Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 864/2019-T
Data da decisão: 2021-03-30  IVA  
Valor do pedido: € 42.548,15
Tema: IVA - Clube Desportivo; Actividade Desportiva; Isenção; Concorrência efectiva; Falta de fundamentação.
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SUMÁRIO: Para que se conclua pela verificação de uma tal situação de concorrência directa com outros sujeitos passivos do imposto, é necessário a demonstração em concreto dessa concorrência, dessa competição.

E em tal demonstração influem o tipo de serviços que são prestados, para além das características específicas destes.

O condicionalismo de exclusão da isenção consagrada, no caso, no artigo 9.º/8 do CIVA e no artigo 10.º/d não se basta com a mera susceptibilidade de provocar distorções na concorrência, mas exige a verificação de concorrência directa com sujeitos passivos do imposto.

A AT não logrou demonstrar e provar que, in casu, terá havido violação do artigo 10.º, alínea d) do CIVA, o que a ela lhe competia atento o n.º 1 do artigo 74.º da LGT.

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

O árbitro Dr. Henrique Nogueira Nunes designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 12 de Março de 2020, acorda no seguinte:

 

I – Relatório

 

1.1. A..., pessoa coletiva n.º..., com sede no ..., na cidade de ..., doravante designada por “Requerente”, requereu a constituição do Tribunal Arbitral ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”).

 

1.2. O pedido de pronúncia arbitral, tal como configurado, tem por objecto a nulidade do Relatório de Inspecção Tributário e a anulação de um conjunto de liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios no valor total de € 42.548,15.

 

1.3. O pedido de constituição do tribunal arbitral, formulado à luz do disposto no artigo 11.º do DL nº 81/2018, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

1.4. A fundamentar o seu pedido imputa a Requerente, em síntese, os seguintes vícios:

 

(i) Alega que a questão sub judice é a de determinar se o Requerente, na atividade que desenvolve de exploração de piscinas de acesso público, reúne os requisitos necessários para estar isento de IVA de acordo com o artigo 9.º do CIVA, designadamente se pratica atividade em concorrência direta com outros sujeitos passivos de imposto.

 

(ii) Que a AT fundamenta a sua decisão, exclusivamente, no facto de considerar que não reúne os requisitos necessários para estar isento de IVA, em virtude de entrar em concorrência direta com outros sujeitos passivos de imposto.

 

(iii) E que esta alegação, ao invés de comportar factos, ou circunstâncias de modo e espaço, que justifiquem a efetiva existência de uma concorrência, limita-se a consubstanciar meras conclusões.

 

(iv) E que não identifica quais os operadores de mercado com os quais entra em concorrência direta no Município de ... .

 

(v) Que considerando que o relatório de inspeção é absolutamente omisso quanto aos factos que justificam as correções, vem invocar a nulidade do relatório de inspecção tributário por falta de fundamentação.

 

(vi) Sustenta que a isenção prevista no n.º 8 do artigo 9.º do Código do IVA, inclui as prestações de serviços a favor de pessoas que praticam desporto ou educação física, quer praticado por particulares ou grupos de pessoas, quer os praticados no âmbito de estruturas organizativas e administrativas instituídas por associações não registadas ou por pessoas coletivas, como os clubes desportivos.

 

(vii) E que as prestações de serviços a favor de pessoas que praticam desporto ou educação física podem beneficiar da isenção prevista no n.º 8, do artigo 9.º, do Código do IVA, desde que essas prestações tenham uma estreita conexão com a prática do desporto e sejam indispensáveis à sua realização, sejam efetuadas por organismos sem fins lucrativos e que os beneficiários efetivos das referidas prestações sejam pessoas que praticam desporto ou educação física.

 

(viii) E que a AT fundamenta a sua decisão exclusivamente no facto de considerar que não reúne os requisitos necessários para estar isento de IVA, uma vez que entra em concorrência direta com outros sujeitos passivos de imposto na cidade e concelho de ..., não cumprindo com o requisito da al. d) do artigo 10.º do CIVA.

 

(x) E que vem sendo entendimento da própria Administração Tributária que, na medida em que as entidades que não prossigam fins lucrativos promovem a prática de desporto pela população, que as atividades por si desenvolvidas nesse sentido não constituem atividades concorrenciais.

 

(xi) Alega que tal como às Autarquias Locais, aos Clubes Desportivos são, legalmente, atribuídas competências ao incentivo e promoção da prática de desporto pela população.

 

(xii) Pelo que é de concluir, diz, que os serviços por si prestados não constituem atividades concorrenciais.

 

(xiiii) E que através da exploração daquelas piscinas promove a prática de desporto pela população (sócios e outros), através da prestação de serviços estreitamente relacionados com a prática de desporto ou de educação física e que nas atividades que desenvolve com o objetivo de promover a prática de desporto pela população, pelo que, alega, não actua em atividades concorrenciais, actua apenas e só no estrito cumprimento das suas “atribuições” legais e fins para os quais foi criada, e portanto isenta de imposto nos termos do artigo 9.º, n.º 8 do CIVA.

 

(xiv) E que o conceito de concorrência, ou “distorção de concorrência” como é comummente designado é um conceito indeterminado, devendo ser entendido e interpretado tendo por referência a jurisprudência emanada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia

 

(xv) Sustenta que para se verificar um ato de concorrência tem de existir um mercado e existir um risco real de que a isenção possa, por si só, provocar distorções de concorrência.

 

(xvi) E que o relatório de inspeção é absolutamente omisso quanto à concretização fáctica, isto é, quanto à fundamentação material e formal, deste conceito no caso concreto, O que, por si só, conduz à ilegalidade das liquidações, sustenta.

 

(xvii) Reafirma que os serviços concretamente prestados ao abrigo da referida isenção de IVA não são susceptíveis de causar concorrência ao mercado onde se insere.

 

(xviii) Desde logo, diz, porque não existe no mercado geográfico local, e no concelho em geral, qualquer operador que preste os serviços iguais aos concretamente prestados por si, nem existe no mercado qualquer outra piscina como a por si explorada, que disponha de condições físicas semelhantes àquelas de que dispõe a piscina por si explorada e que ofereça aos seus utentes os serviços prestados.

 

(xix) E que através da exploração das piscinas e prosseguindo as suas atribuições, promove a prática de desporto e alta competição pela população, através da prestação de serviços estreitamente relacionados com a prática de desporto ou de educação física.

 

(xx) E que a AT no seu relatório não indica, concretamente, um único operador no mercado de ... que ofereça os serviços prestados pelo Requerente nas condições em que o faz.

 

(xxi) E que não fundamenta nem explica por que motivo pelo qual as Piscinas Municipais de ... entram em concorrência com os serviços por si prestados.

 

(xxii) É que a regra de salvaguarda da concorrência visa evitar, segundo diz, que entidades isentas, por força da isenção de que beneficiam, provoquem no mercado distorções de concorrência fruto do menor preço que podem oferecer por comparação a entidades não isentas, e que a AT nem sequer alegou no seu relatório se outros operadores de mercado são ou não entidades isentas.

 

(xxiii) E que a Administração Tributária não logra demonstrar nos autos a verificação de factos que possam colocar em causa a aplicação da isenção prevista nos n.ºs 8 e 19 do artigo 9.º do CIVA, face à evidente falta de fundamentação do acto praticado.

 

(xxiv) Pugna, assim, pela restituição das quantias entregues ao Estado para pagamento das liquidações oficiosas em crise nos presentes autos, acrescidas dos respetivos juros indemnizatórios e peticiona pela anulação das liquidações adicionais em causa nos autos.

 

1.5. A Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada por “Requerida” ou “AT”, respondeu, em síntese, como segue:

 

(i)           Vem defender-se por impugnação.

 

(ii) Diz que o entendimento da AT sobre a questão controvertida está perfeitamente fundamentado no RIT, bem como no Parecer dos serviços de apoio à Representação da Fazenda Pública, que sustenta a contestação apresentada no âmbito da ação de Impugnação Judicial n.º .../16...BEBRG.

 

(iii) Vem invocar que não pode o Requerente beneficiar da isenção de IVA prevista no artigo 9.º, n.º 8 do CIVA, uma vez que este «está, na prestação daqueles serviços, em concorrência direta com outros operadores económicos que desenvolvem idêntica atividade, na mesma área geográfica (requisito para beneficiar de isenção de imposto, constante da alínea d) do artigo 10º do CIVA)».

 

(iv) Refere que a Inspeção Tributária apurou «que não se encontrava reunido o requisito previsto na alínea c) do artigo 10º do CIVA, uma vez que os preços praticados não foram homologados por autoridades públicas ou inferiores aos praticados em operações análogas, por empresas concorrenciais.».

 

(v) Reportando-se em concreto ao alegado pelo Requerente nos artigos 58.º a 61.º da sua P.I., onde invoca que não desenvolve atividades empresariais concorrenciais porque não existe um mercado com direitos ou bens equiparáveis e que possam ser transmitidos entre entidades privadas, bem como que, para além das normais atividades desportivas aquáticas (natação, hidroginástica, hidrosénior, etc.), treina a única equipa de competição no concelho, salienta, segundo diz, que, conforme resulta do RIT, o Requerente adquiriu, à Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de ..., o direito de exploração das piscinas, Sendo que, tal aquisição poderia ter sido realizada por qualquer outro operador, pelo que, assim, se revela clara a existência de um “mercado com direitos ou bens equiparáveis e que possam ser transmitidos entre entidades privadas”.

 

(vi) Quanto à argumentação do Requerente no sentido de que é o único operador no mercado que presta o serviço em causa, dado que é o único que dispõe de uma piscina com grande dimensão e o único capaz de “federar” os atletas, entende que «mesmo que se considere como “mercado” a cidade, ou concelho, de ..., e mesmo que o único serviço prestado na piscina fosse o de “federar” atletas, ao permitir uma isenção de IVA à Requerente estar-se-ia a excluir do mercado um potencial operador que nele estivesse interessado a entrar, contrariando o pressuposto de livre concorrência subjacente à tributação em IVA.

 

(vii) Esclarece, no que se refere ao artigo 74.º da p.i. no qual o Requerente advoga que presta, na piscina em causa, serviços de natação, hidroginástica, hidrosénior e outros, que «Para estes serviços, não é necessária uma piscina de grandes dimensões, nem os respetivos utentes são, ou pretender vir a ser, atletas federados. Naturalmente, para tais serviços há, na cidade de ..., outros operadores económicos, ginásios, a realizá-los (e a liquidar o respetivo IVA), sendo, em conclusão, óbvio que a impugnante se encontra em concorrência com esses operadores.» e que «o acesso aos serviços da impugnante não se encontra reservado a determinados praticantes, ou seja, qualquer pessoa (tal como em qualquer ginásio privado, com objetivos lucrativos) é cliente da impugnante e paga os serviços correspondentes, conforme se encontra detalhado, entre outros, no ponto 37.5 do RIT».

 

(viii) Quanto à alegada nulidade do relatório inspetivo por falta de fundamentação, e como resulta dos excertos transcritos do RIT e do Parecer do MP junto aos autos, que apelida o RIT de «bem elaborado e completo documento inspectivo», há apenas que referir que a factualidade apurada pela Inspeção Tributária e vertida no relatório permite concretizar, em pormenor, quais os concretos fatos que demostram a existência de distorção de concorrência, dando a conhecer a motivação e os pressupostos legais para a realização das correções em causa.

 

(ix) É, pois, manifesto, alega, que o RIT fundamenta cabalmente, de facto e de direito, a correção controvertida, cumprindo a AT o ónus que lhe incumbe nos termos do artigo 74.º, n.º 1, da LGT.

 

(x) E que os elementos que constam do procedimento de inspeção permitem identificar e conhecer, clara e documentalmente, todo o percurso percorrido pela AT para chegar ao valor total das correções, dando a conhecer ao Requerente o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor da decisão, esclarecendo o que levou a decidir num determinado sentido e não em qualquer outro.

 

(xi) E que da leitura do pedido de pronúncia arbitral resulta que o Requerente não demonstrou ter qualquer dificuldade em entender/apreender o itinerário cognoscitivo percorrido pelos serviços da Inspeção Tributária, tendo formulado um juízo crítico sobre o mesmo, quer em sede judicial, mas também no âmbito da ação inspetiva quando foi notificada para exercer o direito de audição.

 

(xii) Sobre o alegado demérito das Conclusões do Relatório de Inspeção, vem o RIT demostrar, no seu entendimento, que a prestação de serviços respeitante à exploração de uma piscina propriedade da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de ..., onde o Requerente cobra aos respetivos utentes valores pelo uso da mesma, não pode beneficiar de qualquer isenção de imposto consagrada no artigo 9.º, n.º 8 do CIVA, não se mostrando verificados os requisitos previstos nas alíneas c) e d) do artigo 10.º do CIVA.

 

(xiii) E que o Requerente vem invocar, tal como havia invocado quando exerceu o direito de audição sobre o projeto do RIT, que «o entendimento sufragado pela AT contradiz frontalmente as com os Ofícios Circulados e Informações Vinculativas que têm sido emitidas pela própria a propósito desta matéria», sendo tal argumentação totalmente rebatida na análise efetuada pela Inspeção Tributária, sustenta.

 

(xiv) E que no caso em concreto, muito embora o Requerente pretenda fazer confundir-se com as pessoas coletivas de direito público que são Autarquias Locais, a verdade é que, como demonstra o RIT, a aquisição à Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de ... do direito de exploração das piscinas poderia ter sido realizada por qualquer outro operador económico.

 

(xv) E que no caso do Requerente, o acesso às piscinas não se encontra reservado a praticantes desportivos - é livre para qualquer pessoa mediante o pagamento dos serviços correspondentes, conforme se encontra detalhado, entre outros, no ponto 37.5 do RIT, sendo que o preço cobrado é receita do Requerente.

 

(xvi) Deste modo, sustenta que contrariamente ao alegado pelo Requerente, não é pelo facto de as instalações que esta explora serem diferentes e, eventualmente, de um ponto de vista qualitativo superiores a outras existentes na mesma área geográfica, que inexiste mercado com direitos ou bens equiparáveis.

 

(xvii) E que na realidade a eventual existência de um mercado desse tipo resulta, sim, da natureza dos serviços que são prestados.

 

(xviii) E que tal como referido no ponto 37.11 do RIT, a ocorrência de distorções de concorrência, em resultado da isenção, deve ser avaliada relativamente à atividade de exploração de uma piscina para a prática de aulas, considerada no conjunto do setor em que a mesma se insere e no contexto de todo o Território Nacional, e não especificamente, em relação a cada organismo sem finalidade lucrativa que opera nesse setor ou cada mercado local em particular.

 

(xix) Donde entende que as correções por si operadas estão corretas e conformes à lei, estando cabalmente fundamentada e demonstrada no RIT a existência de um mercado concorrencial e o facto de a atividade do Requerente constituir um risco real de provocar, de imediato ou no futuro, distorções de concorrência.

 

(xx) Pelo que pugna pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não provado, e, consequentemente, pela absolvição da Requerida de todos os pedidos.

 

                1.6. Entendeu o Tribunal realizar a primeira reunião do Tribunal Arbitral e proceder à inquirição das testemunhas arroladas pelo Requerente, conforme despacho arbitral notificado às partes de acordo com o disposto no artigo 18.º do RJAT.

               

                Ambas as partes foram igualmente notificadas para apresentar Alegações, querendo, tendo ambas optado por fazê-lo, reforçando as suas posições.

 

                Foi fixado prazo para o efeito de prolação da decisão arbitral no termo do prazo legal, após duas prorrogações fundamentadas nos termos do previsto no artigo 21.º, n.º 2 do RJAT.

 

* * *

 

                1.7. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2.º do RJAT.

 

                As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

                Não foram identificadas nulidades no processo.

 

2. QUESTÕES A DECIDIR

 

Vem o Requerente suscitar:

 

1.            A nulidade do RIT por falta de fundamentação.

2. A anulação das liquidações oficiosas de IVA e de juros compensatórios por erro nos pressupostos e a restituição de todas e quaisquer quantias que tenham sido entregues para pagamento das liquidações oficiosas, acrescidas dos respectivos juros indemnizatórios.

 

3.            MATÉRIA DE FACTO

 

Da análise crítica da posição das partes espelhada nos respetivos articulados, incluindo-se aqui petição inicial e a contestação apresentadas no processo que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga até à extinção da instância nos termos e para efeitos do disposto no artigo 11º, do DL nº 81/2018 (Proc nº .../16...BEBRG), em conjugação com a documentação junta aos autos e ponderando que resultam provados com relevo para a apreciação e decisão de mérito os seguintes factos:

 

A) O Requerente deduziu o presente pedido de pronúncia arbitral ao abrigo do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro, com vista à apreciação da legalidade de um conjunto de liquidações de IVA e de Juros Compensatórios referentes aos períodos de julho, setembro, outubro, novembro e dezembro do ano de 2011.

 

B) O Requerente foi notificado dos seguintes actos:

Liquidações Adicionais de IVA n.ºos ... no valor de € 8.359,48; ... no valor de € 7.725,63; ... no valor de € 4.179,86; ... no valor de € 8.470,33; ... no valor de € 8.087,41 e de Juros compensatórios n.º ... no valor de € 1.335,68; ... no valor de € 1.261,50; ... no valor de € 709,55; ... no valor de € 1.179,68; ... no valor de € 1.239,03, perfazendo o valor global total impugnado de € 42.548,15.

cfr. Documentos juntos com o seu pedido arbitral.

 

C) As liquidações em causa foram objeto da ação de Impugnação Judicial n.º .../16...BEBRG, deduzida no dia 28-03-2016, que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga e sobre a qual não foi proferida decisão, tendo sido proferido por esse Tribunal a extinção da instância nos termos e para os efeitos n.º 3 do artigo 11º do Decreto-Lei n.º 81/2018 de 2018-10-15 (Cfr. certidão junta pelo Requerente como DOC. B).

 

D) O Requerente é uma associação desportiva, cultural e recreativa, de utilidade pública reconhecida, publicada no Diário da República II Série, de ... de..., fundada em setembro de 1922, que se encontra inscrito no cadastro da AT para o exercício de “atividades de clubes desportivos”, a que corresponde o CAE 093120 (cfr. RIT).

 

E) Ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2015..., foi o Requerente sujeito a uma ação inspetiva externa de âmbito parcial, que incidiu sobre o IRC do período de 2011 e IVA, Imposto do Selo e Retenções na Fonte de IRS e de IRC do segundo semestre de 2011 (cfr. RIT).

 

F) Uma vez concluídos os atos de inspeção foi o Requerente notificado do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária, tendo, tempestivamente, à luz dos arts. 60º da Lei Geral Tributária (LGT) e 60º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT), exercido o seu direito de audição expondo as razões de facto e de direito que, em seu entender, obstariam às correções aí projetadas (cfr. PA junto).

 

G) Da análise efetuada aos elementos contabilístico-fiscais do Requerente, apurou a Inspeção Tributária que «este explora a utilização das piscinas que são propriedade da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de ..., por contrato celebrado em 2006-08-25» (cfr. RIT).

 

H) Considerou com relevo para os autos a AT no RIT o seguinte, transcrevendo-se os pontos mais relevantes:

 

I) O Requerente apresentou testemunhas, as quais foram inquiridas por si e pela Requerida.

 

J) A testemunha, Senhora Dra. C..., funcionária do Requerente declarou que este pagava uma renda mensal aos Bombeiros de ... e que por seu turno explorava as piscinas.

 

K) E que a piscina tinha medidas próprias para a competição profissional.

 

L) E que com a dimensão desta piscina só a Piscina Municipal de ..., sendo que a entidade que a explorava, de seu nome “AA...” não liquidava IVA, tanto quanto era do seu conhecimento.

 

M) A testemunha, Senhor Z..., funcionário do Requerente e gestor das piscinas, declarou que o Requerente explora diversas modalidade, desde natação ao Polo Aquático, com o objectivo final de formar atletas para o clube, desde crianças, e que só esta infraestrutura é que oferecia estas condições com vista à competição, e que semelhante só as piscinas municipais exploradas pela cooperativa “AA...”.

 

N) Mais declarou, após ser questionada pela Requerida, que é possível frequentar a piscina sem ser acompanhado de um professor.

 

O) A piscina não é propriedade do Requerente, sendo antes explorada pelo clube e frequentada por todo e qualquer cidadão mediante o pagamento de uma entrada ou mensalidade (cfr. RIT).

 

P) O Requerente é uma associação desportiva, cultural e recreativa, de utilidade pública reconhecida por despacho ministerial publicado no Diário da República II serie, de ..., fundada em Setembro de 1992 na cidade de ... (cfr. doc. que se junta sob os n.os 3 e 4 junto com a sua Impugnação Judicial)

 

Q) O Requerente através da exploração 27 das piscinas para as quais obteve a exploração promove a prática de desporto pela população (sócios e outros), através da prestação de serviços estreitamente relacionados com a prática de desporto ou de educação física. (facto dado como provado e não contestado por nenhuma das partes)

 

R) O Requerente é o único clube federado em natação do concelho (facto dado como provado e não contestado por nenhuma das partes).

 

S) O Requerente explora um complexo de piscinas constituído por duas piscinas interiores aquecidas, uma das quais com dimensões para competição com 25 m2 de comprimento e composta por 8 pistas (facto dado como provado e não contestado por nenhuma das partes).

 

T) O Requerente, através da exploração das piscinas e prosseguindo as suas atribuições, promove a prática de desporto e alta competição pela população, através da prestação de serviços estreitamente relacionados com a prática de desporto ou de educação física (facto dado como provado e não contestado por nenhuma das partes).

 

U) O Requerente identifica um conjunto de actividades desportiva em piscina que estariam isentas de IVA, designadamente:

As prestadas pelo Pólo de ... da Universidade do ..., nos serviços desportivos que presta, não sujeita a operação a IVA (cfr. doc. 5 junto com a Impugnação Judicial).

As prestadas pelo Município de ..., nos serviços prestados nas Piscinas Municipais, não sujeita a operação a IVA (cfr. doc. 6 junto com a Impugnação Judicial).

As prestadas pelos Bombeiros ..., nos serviços prestados nas Piscinas, não sujeita a operação a IVA (cfr. doc. 7 junto com a Impugnação Judicial).

As prestadas pelo Município de ..., nos serviços prestados nas Piscinas Municipais, não sujeita a operação a IVA (cfr. doc. 8 junto com a Impugnação Judicial).

As prestadas pelo ..., nos serviços prestados nas Piscinas do Estádio Municipal, não sujeita a operação a IVA (cfr. doc. 9 junto com a Impugnação Judicial).

As prestadas pelo Clube Desportivo da ..., nos serviços prestados nas Piscinas, não sujeita a operação a IVA (cfr. doc. 10 junto com a Impugnação Judicial).

As prestadas pelo Município de ..., nos serviços prestados nas Piscinas Municipais, não sujeita a operação a IVA (cfr. doc. 10 junto com a Impugnação Judicial).

As prestadas pelo Município ..., nos serviços prestados nas Piscinas Municipais, não sujeita a operação a IVA (cfr. doc. 12 junto com a Impugnação Judicial).

As prestadas pelo Município de ..., nos serviços prestados nas Piscinas Municipais, não sujeita a operação a IVA (cfr. doc. 13 junto com a Impugnação Judicial),

As prestadas pelo XX… na exploração que faz das Piscinas Municipais de ... não sujeita a operação a IVA (cfr. doc. 14 junto com a Impugnação Judicial)

As prestadas pelo Município de ..., nos serviços prestados nas Piscinas Municipais, não sujeita a operação a IVA (cfr. doc. 15 junto com a Impugnação Judicial),

As prestadas pelo Município de ..., nos serviços prestados nas Piscinas Municipais, não sujeita a operação a IVA (cfr. doc. 16 junto com a Impugnação Judicial).

 

V) Em 19-12-2019, o Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

4.            FACTOS NÃO PROVADOS

 

Embora a AT no seu RIT venha dizer e citamos “Como tal, verificamos que o SP não reúne os requisitos necessários para estar isento de IVA, uma vez que entra em concorrência directa com outros sujeitos passivos, quer na cidade de ...– uma vez que entra em concorrência directa com os ginásios onde existem piscinas para a prática desportiva (entenda-se como actividades desportivas praticadas em piscinas) - quer em concelhos limítrofes à cidade, nomeadamente com as piscinas municipais de ...” o certo é que não se descortina no RIT onde está feita essa comparação ao nível da concorrência com outras entidades em relação à actividade levada a cabo pelo Requerente, designadamente ao não identificar um único ginásio em ... que ofereça os serviços prestados pelo Requerente nas condições em que o faz, nem fundamentando por que motivo as Piscinas Municipais de ... entram em concorrência com os serviços prestados pelo Requerente, apesar de esta dizer que se verifica uma situação de concorrência directa.

 

Não se vislumbra igualmente no RIT a análise, ainda que por amostragem, dos preçários das entidades em relação às quais o Requerente estaria em situação de concorrência directa.

 

Não se provou que o Requerente tivesse pago as quantias liquidadas nas liquidações de IVA e respectivos juros compensatórios em crise nos autos, nem que elas tivessem sido cobradas por compensação.

 

Não existem outros factos com relevo para a decisão de mérito dos autos que não se tenham provado.

 

5.            FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 

                Quanto aos factos essenciais a matéria assente encontra-se conformada de forma idêntica por ambas as partes e a convicção do Tribunal formou-se com base nos elementos documentais (oficiais) juntos ao processo e acima discriminados cuja autenticidade e veracidade não foi questionada por nenhuma das partes.

 

De referir que o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta(m) o pedido formulado pela Requerente enquanto autor (cfr. artºs.596º, nº.1 e 607º, nºs. 2 a 4, do C.P.Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123.º, nº.2, do CPPT).

 

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº. 607º, nº.5, do C.P.Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na Lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371º, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

6. DO DIREITO

 

Imputa o Requerente dois vícios para os quais pede a apreciação do Tribunal.

 

A saber, a nulidade do RIT por falta de fundamentação e o vício de violação dos artigos 9.º/8 e 10.º/d) do CIVA, que no seu entender conduz à anulabilidade dos actos de liquidação.

 

Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação - artigo 124.º do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. a), do RJAT.

 

O vício de falta de fundamentação é um vício de forma que, em caso de anulação, não obsta necessariamente à renovação do acto anulado, com supressão do vício. No entanto, embora o vício de falta de fundamentação não assegure a mais eficaz tutela dos direitos do impugnante, o seu conhecimento prioritário pode ser necessário, em situações em que a falta de fundamentação afecte a própria possibilidade de o tribunal se aperceber de qual o real conteúdo do acto impugnado, quanto aos seus pressupostos de facto ou de direito.

Na verdade, a apreciação dos vícios de violação de lei depende da averiguação dos fundamentos de facto e de direito do acto impugnado, pelo que o desconhecimento exacto da motivação da decisão pode ser um obstáculo intransponível à apreciação dos vícios de violação de lei .

 

A questão da falta de fundamentação do RIT está conexionada com a da suficiência dos factos alegados para suportar as liquidações, pelo que é conveniente abordá-la.

 

De referir que se seguirá de perto a decisão proferida no processo 274/2016-T, que analisou um caso similar ao dos presentes autos.

 

Sustenta a jurisprudência quanto à fundamentação do acto de liquidação que o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487.º, n.º 2 do Código Civil possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do  acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.

 

Ou, dito de outro modo, a fundamentação deve incorporar elementos de facto e de direito que permitam ao destinatário do acto perceber o iter decisório, neste caso da AT.

 

Conforme é consensualmente reconhecido pelas partes, em causa na presente acção arbitral está a aplicação do disposto no artigo 9.º/8 do CIVA aplicável, que determina a isenção daquele imposto relativamente às "prestações de serviços efetuadas por organismos sem finalidade lucrativa que explorem estabelecimentos ou instalações destinados à prática de atividades artísticas, desportivas, recreativas e de educação física a pessoas que pratiquem essas atividades", em conjugação com o disposto na al. d) do artigo 10.º do mesmo Código, do qual resulta que "Para efeitos de isenção, apenas são considerados como organismos sem finalidade lucrativa os que, simultaneamente: (...) Não entrem em concorrência direta com sujeitos passivos do imposto".

 

        No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu não se verificar o requisito da alínea d) do citado artigo 10.º do CIVA, considerando que o Requerente e citando o RIT a folhas 489:

 

“Como tal, verificamos que o SP não reúne os requisitos necessários para estar isento de IVA, uma vez que entra em concorrência directa com outros sujeitos passivos, quer na cidade de ...– uma vez que entra em concorrência directa com os ginásios onde existem piscinas para a prática desportiva (entenda-se como actividades desportivas praticadas em piscinas) - quer em concelhos limítrofes à cidade, nomeadamente com as piscinas municipais de...” (…)

 

e a folhas 497 e 498:

 

“a ocorrência de distorções de concorrência, em resultado da isenção deve ser avaliado relativamente à atividade em causa, enquanto tal, exploração de uma piscina para a prática de aulas, considerada no conjunto do sector em que a mesma se insere e no contexto de todo o Território Nacional, e não especificamente, em relação a cada organismo sem finalidade lucrativa que opera nesse sector ou cada mercado local em particular”.

 

Como é sabido a fundamentação do acto tributário deve ser sempre contemporânea do acto, não sendo admissível a fundamentação “a posteriori”, porquanto tal afrontaria o entendimento consolidado do STA, expresso em inúmeros arestos de ambas as Secções, de que a fundamentação tem de ser contextual, ou seja, contemporânea do acto (Vd. Acórdão de 17/03/2005, exarado no proc.º 0103/05) .

 

No caso em apreço, a fundamentação das liquidações impugnadas, para além do que delas próprias consta, é a que consta do Relatório da Inspecção Tributária (“RIT”).

 

No referido RIT a AT estriba o essencial da sua argumentação para imputar o vício de falta de legalidade ao Requerente, ao considerar isentas as prestações de serviços efectuadas, no facto de ter havido uma violação da concorrência para efeitos do previsto na alínea d) do artigo 10.º do RIT, mas em momento do RIT identifica onde ancora tal pretensa violação, pois não identifica os concretos serviços prestados e preços praticados pelas entidades  que considera concorrentes do Requerente, nem no caso das piscinas municipais de ... (única entidade concretamente identificada no RIT) o faz, não percebendo o Tribunal se esta última entidade sequer liquidaria ou não IVA nos serviços prestados.

 

Por outro lado, e já em sede de resposta ao direito de audição prévia exercido pelo Requerente, a AT parece, de certo modo, alterar ligeiramente a sua posição ao considerar e citando:

 

“a ocorrência de distorções de concorrência, em resultado da isenção deve ser avaliado relativamente à atividade em causa, enquanto tal, exploração de uma piscina para a prática de aulas, considerada no conjunto do sector em que a mesma se insere e no contexto de todo o Território Nacional, e não especificamente, em relação a cada organismo sem finalidade lucrativa que opera nesse sector ou cada mercado local em particular”.

 

Ou seja, segundo a AT a distorção da concorrência deve ser aferida de forma abstracta (dispensando-se a prova concreta) e já no contexto de todo o território nacional.

 

De modo algum podemos concordar com esta posição, que levaria a que tudo fosse em abstracto violador da concorrência quando não foi essa a intenção do legislador comunitário.

 

Conforme se decidiu no processo 161/2017-T proferido por este CAAD:

 

“Ora, compulsado o referido artigo 10.º do CIVA aplicável, e, em concreto a sua al. d), verifica-se que o mesmo veio excluir a abrangência da isenção que nos ocupa, quando ocorrer “concorrência direta com sujeitos passivos do imposto”, e não, como consta do texto da Directiva, quando haja susceptibilidade de “provocar distorções de concorrência em detrimento de empresas comerciais sujeitas ao IVA.”.

 

O Tribunal de Justiça da União Europeia tem analisado a questão das distorções de concorrência sobretudo ao nível da delimitação negativa de incidência das entidades púbicas acolhida entre nós no artigo 2.º/2 do CIVA, cuja matriz se encontra no artigo 13.º/1 da Directiva IVA. Como o TJUE salienta, estando em causa o respeito pelo princípio da neutralidade, a regra de tributação contida nesta disposição não deve ser interpretada de forma demasiado restrita, sendo que uma das questões que se tem vindo a analisar nesta sede é a de saber se as distorções de concorrência se devem apreciar em relação à actividade no seu conjunto ou casuisticamente em relação aos mercados locais[4]

 

No que tange às isenções este requisito foi poucas vezes analisado, destacando-se  para o efeito o Acórdão de 20 de Novembro de 2003, proferido no Processo C-8/01, conhecido como Caso Taksatorrigen. Neste contexto, embora no que se reporta ao disposto na al. f) do artigo 132.º da Directiva IVA (relativa a agrupamentos autónomos de pessoas), o TJUE veio salientar que é a própria isenção que não deve provocar distorções de concorrência, sendo necessário que o risco das distorções de concorrência seja real e não apenas hipotético. Como salienta Rui Laires, este deve ser igualmente o entendimento acolhido no que se reporta à disposição que por ora nos ocupa[5].

Feitos estes considerandos e para efeitos do caso em análise, deveremos notar que a apreciação da existência ou não de concorrência pode ser feita a vários níveis.

 

Assim, poder-se-á considerar que a oferta lúdica de serviços de desporto concorre com outros serviços como cinemas e espectáculos, na medida em são dirigidos à ocupação de tempos livres, mas crê-se que não se poderá, manifestamente, falar aí de concorrência efectiva, nos termos que nos ocupam.

 

Dentro da oferta lúdica de serviços de desporto, pode-se dizer que serviços ligados, por exemplo, ao atletismo, ao futebol, ao ténis, à natação, e ao golfe, concorrem entre si, enquanto oferta de serviços desportivos, mas, também aí, não se poderá falar de concorrência efectiva, nos termos que nos ocupam.

      

E mesmo dentro da oferta de serviços relacionados com uma mesma modalidade desportiva, poderá não haver concorrência directa. Assim, por exemplo, uma escola de Futebol em que a formação seja dada pelo Cristiano Ronaldo, ou uma escola de Ténis em que a formação seja dada pelo João Sousa, não concorrerão directamente, em princípio, com uma escola da mesma modalidade, com formação ministrada por um curioso local.

           

Por outro lado, ainda ao nível da densificação do conceito de concorrência relevante para os efeitos que nos ocupam, cumpre ter presente o regime da al. c) do artigo 10.º do CIVA, que, na sequência da al. c) do artigo 133.º da Directiva IVA, admite expressamente a existência de actividades análogas, bem como a prática de preços (desde que homologados por autoridades públicas) que excedam os praticados pelas empresas comerciais que praticam aquelas, sem que daí decorra uma concorrência relevante.

 

   Com efeito, se o artigo 10.º do CIVA impõe que sejam cumulativamente cumpridos os requisitos consagrados nas suas diversas alíneas, daí decorre, necessariamente, que o cumprimento cumulativo das als c) e d) é possível, ou seja, que uma entidade não lucrativa pode praticar preços homologados por uma autoridade pública, que não sejam “inferiores aos exigidos para análogas operações pelas empresas comerciais sujeitas de imposto”, sem que se verifique “concorrência direta com sujeitos passivos do imposto”.

 

     Assim, como se escreveu no Acórdão do STJ de 09-10-2002, proferido no processo 02S1905, em situação distinta mas directamente transponível, “Para que possa realizar-se com adequação e legitimidade o confronto de uma situação concreta com o dever de não concorrência é, pois, necessário ter em conta, mais do que a identidade ou semelhança dos bens ou serviços produzidos pelas empresas consideradas, e muito mais do que o facto de pertencerem ao mesmo “ ramo”, “ género” ou “sector” de actividade económica este requisito elementar da hipótese de concorrência: a possibilidade factual do desvio de clientela.”[6].

         

E como refere Jorge Patrício Paúl[7]:

 

“O acto de concorrência é aquele que é idóneo a atribuir, em termos de clientela, posições vantajosas no mercado.

 

A concorrência não é susceptível de ser definida em abstracto e só pode ser apreciada em concreto, pois o que interessa saber é se a actividade de um agente económico atinge ou não a actividade de outro, através da disputa da mesma clientela.(...)

 

O conceito de concorrência é, pois, um conceito relativo, que não pode ser aprioristicamente definido mas apenas casuisticamente apreciado, tendo em conta a actuação concreta dos diversos agentes económicos e a realidade da vida económica actual.”[8].”.

           

Aderindo-se, sem hesitações, ao decidido nesse aresto, para que se conclua pela verificação de uma tal situação de concorrência directa das actividades do Requerente com outros sujeitos passivos do imposto, seria necessária a demonstração em concreto dessa concorrência, dessa competição de clientela.

 

E inevitavelmente em tal demonstração influem o tipo de serviços que são prestados, para além das características específicas destes, como a qualidade ou personalização, o preço, e as características da própria clientela angariada. Não bastará, por isso, ao contrário do que julgou a AT, fazer referência a uma identidade de sector ou de mercado local, e muito menos apelando a toda a extensão do território nacional, como se Lisboa ou a região do Algarve, só para dar alguns exemplos, fossem susceptíveis de provocar uma situação de concorrência a uma actividade desportiva que ocorre, exclusivamente, na cidade de ... .

 

Seria normal ou expectável que um residente da região do Algarve ou de Lisboa se deslocassem a ... para poder usufruir de umas piscinas onde não pagariam IVA? Cremos que não.

 

Neste quadro, não é possível concluir que esteja feita nos autos a demonstração da existência de uma concorrência directa entre os serviços prestados pela Requerente, eleitos para correcção pela AT, e as prestações de serviços de outros sujeitos passivos do imposto, nem sequer o único que concretamente foi identificado.

 

Conclui-se, assim, que o condicionalismo de exclusão da isenção consagrada, no caso, no artigo 9.º/8 do CIVA, é mais restrito do que aquele permitido pela Directiva, não se bastando com a mera susceptibilidade de provocar distorções na concorrência, mas exigindo a verificação de concorrência directa com sujeitos passivos do imposto.

 

No caso concreto, como salienta Rui Laires, impõe-se uma interpretação da condição prevista na al.  d) do artigo 10.º do CIVA “…no sentido de que visa impedir a isenção dos organismos sem finalidade lucrativa em todos os casos em que estes entrem em concorrência directa  - disponibilizando no mercado os mesmos tipos de bens ou serviços comercializados por empresas submetidas a tributação e a preços inferiores -, mas apenas quando a eventual isenção de que beneficiassem pudesse gerar distorções de concorrência com as empresas comerciais.”.

 

Por outro lado, assinala-se ser no mínimo estranho que existindo a tal suposta distorção da concorrência, a concorrência directa com outros sujeitos passivos, não conste do RIT, nem de documento algum, alguma queixa por parte desses operadores prejudicados pela pretensa vantagem fiscal ilícita do Requerente.

 

Como se apreciou no aresto proferido no processo 274-2016-T neste CAAD, apreciando uma questão similar:

 

“É manifesto que a Requerente tem razão quanto a insuficiência do Relatório da Inspecção Tributária, em que assentam as liquidações de IVA impugnadas, quanto aos pontos que refere, sobre esta matéria da possibilidade de distorção da concorrência, que é essencial para sustentar as liquidações.

 

Desde logo, não são identificados o «hotel sito na cidade» nem o «outro na freguesia de … » nem os «ginásios (pelo menos dois, com piscina interior)», pelo que, embora a Requerente tente formular palpites sobre as entidades a quem se reportarão, não se pode deixar de concluir que se está perante o uso de expressões vagas, que não satisfazem as exigências de fundamentação.

 

Por outro lado, a Autoridade Tributária e Aduaneira não esclarece quais as características dos serviços prestados por cada uma das entidades que entendeu serem concorrentes nem quais os preços dos serviços prestados, nem porque é que entendeu que havia possibilidade de a isenção praticada pela Requerente poder provocar distorção da concorrência.

 

Para se poder concluir pela existência de distorção da concorrência seria necessário conhecer os concretos serviços prestados e preços praticados pelas entidades que a Autoridade Tributária e Aduaneira considera concorrentes, pois poderão tratar-se de serviços distintos com preços distintos, destinados a tipos de público diferentes. No caso em apreço, resultou da prova produzida que nenhuma das piscinas do concelho de … tem as características das da Requerente nem existe outra pista de atletismo, pelo que não está explicada a razão por que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que a prestação dos serviços pela Requerente pode provocar distorção da concorrência.

 

 Para além disso, para se demonstrar que existe uma distorção da concorrência provocada pela isenção de IVA que a Requerente aplicou seria necessário esclarecer se as outras entidades que a Autoridade Tributária e Aduaneira terá considerado concorrentes não praticavam isenção para os serviços semelhantes, pois se todas praticassem isenção, nenhuma distorção estará relacionada com a aplicação da isenção pela Requerente.

 

A isto acresce que, como esclarece a alínea d) do artigo 133.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, as distorções da concorrência que se pretendem evitar se reportam apenas a «empresas comerciais sujeitas ao IVA», pelo que seria necessário esclarecer se todas as entidades consideradas com concorrentes são empresas comerciais.

 

(…)

 

Tanto basta para concluir que, por um lado, está insuficientemente fundamentado o Relatório da Inspecção Tributária em que se basearam as liquidações impugnadas e, por outro, que não ficou demonstrado que da isenção de IVA a praticada pela Requerente provocasse distorção da concorrência.

 

Para além disso, por força do disposto no artigo 100.º, n.º 1, da LGT, para se justificar a anulação de actos de liquidação, basta que existam dúvidas fundadas sobre a correspondência à realidade dos factos em que assentou, o que se reconduz a que essas dúvidas sejam processualmente equiparadas a erro sobre os pressupostos de facto.”.

 

Ora, aí, como aqui, entende o Tribunal que a AT não logrou demonstrar e provar que, in casu, terá havido violação do artigo 10.º, alínea d) do CIVA, o que a ela lhe competia atento o n.º 1 do artigo 74.º da LGT.

 

Razão pela qual as liquidações impugnadas enfermam de vícios de falta de fundamentação e erro sobre os pressupostos de facto que justificam a sua anulação [artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT].

 

Sendo de anular as liquidações com fundamento de vício de violação de lei fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento das demais questões colocadas.

 

Quanto ao pedido de restituição de quantias pagas, anulação de actos de cobrança e juros indemnizatórios.

 

O Requerente pede que lhe sejam restituídas “todas e quaisquer quantias que por esta hajam sido entregues para pagamento das liquidações oficiosas ora em crise, acrescidas dos respectivos juros indemnizatórios” e que sejam anulados “todos e quaisquer actos de cobrança, designadamente de compensação”.

 

Para além disso, a Requerente pede que lhe sejam pagos juros indemnizatórios.

 

Como resulta da matéria de facto fixada, não se provou que a Requerente tivesse pago as quantias liquidadas nas liquidações de IVA e respectivos juros compensatórios, nem que estas tivessem sido cobradas por compensação.

 

O Requerente não apresentou qualquer prova de que tivessem ocorrido pagamentos por qualquer forma, nem mesmo alegou quando e como ocorreram.

 

Assim, não se provando que ocorreram pagamentos por qualquer forma, improcedem os pedidos de restituição de quantias pagas e de anulação de actos de compensação.

 

Dependendo os juros indemnizatórios da ocorrência de pagamento de imposto indevido (artigo 43.º, n.º 1, da LGT), a falta de prova do pagamento implica a improcedência do pedido de juros indemnizatórios.

 

No entanto, a improcedência destes pedidos que aqui se decide, não prejudica a efectivação dos direitos que o Requerente possa ter que sejam apurados em execução de julgado.

 

7.            DECISÃO

 

                Em face do exposto, acorda este Tribunal Arbitral Singular em:

 

1. Julgar procedente o pedido arbitral determinando a anulação das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios n.ºos ... no valor de € 8.359,48; ... no valor de € 7.725,63; ... no valor de € 4.179,86; ... no valor de € 8.470,33; ... no valor de € 8.087,41 e de Juros compensatórios n.º ... no valor de € 1.335,68; ... no valor de € 1.261,50; ... no valor de € 709,55; ... no valor de € 1.179,68; ... no valor de € 1.239,03, no valor global impugnado de € 42.548,15.

2. Julgar improcedentes os pedidos de restituição de quantias, anulação de actos de compensação e juros indemnizatórios e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos mesmos, sem prejuízo dos direitos que possam ser demonstrados em execução da presente decisão.

 

* * *

 

                Fixa-se o valor do processo em Euro 42.548,15, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º do CPC. 

 

                Condena-se a Requerida em custas no montante de Euro 2.142,00 ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.

          

Notifique-se.

 

Lisboa, 30 de Março de 2021.

 

O Árbitro,

(Henrique Nogueira Nunes)

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

A redacção da presente decisão arbitral rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.