Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 873/2019-T
Data da decisão: 2020-09-25  IRC  
Valor do pedido: € 48.171,29
Tema: IRC de 2015 - Mais-Valias resultantes da alienação de imóveis. Reinvestimento do valor de realização. Artigo 48º do CIRC.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

 

1 - A... LDA., com sede na ..., nº..., ..., ...-... Lisboa, NF..., veio em 19.12.2019, requerer a constituição de tribunal arbitral singular (TAS), ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, para apreciar a legalidade da liquidação adicional de IRC de 2015, nº 2019..., de que resultou uma quantia a pagar de € 48 171,29  de imposto e  juros, com data limite de pagamento de 14.10.2019,  invocando  que padece de ilegalidade por errónea quantificação e qualificação da matéria colectável, atento o disposto no artigo 99º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

 

Fundamenta o pedido nos seguintes termos:

 

a.            No exercício de 2015 a Requerente procedeu à alienação de um conjunto de  imóveis contabilizados como propriedades de investimento, que geraram mais valias, sendo que para efeitos de determinação do lucro tributável considerou apenas 50% do saldo positivo entre as mais e menos valias, dado que foram observados todos os requisitos legais previstos para o efeito e em vigor ao tempo dos factos (2015) – artigo 48º do CIRC;

b.            Entretanto, em 2018 foi objecto de fiscalização externa, pelos Serviços de Inspecção Tributária, em cumprimento da Ordem de Serviço nº 012018..., por despacho de 7.08.2018, a qual foi de âmbito parcial, nos termos da alínea b) do n o 1 do Artigo 140 do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPITA) com referência ao IRC de 2015;

c.            No decurso da acção inspectiva, procedeu à regularização parcial de correcções assinaladas pela Inspecção Tributária, no valor de € 255 942,15, entregando uma declaração modelo 22 correctiva, mas a Inspecção Tributária entendeu que deveria ter sido regularizada também a quantia de € 190 040,24 relativa à dedução de 50% da mais valia apurada para reinvestimento nos termos do Artigo 48º do Código do IRC, uma vez que não aceita que os imóveis alienados sejam considerados activos fixos tangíveis;

d.            Considera a Requerente que os imóveis em causa devem considerar-se “activos tangíveis” por força das alíneas a) e b) do § 6 da NCRF 7, uma vez que a própria AT reconheceu no RIT que "a posse dos imóveis visava a obtenção de rendimentos por via do arrendamento das frações" (RIT a folhas 11);

e.            Mas mesmo que assim não se entendesse, desconsiderando a classificação dos imóveis como activos tangíveis e se pretendesse classificá-los como propriedades de investimento, o resultado final seria o mesmo, visto que o tratamento a dar-lhes seria o dado aos activos tangíveis, incluindo a sua mensuração, por assim, serem reconhecidos, como resulta das alíneas a) e b) do § 16 da NCRF 11 e dos pontos 7.1, 7.2 e 7.6 da NCRF – ME;

f.             Considera ainda a Requerente que a aplicação ao caso (IRC do exercício 2015) como o fez a AT, para levar à prática a liquidação aqui impugnada, do nº 10 do artigo 48º do Código do IRC, não é legalmente possível, porquanto a Lei do Orçamento para 2017 — Lei n o 42/2016, de 28 de Dezembro, no  seu Artigo 197º, adita o aludido nº10 ao Artigo 48º do CIRC sem lhe atribuir a  condição de interpretação autêntica, pelo que tal norma só poderá vigorar para o futuro.

g.            Considera, por último, a Requerente que a liquidação impugnada padece de ilegalidade por errada fundamentação legal e de violação do princípio da não retroactividade das leis fiscais.

 

Notificada a AT em 12.03.2020, respondeu em 01.07.2020, pugnando pela manutenção da liquidação na ordem jurídica, referindo o seguinte:

 

a.            Quanto à conceptualização legal dos imóveis alienados e omissão na fundamentação, contrariamente ao referido pela sociedade os imóveis configuram Propriedades de Investimento e não Ativos Fixos Tangíveis, pelo que a mais-valia apurada na sua transmissão não está abrangida pelo regime de reinvestimento consagrado no artº 48 do CIRC.

b.            Importa referir que a sociedade registou estes imóveis na sua contabilidade em subcontas da conta 42 — Propriedades de Investimento.

c.            Daí que o enquadramento contabilístico dos ativos considerado no procedimento inspetivo foi efetuado atendendo às definições previstas nas Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro (NCRF), a saber: no § 5 da NCRF 11 consta a definição de Propriedades de Investimento, referindo que correspondem às propriedades (terrenos ou edifícios — ou partes de edifícios — ou ambos) detidas (pelo dono ou pelo locatário numa locação financeira) para obter rendas ou para valorização do capital ou para ambas as finalidades, e não para uso na produção ou fornecimento de bens ou serviços ou para finalidade administrativas (AFT) ou venda no decurso ordinário do negócio (Inventários).

d.            E o § 7 da mesma NCRF refere ainda que uma Propriedade de Investimento gera fluxos de caixa altamente independentes dos outros ativos detidos por uma entidade, o que distingue as propriedades de investimento das propriedades ocupadas pelos donos. 

e.            O § 6 da NCRF 18, refere que os Inventários são ativos detidos para venda no decurso ordinário da atividade empresarial, no processo de produção para tal venda; ou na forma de materiais ou consumíveis a serem aplicados no processo de produção ou na prestação de serviços.

f.             Ora, considerando o objeto social da sociedade em 2015, nomeadamente compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, gestão e administração de imóveis, e de acordo com o transmitido pela sociedade ao longo do procedimento inspetivo, os imóveis foram adquiridos para revenda, não tendo sido efetuada a sua transmissão por dificuldades relacionadas com a conjuntura nacional do setor imobiliário nesse período, tendo sido afetos ao arrendamento até á sua venda em 2015.

g.            Daqui resultando que os imóveis, de acordo com as NCRF supra referidas deveriam ser registados como Inventários, porquanto o seu destino era a revenda. Se por impossibilidade de mercado não foram transmitidos mas afetos ao arrendamento, resultando proveitos pela sua locação, não sendo esta a atividade da sociedade, configuram Propriedades de Investimento.

h.            Sendo de concluir que os imóveis se enquadram como Propriedades de Investimento, coincidindo com o registo contabilístico na conta 42 — Propriedade de Investimentos, e com o enquadramento dado no RIT, e não como Ativos Fixos Tangíveis, como defendido pela Requerente, pelo que não lhe poderia ser aplicado o Regime de Reinvestimento previsto no art.° 48° do CIRC.

i.             Aliás, só em 2016 a sociedade acrescenta novas atividades ao seu objeto social: "Compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim. Construção civil, recuperação e manutenção de imóveis, arrendamento, promoção e gestão imobiliária, avaliações e projetos imobiliários. Atividades de alojamento de curta duração, nomeadamente Hostel e Pousadas. Comércio de importação, exportação de produtos alimentares congelados e ultracongelados."

j.             Quanto ao erro de interpretação e de aplicação do direito e da violação dos princípios da legalidade e da não retroatividade das leis fiscais, face à aplicação ao caso da Informação Vinculativa do Processo n.° 2016 002009 (datada de 05/04/2017) e à referência ao aditamento do n.° 10 ao artigo 48° do ClRC pela Lei do Orçamento de 2017, refere que:

k.            A Informação Vinculativa do Processo n.° 2016 002009, sancionado por Despacho, de 05/04/2017, da Subdiretora-Geral do IR, estabelece, no contexto da aplicação do art.° 48 do CIRC que "aos ganhos resultantes da venda de propriedades de investimento também não poderá ser aplicado o regime do reinvestimento, uma vez que, embora tenham a natureza de mais-valias, não resultam da transmissão de ativas fixos tangíveis, ativos intangíveis ou ativos biológicos não consumíveis".

l.             Este entendimento dos serviços de Imposto sobre o Rendimento, apresentando Despacho de 05/04/2017 foi formulado atendendo ao enquadramento legislativo anterior a 2017, porquanto o próprio número da Informação Vinculativa se reporta a ano anterior (2016).

m.          Concluindo que esta interpretação se aplica ao ano em análise e às mais-valias das Propriedades de Investimento alvo da correção apurada no Relatório Final. Com efeito,

n.            A introdução do n.° 10 ao art.° 48° do CIRC, veio esclarecer esta situação ao consagrar que "Não são suscetíveis de beneficiar deste regime as propriedades de investimento, ainda que reconhecidas na contabilidade como ativo fixo tangível."; esta alteração produz efeitos, de facto, a partir de 2017, no entanto, já em data anterior as Propriedades de Investimento se encontravam excluídas do regime de reinvestimento dado que o n.°1 do referido artigo refere que se aplicava exclusivamente à "transmissão onerosa de ativos fixos tangíveis, ativos intangíveis e ativos biológicos não consumíveis".

o.            Concluindo-se que o RIT não violou o princípio constitucional da não retroatividade da lei.

 

2. Foi dispensada a reunião de partes a que se refere o artigo 18.º do RJAT por despacho de 03.07.2020 e convidadas as partes a apresentar alegações escritas.

 

A Requerente alegou em 15.07.2020 mantendo a posições já assumida no PPA, mas alterando a ordem da invocação das alegadas desconformidades apontadas à liquidação impugnada (errónea quantificação do lucro tributável vs. erro de interpretação da lei) formulando as seguintes conclusões:

1. O ganho de mais-valias referente à alienação dos imóveis tem cabal enquadramento no reinvestimento previsto na lei, devendo beneficiar do competente benefício.

2. Muito se estranha que a vs. T. tenha ignorado, quanto aos imóveis alienados os conceitos legais de “activos tangíveis" e "propriedades de investimento", e a interligação entre ambos os conceitos, desprezando o que dispõem as Normas Contabilísticas e de Relato Financeiro (NCRF).

3.Os imóveis alienados em 2015 e que a AT. desconsidera, são activos tangíveis para todos os devidos efeitos, designadamente, contabilísticos e fiscais e, ainda que assim não fossem classificados e se pretendesse classificá-los como propriedades de investimento, o tratamento a dar-lhes seria rigorosamente igual.

4. A fundamentação legal invocada pela A. T. padece de erro de interpretação e de aplicação do direito visto que o nº 10 do Artigo 48º do CIRC apenas foi aditado em dezembro de 2016 para vigorar tão-somente  a partir de 1 de janeiro de 2017, sem que lhe tivesse sido conferida a natureza de interpretação autêntica, vigorando tão-somente para o futuro,   não sendo, por isso, aplicável ao exercício de 2015.

5. Assiste-se, deste modo, na alteração do lucro tributável à violação dos princípios da legalidade e da não retroactividade das leis fiscais porquanto se apura que a alteração à matéria colectável de IRC de 2015 não  observou o estatuído no Artigo 48º do Código de IRC, em vigor ao tempo dos factos, porquanto do preceito em vigor não constava qualquer excepção ao benefício do reinvestimento das propriedades de investimento.

6. Com aquele comportamento o apuramento do lucro tributável e a liquidação em crise subsequente, padecem de ilegalidade por violação do preceituado no Artigo 103º nºs 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP).

7.Por último, também se conclui que se provou a errónea quantificação no apuramento do lucro tributável ressaltando fundada dúvida sobre o facto tributário, objecto da liquidação em crise, devendo, também por isso, ser esta anulada (Artigo 100º CPPT).

 

A Requerida, notificada em 03.07.2020 para se pronunciar sobre a não junção do PA e para alegar em 20 dias, não usou da faculdade de responder, nem de alegar.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do TAS o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6. ° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o TAS foi constituído em 12 de Março de 2020.

 

O TAS foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

Quanto à tempestividade, verifica-se que o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no CAAD em 19 de Dezembro de 2019. A Requerente impugna a liquidação adicional de IRC de 2015, nº 2019..., de que resultou uma quantia a pagar de € 48 171,29 de imposto e  juros, com data limite de pagamento de 14 de Outubro de 2019. Assim, nos termos conjugados dos artigos 102º, nº 1, alínea a), do CPPT e 10º, nº 1, alínea a), do RJAT, o pedido de pronúncia arbitral configura-se como sendo tempestivo.

 

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas excepções.

 

Cumpre apreciar e decidir.

 

II – Fundamentação

 

II – 1 - Matéria de facto provada

 

4. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes:

 

A)           A sociedade comercial A... LDA., NIPC..., tem por objecto social a “compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim. Construção civil, recuperação e manutenção de imóveis, arrendamento. promoção e gestão imobiliária, avaliações e projetos imobiliários, Atividades de alojamento de curta duração, nomeadamente Hostel e Pousadas. Comércio de importação, exportação de produtos alimentares congelados e ultracongelados" – conforme página 6 do relatório de inspecção tributária – Documento nº 2 junto com o PPA;

B)           Durante o ano de 2015 a Requerente alienou vários imóveis, registados contabilisticamente em subcontas da rubrica 42 — Propriedades de Investimento, gerando uma mais-valia fiscal global de 715 059,40 € - conforme artigos 17º a 21º do PPA conjugados com os artigos 5º a 14º da Resposta da AT e com o referido nas páginas 11 e 12 do Relatório da Inspecção Tributária (RIT).

C)           A Requerente apresentou a declaração modelo 22 do IRC relativa ao exercício de 2015, em cujo quadro 07 colocou o seguinte:

 

tendo deduzido no campo 767 do quadro 07 € 739 359,40 e tendo acrescido no campo 740 do quadro 07 € 349 129,50 - conforme página 11 do RIT, artigo 16º do PPA e nº 7 da Resposta da AT;

D)           A posse dos imóveis alienados visava a obtenção de rendimentos por via do arrendamento das fracções autónomas – conforme parágrafo 2 do ponto III.1.IRC (página 11 do RIT) e artigo 27º do PPA;

E)            A AT procedeu à realização de uma acção inspetiva de âmbito parcial, de acordo com a Ordem de Serviço nº 012018..., com despacho de 07/06/2018, relativamente à Requerente, tendo-se cumprido as formalidades da alínea l) do nº 3 do artigo 59º da Lei Geral Tributária (LGT) e do artigo 49º dó Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, tendo inicio em 14/03/2019 e conclusão em 29/07/2019, tendo como objetivo proceder a uma análise em sede de IRC, nomeadamente ao nível das mais-valias declaradas – conforme artigos 5º e 6º do PPA e pontos II-1 e II-2 (páginas 5 e 6 dos RIT);

F)            Consta do RIT o seguinte: “Foi detetada faturação de rendas relativas aos imóveis alienados no ano de 2015 (registadas em proveitos na conta 721131 - Prestações de serviços/ ServiçoA/No mercado nacional/Isentas/Isento com direito à dedução, conforme exemplos constantes no quadro abaixo:

 

A Norma Contabilística de Relato Financeiro (NCRF) 11 apresenta no parágrafo 5 a definição: "propriedades de investimento: é a propriedade (terreno ou um edifício — ou parte de um edifício — ou ambos) detida (pelo dono ou pelo locatário numa locação financeira) para obter rendas ou para valorização do capital ou para ambas as finalidades, e para: a) uso na produção ou fornecimento de bens e serviços ou para finalidades administrativas, ou b) Venda no decurso ordinário do negócio”.

De referir que sendo a intenção a revenda, os imóveis estariam, de acordo com a NCRF 18 (parágrafo 6) enquadrados em Inventários:

“Inventários (existências) são activos:

a) detidos para venda no decurso ordinário da actividade empresarial;

b) no processo de produção para tal venda; ou

c) na forma de materiais ou consumíveis a serem aplicados no processo de produção ou na prestação de serviços”.

Nos termos do n.º 1 do artigo 48º do CIRC, a diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias, calculadas nos termos dos artigos 46º e 47º, realizadas mediante a transmissão onerosa de ativos fixos tangíveis, ativos intangíveis e ativos biológicos não consumíveis, detidos por um período não inferior a um ano, ainda que os ativos tenham sido reclassificados como ativos não correntes detidos para venda, para efeitos da determinação do lucro tributável em IRC, é considerada em metade do seu valor, quando:

a) O valor de realização correspondente à totalidade dos referidos ativos seja reinvestido na aquisição, produção ou construção de ativos fixos tangíveis, de aivos intangiveis ou, de ativos biológicos não consumíveis, no período de tributação anterior ao da realização, no próprio período de tributação ou até ao fim do 2º período de tributação seguinte;

b) Os bens em que seja reinvestido o valor de realização:

1) Não sejam bens adquiridos em estado de uso a sujeito passivo de IRS ou IRC com o qual existam relações especiais nos termos definidos no nº 4 do artigo 63º;

2) Sejam detidos por um período não inferior a um ano contado do final do período de tributação em que ocorra o reinvestimento ou, se posterior, a realização.

Na análise deste enquadramento é de referir o entendimento da AT constante na Informação Vinculativa do Processo nº 2016 002009, sancionado por Despacho, de 05/04/2017, da Subdiretora-Geral do IR, que relativamente a este tema estabelece:

"De acordo com o artigo 48º do Código do IRC, apenas concorre em metade do valor, para a determinação do lucro tributável, a diferença entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de ativos fixos tangíveis, ativos intangíveis e ativos biológicos não consumíveis, desde que o valor de realização seja reinvestido na aquisição de outros ativos fixos tangíveis, ativos intangíveis e ativos biológicos não consumíveis

Assim, os ganhos provenientes da alienação de inventários não são considerados mais-valias, pelo que não estão abrangidos pelo regime do reinvestimento.

Por sua vez, aos ganhos resultantes da venda de propriedades de investimento também não poderá ser aplicado o regime do reinvestimento, uma vez que, embora tenham a natureza de mais-valias, não resultam da transmissão de ativos fixos ativos intangíveis ou ativos biológicos não consumíveis”.

A Lei do Orçamento de Estado para 2017, ao aditar o nº 10 ao artº 48º do CIRC, ... veio esclarecer esta situação ao consagrar que "não são suscetíveis de beneficiar deste regime as propriedades de investimento, ainda que reconhecidas na contabilidade como ativo fixo tangível".

Atendendo ao facto dos imóveis alienados em 2015 serem detidos para obtenção de proveitos, considera-se estarem enquadrados em propriedades de investimento (coincidindo com a contabilização efetuada pelo SP).

Assim, no caso da transmissão onerosa de propriedades de investimento a diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias é considerada pela totalidade para efeitos da determinação do lucro tributável em IRC.

Neste contexto, considera-se que a mais-valia em causa não está abrangida pelo regime de reinvestimento consagrado no artº 48 do CIRC, peto que se propõe a correção ao Lucro Tributável...” – conforme páginas 12 a 14 do RIT que constitui o Documento nº 2 junto pela Requerente com o PPA;

G)           Na sequência do referido no RIT a AT, em data não apurada, notificou a Requerente da liquidação de IRC nº 2019... de 02.09.2019, do período de 2015 e da demonstração de acerto de contas 2019... de que resulta um valor a pagar de 48 171,29 euros, verificando-se face à liquidação anterior (nº 2019... de 04.07.2019) um acréscimo de matéria colectável de €190 04024 que subjaz à liquidação aqui impugnada – conforme documento nº 1 em anexo ao PPA e artigo 60º do PPA;

H)           A Requerente não pagou a importância referida no item anterior, tendo sido instaurada execução fiscal em data e com o número não concretamente apurados, ocorrendo ainda que foi prestada garantia bancária pela Requerente, cujos elementos contratuais e valor, não foram apurados, nem alegados – conforme parte final do PPA e falta impugnação especificada da AT apreciada nos termos do nº 7 do artigo 110º do CPPT;

I)             Em 19.12.2019 a Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral – conforme registo do SGP do CAAD.

 

II – 2 - Factos não provados

 

Quanto à demais matéria, não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.

 

II – 3 - Fundamentação dos factos provados e não provados

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, indicando-se, por cada ponto levado à matéria de facto assente, os meios de prova que se consideraram relevantes, como fundamentação.

 

II – 4 - Matéria de direito

 

As partes não discutem, nem colocam em causa, que relativamente ao caso em discussão neste processo, tenham ocorrido quaisquer das situações impeditivas da aplicação do regime prescrito no nº 1 do artigo 48º do CIRC, ou seja, as situações previstas nas alíneas a) e b) do nº 1 so artigo 48º do CIRC e bem assim as previstas nos nºs 2, 3, 5, 6, 8 e 9 do referido artigo 48º do CIRC (redacção em vigor à data dos factos).

 

A AT começa por referir que os imóveis alienados pela Requerente deveriam ser enquadrados em inventários. Considera de seguida que, uma vez que foram detidos para obtenção de proveitos, devem ser enquadrados como propriedades de investimento (coincidindo com a contabilização efetuada pelo SP), concluindo que não beneficiam do regime do corpo do nº 1 do artigo 48º do CIRC, devendo a diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias ser considerada pela totalidade, para efeitos de determinação da matéria colectável, socorrendo-se da doutrina da informação vinculativa tirada no processo nº 2016 002009 (Despacho de sancionamento de 05.04.2017).

 

A Requerente defende que (1) não só os imóveis alienados, (muito embora inicialmente tenham sido destinados a venda, tal intenção não se concretizou, sendo-lhes dado como destino a locação com vista a deles se obter rendimentos, na expectativa da sua valorização) são activos tangíveis face à NCRF 7 e por isso cabem na previsão da norma do nº 1 do artigo 48º do CIRC, (2) como também, caso sejam considerados propriedades de investimento, o resultado final será o mesmo, quanto à subsunção à norma do nº 1 do artigo 48º do CIRC, tendo em conta:

             O ponto 16 da NCRF 11, conjugado com os pontos 7, 7.2 e 7.6 da norma contabilística para microentidades (NC-ME).

             E pelo facto do nº 10 do artigo 48º do CIRC ter sido aditado pela Lei nº 42/2016, de 28 de Dezembro, (Lei do OE para 2017), logo não sendo aplicável às liquidações de IRC aqui em causa, relativa ao ano de 2015.

 

De facto, a Norma Contabilística e de Relato Financeiro 7 (que versa sobre o activos fixos tangíveis), que pode obter-se em

http://www.cnc.minfinancas.pt/_siteantigo/SNC_projecto/NCRF_07_activos_fixos_tangiveis.pdf , no seu § 6 (definições) refere:

 

“Activos fixos tangíveis: são itens tangíveis que:

a) Sejam detidos para uso na produção ou fornecimento de bens ou serviços, para arrendamento a outros, ou para fins administrativos;

b) Se espera que sejam usados durante mais do que um período”.

 

                A própria AT referiu no RIT, que serviu de base à liquidação aqui impugnada:

 

•             a posse dos imóveis alienados visava a obtenção de rendimentos por via do arrendamento – alínea D) dos factos provados;

•             “... atendendo ao facto dos imóveis alienados em 2015 serem detidos para obtenção de proveitos ...” – parte do RIT transcrita na alínea F) dos factos provados.

 

Muito embora, conforme refere a Requerente o artigo 13º do PPA “... os imóveis em causa, inicialmente se pensou serem destinados à venda, ... tal intenção não se concretizou, sendo-lhes dado como destino a locação com vista a deles se obter rendimentos, na expectativa da sua valorização”, configura-se que o que aqui deve relevar, deverá ser o que em concreto ocorreu e que a própria AT reconheceu (a verdade material).

 

Não parece subsistirem dúvidas de que os imóveis em causa cabiam na definição de “activos fixos tangíveis”, conforme § 6 da NCRF 7 acima parcialmente transcrito, o que deveria relevar em termos fiscais e contabilísticos.

 

Como o CIRC não contém uma definição do que são “activos fixos tangíveis” (para efeitos de aplicação do nº 1 do artigo 48º do CIRC) há que recorrer, por força do nº 2 do artigo 11º da LGT, ao que a NCRF citada refere quanto à matéria.

 

Acresce que, mesmo que se considerem as propriedades alienadas como “propriedades de investimento”, haverá que ter em conta o que refere o § 16 da NCRF 11 que versa sobre as aludidas propriedades de investimento, disponível em http://www.cnc.min-financas.pt/_siteantigo/SNC_projecto/NCRF_11_propried_invest.pdf , a saber:

“Reconhecimento (§ 16)

16. A propriedade de investimento deve ser reconhecida como um activo quando, e apenas quando:

(a)          for provável que os futuros benefícios económicos que estejam associados à propriedade de investimento fluirão para a entidade; e

(b)          o custo da propriedade de investimento possa ser mensurado fiavelmente.”

 

Ou seja, também por esta via, se constata que os imóveis alienados pela Requerente em 2015, aqui em causa, poderiam ser reconhecidos, ao nível contabilístico e fiscal, como “activos fixos tangíveis” em conformidade com os pontos 7., 7.2 e 7.6 da norma contabilística para as microentidades (NC-ME)  (Aviso 8255/2015 no R 2ª Séri2, nº 146 de 29.07.2015 e Declaração de rectificação nº 914/2015).

 

Por último, não parece ter suporte na lei, a alegação de que o aditamento do nº 10 do artigo 48º do CIRC, pela Lei do OE para 2017, veio esclarecer o que já antes resultava do nº 1 do artigo 48º do CIRC, ou seja de que não são suscetíveis de beneficiar deste regime as propriedades de investimento, ainda que reconhecidas na contabilidade  como ativo tangível.

 

Com efeito, a Lei do Orçamento para 2017 - Lei n o 42/2016 de 28 de Dezembro - através do seu artigo 197º, aditou o aludido nº 10 ao Artigo 48º do CIRC, mas de facto, nada se refere sobre a sua natureza interpretativa, tratando-se de preceito novo a vigorar para o futuro.

 

Deste modo, assiste razão à Requerente ao defender que ocorreu errónea quantificação do lucro tributável, resultante de erro na leitura e na aplicação das normas contidas nos nº 1 e 10 do artigo 48º do CIRC, nos termos acima expostos.

 

Termos em que, se justifica a anulação da liquidação de IRC, com fundamento em vício de violação de lei.

 

Procedendo o pedido de pronúncia quanto à liquidação de IRC com base na desconformidade aponta, fica prejudicado, por inútil, o conhecimento das demais questões colocadas pela Requerente.

 

II – 5 – Condenação em indemnização por prestação de garantia bancária indevida

 

O que se provou sobre esta temática é o que consta na alínea H) dos factos provados. Prova-se, genericamente que (1) não foi paga a quantia liquidada, (2) foi instaurada execução fiscal (3) que foi prestada garantia bancária. Mas não foram sequer alegados quaisquer valores ou elementos que permitam ao TAS considerar mais do que esta factualidade.

 

Ainda assim, nada impedirá ao TAS que, face ao que foi provado, verifique se há (ou não) o direito a indemnização a atribuir à Requerente, em abstracto, por garantia indevidamente prestada, cujos contornos específicos, se desconhecem.

 

A cumulação de pedidos relativos ao mesmo acto tributário está implicitamente pressuposta no artigo 3.º do RJAT, ao falar em «cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos», o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo acto tributário, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil.

 

O regime do direito a indemnização por garantia indevida, consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

            1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

            2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

            3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

            4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

No caso em apreço, é manifesto que o erro subjacente à liquidação de IRC e juros compensatórios é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois as liquidações resultaram do facto da AT ter adoptada uma leitura da lei que reputou ser aplicável, em desconformidade com a leitura da lei que aqui mereceu acolhimento.

 

Por isso, a Requerente tem direito a indemnização pela garantia que tenha prestado em sede de processo de cobrança coerciva do imposto e juros aqui impugnados.

 

III – Decisão

Termos em que se decide:

a.            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, nesta sequência,

b.            Anular a liquidação de IRC referida em G) dos factos provados (liquidação 2019... de 02.09.2019, do período de 2015 e da demonstração de acerto de contas 2019..., originando um valor a pagar de 48 171,29 euros, resultando relativamente à liquidação anterior (nº 2019... de 04.07.2019) um acréscimo de matéria colectável de €190 040,24);

c.            Condenar a Requerida em indemnização por prestação de garantia indevida, conforme o que se apurar em execução de julgados.

 

IV - Valor da causa

 

 A Requerente indicou o montante de € 48 171,29, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

V - Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 2 142,00, que fica a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 25 de Setembro de 2020

 

Tribunal Arbitral Singular

Augusto Vieira