Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 865/2019-T
Data da decisão: 2021-01-21  IRC  
Valor do pedido: € 76.424,05
Tema: IRC – Custos da responsabilidade de terceiros; Dever de fundamentação.
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SUMÁRIO:

I-             Estando o Requerente legalmente obrigado a cumprir as suas obrigações contratuais, e tendo tais obrigações contratuais sido assumidas na prossecução do seu escopo empresarial e lucrativo, terá de concluir-se que estava legalmente autorizado a suportar os encargos da responsabilidade terceiros, para com os quais se obrigou a fazê-lo e que incorreram nos mesmos por causa das suas relações negociais com o Requerente, e que os gastos com tais encargos são dedutíveis pelo Requerente, por terem uma finalidade empresarial.

II-           Não pode a AT, em sede de recurso jurisdicional, pretender que se aprecie a legalidade da correcção que esteve na base da liquidação impugnada à luz de outros fundamentos senão aqueles que constam da declaração fundamentadora que oportunamente externou.

III-          Apresenta-se como mera manifestação de arbítrio da Administração, e consequentemente como inadimplente do dever legal de fundamentação dos actos tributários, a indicação de determinados números de trabalhadores contratados e despedidos, sem que seja perceptível qual a razão porque são indicados tais números e não quaisquer outros.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 18 de Dezembro de 2020,  A..., NIPC ..., com representação permanente na Rua ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, na qualidade de representante na cessação de B...– SUCRUSAL EM PORTUGAL, NIPC ..., com representação permanente na Rua ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, sucursal em Portugal do C..., instituição de crédito com sede e direcção efectiva em ..., ..., Londres, ..., Reino Unido, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IRC n.º 2008..., da demonstração de acerto de contas n.º 2008... e da liquidação de juros compensatórios n.º 2008..., referentes ao ano de 2004, no valor de €76.424,05, assim como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2009... e da decisão de indeferimento do recurso hierárquico que tiveram as referidas liquidações como objecto. 

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega o Requerente, em síntese, o seguinte:

i.             os encargos suportados pelo Requerente decorrentes do pagamento de indemnizações devidas pelos trabalhadores admitidos no ano de 2004, às anteriores entidades empregadoras, em virtude do incumprimento do prazo de aviso prévio para denúncia do contrato de trabalho, são dedutíveis para efeitos fiscais, nos termos do artigo 23.º do CIRC;

ii.            inadmissibilidade da fundamentação a posteriori vertida na decisão de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico, quanto à comprovação do custo;

iii.           falta de fundamentação da correcção relativa ao benefício fiscal referente à criação líquida de emprego, previsto no artigo 17.º do EBF, porque a AT não explicou – nem no relatório de inspecção, nem nas decisões de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico – o motivo pelo qual o cálculo efectuado pelo Requerente estava errado;

 

3.            No dia 19-12-2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 11-02-2020, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 12-03-2020.

 

7.            No dia 02-07-2020, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

8.            Por despacho de 20-10-2020, foi determinado o aproveitamento da prova testemunhal produzida nos processos de impugnação judicial n.º .../13/... BELRS e n.º .../14...BELRS, ao abrigo do disposto no artigo 421.º do Código de Processo Civil, aplicável nos termos do artigo 29.º/1/e) do RJAT.

 

9.            Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

10.          Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, abstiveram-se as partes de o fazer.

 

11.          Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, com as prorrogações determinadas nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.

 

12.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir:

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

1-            O Requerente era, no ano de 2004, sucursal em Portugal do C... sediado em ..., Londres, Inglaterra.

2-            A actividade em Portugal era directamente exercida pela sociedade inglesa através da sucursal.

3-            Todas as políticas comerciais e financeiras do Requerente, seguiam as linhas previamente definidas pelo B... .  

4-            O Requerente iniciou actividade em Portugal em 1985.

5-            O Requerente estava, no ano de 2004, sujeito ao acompanhamento da Unidade dos Grandes Contribuintes da Autoridade Tributária e Aduaneira.

6-            Entre 2004 e 2006, o Requerente abriu um total de 57 agências, 7 delas em 2004, contratando mais de 100 novos colaboradores em 2004.

7-            O Requerente teve a opção de procurar ter um crescimento orgânico e sustentável, abrindo novas agências e contratando novos colaboradores em função das necessidades por si sentidas no mercado e da sua política de expansão.

8-            Um total de 52 dos trabalhadores contratados no ano de 2004 pelo Requerente, trabalhavam noutras instituições financeiras concorrentes.

9-            Com vista ao reforço imediato das suas equipas e ao cumprimento dos prazos estabelecidos para a abertura de novas agências, o Requerente contratou trabalhadores que trabalhavam noutras instituições de crédito, sem que estes cumprissem o prazo de aviso prévio na denúncia do contrato de trabalho com as anteriores entidades empregadoras.

10-         O Requerente acordou com os colaboradores que se encontravam nessa situação que os montantes das indemnizações devidas aos anteriores empregadores em virtude do incumprimento do prazo de aviso prévio, seriam por si suportados.

11-         Os valores das indemnizações foram restituídos aos colaboradores através do crédito desses valores nas suas contas, num total de €127.473,24, em 2004.

12-         O Requerente contabilizou na conta “73901 – C.C/Pessoal – Outros Custos C/Pessoal – Indemn. Contr. – Pagamento a Bancos” o montante de €127.473,24.

13-         O lucro tributável da sucursal do Requerente em Portugal aumentou de €3.371.698,10, em 2003, para €5.491.058, em 2004. 

14-         O Requerente majorou por entender corresponderem à criação líquida de emprego para jovens de idade até 30 anos, no ano de 2003, os encargos suportados com um trabalhador e, no ano de 2004, os encargos suportados com 32 trabalhadores.

15-         O Requerente foi objecto de uma acção inspectiva, de âmbito parcial, em sede de IRC do ano de 2014, realizada pela Direcção de Serviços de Inspecção Tributária – Divisão de Inspecção a Bancos e Outras Instituições de Crédito.

16-         Através do Ofício n.º..., de 29 de Agosto de 2008 da Direcção de Serviços de Inspecção Tributária, o Requerente foi notificado do relatório de inspecção.

17-         Na sequência da acção inspectiva foram efectuadas, em sede de IRC, as seguintes correcções:

 

18-         Do relatório de inspecção tributária consta, além do mais, o seguinte:

 

19-         Na sequência das correcções efectuadas em sede de inspecção tributária, o Requerente foi notificado do acto de liquidação de IRC n.º 2008..., da demonstração de acerto de contas n.º 2008... e da liquidação de juros compensatórios n.º 2008..., referentes ao ano de 2004, no valor de €76.424,05.

20-         O Requerente não procedeu, desde logo, ao pagamento das liquidações em causa, pelo que foi instaurado o processo de execução fiscal n.º ...2009... .

21-         Em 11-02-2009, o processo de execução fiscal foi extinto por pagamento por via de compensação de um crédito tributário com origem no reembolso de IVA de Agosto de 2008.

22-         Em 15-05-2009, o Requerente apresentou reclamação graciosa tendo por objecto os referidos actos de liquidação, na qual sindicou a legalidade das seguintes correcções:

a)            correcção de €127.473,24 relativa a alegados custos da responsabilidade de terceiros; e

b)           correcção de €46.065,60 e de €5.118,40, relativa aos benefícios fiscais, referentes à criação de emprego para jovens. 

23-         Através do Ofício n.º..., de 5 de Novembro de 2009, o Requerente foi notificado da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

24-         Da decisão de indeferimento da reclamação graciosa consta, além do mais, o seguinte:

 

25-         Em 04-11-2009, o Requerente apresentou recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

26-         Através do Ofício n.º..., de 31-05-2009 da Direcção de Serviços do IRC, o Requerente foi notificado da decisão de indeferimento do recurso hierárquico.

27-         Da decisão de indeferimento do recurso hierárquico consta, além do mais, o seguinte:

  

28-         Em 31-08-2011, o Requerente apresentou impugnação judicial da referida liquidação, que correu termos no Tribunal Tributário de Lisboa sob o n.º.../11...BELRS.

29-         Em 10-12-2018, o Requerente apresentou requerimento de extinção da instância.

30-         Em 18-12-2019, o Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do regime previsto no artigo 11.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 31/2018, de 15 de Outubro.

 

A.2. Factos dados como não provados

1-            No ano de 2003, o Requerente admitiu 21 colaboradores e demitiu o mesmo número.

2-            No ano de 2004, o Requerente admitiu 25 colaboradores com idade até 30 anos, tendo demitido 3 nas mesmas circunstâncias.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, bem como a prova testemunhal produzida nos processos de impugnação judicial n.º ...6/13/... BELRS e n.º .../14... BELRS, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Os factos dados como não provados, constam do RIT, e foram impugnados pelo Requerente, não se descortinando nos autos quaisquer prova que os sustente. Efectivamente, para lá da parca fundamentação do RIT, nos termos melhor analisados infra, verifica-se que o mesmo remete ainda para o seu Anexo 3, que não foi junto ao presente processo arbitral, não obstante por despacho de 13-07-2020 ter sido facultado às partes o prazo de 30 dias para juntarem aos autos os elementos de prova que entendessem justificar-se, face aos respectivos ónus de prova.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

a.

O Requerente começa por colocar em crise a correcção efectuada ao lucro tributável, pela Autoridade Tributária, em sede de inspecção, no valor de €127.473,24, relativa a gastos por si suportados, decorrentes do pagamento de indemnizações devidas pelos trabalhadores admitidos no ano de 2004, às anteriores entidades empregadoras, em virtude do incumprimento do prazo de aviso prévio para denúncia do contrato de trabalho, defendendo a anulação da mesma.

A questão que se coloca prende-se, portanto, com aferir se os gastos correspondentes aos encargos com as indemnizações devidas pelos trabalhadores contratados pelo Requerente, às anteriores entidades empregadoras, em consequência do incumprimento do prazo de aviso prévio para denúncia do contrato de trabalho, e suportados pelo Requerente, cumprem os requisitos do artigo 23.º, n.º 1 do CIRC, relativos à sua indispensabilidade para realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, e, consequentemente se podem ser deduzidos na determinação do seu lucro tributável.

Vejamos então.

*

De um ponto de vista geral, não há grande controvérsia naquilo que tem sido o trajecto firmado pela doutrina e jurisprudência nacionais em matéria de indispensabilidade dos gastos, e cujos traços essenciais se podem sintetizar da seguinte forma:

- “A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro” e “a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade da empresa.” (Ac. STA, proferido a 30-11-2011, no processo n.º 0107/11);

- “os custos (...) não podem deixar de respeitar, desde logo, à própria sociedade contribuinte. Ou seja, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a actividade respectiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades.” (Ac. STA, proferido a 30-05-2012, no processo n.º 0171/11);

- “um conceito de indispensabilidade que, afastando-se definitivamente da ideia de causalidade entre os gastos e rendimentos, põe a tónica na relação dos gastos com a actividade prosseguida pelo sujeito passivo, ou seja, considerando que o referido conceito de indispensabilidade se verifica sempre que os gastos sejam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respectivas actividades.” (Ac. STA, proferido a 04-09-2013, no processo n.º 0164/12);

- “a A. Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa. Um custo é indispensável quando se relacione com a actividade da empresa, sendo que os custos estranhos à actividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão actual do código - cfr. artº.23, nº.1, do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica.” (Ac. TCA-Sul, proferido a 16-10-2014, processo n.º 06754/13);

- “A indispensabilidade do custo há-de resultar simplesmente da sua ligação à actividade empresarial. Se o custo não é estranho à actividade da empresa, isto é, se se relaciona com a actividade normal da empresa (independentemente de ser maior ou menor o grau de intensidade ou proximidade), e se se aceita a sua existência (não se está perante um custo aparente ou simulado), o custo é indispensável.” (Ac. TCA-Norte, proferido a 20-11-2011, processo n.º 01747/06.3BEVIS);

- “da noção legal de custo fornecida pelo art. 23° do CIRC não resulta que a AT possa pôr em causa o princípio da liberdade da gestão, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa e considerando que apenas podem ser assumidos fiscalmente aqueles de que decorram, directamente, proveitos para a empresa ou que se revelem convenientes para a empresa. A indispensabilidade a que se refere o art. 23° do CIRC como condição para que um custo seja dedutível não se refere à necessidade (a despesa como uma condição sine qua non dos proveitos), nem sequer à conveniência (a despesa como conveniente para a organização empresarial), sob pena de intolerável intromissão da AT na autonomia e na liberdade de gestão do contribuinte, mas exige, tão-só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, directa ou indirectamente, à obtenção de lucros.

 A noção legal de indispensabilidade recorta-se, portanto, sobre uma perspectiva económico-empresarial, por preenchimento directo ou indirecto, da motivação última de contribuição para a obtenção do lucro. Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os actos abstractamente subsumíveis num perfil lucrativo. Este desiderato aproxima, de forma propositada, as categorias económicas e fiscais, através de uma interpretação primordialmente lógica e económica da causalidade legal. O gasto imprescindível equivale a todo o custo realizado em ordem à obtenção de ingressos e que represente um decaimento económico para a empresa. Em regra, portanto, a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a actividade da empresa. E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os actos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro.” (Ac. STA, proferido a 30-11-2011, processo  n.º 0107/11);

- “A regra é que as despesas correctamente contabilizadas sejam custos fiscais; o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da actividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios. Em rigor, não se trata de verdadeiros custos da empresa, mas de gastos que, tendo em vista o seu objecto, foram abusivamente contabilizadas como tal. Sem que a Administração possa avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a sua oportunidade e mérito.

O conceito de indispensabilidade não só não pode fazer-se equivaler a um juízo estrito de imperiosa necessidade, como já se disse, como também não pode assentar num juízo sobre a conveniência da despesa, feito, necessariamente, a posteriori. Por exemplo, os gastos feitos com uma campanha publicitária que se revelou infrutífera não podem, só em função desse resultado, afirmar-se dispensáveis.

O juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos é exclusivo do empresário. Se ele decide fazer despesas tendo em vista prosseguir o objecto da empresa mas é mal sucedido e essas despesas se revelam, por último, improfícuas, não deixam de ser custos fiscais. Mas todo o gasto que contabilize como custo e se mostre estranho ao fim da empresa não é custo fiscal, porque não indispensável.

Entendemos (...) que, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não directamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objectivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objectivas da empresa.” (Ac. STA, proferido a 29-03-2006, processo n.º 01236/05).

Sendo, deste modo, pacíficos os critérios de decisão, resta, unicamente, a operação

de aplicação de tais critérios ao caso concreto.

 

*

Ora, o conceito de indispensabilidade, já se viu, é consensualmente interpretado como

implicando que os gastos digam respeito à actividade ou interesse da empresa. Assim, os encargos relativos às indemnizações pagas pelo Requerente para satisfazer as indemnizações devidas pelos seus trabalhadores às anteriores entidades empregadoras, em virtude da rescisão do contrato de trabalho sem observância do pré-aviso legal, podem reunir as condições de dedutibilidade, previstas no artigo 23.º do CIRC, com a redacção em vigor à data dos factos.

                Em defesa da dedutibilidade dos referidos encargos, sustenta o Requerente que este gasto foi incorrido não no interesse do colaborador contratado, mas no interesse do próprio Requerente que necessitava, de imediato, de mais trabalhadores, com especial preferência por aqueles que já revelavam mais experiência adquirida no sector de actividade e com uma carteira de clientes fruto das anteriores experiências profissionais.

Por sua vez, avança a Requerida que “estas indemnizações são resultantes do pedido de demissão a outra empresa/banco e constam do contrato que o funcionário assinou com essa outra entidade patronal, pelo que são da responsabilidade do próprio funcionário” e, portanto, não podem ser dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável, por força do estipulado na alínea c) do n° 1 do artigo 42.º do CIRC.

A redacção do artigo 42.º, n.º 1, alínea c), à data dos factos, era a seguinte:

“Artigo 42.º

Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais

1-            Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício:

a)            (...)

b)           (...)

c)            Os impostos e quaisquer outros encargos que incidam sobre terceiros que a empresa não esteja legalmente autorizada a suportar;”

Desde já se avança que carece de fundamento a interpretação efectuada pela AT, no sentido de excluir a dedutibilidade das indemnizações suportadas pelo Requerente, decorrentes do incumprimento do prazo de aviso prévio de denúncia dos contratos de trabalho, por parte dos trabalhadores admitidos pelo Requerente, com a sua anterior entidade empregadora. 

O artigo 42.º, n.º 1, alínea c) do CIRC tem de ser lido em conjugação com o artigo 23.º do CIRC – que consagra uma cláusula geral de dedutibilidade dos gastos. Determinando o artigo 23.º do CIRC a dedutibilidade dos “gastos que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora” e, densificando a doutrina e a jurisprudência - que atrás se citou - esse critério como se referindo a “gastos contraídos no interesse da empresa”, sempre o artigo 42.º, n.º 1, alínea c) do CIRC terá de ser interpretado no sentido de excluir a dedutibilidade dos encargos que incidam sobre terceiros e sejam alheios à actividade do sujeito passivo porque não suportados no interesse deste.

Dito de outro modo, o objectivo do artigo 42.º, n.º 1, alínea c) do CIRC é afastar a dedutibilidade dos encargos de terceiros, excepto se se provar, em conjugação com o artigo 23.º do CIRC, que estes têm subjacente um interesse empresarial.

Com efeito, a expressão “encargos que incidam sobre terceiros” não pode ser interpretada em sentido estritamente formal, como faz a AT, no sentido de afastar a dedutibilidade de todo e qualquer encargo prima facie da responsabilidade de terceiros.

Efectivamente, pode dar-se o caso, como ocorre nos presentes autos, em que esse terceiros incorrem em determinados gastos, por força da relação pré-contratual ou contratual que estabelecem com o sujeito passivo, e que este, por via dessas mesmas relações negociais assume, perante o terceiro, a obrigação de assumir tais encargos.

Em tais situações, poderá, eventualmente, questionar-se se a assunção desses encargos se traduz num rendimento – em numerário ou espécie – para o terceiro, mas não a dedutibilidade do gasto, por se tratarem de encargos que incidam sobre terceiros e que a empresa não esteja legalmente autorizada a suportar.

Não é de acolher, portanto, o entendimento de que um encargo juridicamente imputável a terceiro e suportado por uma entidade empresarial, é, sem mais, considerado não dedutível para efeitos fiscais. Julga-se se de aplicar na interpretação deste preceito uma perspectiva material, que tome em consideração as circunstâncias factuais que levaram a empresa a suportar o gasto que, juridicamente e à partida, era da responsabilidade de um terceiro. Apenas uma interpretação nestes moldes se compatibiliza com o princípio constitucional da tributação pelo rendimento real, ínsito no artigo 104.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.

No caso sub iudice, o Requerente tinha necessidade, no imediato, de mais trabalhadores, para reforço das suas equipas e para cumprimento dos prazos estabelecidos para a abertura de novas agências. Acresce que, o facto de contratar trabalhadores que trabalhavam para outras instituições bancárias, era vantajoso para o Requerente, já que se tratavam de trabalhadores com experiência no sector e com uma carteira de clientes.

Assim, atendendo à necessidade imediata de trabalhadores e às especificidades das tarefas que estes iam desempenhar – na qual releva a experiência adquirida e a carteira de clientes – é perfeitamente justificável, à luz do critério da indispensabilidade, que o Requerente tenha suportado os encargos com a indemnização devida à anterior entidade empregadora, decorrente da imediata desvinculação do contrato de trabalho. 

Com efeito, embora a indemnização devida à entidade empregadora seja, juridicamente, da responsabilidade do trabalhador, e não do aqui Requerente, a verdade é que tal indemnização foi suportada pelo Requerente – facto que não é contestado pela AT, que não põe em causa a efectividade do gasto, mas apenas os requisitos para a sua dedutibilidade - e, no interesse desta, atentas as circunstâncias em que os trabalhadores foram contratados.

Acresce que, conforme resulta do ponto 10 dos factos provados, o Requerente acordou com os trabalhadores admitidos no ano de 2004, que se encontravam a prestar trabalho para outras entidades bancárias, que os montantes das indemnizações devidas a essas entidades decorrentes do incumprimento do prazo de aviso prévio, seriam por si suportados.

Ora, o artigo 42.º, n.º 1, alínea c) quando se refere a “encargos que incidam sobre terceiros que a empresa não esteja legalmente autorizada a suportar”, pode e deve ser lido como considerando estar uma empresa legalmente autorizada a suportar encargos de terceiros relativamente aos quais se encontra contratualmente obrigado a fazê-lo.

Efectivamente, nos termos do n.º 1 do artigo 406.º do Código Civil, “O contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei”. Assim, estando o Requerente legalmente obrigado a cumprir as suas obrigações contratuais, e tendo as obrigações contratuais sido assumidas na prossecução do seu escopo empresarial e lucrativo, terá de concluir-se que o Requerente estava legalmente autorizado a suportar os encargos em questão no caso.

Sustenta, ainda, a Requerida que “a contabilização do custo estava suportada, unicamente, com base num documento interno, não correspondendo a qualquer documento que cumpra o requisito de forma legal” . 

Ora, sucede que, a fundamentação do acto de liquidação é aquela que decorre do relatório de inspecção, não sendo admissível a fundamentação à posteriori.

Como ficou consignado na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 628/2014-T , “Num contencioso de mera anulação, como é o que vigora no processo de impugnação judicial e nos processos arbitrais, que são a sua alternativa (artigo 124.º, n.º2, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), tem de aferir-se da legalidade do acto impugnado tal como ocorreu, com a fundamentação que nele foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros actos, de conteúdo decisório total ou parcialmente coincidente com o acto praticado.”.

Também o STA tem reiterado afirmado que:

“I - No contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de impugnação judicial previsto no art. 99.º e segs. do CPPT, o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori.

II - Assim, não pode a AT, em sede de recurso jurisdicional, pretender que se aprecie a legalidade da correcção que esteve na base da liquidação impugnada à luz de outros fundamentos senão aqueles que constam da declaração fundamentadora que oportunamente externou” .

No relatório de inspecção, a AT alicerçou a correcção unicamente no argumento de que “o montante referido não é, de acordo com o descrito, dedutível para efeitos fiscais nos termos do corpo do n.º 1, do art.º 23, dado que não se verifica a “indispensabilidade do custo para a obtenção dos proveitos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora” e da alínea c), do n.º 1, do art.º 42.º do CIRC, por se tratar de “encargos que incidem sobre terceiros que a empresa não está legalmente autorizada a suportar”, não tecendo qualquer consideração quanto à comprovação do gasto.

Porém, em sede de decisão de recurso hierárquico, vem a AT alegar que “a contabilização do custo estava suportada, unicamente, com base num documento interno, não correspondendo a qualquer documento que cumpra o requisito da forma legal”.

O argumento esgrimido em sede de decisão do recurso hierárquico e, mais tarde, em sede de resposta ao pedido de pronúncia arbitral, não consta expressamente do relatório da inspecção, indo não só mais além de, como até contra, o que ali ficou dito. Com efeito, o RIT é expresso no sentido de que:

 

Ora tendo a própria AT reconhecido ter podido verificar a natureza e finalidade do gasto, constituirá, no limite, até um venire contra factum próprio, alegar a indocumentação do custo, quando em sede inspectiva as finalidades do dever de documentação foram integralmente logradas...

No relatório de inspecção apenas se colocou a questão da indispensabilidade dos custos de forma singela, por se tratarem de encargos de terceiros que, à partida, não cumpririam o critério da indispensabilidade. Nunca se colocou a questão, trazida à colação em sede de decisão do recurso hierárquico, e em sede de resposta ao pedido arbitral, quanto à documentação do custo pelo que, conhecer-se agora de tais fundamentos constituiria uma verdadeira decisão inovatória que se afasta do próprio acto tributário em apreciação.

Neste sentido, a jurisprudência do STA , considera “a validade do acto terá necessariamente que ser apreciada em função dos fundamentos de facto e de direito que presidiram à sua prática, irrelevando os que posteriormente lhe possam ser "aditados"”

Deste modo, ficando prejudicado o conhecimento da questão relativa à comprovação do gasto, por constituir fundamentação à posteriori, e considerando tudo quanto atrás se disse quanto à interpretação do artigo 42.º, n.º 1, alínea c) em conjugação com o artigo 23.º ambos do CIRC, deverá proceder, nesta parte, o pedido arbitral.

 

*

b.

Insurge-se, ainda, o Requerente quanto às correcções, operadas pela Autoridade Tributária, relativas ao benefício fiscal referente à criação líquida de emprego, previsto no artigo 17.º do EBF, com a redacção em vigor à data dos factos.

Em sede de inspecção tributária, as correcções efectuadas pela AT relativas ao benefício fiscal referente à criação líquida de emprego, ascenderam a €148.730,20. Porém, o Requerente impugna apenas as correcções na parte relativa à majoração alegadamente indevida relativa a 21 colaboradores admitidos no exercício de 2004, no montante de €46.065,60, e a correcção relativa à majoração alegadamente indevida relativa a um colaborador admitido no exercício de 2003, correcção que ascendeu a €5.118,40.

Entende o Requerente que a correcção operada pela AT não se encontra devidamente fundamentada já que “quer em sede de inspeção tributária, quer nos procedimentos administrativos que se lhe sucederam limitou-se, simplesmente, a recusar a informação prestada pelo Requerente, sem nunca cumprir o dever de fundamentação a que está obrigada nos termos do disposto no artigo 75.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (“LGT”) e 115.º, n.º 1 do Código do Procedimento e do Processo Tributário (“CPPT”).”

Por sua vez, sustenta a AT que o Requerente não cumpriu com o estabelecido no n.º 1 do artigo 17.º do EBF, ao majorar os rendimentos e encargos suportados com os seus colaboradores admitidos no exercício de 2003, dado, neste exercício, não ter havido criação líquida de postos de trabalho e, relativamente ao exercício de 2004, entende a AT que o Requerente só poderia beneficiar da majoração relativamente a 22 colaboradores.

Como se viu, alega a Requerente a falta de fundamentação desta correcção.

A fundamentação é uma exigência dos actos tributários em geral, sendo uma imposição constitucional (268.º da CRP) e legal (art.º 77º da LGT).

Resumidamente, pode dizer-se que é hoje pacífico na doutrina e na jurisprudência nacionais que a fundamentação exigível tem de reunir as seguintes características:

1. Oficiosidade: deve partir sempre da iniciativa da administração, não sendo admissíveis fundamentações a pedido;

2. Contemporaneidade: deve ser coeva da prática do acto, não podendo haver fundamentações diferidas;

3. Clareza: deve ser compreensível por um destinatário médio, evitando conceitos polissémicos ou profundamente técnicos;

4. Plenitude: deve conter todos os elementos essenciais e que foram

determinantes da decisão tomada. Esta característica desdobra-se em

duas exigências, a saber: o dever de justificação (normas legais e

factualidade – domínio da legalidade) e de motivação (domínio da

discricionariedade ou oportunidade, quando é preciso uma valoração).

Ora, se a fundamentação é, nos termos referidos, necessária e obrigatória, tal não

pode nem deve ser entendido de uma forma abstracta e/ou absoluta, ou seja, a

fundamentação exigível a um acto tributário, deve ser aquela que funcionalmente é em

concreto necessária para que aquele não se apresente perante o contribuinte como uma

pura demonstração de arbítrio. Esta será – julga-se – a pedra de toque do cumprimento do

dever de fundamentação: quanto, perante um destinatário médio colocado na posição do

destinatário real, o acto tributário se apresente, sob um ponto de vista de razoabilidade,

como um produto do puro arbítrio da Administração, por não serem discerníveis os

motivos de facto e/ou de direito em que assenta, o acto padecerá de falta de

fundamentação.

Neste mesmo sentido, se orienta a jurisprudência do STA que considera que

“Apesar da não indicação expressa do preceito legal aplicável, a exigível fundamentação de direito do acto tributário será suficiente com a referência aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado, desde que, em qualquer caso, se possa concluir que aqueles eram conhecidos ou cognoscíveis por um destinatário normal colocado na posição em concreto do real destinatário.” , e que “A exigência legal e constitucional de fundamentação do acto tributário, decorrente dos arts. 268º da CRP, 77º da LGT e 125º do CPA, visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.” .

O artigo 77.º/1 da LGT refere, assim, que: “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.”.

Descendo ao caso concreto, e conforme já se apontou atrás, está em causa uma correcção à matéria tributável do Requerente, assente na correcção ao benefício fiscal referente à criação líquida de emprego, no valor de € 51.184,00, previsto no artigo 17.º do EBF com a redacção em vigor à data dos factos.

Como igualmente resulta do ponto 20 dos factos provados, a AT fundamentou a correcção efectuada do seguinte modo:

“iii) o sujeito passivo não cumpriu com o estabelecido no n.º 1 do art. 17º do EBF, ao majorar os rendimentos e encargos suportados com os seus colaboradores admitidos no exercício de 2003 dado, neste exercício, não ter havido criação líquida de postos de trabalho. De referir que se entende por criação líquida de postos de trabalho, a diferença positiva entre o número de contratações efetuadas no exercício e o número de saídas de trabalhadores no mesmo exercício, devendo a aferição da mesma fazer-se em relação à faixa etária de jovens de idade não superior a 30 anos. Como, no exercício de 2003, a criação líquida de postos de trabalho é zero, dado o sujeito passivo ter admitido 21 colaboradores e demitido o mesmo número de colaboradores, este não pode beneficiar do benefício fiscal concedido nos termos do citado artigo do EBF, no montante de €46.065.60 (Anexo n.º 3, folhas 1 e 2);

(…)

v) o contribuinte considerou para efeitos do benefício já mencionado a majoração respeitante a 30 colaboradores. Mas, em 2004, o banco admitiu, com contrato sem termo, 25 colaboradores com idade até 30 anos, tendo demitido 3 colaboradores nas mesmas circunstâncias. Assim, só poderá beneficiar de majoração relativamente a 22 colaboradores (Cfr. Anexo n.º 3, folha 4), dado que se entende por criação líquida de postos de trabalho, a diferença positiva entre o número de contratações sem termo efectuadas no exercício e o número de saídas de trabalhadores no mesmo exercício, devendo a aferição da mesma fazer-se em relação à faixa etária dos jovens de idade não superior a 30 anos.

Procedemos já à correção relativa a 7 colaboradores no ponto iv), pelas razões aí invocadas, pelo que se procede à correcção de €5.118,40, correspondente à majoração de 1 colaborador (Cfr. Anexo n.º 3, folhas 1 e 3 a 7).”

Ora, compulsada toda a fundamentação tecida pela AT, não se pode deixar de concluir que a correcção em questão não se encontra devidamente fundamentada, apresentando traços característicos de uma manifestação de arbítrio, motivo, de resto, pelo qual, não foram dados como provados os factos em que assentam as correções ora em apreciação.

Da fundamentação que acabou de se transcrever, não resulta demonstrado o raciocínio que levou a AT a considerar que, no ano de 2003, não houve criação líquida de emprego – desconsiderando a majoração relativa a um trabalhador que constava da declaração do Requerente, o mesmo sucedendo relativamente à correcção para o ano de 2004, em relação à qual a AT não demonstra os motivos subjacentes à consideração de apenas 22 colaboradores para efeito de majoração do benefício fiscal.

Verifica-se, deste modo, que as correcções assentam na não consideração de alguns dos trabalhadores admitidos pelo Requerente, nos anos de 2003 e 2004, sem que a AT justifique o motivo para tal desconsideração. A AT não sustenta as correcções impugnadas pelo Requerente, em quaisquer elementos de facto que, pelo menos abstractamente, as legitimem.

Repare-se que, relativamente às correcções que o Requerente aceitou, e não impugna nesta sede, a AT foi clara na exposição dos motivos pelos quais operou a correcção, ao referir que  sujeito passivo considerou, no apuramento do benefício fiscal, os rendimentos e encargos suportados com um seu colaborador com idade superior a 30 anos, e ao referir que foram admitidos 7 colaboradores com contrato de trabalho a termo certo, sendo que para efeitos do artigo 17.º do EBF, apenas relevam os trabalhadores admitidos com contrato de trabalho sem termo com idade inferior a 30 anos.

Porém, relativamente às correcções impugnadas pelo Requerente, a AT limita-se a referir que foram admitidos e demitidos, nos anos em causa, um número de trabalhadores diferente daquele que foi declarado pela Requerente, sem que explique o porquê de considerar esse número de trabalhadores e não outro.

Efectivamente, face à fundamentação apresentada pela AT, não há modo, do ponto

de vista de um destinatário médio e normal, colocado na posição do destinatário real

daquela fundamentação, de perceber porque é que a AT considera aquele número de trabalhadores para os anos em questão.

Eventualmente, com a consulta do Anexo 3 para o qual as correcções ora em crise remetem, poderia ter-se uma mínima ideia de qual a justificação dos números apresentados pela AT. Não obstante, na falta do mesmo, não se pode presumir o seu conteúdo, nem compreender qual o fundamento dos mesmos, sendo que, como é pacífico, compete à AT o ónus da prova da legalidade da sua actuação.

No contexto apresentado, o facto é que nem o Requerente nem o próprio Tribunal Arbitral, estão em condições de divergir ou confirmar a posição da AT, por não serem cognoscíveis os fundamentos em que aquela alicerça o seu juízo segundo, no ano de 2003, não houve criação líquida de emprego, considerando a AT que, nesse ano, o Requerente admitiu 21 colaboradores e demitiu o mesmo número de colaboradores e que, no ano de 2004, a criação líquida de emprego foi de 22 colaboradores, considerando que o Requerente admitiu 25 colaboradores com idade até 30 anos, e demitiu 3 colaboradores nas mesmas circunstâncias.

Deste modo, forçoso é concluir que tal juízo se apresenta, exclusivamente, como expressão de arbítrio por parte da AT, em termos incompatíveis com o dever de fundamentação que lhe assiste, por imposição constitucional e legal, devendo assim proceder o arguido vício de falta de fundamentação, com a consequente anulação, nesta parte, da liquidação de IRC objecto da presente acção arbitral.

*

Quanto ao pedido acessório de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, formulado pelo Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso, o erro que afecta a liquidação adicional anulada é de considerar imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que a praticou sem o necessário suporte factual e legal.

Tem, pois, direito o Requerente a ser reembolsado da quantia que pagou indevidamente (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força do acto anulado e, ainda, a ser indemnizado do pagamento indevido através de juros indemnizatórios, desde a data do correspondente pagamento, até ao seu reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril

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C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)            Declarar a ilegalidade do acto de liquidação adicional de IRC n.º 2008..., da demonstração de acerto de contas n.º 2008... e da liquidação de juros compensatórios n.º 2008..., referentes ao ano de 2004, no valor de €76.424,05, assim como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2009... e da decisão de indeferimento do recurso hierárquico que tiveram as referidas liquidações como objecto, anulando-os;

b)           Condenar a AT no reembolso do imposto indevidamente pago, ora anulado, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos acima indicados;

c)            Condenar a Requerida nas custas do processo, abaixo fixadas.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €76.424,05, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.448,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 21 de Janeiro de 2021

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(André Festas da Silva)

 

O Árbitro Vogal

(Jónatas Machado)