Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 87/2016-T
Data da decisão: 2016-10-29  IRC  
Valor do pedido: € 26.342,14
Tema: IRC – Aplicação do justo valor – regime transitório (art. 5º do Decreto-Lei nº 158/2009) e menos valias (art. 18º, nº 9, alínea a) e art. 45º, nº 3, do CIRC).
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Decisão Arbitral

 

 

 

I - RELATÓRIO

 

1. Em 17 de Fevereiro de 2015, a sociedade A…, SGPS, SA  (doravante designada como Requerente), com o NIPC…, com sede na Rua…, nº…, em…, apresentou nos termos do disposto no artigo 10º, n.º 1, alínea a) do RJAT e 102º do CPPT, Pedido de Pronúncia Arbitral com vista à apreciação da legalidade do acto de liquidação de IRC, acrescido de juros compensatórios referente a 2012, no montante global de € 26.342,14 (vinte e seis mil trezentos e quarenta e dois euros e catorze cêntimos), assim como do acto de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra aquele acto tributário. Para além da procuração e comprovativo de pagamento da taxa inicial juntou 4 documentos.

2. No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente optou por não designar árbitro.

3. Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, por decisão do Presidente do Conselho Deontológico, foi designada como árbitro singular, a signatária Maria Manuela do Nascimento Roseiro, que aceitou o encargo no prazo legalmente estipulado.

4. Notificadas as partes e não havendo recusa da referida designação (artigo 11º, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico), veio o tribunal arbitral a ficar constituído em 29 de Abril de 2016, de acordo com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

5. Em 7 de Junho de 2016, a Administração Tributária e Aduaneira (AT ou Requerida) veio apresentar Resposta e juntar o processo administrativo e em 2 de Julho de 2016 a Requerente apresentou resposta a excepção suscitada.

6. Com anuência das Partes, foi dispensada a realização da reunião prevista no  artigo 18º do RJAT, por despacho de 19 de Setembro de 2016, marcando-se prazo para  apresentação de alegações escritas, em dez dias a decorrer sucessivamente, e indicada a data de 29 de Outubro de 2016 para comunicação da decisão arbitral. Não foram apresentadas alegações. Em 26 de Outubro a Requerida solicitou prorrogação de prazo para apresentar processo administrativo, cuja falta fora entretanto detectada, pelo que o prazo para emissão de decisão foi prorrogado nos termos do art. 21º do RJAT, ficando contudo de ser proferida até 14 de Novembro de 2016.

 

7. Pedido de pronúncia arbitral 

A Requerente invoca, em síntese (da nossa responsabilidade):

-          Tendo sido notificada, em 22 de Outubro de 2014, de liquidações de IRC relativas a 2010, 2011 e 2012, apresentou em 4 de Março de 2015, reclamação graciosa da liquidação referente a 2012, no montante de €26.342,14, cujo indeferimento lhe veio a ser comunicado 20/11/2015.

-          A AT considerou que, atendendo à transição do POC para o SNC a Requerente deveria, em 2010 ter apurado e contabilizado em resultados transitados um ganho de justo valor no montante de € 17.790,35, e efectuado um ajustamento de € 3.558,07, acrescendo esse montante nos três exercícios de 2010 a 2012, no campo 703 do quadro 07 da declaração modelo 22.

-          Nos mesmos três exercícios a sociedade contabilizou perdas por reduções de justo valor na conta 661 – perdas por reduções em justo valor, na “conta 6862-Gastos e perdas alienação de investimentos financeiros” e perdas referentes a partes de capital valorizadas ao justo valor contabilizadas na “conta 6886-perdas em instrumentos financeiros”.

-          Analisando estes dados, a AT considerou que metade dos encargos registados com as perdas por redução de justo valor dos investimentos financeiros com preço formado em mercado regulamentado, deveriam ser acrescidos no campo 737 do quadro 07 da modelo 22, resultando as seguintes correcções: relativamente às perdas contabilizadas na conta 661, no valor de € 5.705,91, foi acrescido o valor de € 2.852,96; quanto às perdas contabilizadas na conta 6862, na importância de € 2.013,94, foi acrescido o valor de € 1.006,97; quanto às perdas referentes a partes de capital valorizadas ao justo valor (conta 6886), foi considerado que deveria ser acrescido o montante de 50% x (22.725,61+1.714,10).

-          O acto sofre de falta de fundamentação (arts. artigo 35.º e 77.º, n.º 1 e n.º 2 da LGT, 124.º, 125.º, 133.º do CPA, 268.º, n.º 3 da CRP), por erro nos pressupostos de direito, e violação dos princípios da legalidade, da capacidade contributiva e da tributação do rendimento real

-          Falta de fundamentação porque, quanto aos ganhos por aumento de justo valor reconhecido em resultados transitórios (variações patrimoniais positivas) para os três exercícios, limita-se a remeter para o teor da ficha doutrinária do processo n.º 39/2011, com Despacho de 24/02/2011 do Director-Geral da AT, contendo orientações da AT sem qualquer suporte legal, porque nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos, (artigo 112º, n.º 6, da CRP) e, quanto às perdas por reduções de justo valor e perdas em instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor, incluindo as da Carteira discricionária, registadas nos três exercícios e evidenciadas nas contas e no RIT, porque a AT apenas invoca o disposto nos artigos 18º, nº 9 e 45.º n.º 3 do CIRC.

Quanto ao erro nos pressupostos de direito

-          Quanto à B…, S.A.”, dissolvida em 2010, a perda referente a acções adquiridas em 2008 deve ser tratada como perda por dissolução e liquidação e não como menos valia contabilística pelo que não pode ser subsumida ao regime do artigo 32º do EBF, devendo sim ser aceite como gasto constante dos artigos 23º e seguintes do Código do IRC. 

-          Quanto às variações patrimoniais por aplicação ao caso vertente do regime transitório previsto no art. 5º do DL 159/2009, de 13/7, a Requerente discorda do entendimento da AT expresso no quadro do RIT, ponto III.2., de que, por força da adopção do modelo do justo valor, em obediência ao disposto no artigo 18º, n.º 9, alínea a), do CIRC e em conformidade com a ficha doutrinária do processo n.º 39/2011, deve ser corrigido o lucro tributável dos exercícios 2010, 2011 e 2012, levando em conta o ganho apurado no montante de € 17.790,35, e acrescendo a cada um dos exercícios o montante de € 3.558,07, porque a tributação do ganho segue as regras do regime geral alicerçado nos princípios da realização e da especiação dos exercícios, como decorre de jurisprudência e doutrina citada.

-          Além de que a Requerente mensurou as variações em 31.12.2010, dando a tributar de uma só vez uma parte no ano de 2010, donde se conclui que, ao pretender tributar 1/5 dessa variação nos anos de 2010 a 2012, está a duplicar a tributação daquela variação positiva.

-          E, quanto à aplicação do art. 45º, nº 3, do CIRC deve adoptar-se a solução jurídica acolhida em decisão arbitral no Processo n.º 108/2013-T, do CAAD, no sentido do artigo 46.º/1/b) excluir as situações descritas no artigo 18.º/9/a) do conceito de mais-valias realizadas, sendo assim ilegais as correcções operadas em função das perdas, por não ser aplicável a referida norma do nº 3 do artigo 43º do CIRC nos moldes em que pretende a AT.

-          Foram violados os princípios da legalidade (art. 106º, nº 2 CRP), da capacidade contributiva e da tributação do rendimento pelo lucro real (artigos 103º n.ºs 2 104.º, nº 2, e 3 da Constituição, e artigo 8º da LGT).

-          As excepções à tributação de rendimentos reais não podem traduzir-se em desvios arbitrários apenas podendo acontecer em casos em que seja impraticável a realização de acções de fiscalização com a frequência e a profundidade requeridas para um funcionamento adequado desse sistema de tributação sobre rendimentos reais (Ac. TC 142/2004).

-          Deve ser anulada a decisão da Administração Fiscal que exige à ora Requerente o pagamento de imposto, baseado em correcções aritméticas com fundamentos pouco claros e evidenciando erro nos pressupostos de direito e vícios de forma, não havendo também lugar ao pagamento dos correspondentes juros compensatórios.

-          Deve a reclamação graciosa ser deferida e anulada a liquidação de IRC de 2012 pelo montante total €26.342,14, por ser manifestamente ilegal e inconstitucional em conformidade com os fundamentos invocados.

 

8. A Resposta da Requerida

A Requerida respondeu, em síntese (da nossa responsabilidade):

-          A correcção aritmética relativa a perdas referentes ao instrumento financeiro “B…, S.A.” respeita ao exercício de 2010 (liquidação n.º 2014…), objecto de apreciação noutro processo arbitral pendente, enquanto a liquidação ora impugnada e o indeferimento de reclamação graciosa respeitam ao exercício de 2012, pelo que o pedido se apresentaria extemporâneo quanto àquela correcção.

-          O acto de liquidação encontra-se suficientemente fundamentado pelos serviços, sem obscuridades ou insuficiências, apto a ser conhecido e entendido por um destinatário médio, e, ainda que remetendo para a Informação Vinculativa n.º 39/2011, contém todos os motivos de facto e de direito que suportaram as correcções aritméticas efectuadas à matéria colectável do contribuinte.

-          No RIT, mormente no ponto III.1.1 (variações patrimoniais positivas - regime transitório), os Serviços da IT da DF de …, referiram as normas legais, designadamente o art. 5º do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13/07, que sustentaram a correcção aritmética efectuada e explicitaram, com clareza e congruência, a justificação contabilística, esclarecendo que a Requerente deveria ter apurado e contabilizado em resultados transitados um ganho de justo valor no montante de € 17.790,35 – para a formação do lucro tributável do primeiro período de tributação em que se aplicaram as normas do referido Decreto-Lei n.º 159/2009, e para os quatro períodos de tributação seguintes –, e, em consonância, acrescido no campo 703, do quadro 07, da declaração modelo 22, entre 2010 e 2012, e em cada um daqueles anos, um quinto do aludido valor (€ 3.558,07).

-          Por outro lado, como o regime estabelecido no artigo 32.º, n.º 2, do EBF para as S.G.P.S. é aplicável apenas às mais-valias ou menos-valias realizadas, considerou-se que o tratamento das perdas reconhecida em resultados transitados está sujeito ao disposto no artigo 45.º, n.º 3, do CIRC.

-          A fundamentação das correcções referente às perdas por reduções de justo valor e perdas em instrumentos financeiros pelo justo valor, incluindo as da Carteira discricionária, também se encontram devidamente fundamentadas nos arts 18.º, n.º 9 e 45.º, n.º 3 do CIRC, verificando-se que, relativamente a cada exercício, partindo da contabilidade da Requerente, os Serviços Inspectivos indicaram a quantia exacta a acrescer, por período, na declaração de rendimentos modelo 22, e especificaram o quadro (07) e o campo (737) onde tais valores haveriam de ser inscritos, tudo de acordo com o art. 62º do RCPITA.

-          A Requerente demonstrou, antes e agora no presente pedido de pronúncia arbitral, ter cabalmente compreendido o quadro fáctico e legal em que assentou a decisão da Requerida, tentando rebater, ponto por ponto, toda a sua actuação, e percepcionado a natureza das correcções aritméticas de que foi alvo e com as quais não concordou.   

-          Quanto à validade das correcções aritméticas  

-          Quanto aos ganhos por aumento de justo valor reconhecidos em resultados transitados, há que ter em conta as adaptações pretendidas com a aprovação do Decreto-Lei nº158/2009, de 13 de Julho, designadamente à “NCRF 3 - adopção pela primeira vez das NCRF”, nos termos da qual os ajustamentos – ajustamentos contabilísticos de transição que se imponham (face à base contabilística anteriormente seguida) devem ser reconhecidos directamente nos resultados transitados, à data da transição para as NCFR (31 de Dezembro de 2009) e a “NCFR 27 - Instrumentos financeiros”

-          Assim, tendo em conta essas normas e o regime transitório, para atenuar o impacto (art. 5º do DL 159/2009), produziu-se uma mudança de paradigma contabilístico e alterou-se o Código do IRC com vista a sua adaptação às normas internacionais e, em particular, ao novo sistema de Sistema de Normalização Contabilística (SNC).

-          Daí decorre que o modelo do justo valor é, desde 2010, aceite fiscalmente para efeito de determinação do lucro do exercício/período, quando os ganhos e as perdas sejam reconhecidos nos resultados, com excepção relativa às partes de capital em sociedades que ultrapassem 5% do capital social e aos instrumentos de capital próprio que não estejam admitidos à negociação em mercado regulamentado, sendo de ter presente que as supra referidas normas e terminologia contabilística se reflectem no artigo 18º do CIRC, e que os rendimentos/ganhos e gastos/perdas aí referidos têm de ser confrontados com o tratamento que lhes é concedido pelo disposto nos artigos 20º, 23º e 45º do mesmo diploma.

-          A correcção no sentido de que o sujeito passivo «deveria ter apurado e contabilizado em resultados transitados um ganho de justo valor no montante de € 17.790,35 (…) e consequentemente (…) acrescido no campo 703 do quadro 07 da declaração modelo 22, do exercício também de 2012 o montante de € 3.558,07 (50% x € 17.790,35), significa a aplicação da norma do DL 158/2009, com vista a não onerar um único exercício, e não existe duplicação na tributação da dita variação patrimonial positiva, pois conforme é referido em sede de reclamação graciosa «observa-se da lei que deveria ter sido efectuado um ajustamento de transição em 2009-12-31, sem que tal se tenha verificado. Fiscalmente, efectuou-se tal ajustamento, o qual tem repercussões nos exercícios seguintes, pelo que não existe qualquer dupla tributação.»

-          Quanto às perdas por redução do justo valor de partes de capital e perdas por alienação de partes de capital valorizadas ao justo valor, a Requerente louvou-se no acórdão arbitral, lavrado no âmbito do processo arbitral n.º 108/2013-T, que decidiu situação idêntica à dos autos, mas a esse contrapõe-se o decidido no processo n.º 25/2015-T, que há que ter em conta.

-          Embora as regras de imputação temporal dos rendimentos/ganhos e gastos/perdas decorrentes da aplicação do justo valor a instrumentos financeiros já tivessem acolhimento no IRC em situações específicas, foi com a introdução do SNC que foram efectuadas alterações profundas no CIRC, passando o artigo 23.º, nº 1, al. i) do CIRC a incluir os gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros, interpretado em conjugação com o artigo 18.º, n.º 9, al. a) e artigo 45º, nº 3 do mesmo Código, tudo de acordo com as regras de interpretação consagradas no artigo 9.º do Código Civil e do n.º 1 do artigo 11.º da LGT, tendo sempre em conta o facto de o sistema fiscal visar a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas.

-          Também não foram violados os invocados princípios constitucionais da legalidade, da capacidade contributiva e da tributação do rendimento pelo lucro real, devendo atender-se a que não existe exclusividade da tributação segundo o rendimento real (art.104.º, n.º 2), e à teleologia do artigo 45.º, n.º 3 do CIRC, que pretendeu combater situações de fraude e de evasão fiscal, devendo tal princípio ser ainda concatenado com o facto de que «a certeza e a objectividade do valor encontrado no mercado, ainda que regulado, não é de todo imune a manipulações».

-          Quanto à alegada violação do princípio da igualdade (13.º, n.º 1 da CRP), há que ter em conta os diferentes aspectos da mesma, não sendo de esquecer que o regime do artigo 45.º, nº 3, do CIRC visava evitar o aproveitamento, por parte dos sujeitos passivos, de certos expedientes de “planeamento fiscal”.

-          Face ao que, e pelos motivos expostos, não padece a interpretação conferida ao n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, de qualquer inconstitucionalidade, afigurando-se válido o acto tributário impugnado.

 

9. Resposta da Requerente à questão prévia

À questão prévia suscitada pela Requerida respondeu a Requerente esclarecendo e defendendo que:

-          O presente pedido tem por objecto a declaração da ilegalidade do acto de liquidação n.º 2014 … de IRC referente ao exercício de 2012 e não a liquidação de IRC referente ao exercício de 2010 (nº 2014…), tendo a exposição de factos efectuada nos artigos 78.º a 87.º do PPA visado mostrar erros das correcções operadas aos exercícios objecto do procedimento de inspecção tributária;

-          Embora não se pretenda discutir a correcção aritmética que influenciou a matéria colectável da Requerente para o ano de 2010, a ilegalidade relativa a esse exercício influencia o acto de liquidação objecto do presente Pedido;

-          Ainda que fosse irrelevante o exposto nos artigos 78.º a 87.º do PPA nunca consubstanciaria uma excepção de caducidade do direito à impugnação.

 

10. Questões a decidir

Nos presentes autos está em causa a liquidação de IRC relativa a 2012, surgindo como questões a decidir por este tribunal arbitral:

-       Relevância da qualificação jurídica fiscal dos resultados apurados com dissolução em 2010 de uma sociedade participada pela Requerente para a apreciação do actual Pedido de pronúncia arbitral;

-      Validade das correcções aritméticas efectuadas por aumento do justo valor reconhecido em resultados transitados (variações patrimoniais positivas), fundamentadas na aplicação da disposição transitória contida no art. 5º do Decreto-Lei nº 159/2009, de 13 de Julho;

-       Validade das correcções por perdas por redução do justo valor de partes de capital e perdas por alienação de partes de capital valorizadas ao justo valor, fundamentadas na aplicação da alínea a) do nº 9, do artigo 18º do CIRC, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 159/2009, de 13 de Julho, e sua conjugação com outras normas do CIRC, nomeadamente o nº 3 do artigo 45º.  

 

A primeira questão corresponde a dúvida levantada como questão prévia/excepção pela Requerida e respondida pela Requerente. Será analisada depois da fixação da factualidade.

 

11. Saneamento

O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º., nº 2, e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, nº 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de vícios que o invalidem.

Pelo que se passa à apreciação das questões objecto de litígio.

 

II. FUNDAMENTAÇÃO

 

12. Factos provados  

a)      A Requerente, A… SGPS, SA, é uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS) que iniciou a sua actividade em 1986 e que tem como actividade efectiva a gestão de participações sociais noutras sociedades.

b)      A Requerente foi, relativamente aos exercícios de 2010, 2011 e 2012, objecto de uma acção de inspecção interna iniciada em 14 de Outubro de 2013 que passou, em 22 de Julho de 2014, a acção inspectiva externa geral, pela Ordem de Serviço n.º OI2013…/…/… (RIT II. 1).

c)      Na declaração modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2012 a Requerente declarou um resultado fiscal positivo de € 262.432,07 mas não fez qualquer registo nos campos 703 e 737 do quadro 07 de acréscimo relativo a variações patrimoniais ou perdas (RIT, quadro 7).

d)     Em resultado da análise aos rendimentos declarados, a Divisão de Inspecção entendeu efectuar correcções de natureza aritmética à matéria colectável dos exercícios entre 2010 e 2012, sendo a correspondente a este último exercício no montante de € 19.637,86 (RIT III, 2.1.).

e)      As correcções aritméticas consistiram em alterações em sede de “variações patrimoniais positivas (regime transitório)”, perdas por “redução de justo valor” e “perdas por alienação de partes valorizadas ao justo valor” e ainda “partes de capital valorizadas ao justo valor (carteira discricionária)” (RIT, III.1.1., III, 1.2. 3. III, 1.3.3., e III.1.4.).

f)       Quanto às “variações patrimoniais positivas (regime transitório)”, previstas no art. 5º, nº 1, do DL 159/2009 [1](transição do POC para o SNC) a AT entendeu que a Requerente deveria ter apurado em 2010 e contabilizado na respectiva modelo 22, em resultados transitados, um ganho de justo valor no montante de € 17.790,35, concorrendo em 1/5 - € 3.558,07 - no ano da entrada em vigor do SNC e nos quatro anos seguintes[2]. (RIT, III.1.1.).

g)      Quanto às perdas por “redução de justo valor”, foi considerado que tendo a Requerente registado em 2012 [3], na conta 661 – Perdas por redução em justo valor, uma redução referente a acções no valor de € 5.705,91, deveria ser efectuada correcção na declaração modelo 22 do IRC relativa ao mesmo exercício de 2012, fazendo acrescer no campo 737 do quadro 07, o valor de € 2.852,96 (50% x € 5.705,91). (RIT, III.1.2.3.).

h)      Quanto a “perdas por alienação de partes valorizadas ao justo valor”, a IT considerou que tendo a Requerente registado na contabilidade perdas na “conta 6862 – gastos e perdas alienação de investimentos financeiros” no montante de € 2.013,96, deveria ter acrescido no campo 737, do quadro 07 da declaração modelo 22 de IRC, o montante de € 1.006,97 (50% x € 2.013,96). (RIT, III1.3.3.).

i)        Quanto a perdas em carteira discricionária, relativamente às quais a Requerente contabilizara € 9.453,83 na conta 6886-Perdas em instrumentos financeiros, a IT considerou pela análise dos extractos bancários mensais que a Requerente tinha tido perdas por redução do justo valor no montante de € 22.725,61+ € 1.714,10, havendo, em consonância, que acrescer 50% daquele valor, no montante de € 12.219,86, no campo 737, do quadro 07 da declaração modelo 22, do exercício de 2012. (RIT, III.1.4.3 e anexos 8 a 10).

j)        Em resultado da correcção à matéria colectável do exercício de 2012, num total de € 19.637,86, resultou a matéria corrigida de € 228.304,35 e a liquidação número 2014…, datada de 22 de Outubro de 2014, com compensação em 05/11/2014, num valor total de € 26.342,14, para pagamento até 2 de Janeiro de 2015 (Doc. nº 3 junto com o Pedido).

k)      Em 4 de Março de 2015, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa contra o referido acto de liquidação (Doc. nº 2 junto com o Pedido).

l)        O projecto de indeferimento da Reclamação Graciosa (informação de 2 de Setembro de 2015, despachado superiormente em 19 de Outubro de 2015), foi notificado para exercício de audição prévia e, na ausência de resposta, transformado em decisão final, comunicada através do Ofício n.º … de 20.11.2015 (Doc.1 junto com o Pedido).

m)    O presente Pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 17 de Fevereiro de 2016.

 

13. Factos não provados

A matéria dada como provada revela-se suficiente para apreciação da questão de direito, inexistindo factos não provados relevantes para a solução do presente litígio.

 

14. Fundamentação da prova

A fixação da factualidade fez-se com base nos factos alegados pelas partes e não contestados, assim como na documentação junta aos autos pela Requerente. Tendo havido demora no envio do processo administrativo acabou por não se revelar indispensável sendo a decisão proferida antes de decorrido o prazo tardiamente requerido e concedido. 

 

15. Aplicação do direito

15.1. Questão prévia – correcções referentes a 2010

Após o esclarecimento/resposta da Requerida não subsistem dúvidas de que o presente tribunal não é solicitado, no presente Pedido de apreciação de legalidade de liquidação respeitante a 2012, a pronunciar-se sobre a correcção aritmética efectuada pela IT relativamente à perda derivada da dissolução da B…, SA, pelo que se considera ultrapassado o referido incidente.

 

15.2. Falta de fundamentação

A Requerente atribui à fundamentação constante do RIT grande insuficiência quanto à factualidade e justificação legal mas crê-se que as razões que originaram as correcções efectuadas pela AT foram bem compreendidas pela Requerente como demonstra terem sido referenciadas e atacadas em pormenor no requerimento de pronúncia arbitral.

 

A verificar-se falta ou insuficiência da fundamentação cabia à Requerente usar a faculdade prevista no artigo 37.º do CPPT solicitando a notificação da fundamentação omitida ou emissão da certidão que a contivesse. Ao não o ter feito, permite retirar a conclusão de que o acto sub judicio contém todos os elementos necessários à sua suficiente compreensão inexistindo o invocado vício de falta de fundamentação.

 

Com efeito, o que resulta dos argumentos invocados no Pedido não é a falta ou insuficiência de fundamentação mas sim a discordância da Requerente com a aplicação de normas jurídicas invocadas nas correcções subjacentes à liquidação.

 

15.3. Legalidade das correcções - tratamento fiscal das alterações de valor das participações financeiras detidas pela Requerente e o lucro tributável

15.3.1. A situação verificada e posições das Partes

A Requerente, detentora como SGPS, de participações financeiras em várias sociedades requer um juízo sobre a legalidade das correcções efectuadas pela Requerida à respectiva matéria colectável nos exercícios de 2010 a 2012 e subsequente liquidação, no caso concreto relativamente a 2012.

 

Trata-se de avaliar em que termos a alteração do valor das participações financeiras deve concorrer para a determinação do lucro tributável da Requerente

Fundamentalmente a Requerente invoca:

- Quanto às “variações patrimoniais positivas 2010 a 2012-regime transitório”, que não há lugar à aplicação do regime previsto no artigo 18º, n.º 9 alínea a) do CIRC, por não se verificarem as condições aí previstas e porque “a tributação do ganho segue as regras do regime geral, o qual se alicerça nos princípios da realização e da especiação dos exercícios”. A favor da sua tese cita o Acórdão proferido pelo STA em 9 de Maio de 2012 no processo n.º 0269/12 e comentários de Tomás Castro Tavares no artigo doutrinário o “Justo valor e tributação das mais-valias de acções de sociedade cotadas”. Acrescenta que, além de tudo, a Requerente mensurou as variações em 31.12.2010, dando a tributar de uma só vez uma parte no ano de 2010, dizendo que daí “(...) se conclui que ao pretender tributar 1/5 dessa variação nos anos de 2010 a 2012 está a duplicar a tributação daquela variação positiva”.

- Quanto às “perdas por redução do justo valor de partes de capital e perdas por alienação de partes de capital valorizadas ao justo valor - artigo 45º, n.º3 CIRC”, a Requerente invoca a solução jurídica dada na decisão arbitral no Processo n.º 108/2013-T do CAAD, que transcreve largamente, concluindo que “As correcções operadas em função das perdas são ilegais, porquanto não é aplicável a norma do artigo 43º, n.º 3 do CIRC nos moldes em que pretende a AT”.

 

Já a Requerida defende que:

- Quanto aos “Ganhos por aumento de justo valor reconhecidos em resultados transitados (variações patrimoniais positivas)”, o legislador considerou, com a aprovação do SNC, estarem criadas as condições para alterar o Código do IRC e legislação complementar, por forma a adaptar as regras de determinação do lucro tributável às NIC, pelo que as regras de determinação do lucro tributável foram adaptadas às normas internacionais de contabilidade tal como adoptadas pela UE, bem como aos normativos contabilísticos nacionais que visam adaptar a contabilidade a essas normas. Acautelando o impacto fiscal decorrente dessa adaptação – para que não fosse onerado um só exercício – o legislador estabeleceu, nos nºs 1 a 5 do artigo 5º do Decreto-Lei nº159/2009, um regime transitório, repartindo por cinco anos, em partes iguais, os efeitos nos capitais próprios da adopção, pela primeira vez, dos novos normativos (no período de tributação da aplicação inicial e nos quatro períodos de tributação seguintes). Tudo em conformidade com o SNC, designadamente com a supra citada NCFR 27 e em especial nos referidos parágrafo 15 e alínea c) do parágrafo 12 e de acordo com a nova redacção do artigo 18º, nº 9, alínea a) do CIRC. A liquidação em apreciação aplicou estes normativos. O Acórdão citado refere-se a situação diferente da dos autos e a citada tese de Tomás Tavares contraria a previsão da lei.

- Quanto às “perdas por redução do justo valor de partes de capital e perdas por alienação de partes de capital valorizadas ao justo valor” é aplicável o nº 3 do artigo 45º (remete em grande parte para os fundamentos da decisão arbitral nº 25/2015-T).

 

Analisando os elementos constantes do RIT, verifica-se que a Requerente registou na sua contabilidade, no exercício de 2012, a exemplo do que fizera em 2010 e 2011: na conta 661, perdas por redução de justo valor, na conta 6862, gastos e perdas alienação de investimentos financeiros e na conta 6886, perdas em instrumentos financeiros.

 

Acontece que foi por verificarem que existiu esse registo de perdas por justo valor na contabilidade que os serviços de inspecção da Requerida efectuaram correcções (que vieram a reflectir-se no campo 737 do quadro 07 da declaração modelo 22) tendo em conta valores apurados quanto àquelas contas, 661 - Perdas por redução em justo valor, 6862- gastos e perdas alienação de investimentos financeiros e 6886-Perdas em instrumentos financeiros (e constantes de extractos bancários), respectivamente de € 5.705,91, € 2.013,96 e € 24.439,71.  

 

Foi em consonância com o registo contabilístico pelo justo valor através de resultados, efectuado pela Requerente a partir de 2010, que a Inspecção Tributária procedeu à correcção da matéria colectável, de acordo com o regime transitório previsto no art. 5º, nº 1 do DL 159/2009 (transição do POC para o SNC), registando “variações patrimoniais positivas” no montante de € 17.790,35, e registando 1/5 dessa importância (ou seja, € 3.558,07) na modelo 22, no ano da entrada em vigor do SNC e nos quatro anos seguintes, portanto também em 2012.

 

Na realidade, a Requerida não discorda propriamente do montante de € 17.790,35 apurado nas correcções da IT quanto aos ganhos por aumento de justo valor reconhecidos em resultados transitados (apenas refere uma duplicação com valores registados em 2009 mas não explica em que consiste tal duplicação nem a fundamenta) mas da interpretação legal subjacente às correcções efectuadas.

 

Discorda é da aplicação do regime previsto no artigo 18º, n.º 9 alínea a) do CIRC às “variações patrimoniais positivas”, invocando a aplicação do regime geral de tributação do ganho segundo os princípios da realização e da especiação dos exercícios e comentários de Tomás Castro Tavares feitos no sentido de que quem detém uma participação minoritária (inferior a 5% do capital) numa sociedade cotada mas com um perfil de investimento e permanência (relevado pelo valor total do investimento) não a deve inscrever numa conta de “justo valor através de resultados” do activo corrente da organização mas numa rubrica de activo não corrente, sem que a mensuração subsequente siga o modelo do justo valor através de resultados e aplicando-se o método do custo, ou melhor dito do justo valor inscrito nos capitais próprios.

 

Mas a fundamentação invocada pela Requerente não colhe. A invocação feita da aplicação do regime geral de tributação e dos princípios da realização e especialização desconhece todas as alterações ocorridas com a revogação do POC, e a vigência a partir de 1 de Janeiro de 2010 do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), a nova redacção do CIRC e o regime transitório previsto no Decreto-Lei nº159/2009, de 13 de Julho. O Acórdão citado, proferido pelo STA, em 9 de Maio de 2012, no proc. 0269/12, para além de outras diferenças, respeita a uma liquidação de IRC referente a 2006…

 

Por outro lado, a aplicação ao caso da posição defendida por Tomás Tavares pressuporia que a Requerente tivesse optado por não efectuar registos na contabilidade de acordo com o justo valor através de resultados.

 

Mas não foi isso que aconteceu, já que a Requerente aos efectuar os registos contabilísticos que reconheciam o justo valor de participações financeiras e outros instrumentos financeiros, teria que proceder na declaração modelo 22 de IRC aos registos fiscais correspondentes.

 

E sendo assim não restam dúvidas de que se lhe aplicará o regime transitório previsto no artigo 5º do Decreto-Lei nº nº159/2009, de 13 de Julho, em conjugação com a alínea a) do nº 9 do artigo 18º do CIRC, improcedendo o seu Pedido nesta matéria.

 

Quanto a “perdas por redução do justo valor de partes de capital valorizadas ao justo valor e perdas por alienação de partes de capital valorizadas ao justo valor, trata-se de saber se a Requerente estava, atenta a opção por si feita de contabilização pelo justo valor, obrigada a aplicar a alínea a) do nº 9 do artigo 18º do CIRC em articulação com as demais normas do CIRC, designadamente o n.º3 do artigo 45º do CIRC.

 

Sobre esta questão as partes opõem-se sobre o tratamento a dar às perdas contabilísticas verificadas em 2012 decorrentes da depreciação da cotação das referidas acções contabilizadas de acordo com o critério aplicável do justo valor e reconhecidas em resultado, por sustentarem interpretação totalmente divergente sobre a aplicação da alínea a) do nº 9 do artigo 18º do CIRC conjugadamente com a previsão do n.º3 do artigo 45º do CIRC.

 

Ou seja, está em causa decidir se as referidas perdas deverão ser atendidas na totalidade, ou apenas em 50%, por aplicação do artigo 45.º, nº 3, do CIRC que, à data dispunha: “A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.”

 

A Requerente invoca a decisão arbitral proferida no processo n.º 108/2013-T, numa situação idêntica à dos autos, no sentido de que as correcções operadas em função das perdas são ilegais por não haver lugar à aplicação do disposto no artigo 43º, n.º 3 do CIRC nos moldes em que pretende a AT. A AT defende que o nº 3 do artigo 45º do CIRC se aplica ao caso dos autos na medida em que prevê especificamente que “outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio (...), concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor”.

 

15.3.2. A previsão do nº 3 do artigo 43º do CIRC – razões e evolução

A disposição correspondente à norma em causa nos autos, relativamente ao exercício de 2012, foi introduzida pela Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro (OE para 2003) no Código do IRC, como nº 3 do artigo 42º, que passou então a prever: “A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remissão e amortização com redução de capital, concorre para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.”.

 

De acordo com o Relatório do Ministério das Finanças para o Orçamento de Estado de 2003 (p. 33), a intervenção legislativa na área em causa (IRC) guiou-se por “duas prioridades, a saber, o combate à fraude e evasão fiscais e o alargamento da base tributável.”, enquadrando-se a alteração que aqui interessa no âmbito do “Alargamento da base tributável e medidas de moralização e neutralidade” (p. 51).

 

A norma, cujo alcance levantara entretanto algumas dúvidas, veio a ser alterada pela 60-A/2005, de 30 de Dezembro, passando a dizer: “A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor” (sublinhado nosso). A alteração foi justificada pelo Ministério das Finanças como enquadrada no âmbito do “combate à evasão e fraude fiscais e outras medidas direccionadas à consolidação orçamental” (relatório p. 31).

 

Após as alterações e renumeração introduzidas pelo Decreto-Lei nº 159/2009, de 13 de Julho, que efectuou a adaptação do Código do IRC ao novo Sistema de Normalização Contabilística, aprovado pelo Decreto-Lei nº 158/2009, da mesma data, o nº 2 do artigo 43º passou a corresponder ao nº 3 do artigo 45º do CIRC, mantendo a mesma redacção.

 

O artigo 45º do CIRC foi revogado pelo art. 13º da Lei nº 2/2014, de 16 de Janeiro, que aprovou a Reforma da tributação das sociedades preparada no ano anterior.

 

15.4. O tratamento fiscal das mais-valias em IRC

Segundo o Código do IRC “O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código” (art. 17º, nº 1).

 

Quanto ao tratamento de mais e menos-valias e de variações patrimoniais, vejamos a situação antes e depois da adaptação das normas do CIRC ao novo SNC.

O artigo 20º do CIRC apenas considerava proveitos ou ganhos as mais-valias realizadas (alínea f) do nº 1) assim como custos e perdas as menos-valias realizadas.

Quanto às variações patrimoniais positivas, o art. 21º, nº 1, dispunha:

“Concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais positivas não reflectidas no resultado líquido do período de tributação, excepto: (...)

b) As mais-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade, incluindo as reservas de reavaliação ao abrigo de legislação de carácter fiscal” (…)

 

E, quanto às variações patrimoniais negativas, o artigo 24.º, nº 1, dizia: “Nas mesmas condições referidas para os gastos, concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do período de tributação, excepto: (...) b) As menos-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade;”.

 

E o artigo 18º, referente à periodização do lucro tributável, explicitava no seu nº 9, que “Os proveitos ou ganhos ou custos ou perdas, assim como quaisquer outras variações patrimoniais, relevados na contabilidade em consequência da utilização do método da equivalência patrimonial não concorrem para a determinação do lucro tributável, devendo ser considerados como proveitos ou ganhos para efeitos fiscais os lucros atribuídos no exercício em que se verifica o direito aos mesmos”.

 

A adaptação do CIRC às normas internacionais de contabilidade adoptadas pela UE e ao Sistema de Normalização Contabilística (SNC), introduziu diversas alterações, tais como:

O n.º 9 do artigo 18.º do mesmo Código passa[4] a dispor que:

“Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados, excepto quando:

a) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, tratando-se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social; ou

b) Tal se encontre expressamente previsto neste Código.”.

 

O artigo 20.º, nº 1, dispõe: “Consideram-se rendimentos os resultantes de operações de qualquer natureza, em consequência de uma acção normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, nomeadamente: (...)

f) Rendimentos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros; (...)

h) Mais-valias realizadas;”.

 

E, segundo o artigo 23.º, nº 1: “Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente: (...)

i) Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros; (...)

l) Menos-valias realizadas;”.

 

E o artigo 46.º/1 do mesmo Código, diz que:

“Consideram-se mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere e, bem assim, os decorrentes de sinistros ou os resultantes da afectação permanente a fins alheios à actividade exercida, respeitantes a: (...)

b) Instrumentos financeiros, com excepção dos reconhecidos pelo justo valor nos termos das alíneas a) e b) do n.º 9 do artigo 18.º”

 

A questão é, pois, como se articulam estas normas com o nº 3 do artigo 45.º do CIRC, que a Requerente considera não aplicável ao seu caso.

 

15.5. As teses em confronto

A Requerente cita a favor da sua posição, o Acórdão proferido no âmbito do CAAD, em 25/11/2013, no processo nº 108/2013-T e a Requerida invoca a decisão por nós proferida em 24/09/2015, no processo 25/2015. 

 

A decisão proferida no processo nº 108/2013-T considerou que, com as reformas introduzidas com o Decreto-Lei nº 159/2009, cessam quaisquer necessidades relativas ao combate da fraude e evasão fiscais, não só porquanto a relevância tributária das variações patrimoniais deixa de estar condicionada por um acto de vontade do sujeito passivo, mas também porquanto a valorimetria é objectivamente fixada, carecendo igualmente de sentido qualquer medida de condicionamento da vontade do sujeito passivo, no sentido de favorecer comportamentos economicamente mais “desejáveis” e, como tal, conformes aos interesses do alargamento da base tributável e consolidação orçamental. E, encarando o facto de, apesar de todas as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, se manter em vigor o anterior artigo 42.º, 3, do CIRC, renumerado para artigo 45.º, nº 3, mas com a redacção inalterada, o acórdão veio a considerar que a norma não se aplica às depreciações relativas a instrumentos financeiros, que concorram para a formação do lucro tributável, nos termos do artigo 18.º/9/a) do CIRC.

 

E, distinguindo no artigo 45º, nº 3, três tipos de situações, a) “A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital”; b) “outras perdas (...) relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio”; c) “outras (...) variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio”, considerou que a primeira não é aplicável a casos em que não há transmissão onerosa e as outras duas utilizam conceitos - perdas” e “outras variações patrimoniais negativas” (que têm que ser reportados à anterior redacção dos artigos 23º e 24º do CIRC, cuja terminologia permite distinguir custos, perdas e variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício), não tendo a expressão “outras perdas ou variações patrimoniais negativas” utilizada no actual artigo 45.º/3 do CIRC um sentido indiscriminadamente abrangente, mas antes um sentido preciso, definido naqueles artigos 23.º e 24.º, que decorre desde logo do facto de o legislador ter empregado a mesma distinção.

 

Assim, as “perdas” são apenas os factos qualificáveis como tal à luz do CIRC, não incluindo os qualificáveis como “gastos” à luz do mesmo código, ainda que referentes a partes de capital ou outras componentes de capital próprio, e por “variações patrimoniais negativas” se deverá entender apenas as não reflectidas no resultado líquido do exercício (tal como definidas no artigo 24.º). Abrangendo apenas as perdas previstas no artigo 23º (alínea i) do nº 1), sucede que esta norma não se refere às importâncias previstas no nº 3 do art. 45º como perdas mas como gastos, pelo que não deverão ser inscritos como perdas na declaração modelo 22 de IRC.

 

E, considera-se na decisão em causa, esta interpretação seria confirmada pela ausência de alteração da redacção do artigo 45º, nº 3, porque se o legislador tivesse pretendido abranger as situações elencadas no artigo 18.º/9/a) do CIRC, teria aquando da entrada em vigor do Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Dezembro, incluído os “Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros”, não no artigo 23.º, mas no artigo 24.º do CIRC ou referido tais situações como “perdas resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros” e não como “gastos”.

 

E concluiu-se que:

- O Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, introduziu no que respeita à parte abrangida pela aceitação da aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, um regime especial de relevância para o cômputo do lucro tributável, justificado pela sua objectividade própria e pela intenção de aproximação da contabilidade à fiscalidade.

- A redacção dos artigos 20.º/1/f) e h), 23.º/1/i) e l), e, em especial 46.º/1/b), evidenciam a intenção do legislador afastar os ajustamentos decorrentes da aplicação do critério do justo valor em instrumentos financeiros, nos termos reconhecidos pelo CIRC, do regime das mais e menos-valias.

- O regime resultante da conjugação dos artigos 45.º/3 e 46.º do CIRS, apenas faz sentido na perspectiva da atendibilidade das variações patrimoniais em causa sob o prisma do referido princípio da realização.

- No regime para o qual foi pensada e instituída a norma do artigo 45.º/3, a realização de menos-valias, e demais situações elencadas estava dependente de uma actuação voluntária correspondente à realização das mesmas, justificando-se mecanismos de desincentivo a uma actuação susceptível de ser considerada como desvaliosa, no caso a realização de menos-valias ou outras variações patrimoniais negativas, dispondo que tais situações apenas relevarão em 50% do montante contabilizado, com o que se evitava a inflação destas situações

- Nas situações abrangidas pelo artigo 18.º/9/a), trata-se de ajustes decorrentes da contabilização do justo valor, determinado por critérios objectivos (com “um preço formado num mercado regulamentado”), não havendo qualquer dúvida ou intervenção da vontade do sujeito passivo na verificação do ajustamento patrimonial negativo ou positivo, ou seja, estes ocorrerão ou não, independentemente da actuação e da vontade do sujeito passivo, não devendo penalizar-se, nestes casos, o sujeito passivo com uma desconsideração de 50% do gasto incorrido, que seria de todo injustificado, quer de um ponto de vista económico quer de um ponto de vista jurídico.

 

Na decisão arbitral proferida no processo nº 25/2015-T, tendo em conta a complexidade da mensuração em contabilidade e relação entre contabilidade e ordenamento fiscal e as críticas imputáveis ao justo valor, assim como as finalidades distintas da contabilidade e do direito fiscal, Importa, o tipo de investimentos que o legislador terá visado abarcar no nº 9 do art. 18º do CIRC, veio a considerar-se não cabalmente demonstrado que o legislador tenha pretendido pôr fim ao tratamento desigual das variações positivas e negativas, previsto no nº 3 do artigo 45.º do CIRC.

 

Acentuou-se, desde logo, o facto de ter sido mantida a redacção do preceito, sem qualquer reserva, quando muitas outras normas sofreram alterações, incluindo o aditamento da alínea b) do nº 1 do artigo 45º do Código do IRC. Por outro lado, desvalorizou-se a argumentação que justificava o nº 3 do artigo 45º do CIRC pelo facto de no caso de as mais-valias serem apuradas no momento da realização ficarem dependentes da actuação voluntária do SP, o que não aconteceria após adaptação ao SNC quanto aos gastos apurados por aplicação do nº 9 do artigo 18º do CIRC porque o valor dos instrumentos financeiros é objectivamente determinado sem a intervenção daquele na formação do preço. O tribunal realçou o facto de a certeza e objectividade do valor encontrado no mercado, ainda que regulado, não ser imune a manipulações, de o limite de 5% na detenção de participações previsto para consideração do justo valor permitir aplicação do preceito a avultados investimentos, com consequências imprevisíveis para as receitas fiscais, nomeadamente em período de crise financeira e bolsista e, ainda, de se manterem situações, mesmo tendo em conta valores considerados objectivamente determinados no mercado, em que se aplica a solução de tratamento desigual dos resultados negativos e positivos previstos no art. 45º, nº 3, como seja o das situações de alienação em mercado regulamentado, em que as perdas se reflectem no lucro tributável apenas no momento da realização, como nos casos de participação superior a 5% ou da opção pela não aplicação da NCRF 27.

 

A decisão salientou, em especial, o facto de a argumentação baseada na dicotomia “gastos” e “perdas”, assentar numa injustificada sobrevalorização da distinção desses conceitos já que é possível identificar diversas imprecisões terminológicas[5] no processo de adaptação aos novos conceitos do SNC. Refere-se, como exemplo, a citação feita por Ana Maria Rodrigues, das epígrafes dos artigos 20º e 23º do CIRC, a primeira (“rendimentos e ganhos”) que deveria ser apenas intitulada “rendimentos”, conceito que envolve réditos e ganhos e, quanto à segunda (“gastos e perdas”) observa que “gastos” é um conceito que, em contabilidade, já inclui as perdas[6].  

Realça-se ainda que, quanto à mensuração do valor de instrumentos financeiros, o legislador, na Reforma do IRC em vigor a partir da Lei nº 2/2014, substituiu o conceito “gastos”, utilizado anteriormente na alínea i) do nº 2 do artigo 23º pelo de “perdas” (cf. alínea j) do nº 2 do art. 23º) [7].  

 

A decisão em causa (proc. 25/2015-T) identifica ainda posições na doutrina quanto à aplicação do artigo 45º, nº 3, depois da adaptação ao SNC pelos Decretos-Leis nºs 158/2009 e 159/2009, de 13 de Julho, que, ainda que críticas sobre a opção tomada, concluem então que todas as perdas referentes a partes de capital, onde se incluem os activos financeiros ora em análise, apenas relevarão para efeitos fiscal em metade do seu valor [8].

E faz notar que não é detectável a existência, à época, de apreciável controvérsia sobre a orientação preconizada pela AT, expressa na Informação vinculativa no processo nº 39/2011, proferida em pedido apresentado por uma sociedade, e decidido por Despacho do Director-Geral de 24/2/2011, no sentido de que: «Sendo as reduções de justo valor destas partes de capital qualificadas como perdas deverão ser consideradas, nos termos do referido artigo 45º, nº 3, do CIRC, em 50% do seu valor». Aliás, nota, só a existência de uma situação pacífica face a esta interpretação justifica a posição da consultora Ernst & Young, SA aquando da discussão pública da revisão do regime de IRC que conduziu à aprovação da Lei nº 2/2014, onde não só não transparece a existência de controvérsia anterior sobre a aceitação da interpretação da Informação Vinculativa divulgada pela AT e citada supra como é proposta a “eliminação da restrição à dedutibilidade fiscal das perdas e menos-valias associadas a partes de capital em determinadas condições”, invocando o princípio da simetria. [9]

 

16. Posição face à controvérsia existente 

Recordados os termos da controvérsia sobre a aplicação do nº 3 do artigo 45º (antes artigo 42º) do CIRC, vigente à data dos factos em análise no presente processo, continuamos a adoptar a posição assumida na decisão do processo 25/2015-T[10], concluindo como aí:

-          Poderá, de um ponto de vista de equidade ou de justeza de política fiscal, questionar-se se o legislador não deveria já a partir da redacção do CIRC vigente a partir de 2010 ter revogado os limites à dedutibilidade das perdas ou variações patrimoniais associadas a partes de capital, mas, independentemente da resposta a essa questão (que não se considera evidente até porque haveria que atender à situação de crise financeira e medidas orçamentais restritivas já então existentes), cabe a este tribunal julgar segundo o “direito constituído” ao tempo da situação em apreciação neste processo;

-          Face ao disposto em diversas normas do CIRC em vigor no exercício de 2012, o tribunal não considera convincentes os argumentos expendidos no sentido da não aplicação do nº 3 do artigo 45º do mesmo Código aos casos de perdas resultantes dos ajustamentos decorrentes de variações do justo valor de partes de capital;

-          Nem parece que, nesse período, tenham surgido dúvidas na doutrina sobre a continuação de aplicação do referido nº 3 do art. 45º do CIRC a todos os casos de perdas ou variações patrimoniais negativas, verificando-se precisamente opiniões no sentido dessa interpretação, ainda que manifestando dúvidas e/ou críticas sobre os objectivos da política prosseguida;

-          As razões invocadas em diversas decisões em sentido contrário (na esteira designadamente do acórdão arbitral proferido no processo 108/2013-T, no âmbito do CAAD), não nos parecem suficientemente convincentes porque cremos que alguns dos seus pressupostos continuam a suscitar legítimas dúvidas;

-          Este tribunal não considera confirmada a existência de uma opção do legislador no sentido de conceder tratamento diverso aos casos de perdas em instrumentos de capital próprio com valor encontrado em mercado regulamentado, quer pelas incertezas que se mantém relativamente à forma como esse valor reflecte a realidade económica, quer pela incerteza quanto à repercussão de tal solução nas receitas fiscais, podendo colocar-se a hipótese se, apesar da consagração da possibilidade de reconhecimento fiscal da contabilização pelo justo valor, o legislador não terá pretendido, devido aos perigos de incerteza nos mercados regulamentados, não desincentivar opção por contabilização aos custos históricos;

-          Suscita também dúvidas a argumentação baseada numa sobrevalorização da dicotomia dos termos “gastos” e “perdas”, atendendo à frequente imprecisão terminológica, de que é exemplo, precisamente, a oscilação na utilização dos referidos conceitos de perdas e gastos;

-          Tendo em conta que, por força da conjugação da alínea a) do nº 9 do art. 18º com o disposto na alínea f) do n.º 1 do art.º 20.º e na alínea i) do n.º 1 do art.º 23.º, do CIRC, os ganhos e perdas decorrentes das  aplicação do critério do justo valor por resultados concorrem para o lucro tributável de cada exercício, a coexistência destes normativos com a redacção do n.º 3 do art.º 45.º, leva a concluir que, ao introduzi-los no Código do IRC, se o legislador tivesse pretendido dar um tratamento diferente às perdas resultantes da aplicação do justo valor não poderia deixar de ter alterado a redacção da norma em conformidade, evidenciando a sua intenção, como aliás também não o fez ao tempo da criação de idênticos regimes para as empresas do sector bancário e do sector segurador;

-          É que a inaplicabilidade do nº 3 do artigo 45º do Código do IRC defendida pela Requerente redundaria num tratamento mais desfavorável concedido às situações em que, na valorimetria das participações sociais, se aplicasse o método do custo ou, em caso de opção pela IAS39 (cf. §55, b)) os ganhos ou perdas resultantes de alterações no justo valor sejam reconhecidos directamente no capital próprio, pois que as perdas verificadas na sua alienação apenas seriam deduzidas em metade, ao passo que as perdas registadas nas participações sociais mensuradas ao justo valor, só pelo facto de o seu reconhecimento contabilístico ter sido feito de forma parcelar, em função das variações verificadas em cada ano no justo valor, e não apenas num único exercício, não sofreriam qualquer limitação, sendo totalmente deduzidas para efeitos de apuramento no lucro tributável;

-          Parece bem mais curial que o legislador tenha pretendido manter um tratamento uniforme das perdas ou variações patrimoniais associadas às partes de capital, independentemente do nível de participação que aquelas partes representassem no capital e do critério de mensuração adoptado, já que, como referido, permaneciam casos em que à perda de valor, apesar de verificada em instrumentos de capital próprio com preço formado em mercado regulamentado (como sejam as situações em que o sujeito passivo detém mais de 5% do capital ou em que detém menos de 5% mas opta pela contabilização dos ajustamentos resultantes das alterações no justo valor em contas de capital próprio), se continuava a aplicar a limitação em 50% de dedutibilidade das perdas.

-          Ou seja, entende-se que o legislador terá dado prevalência ao princípio da neutralidade no tratamento fiscal das perdas ou variações patrimoniais associadas a partes de capital, independentemente do método de mensuração, salvaguardando, em simultâneo, a imprevisibilidade de eventuais efeitos negativos nas receitas fiscais, decorrente das flutuações das cotações do mercado.

 

Por estas razões, considera-se que a interpretação da AT não se encontra infirmada nos autos, e que antes das alterações introduzidas pela Lei nº 2/2014, de 16 de Janeiro, o nº 3 do art. 45.º do CIRC era aplicável aos ajustamentos decorrentes da mensuração ao justo valor dos instrumentos financeiros com os requisitos definidos na alínea a) do nº 9 do art. 18.º, devendo o contribuinte considerar que a perda reflectida em resultados contabilidade apenas poderia ser deduzida para efeitos fiscais em metade do seu valor.

 

  17. Quanto à invocada inconstitucionalidade

A Requerente considera que a interpretação da AT viola os princípios constitucionalmente consagrados da legalidade, da capacidade contributiva e da tributação do rendimento pelo lucro real (artigos 103º n.ºs 2 104.º, nº 2, e 3 da Constituição). Invoca que a tributação do rendimento real assenta, por regra que não permite desvios arbitrários, em proveitos ou ganhos e gastos ou perdas reais, diz não vislumbrar razão para excluir como perda fiscalmente relevante a relacionada com a diminuição de valor de participações sociais no cálculo da base tributável sobre que incide o IRC.

 

A Requerida nega qualquer violação dos princípios constitucionais, lembrando que há que atender aos diferentes aspectos do princípio da igualdade e não esquecer que no regime legal à data dos factos (artigo 45.º, nº 3, do CIRC), o propósito do legislador foi alargar o âmbito dessa norma a realidades, para além da transmissão onerosa de partes sociais, susceptíveis de levar ao aproveitamento, por parte dos sujeitos passivos, de expedientes capazes de potenciar alguma espécie de “planeamento fiscal.

 

Em relação a esta questão da inconstitucionalidade, o presente tribunal entende que há que ter em conta os objectivos pretendidos pelo legislador, desde a introdução, em 2003, do nº 3 do artigo 45º (nessa altura, do artigo 42º) e que se manteve até à reforma da tributação das sociedades aprovada pela Lei nº 14/2014 Lei nº 2/2014, de 16 de Janeiro (acima ponto 15.3.2.).

 

Ora, a opção legislativa consagrada naquele nº 3, e reforçada em 2005, apesar de eventualmente polémica e juridicamente susceptível de desencadear dúvidas, manteve-se em vigor durante mais de uma década e foi aplicada pela generalidade dos contribuintes a ela sujeitos, tendo sido mesmo objecto de apreciação pelo Tribunal Constitucional que não a considerou inconstitucional (Acórdão nº 85/2010, de 3 de Março de 2010), tendo concluído, designadamente, quanto à questão da tributação do rendimento real, que (…) a opção legislativa consagrada genericamente no referido nº 3 do artigo 45º,  não era violadora do artigo 104º, n.º 3, da CRP, referindo que “não viola o preceito constitucional um regime fiscal que se traduza numa menor ponderação, para efeitos tributários, de determinadas menos valias contabilizadas pelas empresas”.

 

18. Concluindo

Com a fundamentação que fica exposta não se considera procedente a argumentação da Requerente no sentido da ilegalidade da liquidação de IRC referente a 2012 e considera-se que a decisão de indeferimento da Reclamação graciosa que, de forma sintética, procedeu à defesa da legalidade das correcções aritméticas efectuadas pela IT e da aplicação ao caso das normas do CIRC acima referidas, também não padece de ilegalidade.

 

Assim, conclui-se pela improcedência do Pedido no que respeita à declaração de ilegalidade quer do acto tributário de liquidação quer da decisão de indeferimento da reclamação graciosa interposta daquele, mantendo-se o acto de liquidação de IRC referente a 2012 assim como dos respectivos juros compensatórios, devidos nos termos do artigo 35º da LGT.

 

19. Decisão

Com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:

a)      Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, declarando legal o acto de liquidação adicional, com o nº 2014…, relativamente ao exercício fiscal de 2012, respeitante a IRC e juros compensatórios, no montante global de € 26.342,14 (vinte e seis mil trezentos e quarenta e dois euros e catorze cêntimos) assim como o indeferimento da respectiva reclamação graciosa.

b)      Condenar a Requerente em custas.

 

20. Valor do processo

De harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 315.º do CPC, na alínea a) do n.º1 do artigo 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 26.342,14 (vinte e seis mil trezentos e quarenta e dois euros e catorze cêntimos).

 

21.Custas

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 12º e no n.º 4 do artigo 22.º do RJAT e do n.º 4 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 1.530,00, nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Requerente.

Lisboa, 29 de Outubro de 2016.

 

 

 

A Árbitro

 

 

 

(Maria Manuela Roseiro)

 



[1] Existe lapso no quadro (III. 2.1.) do RIT quando se refere o nº 3 do art. 45.

[2]Existe passo confuso foi corrigido da versão final do RIT (ponto IX) onde se diz que € 3.558,07 correspondia a 50% de justo valor se queria dizer que era um quinto da importância a incluir em qualquer dos 3 exercícios (2010 a 2012), ou seja, (€17790,35/5).

[3] Tal como registou na conta 661, € 5.973,10, em 2010 e € 42.930,86, em 2011.

[4] Contudo não se trata de um regime inteiramente inovador - a redacção agora incluída na alínea a) do n.º 9 do art.º 18.º é a mesma utilizada nos dispositivos integrados nos regimes transitórios criados para as entidades bancárias e seguradoras, respectivamente pela Lei n.º 53-A/2006, de 29/12 (alínea a) do n.º 2 do art.º 57.º) e Decreto-Lei n.º 237/2008, de 15/12 (alínea a) do n.º 2 do art.º 2.º). Confrontar “Relatório do grupo de trabalho criado por despacho de 23 de Janeiro de 2006 do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Impacto Fiscal da Adopção das Normas Internacionais de Contabilidade, publicado no Caderno de C.T.F., n.º 200 (2006), pp. 99-100.

[5] Por exemplo, no SNS, as variações negativas do justo valor são registadas na conta 66 - Perdas por redução de justo valor e as variações positivas são registadas na conta 77-Ganhos por aumento de justo valor. Citava-se amplamente o estudo de Ana Maria Rodrigues “Aspectos jurídico-contabilísticos na recente reforma do IRC”, em que a Autora caracteriza a adaptação ao SNC como tarefa difícil até pelas críticas que os próprios conceitos de contabilidade podem suscitar, assim como observa como a linguagem da contabilidade é cada vez mais esotérica, longe dos cânones do ordenamento jurídico geral, marcada pelo apelo à essência económica e por duvidosas traduções do inglês (ibidem, nota 218).

[6] In “Aspectos jurídico-contabilísticos na recente reforma do IRC”, p. 201, nota 219.

[7] Em suma, com a redacção dada pelo DL 159/2009, o art. 23º, com epígrafe “gastos”, dispunha ”Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente, “Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiro” (nº 1, alínea j), o mesmo artigo 23º, com epígrafe “gastos e perdas”, dispõe que “Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”, abrangendo “Perdas por reduções de justo valor em instrumentos financeiros ” (nº 1 e alínea j) do 2 do art. 23º). Ou seja, ter-se-á pretendido corrigir imprecisão terminológica e adoptar a designação das contas 66 e 77 do SNC. Esta alteração parece confirmar a fragilidade de argumentação baseada na anterior distinção conceptual. 

[8] São citados artigos de vários autores e sites de informação fiscal disponíveis na Internet, contemporâneos desta Informação.

[9] Cf. “O novo IRC”, Ernst & Young, Almedina, 2013, p. 50 e ss. E manifesta apoio à proposta final que descreve: «Será igualmente eliminada a discriminação que sofrem actualmente as perdas de justo valor em partes de capital, reconhecidas em resultados, que tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 55 do respectivo capital social (o anteprojecto de Reforma propõe que este limite de participação seja reduzido para 2%). Com as alterações previstas, estas perdas passam a ser consideradas fiscalmente dedutíveis na totalidade (actualmente são apenas aceites para efeitos fiscais em 50%». (cf. pp. 53 e pp 10 e 11).

[10] E sustentada igualmente em voto de vencida no processo nº 30/2015-T.