Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 863/2019-T
Data da decisão: 2020-07-08  IRS  
Valor do pedido: € 519,30
Tema: IRS – Regime simplificado – árbitro de futebol – aplicação de coeficientes artigo 31º do Código do IRS.
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DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 12 de Março de 2020, decidiu o seguinte:

 

1.            RELATÓRIO

 

1.1.        A..., portador do cartão de cidadão nº ..., contribuinte nº..., residente na Rua ..., nº..., ..., ... (adiante designado por “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Singular, no dia 18 de Dezembro de 2019, ao abrigo do disposto no artigo 2, nº 1, alínea a) e do disposto no artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

1.2.        Com o pedido, o Requerente pretende “(…) a constituição de tribunal arbitral (…)” e que seja “(…) declarada ilegal a liquidação de imposto feita pela Requerida, referente aos rendimentos obtidos, pelo Requerente no ano de 2018 e declarados no ano de 2019, no seu anexo B, auferidos na qualidade de árbitro e, em consequência, ser a Requerida condenada a aplicar o coeficiente de 0,35 aos rendimentos auferidos na qualidade de árbitro de futebol, devendo a Requerida ser condenada a aceitar que esse rendimentos sejam declarados no campo 404, do anexo B da declaração de IRS, com as devidas e legais consequências” e ainda que “(…) a Requerida seja condenada em custas”.

 

1.3.        O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 19 de Dezembro de 2019 e notificado, na mesma data, à Requerida.

 

1.4.        Em 11 de Fevereiro de 2020, dado que o Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 1 do RJAT, foi a signatária designada como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

1.5.        Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11º nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

1.6.        Em 12 de Março de 2020, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído, tendo sido proferido despacho arbitral, na mesma data, no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar Resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.

 

1.7.        Adicionalmente, foi ainda referido naquele despacho arbitral que a Requerida deveria remeter ao Tribunal Arbitral, dentro do prazo da Resposta, cópia do processo administrativo.

 

1.8.        A Requerida apresentou, em 20 de Abril de 2020, a sua Resposta, na qual se defendeu por excepção e por impugnação, concluindo que “(…) deve ser julgada procedente a exceção invocada, absolvendo-se a entidade requerida do pedido”, “ou, caso assim não se entenda, [deve] ser julgado improcedente o presente pedido de pronuncia arbitral, por não provado, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários de liquidação impugnados, absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido”.

 

1.9.        Adicionalmente, na mesma data, a Requerida anexou aos autos cópia do processo administrativo.

 

1.10.      Por despacho arbitral de 21 de Abril de 2020 foi decidido, em síntese, pelo Tribunal Arbitral, em consonância com os princípios processuais consignados nos artigos 16º, 19 e 29º, nº 2 do RJAT

 

1.10.1    Dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT;

1.10.2    Determinar que o processo prosseguisse com alegações facultativas, a apresentar no prazo de 10 dias sucessivo, a contar da notificação do presente despacho;

1.10.3    Determinar que o Requerente se pronuncie, no prazo de 10 dias concedido para alegações, e caso assim o entenda, sobre o teor da matéria de excepção suscitada pela Requerida na Resposta;

1.10.4    Determinar que a Decisão Arbitral seja proferida até ao termo do prazo previsto no artigo 21º, nº 1 do RJAT.

 

1.11.      Por último, o Tribunal advertiu o Requerente de que, até dez dias antes do termo do prazo acima referido no ponto 1.10.4. deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD.

 

1.12.      Em 30 de Abril de 2020, o Requerente apresentou as suas alegações escritas, no sentido de reiterar a argumentação apresentada no pedido arbitral, concluindo nos mesmos termos.

 

1.13.      Em 5 de Maio de 2020, a Requerida apresentou as suas alegações escritas, tendo concluído no mesmo sentido da Resposta.

 

2.            CAUSA DE PEDIR

 

2.1.        Começa o Requerente por referir que “é árbitro de futebol, pertencente aos quadros da Associação de Futebol de ... (…) estando inscrito (…) com o código CAE 93192 (Outras actividades desportivas)”.

 

2.2.        Prossegue referindo que “por ocasião da entrega anual da sua declaração modelo 3 do IRS, o Requerente (…) declarou os rendimentos que aufere na sua actividade de árbitro de futebol, tendo os mesmos sido declarados no campo 404, do quadro 4, do anexo B” tendo a Requerida, porque não concordou com esse enquadramento, “(…) notificado o Requerente para corrigir as divergências que lhe foram apresentadas (…), instando o requerente a (…) coloca-los no campo 403, do (…) aludido quadro (…)” do anexo B”.

 

2.3.        Ora, alega o Requerente que “a declaração dos rendimentos de árbitro de futebol no campo 403 implica que a esses rendimentos seja aplicado um coeficiente tributário de 0,75”, enquanto “(…) declarando-se os rendimentos no campo 404 implica que os mesmos sejam tributados com um coeficiente de 0,35, o que seria, manifestamente, mais favorável para o (…) Requerente, atendendo que, declarando os rendimentos no quadro 404, o ora Requerente iria ter uma devolução de IRS no valor de €860,18 (…) ao invés do valor de €340,88 que acabou por lhe ser devolvido em sede de IRS (…), o que significou uma diferença de €519,30 (…) na devolução do IRS, com prejuízo para o Requerente”.

 

2.4.        Não obstante não concordar, “(…) o Requerente alterou a sua declaração de IRS, declarando os seus rendimentos de árbitro de futebol no campo 403 (…)” mas “(…) apresentou reclamação graciosa (…)” a qual veio a ser indeferida pela Requerida em 27 de Novembro de 2019, acto que o Requerente “(…) pretende impugnar, juntamente com a liquidação de IRS nº 2019... dos rendimentos de 2018 (…)”.

 

2.5.        Em defesa da sua posição, alega o Requerente que “a actividade de árbitro de futebol não se encontra prevista especificamente na tabela 151° do CIRS, porquanto o código 1323 (Desportivas), não lhe é enquadrável” sendo que “o princípio da tipicidade especifica, como vertente do principio da legalidade, próprio do Direito Fiscal, exige a enumeração taxativa dos factos ou realidades tributárias”.

 

2.6.        Com efeito, para o Requerente, “a actividade de árbitro de futebol, plasmada na prestação de serviços de outras actividades desportivas, com o código CAE 93192, não encontra previsão típica e expressa na tabela anexa ao artigo 151º do CIRS” pelo que “não encontrando previsão típica e expressa nesta tabela, em Direito Fiscal não se admite interpretações extensivas que permitam o enquadramento de outras actividades, concretamente outras actividades desportivas, pelo que o aplicador da lei (…) não pode ir mais além, de acordo com as boas regras de interpretação jurídicas”.

 

2.7.        Em consequência, entende o Requerente que os rendimentos que declarou em 2019, relativos ao ano 2018, “(…) obtidos enquanto árbitro de futebol (…) deverão ser apurados com base no coeficiente previsto na alínea c) e não na alínea b), do nº 1 do artigo 31° do CIRS”.

 

3.            RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.        Segundo a Requerida, o Requerente “no presente pedido arbitral, requer a anulação da liquidação de IRS impugnada e a anulação do despacho de indeferimento que recaiu sobre a reclamação graciosa apresentada”, mas entende aquela que não assiste razão ao Requerente, invocando a Requerida a excepção da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria e da hierarquia.

 

Da incompetência do Tribunal em razão da matéria e da hierarquia

 

3.2.        Neste âmbito, segundo alega a Requerida, “o Requerente solicita a constituição do Tribunal Arbitral com vista à obtenção da declaração de ilegalidade da liquidação de IRS do ano de 2018, em virtude do enquadramento efetuado pela Administração Tributária, dos rendimentos da categoria B auferidos na atividade de árbitro de futebol pelo Requerente, no campo 403, do quadro 4 do anexo B”, concluindo que “(…) o pedido em apreço se reconduz a um pedido de decisão arbitral que determine que os rendimentos da atividade de árbitro mencionados na declaração modelo 3 de IRS, no anexo B, quadro 4 A sejam inscritos no campo 404”.

 

3.3.        Prossegue a Requerida referindo que “o artigo 13.º do CPTA, conjugado com o artigo 18.º do CPPT e com o artigo 101.º e seguintes do CPC estabelecem que a infração das regras de competência em razão da matéria e da hierarquia determinam a incompetência absoluta do tribunal” sendo que “a incompetência absoluta pode ser arguida pelas partes e deve ser suscitada pelo tribunal em qualquer estado do processo, enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa”

 

3.4.        Ora, segundo a Requerida, “o âmbito da jurisdição arbitral tributária encontra-se delimitado pelo disposto no artigo 2.º do RJAT (…)” nos termos do qual “(…) a competência dos tribunais arbitrais restringe-se à declaração de ilegalidade de atos tributários de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamentos por conta e à declaração de ilegalidade de atos de determinação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de determinação da matéria coletável e de fixação de valores patrimoniais”.

 

3.5.        Assim, para a Requerida, “a competência do tribunal determina-se pelo pedido do autor e da causa de pedir em que o mesmo se apoia, expressos na petição inicial, não dependendo nem da legitimidade das partes, nem da procedência da ação, constituindo a violação das regras de competência absoluta do tribunal em razão da matéria, exceção dilatória” pelo que “verificando-se tal exceção fica imediatamente prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas pelos requerentes na petição inicial e implica a absolvição da entidade demandada”.

 

3.6.        Segundo defende a Requerida, “no caso em apreciação, o ato objeto do litígio não pode ser qualificado como um ato de fixação da matéria tributável que dá origem à liquidação de tributo (…)” porquanto “o que se confronta aqui é o enquadramento dos rendimentos da atividade de árbitro da categoria B no campo 403 e não no campo 404, como a Requerente pretende”.

 

3.7.        Assim, para a Requerida, “o ato sindicado não integra o elenco potencial dos atos de fixação de matéria tributável ou matéria coletável na medida em que não aplica um conjunto de fatores, objetivos ou subjetivos, que conduzam à liquidação do correspondente tributo, localizando-se, antes, a montante da fixação da matéria tributável”.

 

3.8.        Para a Requerida “o Requerente pretende a declaração de ilegalidade da decisão da Administração Tributária de alteração do enquadramento dos rendimentos da categoria B, da atividade de árbitro de futebol”, sendo que “este procedimento de enquadramento fiscal sendo prejudicial relativamente ao ato de liquidação propriamente dito, não se confunde, no entanto, com o ato de fixação da matéria tributável”.

 

3.9.        Assim, entende a Requerida que “o pedido tão só concretiza a declaração de erro da Administração Tributária no enquadramento dos rendimentos no campo 403 e não no campo 404, o que, tendo em conta a matéria a sindicar, não é suscetível de resolução por via arbitral”.

 

3.10.      Nestes termos, segundo a Requerida, “estamos perante um ato da administração tributária que não integra os atos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, pelo que, deve o Tribunal Arbitral julgar procedente a exceção invocada de incompetência absoluta do foro arbitral, em razão da matéria e, em consequência, rejeitar o pedido de pronúncia arbitral, absolvendo a AT da instância”.

 

Por impugnação

 

3.11.      Neste âmbito, entende a Requerida que “a atividade de árbitro de futebol consubstancia uma prestação de serviços especificamente prevista na tabela de atividades a que se refere o artigo 151.º do CIRS, sob o código 1323 – Desportistas”, sendo que considera que este código “é abrangente e engloba, para além de atletas, todos os agentes desportivos envolvidos em atividades desportivas”.

 

3.12.      Assim, entende a Requerida que “atendendo a que os rendimentos do Requerente provêm de atividade especificamente prevista na tabela de atividades a que se refere o artigo 151.º do CIRS, tais rendimentos enquadram-se na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do CIRS” e “consequentemente são inscritos no campo 403 do quadro 4 A da declaração de rendimentos – modelo 3, e a determinação do rendimento tributável obtém-se através da aplicação do coeficiente de 0,75, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º do CIRS”, pode concluir-se “(…) que os rendimentos auferidos pelo Requerente provêm de atividades a que se refere o artigo 151.º do CIRS, não restando dúvidas que os mesmos se enquadram na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do CIRS e, consequentemente, devem ser inscritos no campo 403 do quadro 4 A do anexo B da declaração de rendimentos – modelo 3 e a determinação do rendimento tributável obtém-se através da aplicação do coeficiente 0,75 previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º do CIRS”.  

 

3.13.      Conclui a Requerida a sua Resposta, peticionando que a dispensa da realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT e requerendo que seja “julgada procedente a exceção invocada, absolvendo-se a entidade requerida do pedido”, “ou, caso assim não se entenda, [seja] julgado improcedente o presente pedido de pronuncia arbitral, por não provado, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários de liquidação impugnados, absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido”.

 

4.            SANEADOR

 

4.1.        O Tribunal é materialmente competente para apreciação do pedido arbitral e encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), artigos 5º e 6º, todos do RJAT (vide o Capítulo 6. quanto à análise da excepção da incompetência absoluta do Tribunal Arbitral suscitada pela Requerida).

 

4.2.        O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo porque apresentado no prazo previsto na alínea a), do nº 1, do artigo 10º do RJAT.

 

4.3.        As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março e estão devidamente representadas.

 

4.4.        Não foram suscitadas outras excepções de que cumpra conhecer nem se verificam nulidades.

 

5.            MATÉRIA DE FACTO

 

5.1.        Preliminarmente, e no que diz respeito à matéria de facto, importa salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada [cfr. artigo 123º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e), do RJAT].

 

5.2.        Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

 

Dos factos provados

 

5.3.        O Requerente é árbitro distrital de futebol da Associação de Futebol de ..., entidade que faz parte da Federação Portuguesa de Futebol.

5.4.        O Requerente encontra-se colectado, desde 04-02-2009, pela actividade de “Outras actividades desportivas não especificadas” (CAE 93192) e, enquadrado para efeitos de IRS, desde 01-01-2015, no regime simplificado de tributação.

5.5.        No âmbito das suas obrigações declarativas, em matéria de IRS, o Requerente entregou em 16-04-2019 a sua declaração modelo 3 de rendimentos (nº...), respeitante aos rendimentos auferidos no ano de 2018, na qualidade de sujeito passivo casado, tendo optado pela tributação conjunta dos rendimentos.

5.6.        Na referida declaração modelo 3, o Requerente declarou no Anexo B, Quadro 4, Campo 403, rendimentos “Profissionais, comerciais e industriais” auferidos em 2018, e sujeitos a tributação ao abrigo do regime simplificado, no montante de EUR 6.675,00, respeitantes à actividade por ele desenvolvida (identificada com o Código CAE 93192).

5.7.        Em consequência da entrega da declaração identificada no ponto anterior, foi emitida a liquidação de IRS nº 2019..., de 27-04-2019, na qual foi apurado um valor a reembolsar de EUR 340,88, transferido em 08-05-2019 para o NIB do Requerente.

5.8.        Para efeitos de apuramento do valor a reembolsar, a Requerida considerou ser de aplicar, aos rendimentos decorrentes da actividade profissional exercida pelo Requerente, o coeficiente de 0,75.

5.9.        Já depois de ter entregue (dentro do prazo normal) a declaração modelo 3 de IRS relativa a 2018, o Requerente alterou, em 04-06-2019, electronicamente a sua declaração de rendimentos modelo 3 de IRS relativa aos rendimentos auferidos em 2018, passando a incluir os rendimentos da categoria B por si auferidos no Campo 404, do Quadro 4-A, do Anexo B daquela declaração.

5.10.      Em consequência deste procedimento, o Serviço de Finanças ...  – ..., informou o Requerente, em 02-07-2019, de que “Consultado o sGRC verifica-se que detém a actividade 93192 – actividades desportivas, que se encontra enquadrada na alínea b) do nº. 1 do art.º 3 do CIRS e consubstancia uma prestação de serviços especificamente prevista na tabela de actividades a que se refere o artº. 151º do CIRS, sob o código 1323 – desportistas, pelo que deverá apresentar declaração de substituição a incluir o seu rendimento no campo 403 do quadro 4-A do anexo B”.

5.11.      Por não concordar com o enquadramento defendido pelo Serviço de Finanças ... –... quanto ao coeficiente aplicável aos seus rendimentos decorrentes da actividade de árbitro desenvolvida, o Requerente apresentou reclamação graciosa, em

14-07-2019 (nº ...2019...) relativa à liquidação de IRS identificada no ponto 5.7., supra, peticionando “a anulação da liquidação efetuada com base em tal declaração de rendimentos, alegando que, os rendimentos da atividade de árbitro não se incluem na al. b) do nº 1 do art. 3º do CIRS, não integrando a lista anexa do Código do IRS (…), sob o código 1323 – Desportistas” e alegando “(…) que tais rendimentos devem ser declarados no campo 404 do anexo b à declaração mod. 3 de IRS (Rendimentos de Serviços não previstos nos campos anteriores) aos quais deve ser aplicado o coeficiente 0,35, por se incluírem na alínea c) do nº 1 do art. 31º do CIRS”.

5.12.      A Direção de Finanças de ... notificou o Requerente, através do Ofício nº..., de 24-10-2019, do projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa identificada no ponto anterior, bem como para exercer, querendo, no prazo de 15 dias a contar da referida notificação, o direito de participação na decisão na modalidade de audição prévia.

5.13.      O projecto de indeferimento da reclamação graciosa apresentada fundamenta-se no facto de “de acordo com a ficha doutrinária elaborada no âmbito do Processo nº 920/2018 (…) foi sancionado o entendimento de que (…) em conformidade com o estipulado no art. 151º do Código do IRS, as atividades exercidas pelos sujeito passivos do IRS são classificadas para efeitos deste imposto, de acordo com a Classificação das Atividades Económicas Portuguesas por Ramos de atividade (CAE), do Instituto Nacional de Estatística, ou de acordo com os códigos mencionados em tabela de atividades aprovada pela Portaria nº 1011/2001, de 21 de agosto” sendo que, “para efeitos de IRS, a atividade de árbitro de futsal, está enquadrada na al. B) do nº 1 do artigo 3º do Código do IRS e consubstancia uma prestação de serviços especificamente prevista na tabela de atividades a que se refere o artigo 151º do Código do IRS, sob o código CIRS 1323 – Desportistas. Trata-se de um código abrangente que engloba, para além dos atletas, todos os agentes desportivos participantes nas atividades desportivas” concluindo que “em resposta à questão colocada, informa-se que o rendimento proveniente da atividade de árbitro de futsal deve ser inscrito no campo 403 do quadro 4-A do anexo B da declaração de rendimento modelo 3 de IRS e a determinação do rendimento tributável obtém-se através da aplicação do coeficiente de 0,75, previsto ma alínea b) do nº. 1 do artigo 31º do Código do IRS. Ora o entendimento vertido nesta ficha doutrinária para a atividade de um árbitro de futsal, vale com o mesmo alcance e efeitos para a atividade de um árbitro de futebol, pelo que, é nosso parecer que o presente pedido deve ser indeferido”.

5.14.      O Requerente não exerceu o seu direito de audição prévia.

5.15.      O Requerente foi notificado, através do Ofício nº..., de 26-11-2019, do despacho de indeferimento da reclamação graciosa acima identificada, datado de 22-11-2019, proferido pelo Chefe de Divisão da Direção de Finanças de..., ao abrigo de subdelegação de competências.

5.16.      O Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral em 18-12-2019.

 

Motivação quanto à matéria de facto

 

5.17.      No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto), no teor dos documentos juntos aos autos.

 

Dos factos não provados

 

5.18.      Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

6.            MATÉRIA DE DIREITO

 

6.1.        Encontrando-se fixada a matéria de facto dada como provada, de seguida importa determinar o direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões a decidir.

 

6.2.        Nos autos, o Requerente pretende impugnar, juntamente com a liquidação de IRS nº 2019... respeitante aos rendimentos auferidos em 2018, o despacho de indeferimento da reclamação graciosa interposta contra aquele acto de liquidação de imposto, porquanto entende que a aquela liquidação de IRS é ilegal e infundada.

 

6.3.        Assim, o pedido formulado pelo Requerente é no sentido de “ser declarada ilegal a liquidação de imposto feita pela Requerida, referente aos rendimentos obtidos pelo Requerente no ano de 2018 e declarados em 2019, no seu anexo B, auferidos na qualidade de árbitro e, em consequência ser a Requerida condenada a aplicar o coeficiente de 0,35 aos rendimentos auferidos na qualidade de árbitros de futebol, devendo a Requerida ser condenada a aceitar que esse rendimentos sejam declarados no campo 404, do anexo B da declaração de IRS, com as devidas e legais consequências, bem como “ser a Requerida condenada em custas”.

 

6.4.        Assim, cumpre analisar o pedido de pronúncia arbitral de modo a aferir a qual das Partes assiste razão, ou seja:

 

6.4.1.     Se ao Requerente quando, peticionando a procedência do pedido arbitral, defende que “a actividade de árbitro de futebol, plasmada na prestação de serviços de outras actividades desportivas, com o código CAE 93192, não encontra previsão típica e expressa na tabela anexa ao artigo 151º do CIRS”. E, “não encontrando previsão típica e expressa nesta tabela, em Direito Fiscal não se admite interpretações extensivas que permitam o enquadramento de outras actividades, concretamente outras actividades desportivas, pelo que o aplicador da lei (…) não pode ir mais além, de acordo com as boas regras de interpretação jurídicas”, devendo os rendimentos que declarou em 2019, relativos ao ano 2018, “(…) obtidos enquanto árbitro de futebol (…) ser apurados com base no coeficiente previsto na alínea c) e não na alínea b), do nº 1 do artigo 31.° do CIRS” e, em consequência, ser aplicado a tais rendimentos o coeficiente de 0,35, para efeitos de determinação do rendimento tributável, ou,

6.4.2.     Se à Requerida quando defendendo a improcedência do pedido arbitral, alega que “a atividade de árbitro de futebol consubstancia uma prestação de serviços especificamente prevista na tabela de atividades a que se refere o artigo 151.º do CIRS, sob o código 1323 – Desportistas”, pelo que “atendendo a que os rendimentos do Requerente provêm de atividade especificamente prevista na tabela de atividades a que se refere o artigo 151.º do CIRS, tais rendimentos enquadram-se na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do CIRS” e “consequentemente (…) a determinação do rendimento tributável obtém-se através da aplicação do coeficiente de 0,75, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º do CIRS”.

 

6.5.        Não obstante, dado que a Requerida veio, na Resposta, deduzir a excepção da incompetência do Tribunal Arbitral para conhecer do pedido, cumpre preliminarmente conhecer desta alegada excepção.

 

Questão prévia – da alegada excepção da incompetência do Tribunal Arbitral

 

6.6.        Com efeito, a Requerida, na Resposta apresentada em 20 de Abril de 2020, veio não só peticionar a manutenção do acto de liquidação de IRS/2018 em crise, bem como suscitar a excepção da incompetência absoluta do Tribunal Arbitral para apreciar o pedido arbitral.

 

6.7.        Ora, dado que a eventual infração das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal (e a falta de jurisdição do Tribunal Arbitral), a qual é de ordem pública, o seu conhecimento deverá preceder o de qualquer outra matéria, conforme se extrai do artigo 16º do CPPT e do artigo 13º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), por remissão do artigo 29º, n.º 1, alíneas a) e c) do RJAT.

 

6.8.        Neste âmbito, segundo a Requerida, o Requerente “no presente pedido arbitral requer a anulação da liquidação de IRS impugnada e a anulação do despacho de indeferimento que recaiu sobre a reclamação graciosa apresentada” e, para isso “o Requerente solicita a constituição do Tribunal Arbitral com vista à obtenção da declaração de ilegalidade da liquidação de IRS do ano de 2018, em virtude do enquadramento efetuado pela Administração Tributária, dos rendimentos da categoria B auferidos na atividade de árbitro de futebol pelo Requerente, no campo 403, do quadro 4 do anexo B”.

 

6.9.        Prossegue a Requerida referindo “(…) que o pedido em apreço se reconduz a um pedido de decisão arbitral que determine que os rendimentos da atividade de árbitro mencionados na declaração modelo 3 de IRS, no anexo B, quadro 4 A sejam inscritos no campo 404” pelo que “(…) o ato objeto do litígio não pode ser qualificado como um ato de fixação da matéria tributável que dá origem à liquidação de tributo (…)”, sendo que “o que se confronta aqui é o enquadramento dos rendimentos da atividade de árbitro da categoria B no campo 403 e não no campo 404 (…)”.

 

6.10.      Assim, segundo entende a Requerida, “o ato sindicado não integra o elenco potencial dos atos de fixação de matéria tributável ou matéria coletável na medida em que não aplica um conjunto de fatores, objetivos ou subjetivos, que conduzam à liquidação do correspondente tributo, localizando-se, antes, a montante da fixação da matéria tributável”.

 

6.11.      Assim, defende a Requerida que “este procedimento de enquadramento fiscal sendo prejudicial relativamente ao ato de liquidação propriamente dito, não se confunde, no entanto, com o ato de fixação da matéria tributável”, sendo que “o meio próprio para impugnar estes atos, que não comportam a apreciação da legalidade de atos de liquidação e que também não são atos de fixação da matéria tributável ou da matéria coletável não é a impugnação judicial, mas sim a ação administrativa especial (…)”, concluindo que, estando no caso, “(…) perante um ato da administração tributária que não integra os atos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT (…), deve o Tribunal Arbitral julgar procedente a exceção (…) de incompetência absoluta do foro arbitral, em razão da matéria e, em consequência, rejeitar o pedido de pronúncia arbitral, absolvendo a AT da instância”.

 

6.12.      O Requerente, em sede de alegações, veio contrapor referindo que “no que concerne à excepção invocada (…) dir-se-á que a mesma não tem qualquer sustentação jurídico-factual (…)” porquanto “(…) este Centro de Arbitragem já decidiu (…) dois objectos processuais iguais aquele que ora se discute (…), tendo-se declarado competente para deles conhecer (…)”.

 

6.13.      Segundo alega a Requerente, para além do “(…) facto de dentro da própria Requerida existiram dois entendimentos dispares quanto à matéria em discussão (…)”, o pedido arbitral é que seja “(…) declarada ilegal a liquidação de imposto feito pela Requerida, referente aos rendimentos obtidos (…) no ano de 2018 (...)” porquanto “o que se impugna é o cálculo ilegal que a Requerida fez à liquidação de IRS (…)” em crise, “e que resultou na errada liquidação de imposto calculado pela Requerida”, “com uma consequente nota de liquidação ilegal”, concluindo que “o (…) aludido artigo 2º. do RJAT atribui total competência a este Tribunal” para analisar e decidir do pedido, devendo assim “(…) improceder, por falta de fundamento legal, a excepção invocada pela Requerida”.

 

6.14.      Passemos assim a analisar cada uma das posições assumidas.

 

6.15.      De acordo com o disposto no artigo 2º do RJAT, “a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões”: “a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais” (sublinhado nosso).

 

6.16.      E, como refere Jorge Lopes de Sousa, “insere-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a fixação dos efeitos da decisão arbitral que podem ser definidos em processo de impugnação judicial, designadamente, a anulação dos actos cuja declaração de ilegalidade é pedida (…)”.

 

6.17.      Assim, dado que o pedido de pronúncia arbitral diz respeito ao pedido de anulação da liquidação de IRS identificada, com fundamento na sua ilegalidade (pelos motivos que o Requerente apresenta), bem como a anulação do despacho que indeferiu a reclamação graciosa interposta contra aquele acto tributário, entende este Tribunal Arbitral que improcede a excepção invocada pela Requerida da alegada incompetência do Tribunal Arbitral para se pronunciar quanto ao conhecimento do pedido, atentas as competências definidas no artigo 2º do RJAT.

 

6.18.      Nestes termos, analisemos a questão de fundo do pedido arbitral, ou seja, da alegada ilegalidade do acto de liquidação de IRS relativo aos rendimentos auferidos pelo Requerente em 2018.

 

Enquadramento em sede de IRS, no âmbito do regime simplificado, dos rendimentos provenientes da actividade de árbitro de futebol

 

6.19.      De acordo com o disposto no artigo 3º, nº 1 do Código do IRS, na redação em vigor à data a que se reporta a liquidação de IRS em crise, “consideram-se rendimentos empresariais e profissionais (…) os decorrentes do exercício de qualquer atividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária; (…) os auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer atividade de prestação de serviços, incluindo as de carácter científico, artístico ou técnico, qualquer que seja a sua natureza, ainda que conexa com atividades mencionadas na alínea anterior; (…) os provenientes da propriedade intelectual ou industrial ou da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico, quando auferidos pelo seu titular originário” (sublinhado nosso).

 

6.20.      No que ao caso aproveita, nos termos do previsto no artigo 28º, nº 1 do Código do IRS, “a determinação dos rendimentos empresariais e profissionais, salvo no caso da imputação prevista no artigo 20.º, faz-se (…) com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado (…)”, sendo que de acordo com o nº 2 do mesmo artigo, “ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, no exercício da sua atividade, não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior um montante anual ilíquido de rendimentos desta categoria de (euro) 200 000”, sem prejuízo de, de acordo com o previsto no nº 3, poderem optar pela determinação dos rendimentos com base na contabilidade.

 

6.21.      Ora, no âmbito do regime simplificado, de acordo com o disposto no artigo 31º, nº 1 do Código do IRS, “(…) a determinação do rendimento tributável obtém-se através da aplicação (…)” de determinado coeficientes aí elencados, sendo aqui de transcrever os que estão na origem do diferendo entre as Partes, ou seja:

 

6.21.1.  O coeficiente de 0,75 aplicável aos rendimentos das actividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151º;

6.21.2.  O coeficiente de 0,35 aplicável aos rendimentos de prestações de serviços não previstos nas alíneas anteriores.

 

6.22.      Ora, de acordo com o previsto no artigo 151º do Código do IRS, “as atividades exercidas pelos sujeitos passivos do IRS são classificadas, para efeitos deste imposto, de acordo com a Classificação das Atividades Económicas Portuguesas por Ramos de Atividade (CAE), do Instituto Nacional de Estatística, ou de acordo com os códigos mencionados em tabela de atividades aprovada por portaria do Ministro das Finanças”.

 

6.23.      Para este efeito, a Classificação das Actividades Económicas do INE, na sua secção R, respeitante a actividades artísticas, de espetáculos e recreativas, inclui o CAE 93192, correspondente a “Outras Atividades Desportivas, N.E.”, aí se referindo expressamente que este código CAE “compreende as atividades de: produtores e promotores de acontecimentos desportivos com ou sem instalações; promoção de eventos desportivos; atletas, árbitros, cronometristas e de outros desportistas independentes; estábulos, canis e garagens, relacionados com a atividade desportiva; apoio à pesca e caça recreativas e desportivas; e dos guias de montanha. Inclui a gestão de zonas de caça e pesca” (sublinhado nosso).

 

6.24.      Por outro lado, a Portaria nº 1011/2001, de 21 de Agosto, para efeitos do disposto no artigo 151º do Código do IRS, veio aprovar a tabela de actividades do artigo 151º do Código do IRS, que faz parte integrante da referida portaria (que é a constante do anexo I àquele Código), da qual consta, entre outras, a actividade com o código 1323 “Desportistas”.

 

6.25.      Assim, tendo em consideração a posição de cada uma das Partes acima já sumariada, importa a analisar se a actividade de árbitro desportivo (no caso, de futebol) pode ou não ser enquadrada no conceito de actividade desportiva subsumível de forma natural, imediata e transparente, no conceito de Desportista referido na Tabela de actividades do artigo 151º do Código do IRS e, em consequência, determinar qual é o coeficiente que, para efeitos de determinação do rendimento tributável no âmbito do regime simplificado, deverá ser aplicado aos rendimentos auferidos, em 2018, pelo Requerente, no âmbito da sua actividade de árbitro de futebol.

 

6.26.      Nesta matéria, é importante referir, desde logo, que no artigo 31º do Código do IRS e no anexo B da declaração de IRS modelo 3 (Campo 403, do Quadro 4-A), onde se lê as “actividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151º” não pode ser lido “códigos previstos na tabela a que se refere o artigo 151º” porquanto as actividades profissionais especificamente previstas são as exercidas pelos profissionais das actividades especificamente elencadas naquela lista, independentemente da aparente redundância.

 

6.27.      Assim, aplicação dos coeficientes, do regime simplificado, para determinação do rendimento tributável no âmbito da categoria B deverá ser efectuada pela verificação da actividade realmente exercida e não pela constatação do código que consta no cadastro das finanças, seja este um código de actividade da lista anexa ao artigo 151º do Código do IRS ou um código CAE.

 

6.28.      Ou seja, na interpretação do sentido do normativo em causa, terá de ser aplicado o princípio da substância sobre a forma.

 

6.29.      Nesta matéria, o que devemos ter em atenção, para efeitos de aplicação dos coeficientes do regime simplificado é o que sempre foi efectuado noutros contextos, nomeadamente em matéria de retenção na fonte a efectuar sobre rendimentos da categoria B [artigo 101º, nº 1, alínea b) do Código do IRS, nos termos do qual se prevê uma taxa de retenção na fonte de 25% para rendimentos decorrentes das actividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151º daquele Código].

 

6.30.      Assim, teremos de continuar a interpretar a expressão “especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151º” como sempre interpretámos, nomeadamente, para efeitos do disposto nos artigos 31º e 101º do Código do IRS, porquanto o sentido e finalidade desta expressão são exatamente os mesmos.

 

6.31.      Ainda assim, podem subsistir algumas dúvidas, porque várias das actividades especificamente previstas na tabela do artigo 151º do Código do IRS não delimitam objetivamente o âmbito dos serviços a que se referem, nomeadamente, a actividade de árbitro de futebol exercida pelo Requerente porquanto há actividades especificamente previstas na lista do artigo 151º, onde podem incluir-se outras com ela conexas.

 

6.32.      Neste âmbito, refira-se o caso da actividade “Desportistas”, com o código 1323, na qual a Requerida defende serem de incluir os árbitros, posição refutada pelo Requerente.

 

6.33.      Assim, a questão a decidir será a de se saber se naquela actividade especificamente prevista no anexo ao artigo 151º do Código do IRS (código 1323 – Desportistas), deverão ser incluídas ou não outras actividades conexas, nomeadamente, a de árbitros de futebol.

 

6.34.      Nestes termos, e seguindo de muito perto o teor da Decisão Arbitral nº 421/2019-T, de 29 de Outubro de 2019, cujo pendor decisório aqui se acompanhará, comecemos por referir que “é desportista aquele que se dedica a uma atividade desportiva. Se a arbitragem desportiva pode ser considerada uma atividade desportiva, então quem a exerce pode, compreensivelmente, ser designado por desportista, sem qualquer sacrificium intellectus. O conceito Desportistas – da Tabela de atividades do artigo 151.º do CIRS - não tem que abranger unicamente os praticantes desportivos propriamente ditos, sejam eles profissionais ou não profissionais, antes podendo designar outros agentes desportivos intimamente ligados à prática competitiva de uma dada modalidade. Isto, à semelhança do que sucede com o conceito de atividade desportiva”.  

 

6.35.      “Na verdade, a arbitragem desportiva assume uma importância decisiva na realização de competições desportivas oficiais, sendo condição sine qua non das mesmas”.

 

6.36.      Ora, um árbitro “(…) participa ativamente na realização da competição desportiva, estando presente no recinto de jogo e interagindo ativamente com os atletas em competição”, cabendo-lhe “(…) a importante tarefa de acompanhar atentamente todas as incidências concretas da competição e garantir a interpretação e aplicação das normas desportivas, em termos que satisfaçam as elevadas exigências de rigor e uniformidade impostas pelas federações desportivas, não só a nível nacional como também regional e mundial”.

 

6.37.      Assim, “para esse efeito, a disciplina do acesso e exercício da atividade de árbitro desportivo, incluindo a respetiva classificação, encontra-se definida e estruturada pelas federações desportivas, sendo uma parte integrante da respetiva atividade (…)”, exigindo-se “dos árbitros (…) o conhecimento pleno e atualizado das normas da modalidade cuja competição os mesmos são chamados a arbitrar, exigindo-se a participação em cursos de formação inicial e contínua e o preenchimento dos requisitos de aptidão física e psicológica necessários ao exercício da atividade”.

 

6.38.      Por outro lado, refira-se que “o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 248-B/2008, que veio estabelecer o Regime Jurídico das Federações Desportivas e as Condições de Atribuição do Estatuto de Utilidade Pública Desportiva, enquadra a atividade de árbitro no conceito de federação desportiva”, o mesmo sucedendo com “(…) o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 93/2014, de 23 de junho, que procedeu à sua alteração e republicação” ao referir que “(…) os árbitros estão sujeitos a um regime de formação, coordenação e classificação no seio das federações desportivas”.

 

6.39.      Nestes termos, “(…) a recondução da atividade de árbitro ao conceito Desportistas, com o CAE, 1323, da Tabela de atividades do Artigo 151.º do CIRS, não representa qualquer violação da tipicidade específica ínsita nos princípios da legalidade tributária e da segurança jurídica e proteção da confiança dos cidadãos, que concretizam o princípio constitucionalmente estruturante do Estrado de direito” porquanto se trata “de uma operação conceitual, hermenêutica e metódica cuja razão de ser se afigura inteiramente razoável e inteligível, à luz do regime jurídico da atividade desportiva e das federações desportivas”.

 

6.40.      Em consequência, “afigura-se correta, aos olhos do presente tribunal, a orientação seguida na Informação Vinculativa proferida no Processo n.º 920/2018, com despacho concordante da Subdiretora Geral do IR, de 02.05.2018 (…)” ao sustentar que “(…) o Código CAE, 1323 – Desportistas é abrangente, englobando, para além dos atletas, todos os agentes desportivos participantes nas atividades desportivas”, orientação essa que “é compatível com o princípio da precisão, clareza e determinabilidade das leis, na medida em que confere ao conceito Desportistas uma intensão e uma extensão inteiramente dotadas de plausibilidade e razoabilidade, que nada têm de arbitrário, surpreendente, inesperado ou imprevisível”.

 

6.41.      Com efeito, de acordo com o previsto no artigo 11º, nº 1 da LGT, “[a] determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”.

 

6.42.      Por outro lado, acrescente-se que, de acordo com o disposto no artigo 9º, nº 1, do Código Civil, “[a] interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”.

 

6.43.      Ora, neste âmbito, referia-se que a posição defendida pela Requerida está alinhada, no entender deste Tribunal Arbitral, “(…) com uma visão unitária do sistema jurídico, enquanto sistema de valores, princípios e regras. Com efeito, (…) adequa-se inteiramente ao sentido material que se retira de importantes princípios do sistema fiscal. Assim é, nomeadamente, no que concerne os princípios da justiça fiscal, da igualdade fiscal – horizontal e vertical – e da consideração da capacidade contributiva subjetiva, que têm o seu fundamento último na ordem constitucional (v.g. arts. 1.º, 2.º, 13.º, 103.º e 104.º, da CRP). O princípio da tributação de acordo com a capacidade contributiva (…) é desde há muito reconhecido como um princípio estruturante do direito fiscal, deduzido dos princípios da justiça e da igualdade tributárias, nomeadamente da igualdade perante os encargos públicos. A tributação de acordo com a capacidade contributiva tem especial relevância no imposto sobre o rendimento”.

 

6.44.      E, recorde-se, “o CIRS deve ser interpretado e aplicado, pela AT e pelos tribunais em conformidade com estes princípios constitucionais, tendo igualmente em conta os fins e os objetivos da tributação (arts. 5.º e 7.º da LGT)”.

 

6.45.      Assim, “nesta sede, a aplicação do coeficiente de 0,75 a atletas e árbitros significa que aos mesmos se reconhece uma dedução automática de 25%. A mesma afigura-se inteiramente razoável, na medida em que uns e outros podem normalmente ser chamados a suportar algumas despesas para poderem exercer a sua atividade e obter os correspondentes rendimentos. Se fosse aplicável aos árbitros o coeficiente de 0,35 – diferentemente do que sucede com os praticantes desportivos propriamente ditos –, isso significaria, na prática, o reconhecimento de um direito de dedução automática de despesas no valor de 65% do rendimento auferido, o que se afigura manifestamente desigual, desproporcional e destituído de fundamento racional e material bastante. Uma tal diferenciação de tratamento, aplicando a praticantes desportivos um coeficiente de 0,75 e a árbitros o de 0,35, representaria uma diferenciação dificilmente compatível com a justiça do sistema fiscal, porque violadora dos princípios da capacidade contributiva e proibição do arbítrio, que são subprincípios do princípio da igualdade fiscal”.

 

6.46.      Nestes termos, face ao acima exposto, entende este Tribunal Arbitral que deverá aplicar-se aos rendimentos auferidos pelo Requerente, decorrentes da actividade de árbitro de futebol o coeficiente de 0,75% previsto no artigo 31º, nº 1 alínea b) do Código do IRS porquanto tais rendimentos são enquadráveis, para efeitos de declaração dos mesmos na declaração modelo 3 de rendimentos, no Campo 403, do Quadro 4-A, do respectivo Anexo B, dado que aquela actividade se insere no código CAE 1323 – Desportistas, previsto na Tabela de Actividades do artigo 151º do Código do IRS.

 

6.47.      Em consequência, julga-se improcedente o pedido arbitral apresentado pelo Requerente.

 

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

6.48.      De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral”.

 

6.49.      Em termos gerais, de acordo com o disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa sendo que, o nº 2 daquele artigo, concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

6.50.      Ora, tendo em consideração o acima exposto, a responsabilidade em matéria de custas arbitrais deverá ser imputada exclusivamente ao Requerente.

 

7.            DECISÃO

 

7.1.        Nestes termos, decidiu este Tribunal Arbitral Singular:

 

7.1.1.     Julgar improcedente a excepção invocada pela Requerida;

7.1.2.     Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica a liquidação de IRS impugnada, bem como o despacho de indeferimento da reclamação graciosa interposta contra a referida liquidação, absolvendo-se, em conformidade, a entidade Requerida do pedido;

7.1.3.     Em consequência, condenar o Requerente no pagamento das custas do processo.

 

Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 519,30.

 

Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 306,00, a cargo do Requerente, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.

 

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Notifique-se.

 

Lisboa, 8 de Julho de 2020

 

O Árbitro,

Sílvia Oliveira