de capital próprio, que não tenham um preço formado num mercado ativo e cujo justo valor não possa ser fiavelmente mensurado devem ser mensurados ao custo. Mais: no seu § 50 a mesma IAS 39 estabelece que, após o reconhecimento inicial, uma entidade não deve reclassificar a justo valor um instrumento financeiro inicialmente reconhecido ao custo.

 

Todavia, a mesma IAS, no respetivo Apêndice A, §§ 80 e 81, permite, excecionalmente, mensurar o justo valor de um instrumento financeiro não transacionado e cotado num mercado ativo, se a variabilidade do intervalo de mensurações não for significativa, ou as probabilidades das várias estimativas dentro do intervalo puderem ser razoavelmente avaliadas e usadas na mensuração pelo justo valor.

 

Dito de outro modo: o que essas normas admitem é que se o justo valor não puder ser apurado por via da sua normal configuração, designada de mark to market, então, em certos casos, acima descritos, se pode usar a técnica conhecida por mark to model. Na sua versão mais usual, esta técnica implica usar o valor atual dos cash flows futuros previstos para o investimento financeiro. Foi isso que se apurou no relatório do H... .

Cumpre, neste âmbito, aquilatar, em primeiro lugar, se a avaliação do H... permitiria à requerente considerar cumpridas as condições dos §§ 80 e 81 do Apêndice A da IAS 39 e, em segundo lugar, se a auditoria externa (no cumprimento da revisão oficial de contas) validou ou infirmou tal procedimento, quanto ao seu impacto na fiabilidade e na forma verdadeira e apropriada que a informação contabilística deve possuir.

 

Quanto à primeira questão, importa relembrar o quadro síntese da avaliação da E... pelo método dos cash flows descontados que consta da matéria de facto:

 

Quadro 14 – Avaliação da E... SGPS através da utilização do método dos cash flows descontados

                               CENÁRIO APRESENTADO P/

ADMINISTRAÇÃO            CENÁRIO H...

                               Conservador      Otimista              Conservador      Otimista

[1]          Valor do Negócio

100% E... SGPS SA           NPV = 415,7 M€               NPV = 537,7 M€               NPV = 333,3 M€               NPV = 411,4 M€

[2]          Dívida Financeira Líquida

E... SGPS SA (*) 48,6 M€               48,6 M€               48,6 M€               48,6 M€

[3]=[1]-[2]          Valor dos Capitais Próprios

 100% E... SGPS SA          367,2 M€            489,2 M€            284,7 M€             362,8 M€

Fonte: Relatório do H... referente à avaliação da E... SGPS SA (março de 2014)

(*) valores das Demonstrações Financeiras a 2013/12/31 provisórios e não auditados

 

Nos quatro cenários apresentados, o intervalo de medidas do justo valor apurado é significativo, com uma variação do valor da E... entre 284,7 milhões de euro e 489,2 milhões de euro. O mais elevado (489,2 milhões) é superior em mais de 70% ao mais baixo (284,7 milhões). Acresce que ficou provado que no Relatório do H..., existem diversas limitações expressas por esta entidade avaliadora que vulnerabilizam a consistência dos valores alcançados como fundamentos do justo valor que partes conhecedoras e independentes hipoteticamente atribuiriam às ações da E... .

 

                Ou seja: o relatório calcula o que se poderia designar por um valor de uso económico-financeiro; o qual, depois, numa negociação, se transformaria num preço observado e, por isso, na medida mais fiável do justo valor. E tal cálculo enferma, como se disse, de algumas fragilidades não despiciendas. Vejamos.

 

Sublinha-se no Relatório de avaliação que não foi efetuada qualquer análise de due diligence ou de auditoria das demonstrações financeiras históricas e prospetivas. Não se usaram avaliações aos ativos  da empresa sob análise efetuadas por entidades independentes. Refere ainda o Relatório que não tem por objetivo a prestação de assessoria contabilística, que constitui limitação a assinalar.

Afirma-se também que não se avaliaram os recursos de minério passíveis de exploração futura (assunto que se reputa essencial na avaliação de uma empresa deste setor, cujas particularidades de avaliação são bem conhecidas, dadas as habituais hipóteses quanto à duração do período de geração futura previsível de cash flows. Estas terão de ser bem analisadas e ponderadas face à efetiva disponibilidade de recursos minerais para exploração temporal mais ou menos limitada).

 

Não se levaram também em conta aspetos de natureza ambiental e passivos ou passivos contingentes daí eventualmente resultantes.

 

Enfim, é a própria entidade autora do relatório de avaliação que chama a atenção para tais ressalvas e limitações. Estas, conjugadas com a disparidade de valores obtidos e as exigências das IAS 39 quanto à aplicação do justo valor em investimentos financeiros não cotados, levam este Tribunal a considerar que, no contexto da primeira questão antes suscitada, no plano contabilístico, o EBITDA de 2013 enferma de problemas de cálculo que o tornam  inviável como referencial para uso no artigo 67.º do Código IRC, na redação em vigor em 2013, por não estarem reunidas as condições legais que, à luz, da IAS 39 permitiriam a contabilização pelo justo valor da participação financeira de 50% na sociedade E... .

 

Relativamente ao segundo tema, é incontornável a referência à reserva às contas que consta da certificação legal de contas de 2013 da Requerente, emitida em julho de 2014, conforme ficou provado, nos termos infra transcritos:

                “[…] na Certificação Legal de Contas de 2013, o ROC emitiu uma opinião modificada e com reservas sustentando que “(…) 7. Conforme referido na Nota 4 do Anexo às Demonstrações Financeiras, a participação financeira de 50% detida no capital da E... SGPS SA, que se encontrava registada pelo método do custo por €18.782.868, ficou relevada em 31/12/2013 por €205.016.068, de que resultou o reconhecimento de um ganho no montante de €186.233.200. Apesar da quantia pela qual a participação financeira ficou escriturada ter sido determinada pela Administração com base na avaliação efetuada por uma entidade independente com a qual está a ser negociada a alienação de 10% do capital daquela participada, trata-se de uma alteração isolada da política contabilística que vinha sendo seguida pelo que o ativo, o capital próprio e o resultado líquido do período se encontram sobrevalorizados em € 186.233.200.”

               

                Esta reserva, constante da certificação legal de contas, assenta na alteração isolada, e por isso indevida, de uma política contabilística aplicada a um investimento financeiro, que estava englobado numa carteira de investimentos, ou numa categoria de ativos com idênticas características. A IAS 8, que dispõe sobre a consistência da aplicação de políticas contabilísticas, não permite convalidar esta abordagem da requerente à face do disposto nos seus §§ 13, 14 e 15. A auditoria externa é bem clara ao expressar que o resultado (EBITDA) está sobrevalorizado em 186,2 milhões de euros.

 

O facto de a certificação ter sido emitida em julho de 2014 não pode ser erigido em justificação para a manutenção da situação fiscal em 2013, pois uma declaração de substituição poderia ter sido entregue. Isto caso a requerente entendesse, o que não terá sido o caso, que a reserva de auditoria externa implicava novo apuramento do EBITDA contabilístico e consequente correção fiscal ao abrigo do artigo 67.º do Código do IRC.

 

Conclui-se que, pela aplicação de regras contabilísticas de apuramento do EBITDA o mesmo está sobrevalorizado, pois a Requerente não poderia ter mensurado a participação na E... pelo o método do justo valor nas condições em que o fez. Tendo-a reconhecido ao custo, a IAS 39 não permite, em regra, mudança de critério.

 

E, mesmo que fosse aceitável (e julga-se que não é), restaria saber se o método usado para o quantificar era o apropriado. Da análise empreendida, afigura-se não estarem reunidas as condições para aplicar o justo valor por via de uma avaliação por cash flows descontados, em face da factualidade emergente do Relatório de avaliação elaborado e, para mais, da reserva que a certificação legal de contas expressamente evidencia. Assim, a liquidação de IRC e a decisão da reclamação graciosa, nesta matéria, não padecem do vício de violação de lei que foi suscitado pela Requerente que é improcedente.

 

                No que se refere ao valor da correção importa considerar que, à face do EBITDA negativo verificado (ao contrário do EBITDA positivo de € 94.307.579,23 em que se alicerçava erroneamente a Requerente), o limite para a dedução dos gastos de financiamento líquido corresponde ao previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 67.º do Código do IRC, de € 3.000.000,00.

 

Neste ponto, interessa notar que o ato de liquidação de IRC em apreciação corrige a dedução dos gastos financeiros (líquidos) incorridos pela Requerente, por indedutibilidade dos mesmos, no valor total de € 5.799.529,17. Desta importância, € 5.438.417,21 são considerados não dedutíveis por aplicação do artigo 32.º, n.º 2 do EBF e € 363.786,10 por força do artigo 67.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRC.

 

Tal circunstância decorre do facto de não se poder duplicar, ou melhor dito, “multiplicar”, a não dedução dos referidos gastos em função dos fundamentos de não dedutibilidade que se identifiquem para os mesmos. Conforme explicita a Circular n.º 7/2013, no seu ponto 2.b., no apuramento do excesso a acrescer ao lucro tributável nos termos do artigo 67.º do Código do IRC “apenas devem ser tidos em conta os gastos de financiamento que sejam fiscalmente dedutíveis. Nestes termos, não são igualmente considerados no cômputo deste excesso os gastos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital detidas por sociedades gestoras de participações (SGPS) […] que não sejam fiscalmente dedutíveis nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF ou do n.º 1 do artigo 32.º-A do EBF”.

 

Tal não significa que, uma vez constatada a inaplicabilidade do primeiro fundamento de indedutibilidade dos gastos financeiros (por falta da necessária demonstração da sua imputação à aquisição de partes de capital, como determina o artigo 32.º, n.º 2 do EBF), deixe de se poder invocar o segundo fundamento de não dedução (o excesso do limite do artigo 67.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRC).

 

Não se diga a este respeito que a correção que vem fundamentada no RIT ao abrigo do artigo 67.º do Código do IRC se cinge a € 363.786,10, pelo que o efeito estritamente cassatório do processo de anulação de atos tributários impediria a consideração de um valor distinto deste.

 

É que, de acordo com o RIT, o artigo 67.º do Código do IRC também consta como fundamento da anulação do ato tributário no valor sobrante de € 5.438.417,21. Só que, quanto a este, a sua aplicação ficou impedida pela relação de precedência do artigo 32.º, n.º 2 do EBF. Porém o próprio RIT refere que se os encargos financeiros fossem dedutíveis na íntegra, ou seja, se não fosse aplicável o artigo 32.º, n.º 2 do EBF, aquele valor continuaria a ter de ser corrigido ao abrigo do artigo 67.º do Código do IRC, como se perceciona do seguinte excerto retirado daquele Relatório (negrito nosso): 

 

 “Comprovámos e demonstrámos que os gastos de financiamento líquidos de 2013 perfazem o valor de €3.363.786,10, após dedução dos encargos financeiros imputáveis às partes de capital, com exceção do imposto de selo, e por se ter apurado no trabalho de inspeção que o EBITDA de 2013 é negativo, estes GFL 2013 apenas podem concorrer para a determinação do lucro tributável até ao limite de €3.000.000, em cumprimento da regra de limitação à dedutibilidade dos gastos de financiamento líquidos instituída no artigo 67.º do Código do IRC (redação OE 2013), encontrando-se, assim, devidamente sustentada e fundamentada a correção/acréscimo ao resultado tributável de 2013 no valor de €363.786,10. Atente-se que, caso os gastos de financiamento devidos ou associados à remuneração de capitais alheios fossem dedutíveis na íntegra, dever-se-ia acrescer ao resultado tributável o valor de €5.438.417,21.”

 

Ora, tendo o Tribunal dado razão à Requerente quanto ao fundamento do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, inaplicável por não se terem verificado os pressupostos da sua previsão, há que apreciar o segundo fundamento de não dedutibilidade do referido valor de € 5.438.417,21 (e não apenas do adicional de € 363.786,10). Este segundo fundamento, saliente-se, não vem referido pela AT no RIT como uma alternativa (ou enquadramento alternativo), mas como fundamento relevante. 

 

Assim, sem prejuízo de se reconhecer que o RIT poderia ter beneficiado de maior clareza na fundamentação, afigura-se que resulta razoavelmente explícito que o mesmo reflete a ilegalidade da dedução fiscal (em IRC) de € 5.438.417,21 com base também no artigo 67.º, n.º 1, alínea a) do Código deste imposto. Deste modo, os poderes de cognição deste Tribunal, que incidem sobre matéria tributária que é rigorosamente vinculada, não podem deixar de abranger a apreciação desta ilegalidade.

 

Por fim, refira-se que este entendimento não colide com o efeito meramente cassatório das ações impugnatórias tributárias, pois restringe-se ao conhecimento de uma ilegalidade invocada como fundamento no ato de liquidação sob apreciação, limitando-se à confirmação ou anulação do mesmo. Conclui-se, assim, que é ilegal a dedução dos gastos financeiros (líquidos) incorridos pela Requerente, por indedutibilidade dos mesmos, no valor total de € 5.802.203,31, (€ 5.438.417,21 + € 363.786,10) por excederem o limite legal de € 3.000.000,00 previsto no artigo 67.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRC, na redação aplicável à data dos factos (2013).

 

* * *

               

                À face do exposto, o ato tributário de liquidação de IRC, relativo ao exercício de 2013, enferma parcialmente de vícios materiais por erro nos pressupostos de facto e deve ser anulado na parte em que acresce o montante de € 798.584,20 à matéria tributável de IRC declarada pela Requerente nesse exercício, em conformidade com o disposto no artigo 163.º, n.º 1 do CPA, mantendo-se válida no valor remanescente de € 5.799.529,17, por respeitar a gastos de financiamento que ultrapassaram o limiar previsto no artigo 67.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRC.

 

                A invalidade parcial comunica-se nos mesmos moldes à decisão da reclamação graciosa que confirmou o ato tributário. 

 

* * *

 

Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras. 

 

 

VIII.       DECISÃO

 

                Em face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar parcialmente procedente o pedido de anulação do ato tributário de liquidação de IRC n.º 2016..., de 28 de junho de 2016, referente ao exercício de 2013, na parte correspondente ao acréscimo de € 798.584,20 à matéria coletável de IRC, e da reclamação graciosa que recaiu sobre aquele ato tributário, tudo com as legais consequências. 

 

* * *

 

                Fixa-se ao processo o valor de € 6.598.113,37 de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

                Custas no montante de € 82.314,00, repartidas na proporção da sucumbência, €  72.436,32 a cargo da Requerente e € 9.877,68 a cargo da Requerida, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

 

Lisboa, 26 de dezembro de 2018

 

[Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT].

 

 

 

Os Árbitros,

 

 

 

Alexandra Coelho Martins

 

 

 

 

António Martins

 

 

 

 

Cristina Aragão Seia