Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 91/2022-T
Data da decisão: 2022-10-14  IRC  
Valor do pedido: € 155.343,04
Tema: IRC - Art. 32.º EBF e circular n.º 7/2004; Ónus da prova.
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SUMÁRIO: Não se conformando o sujeito passivo com o método preconizado na circular n.º 7/2004, de 30 de março, para determinação dos encargos financeiros, suportados por uma SGPS, imputáveis à aquisição de participações sociais (os quais, de acordo com o que dispunha o art. 32º, nº 2, do EBF não constituíam gastos fiscalmente dedutíveis), cabe-lhe o ónus da prova da concreta aplicação do capital alheio que originou encargos financeiros no exercício em causa, de forma a permitir concluir em que medida não foram utilizados na aquisição de participações sociais, ou seja, em que medida correspondem a gastos fiscalmente dedutíveis.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

A..., SGPS, S.A., NIPC..., com sede na Rua ..., n.º ..., ..., piso ..., ...-..., ..., apresentou, nos termos legais, pedido de constituição de tribunal arbitral, sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

I – RELATÓRIO

 

  1. O pedido

 

A Requerente pede:

  1. a anulação parcial da autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 2011, por, no seu entender, ter acrescido indevidamente o montante de € 743.911,89 no campo 752 da sua declaração Modelo 22;
  2. a consequente anulação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico por si apresentado na sequência do indeferimento de pedido de revisão oficiosa;
  3. ser reconhecido o direito ao reembolso do imposto indevidamente pago, no montante de € 155.343,04;
  4. ser reconhecido o direito ao crédito fiscal associado ao SIFIDE, a deduzir em períodos futuros no montante de € 7.160,78;
  5. a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios e das taxas arbitrais e demais encargos do processo

 

  1. Posições das partes

 

B.1 – A Requerente, em suma, alega:

 

  1. A nulidade da decisão que versou sobre o recurso hierárquico por si interposto por em tal procedimento ter tido intervenção a Sra. Diretora do Serviço do IRC, a qual havia decidido o procedimento de reclamação oficiosa recorrido;
  2. a ilegalidade da circular n.º 7/2004, de 30 de março, por entender que a metodologia dela constante “se limita a presumir a existência de encargos financeiros não dedutíveis, sem a inerente concretização das partes de capital alegadamente adquiridas com recurso a financiamento, e tampouco sem a concretização da alienação geradora de mais-valia não tributada”;
  3. ter seguido apenas por prudência, na autoliquidação de imposto, o constante de tal circular, a qual indica um método indireto de cálculo de encargos financeiros aceites como tendo sido suportados com a aquisição de participações sociais para efeitos do então estatuído pelo n.º 2 do artigo 32.º do EBF;
  4. que a emissão de tal circular corresponde a um “erro imputável aos serviços” para efeitos do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios.
  5. quanto à questão de fundo, que a aplicação do referido método distorceu de forma significativa o seu resultado fiscal.
  6. para o demonstrar, um conjunto de factos, que se analisarão na parte desta decisão arbitral relativa à PROVA, tendentes a demonstrar que, no exercício em causa, os seus passivos remunerados não visaram a aquisição de quaisquer participações sociais, mas sim financiar a atividade das empresas do Grupo que integra, pelo que os respetivos encargos financeiros devem ser aceites, na totalidade, como gasto fiscal.

 

B.2 – A Requerida, na sua resposta, sustenta:

 

  1. a inimpugnabilidade do ato de autoliquidação do exercício de 2011;
  2. a incompetência do tribunal arbitral para apreciar o ato de autoliquidação respeitante ao exercício de 2011, decorrente do caso julgado provocado pela decisão proferida no processo n.º 10/2017-T;
  3. a incompetência do tribunal arbitral para reconhecer «o direito ao reembolso do imposto indevidamente pago pela requerente no montante de € 155.343,04» e o «direito ao crédito fiscal associado ao SIFIDE, a deduzir em períodos futuros, no montante de € 7.160, 78»;
  4. relativamente à questão de fundo, que a Requerente, em suma, não fez prova do que afirma, i. é, que nenhum dos encargos financeiros por ela suportados no exercício em causa está conexionado com a obtenção de fundos visando a aquisição de participações sociais.

 

  1. Tramitação processual

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 21/02/22.

 A Requerente não procedeu à indicação de árbitro, tendo a designação dos árbitros que integram este coletivo competido ao Conselho Deontológico do CAAD, a qual não mereceu oposição. Os árbitros designados aceitaram tempestivamente a nomeação.

O tribunal arbitral ficou constituído em 28/04/2022.

A Requerida apresentou, tempestivamente, a sua resposta e juntou o P.A.

A Requerente, para tal notificada, respondeu às exceções deduzidas pela Requerida na sua resposta.

Teve lugar a audição da testemunha arrolada pela Requerente, como consta da respetiva ata.

Na ocasião, foi prorrogado, por dois meses, o prazo para prolação da decisão arbitral.

As partes apresentaram alegações escritas nas quais, no essencial, mantiveram as posições assumidas nos articulados iniciais, tendo a Requerente junto mais um documento.

 

II - SANEAMENTO

 

. O processo não enferma de nulidades ou irregularidades.

 

II.1 – EXCEÇÕES

Apreciando as exceções invocadas pelas partes:

 

  1. nulidade da decisão que versou sobre o recurso hierárquico

 

Resulta da documentação constante dos autos resulta a prova dos seguintes factos:

  1. o procedimento de revisão de ato tributário n.º ...2016... foi decidido por despacho da Senhora Diretora da DSIRC;
  2. o recurso hierárquico interposto de tal decisão foi decidido Subdiretora-Geral da Área de Gestão Tributária – IR, ..., proferido por subdelegação de competência, concluindo pelo indeferimento pelos fundamentos constantes da informação de suporte à decisão.
  3. a referida informação foi elaborada por funcionário da AT/DSIRC (informação n.º I2021...), não tendo sido alegado que tal funcionário tivesse tido intervenção no procedimento de revisão;
  4.  a intervenção da Diretora do Serviço do IRC consistiu um parecer sobre essa informação, com os seguintes termos: “Concordo afigurando-se de indeferir o recurso, com os fundamentos invocados. À consideração superior”.

 

Apreciando:

 

Embora se possam suscitar dúvidas quanto à legalidade da intervenção da Sra. Diretora dos Serviços do IRC à luz do disposto no art. 69º, n.º 1, al. e) do CPA[1],na medida em que elaborou despacho com parecer favorável à improcedência do recurso hierárquico interposto contra decisão por ela própria proferida, o certo é que este Tribunal Arbitral não tem competência para conhecer desta questão.

 

A competência dos tribunais arbitrais encontra-se prevista no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, bem como da Portaria n.º 112-A/2011, encontrando-se restringida à apreciação de atos de liquidação de tributos (incluindo, como é o caso, a autoliquidação), mesmo quando tal legalidade haja já sido apreciada em procedimentos administrativos anteriores (no caso, em procedimentos de revisão oficiosa e, subsequentemente, de recurso hierárquico).

A competência dos tribunais arbitrais não abrange o conhecimento dos vícios que, eventualmente, inquinem procedimentos administrativos, anteriores às ações arbitrais, que hajam conhecido da liquidação posta em crise no processo arbitral, nomeadamente do recurso hierárquico cuja da decisão constitui o objeto imediato do processo arbitral.

Não pode, pois, este tribunal arbitral conhecer desta questão, por incompetência em razão da matéria.

Porém, como tal recurso hierárquico conheceu da legalidade da autoliquidação ora impugnada, pode o processo prosseguir em ordem à apreciação do mérito de tal decisão.

 

  1. inimpugnabilidade do ato de autoliquidação do exercício de 2011

 

Resulta da documentação constante dos autos a prova dos seguintes factos:

 (i) a liquidação ora impugnada corresponde, no que aqui releva, à autoliquidação efetuada pela Requerente;

(ii) em resultado de procedimento inspetivo, que, no essencial, incidiu sobre a manutenção dos pressupostos de aplicação do RETGS ao grupo de sociedades em que se integrava a ora Requerente, foi feita uma correção desfavorável, em sede de tributação autónoma, no montante de € 2.834,68;

(iii) consequentemente, foi emitida pela AT a liquidação adicional de IRC n.º 2016..., que deu origem à demonstração de acerto de contas n.º 2016 ..., na qual foi apurado o montante a pagar de € 185.503,70 (imposto no montante de € 160.874,48 e juros compensatórios de € 24.629,22) encontrando-se parcialmente pago tal montante.

 

Destes factos extrai a Requerida a conclusão de que a liquidação adicional referida em (iii) operou a revogação do ato de autoliquidação ora impugnado, pelo que a presente ação arbitral carece de objeto.

 

Apreciando:

Em primeiro lugar, há que salientar o caráter eminentemente formal da argumentação que fundamenta a alegação desta exceção: a Requerida não põe em causa que a «nova» liquidação (a liquidação adicional) seja, substancialmente, igual à autoliquidação; que ambas traduzam o apuramento da matéria coletável e do imposto (IRC, propriamente dito) feito pela Requerente e que a única diferença entre as duas liquidações acontece em sede de tributação autónoma – que não releva para o presente processo. Apenas se afirma que, em consequência de tais correções, foi emitido um novo documento de liquidação, a que foi atribuído um novo número.

 

Certo é que, contrariamente ao sustentado pela AT, no plano substancial, uma liquidação adicional não revoga a anterior, apenas se consubstancia num título que fundamenta a exigência do montante que não fora antes declarado/considerado[2] (autoliquidado). 

Um tal entendimento não pode, obviamente, resultar prejudicado pelo facto de ser emitido um novo documento que, substancialmente, incorpora a (auto)liquidação anterior, ao qual foi atribuído nova referência (um novo número).

 

Acresce:

O objeto imediato deste processo é a decisão de indeferimento do recurso hierárquico interposto pela Requerente contra o indeferimento do pedido de revisão oficiosa. Em ambos os procedimentos, o ato em causa (a liquidação cuja legalidade era aí contestada) foi identificado tal qual o foi na presente ação, sem qualquer objeção por parte dos serviços.

Ou seja, esta «exceção», a ser suscitada, devê-lo-ia ter sido em sede de procedimento administrativo, pois a sua eventual procedência determinaria a inimpugnabilidade administrativa do ato de autoliquidação do exercício de 2011.

No contencioso tributário, a legalidade do ato imediatamente impugnado (no caso, da decisão que versou sobre o recurso hierárquico) é apreciada apenas em função da respetiva fundamentação, a qual é omissa quanto a esta questão.

 

Mais, o dever de colaboração, que se mantém também em sede de processo judicial ou arbitral, imporia que, sendo o caso, a Requerida alertasse o tribunal para promover a correção do lapso material eventualmente cometido pela Requerente e não que o erigisse em «exceção» visando impedir o conhecimento do mérito da causa.

Improcede, assim, a alegada «exceção»

 

  1. Incompetência do tribunal arbitral para apreciar o ato de autoliquidação respeitante ao exercício de 2011, decorrente do caso julgado provocado pela decisão proferida no processo n.º 10/2017-T

 

Está em causa o alegado efeito de caso julgado resultante da decisão arbitral 10/2017-T.

Compulsados os autos deste processo, verifica-se que, relativamente à situação ora em apreciação, nele foram apreciadas as seguintes questões: (i)   caducidade do direito à entrega da declaração de substituição: (ii)   violação do princípio da proporcionalidade e do princípio da tributação do rendimento real pelas normas dos nº 8 e 9 do art. 69º do CIRC, as quais determinam as causas de cessação da aplicação do RETGS; (iii) tributação de ajudas de custo.

Facilmente se verifica que não existe qualquer identidade entre os pedidos e as causas de pedir formulados pela Requerente em tal ação arbitral e os formulados no presente processo.

Assim sendo, é manifesto que não estão cumpridos os requisitos necessários para se verificar a exceção do cado julgado, tal como definidos pelo art. 581º do CPC[3]. O caso

julgado decorrente de decisão arbitral que transitou em julgado apenas abrange aquilo que foi decidido pelo tribunal (apenas aquilo em que existe risco de contradição) e não todo o ato administrativo impugnado.

É hoje pacífico que a liquidação é um ato divisível, de onde decorre, entre outras consequências, que uma liquidação pode dar origem a vários processos, em cada um dos quais se pode pedir a apreciação de (apenas) alguma ou algumas das ilegalidades que lhe são assacadas, desde que não haja repetição das causas de pedir ou dos pedidos.

Improcede assim esta exceção.

 

  1.  incompetência do Tribunal para reconhecer o direito ao reembolso de imposto indevidamente pago e o direito a crédito fiscal.

 

A Requerida sustenta que o tribunal arbitral é incompetente para a apreciação destes pedidos. A Requerente sustenta que o contencioso tributário não é mais um contencioso de mera anulação, que os tribunais tributários (incluindo os arbitrais) têm competência para proferir injunções condenatórias, mesmo quando estas se consubstanciem em concretizações da obrigação legal da AT em, procedendo a ação de impugnação, proceder aos atos jurídicos e operações materiais necessárias à reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido praticado o ato ilegal.

 

O nosso entendimento acolhe, de certo modo, as posições de ambas as partes: em princípio, cabe à AT apurar quais os atos que deve praticar de forma a dar plena execução ao julgado; mas, quando o considere necessário, o tribunal pode (tem competência para) especificar atos a serem praticados.

Esta é, pois, uma exceção que, considerados os «termos absolutos» em que é colocada pela Requerida, tem que improceder.

Isto sem prejuízo de, sendo o caso, o tribunal, a final, apreciar em concreto a procedência destes pedidos.

 

Improcedendo as exceções invocadas pelas duas partes, há que conhecer do mérito da causa.

 

III – PROVA

 

III.1 - Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente assume a forma de SGPS, pelo que se encontrava abrangida pelo então previsto no artigo 32.º do EBF[4];
  2. Em 2011, os encargos financeiros remunerados suportados pela Requerente ascenderam a € 989.978,49[5];
  3. No final desse exercício, os passivos remunerados da Requerente, ascendiam a 25.184.537,65, dividindo-se em dois empréstimos:

 

(i) um deles, no montante de € 20.000.000,00, correspondente a Papel Comercial contratado com a Caixa ...[6] e

(ii) outro, no montante de €5.184.537,65, obtido junto da B..., S.A. (“B... ”), subsidiária da Requerente[7];

  1. A evolução de saldos dos aludidos passivos remunerados, nos períodos de tributação compreendidos entre 2007 e 2011 foi a seguinte[8]:

 

Nota : O financiamento da B... apenas passou a ser remunerado em 2009.

  1. O empréstimo bancário obtido junto da Caixa ..., corresponde a um mútuo contraído em Junho de 2007, no montante inicial de € 30.000. 000,00[9]
  2. Este empréstimo foi parcialmente amortizado, em € 10.000.000,00, no período de tributação de 2011[10];
  3. O referido empréstimo foi utilizado pela Requerente, na sua totalidade,  para conceder um financiamento remunerado à Grupo C... , SGPS, S.A. ( “Grupo C... SGPS ” ), sua  única acionista, no  período de tributação  de  2007, no montante de € 31.319.029,44[11];
  4. Em 2008, a Requerente foi reembolsada de parte do empréstimo remunerado concedido à Grupo C... SGPS, o que lhe permitiu reembolsar parte do saldo da B..., no montante de € 1.617.335,00, passando o saldo do financiamento a ascender a €1.485.998.55)[12];
  5. Em 2008, o montante em dívida por parte da Grupo C... SGPS passou de € 31.319.029,00 para € 28.668.035,00, como a dívida da Requerente para com a B... diminuiu de € 3.103.334,0 0 para € 1.485.999,00[13].
  6. Em 2008, não houve obtenção de financiamentos remunerados adicionais que subsistissem em 2011[14].
  7. Em 2009, verificou-se um reforço do passivo remunerado junto da B..., no montante de € 11.405.915,00, o qual  foi  utilizado, na sua totalidade, para comprar os passivos das empresas D..., SGPS, S.A. (“D... SGPS ”), no montante de € 6.310.876,33, e E..., S.A. (“E...”), no montante de € 5.582.518,78, totalizando € 11.893.395,11, no âmbito do projeto de recuperação do Grupo F...[15].
  8. As fontes de financiamento das partes de capital adquiridas ao longo dos períodos de tributação de 2007 a 2011 foi o seguinte[16]:

 

 

  1. Em 2007, a participação adquirida pela Requerente na sociedade G..., Lda., no valor de € 3.300,00, foi financiada através do resultado da alienação de títulos negociáveis, no valor de € 4.0 97,00, que ocorreu nesse mesmo período de tributação[17].
  2. As aquisições de partes de capital registadas com referência ao período de tributação de 2008, no valor global de € 1.483.279,54, e foram financiadas com ( i ) os fundos obtidos junto de empresas do Grupo C..., nomeadamente, os registados na rubrica de “Outros Credores ”, na parte correspondente ao saldo obtido junto da P..., SGPS, S.A., no montante de € 966.223, 00 , e com ( i i ) uma parte do saldo contraído junto da sociedade Q..., S.A., no montante de € 609.952,00[18].
  3. Em 2008, não houve reforço dos financiamentos remunerados[19].
  4. O reforço da participação detida pela Requerente na N..., S.A., registado no período de tributação de 2011, através do aumento de capital no montante de € 1.473.759,00, foi financiado através da liquidação da conta devedora da R... SGPS, no montante de € 856.618,00, e da S..., S.A. (S...), no montante de € 244.589,00, bem como o reforço de financiamento obtido junto da T..., S.A:, montante de € 215.708,00 e ainda tendo o remanescente de € 156.844,00 sido financiado através do resultado das vendas no período[20].
  5. A Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa da autoliquidação que ora impugna, o qual foi objeto de indeferimento expresso.
  6. De tal decisão a Requerente interpôs recurso hierárquico, tendo o mesmo sido indeferido em 29 de julho de 2021.

 

A prova destes factos resulta de documentação junta aos autos, em especial cópias de documentos que integram a contabilidade da Requerente (discriminados em notas de rodapé).

A correspondência à verdade da contabilidade da Requerente, bem com a fidelidade das cópias/transcrições por esta feitas não foi posta em causa pela Requerida.

A prova testemunhal, que se reconduziu a meras generalidades, não contribui para a formação da convicção do tribunal.

 

III.2 - Factos não provados

 

  1. O financiamento contraído junto da B... antes de 2007, no valor de € 926.315,00 e a parte do reforço deste financiamento, contraído em 2007, no montante de € 217.018,55, serviram para financiar o valor remanescente de € 1.319.02 9,44 do empréstimo corrente concedido à Grupo C... SGPS;
  2. A parcela remanescente do financiamento obtido junto da B... em 2007, no montante de € 1.485.998,55 foi amortizada em 2010, sem que tenha servido para a aquisição de quaisquer partes de capital, não tendo gerado qualquer encargo financeiro em 2011;
  3. Os passivos remunerados da Requerente, existentes em 2011, não visaram a aquisição de quaisquer participações sociais, mas sim a concessão, em 2007, de financiamentos remunerados, suscetíveis de gerar receita para a atividade corrente (Grupo C... SGPS) e, em 2009, a prossecução da estratégia de recuperação do Grupo F...;
  4. A aquisição de partes sociais em 2010, no montante global de € 11.871.222,27, foi financiada através de fundos obtidos junto da R..., SGPS, S.A., no montante Total de € 14.822.491,73, o qual foi conduzido em parte, à aquisição daquelas partes sociais, sendo o remanescente afecto à amortização de outras contas a pagar;
  5. Nenhum dos saldos acima referidos corresponde a financiamentos remunerados que tenham sido objeto de remuneração em 2011;
  6. Existem proveitos (juros) associados ao empréstimo contraído junto da Caixa ... .

 

Este tribunal arbitral entende não ter sido feita prova suficiente destes factos, não podendo os mesmos ser considerados como provados por mera inferência lógica dos factos dados como provados.

Assim, nomeadamente:

- A Requerente não apresentou extratos de conta corrente dos encargos financeiros suportados em 2011 nem cópias dos documentos de suporte aos registos contabilísticos desses encargos que permitissem estabelecer a alegada conexão entre os financiamentos obtidos e os encargos financeiros suportados em 2011.

- Não foram apresentados extratos de conta corrente da evolução dos empréstimos onerosos obtidos, tendo a Requerente apenas apresentado um mapa resumo evolutivo;

- Não foram apresentados balancetes analíticos referentes aos períodos de tributação em causa (2007 a 2011) para efeitos de avaliação da evolução das contas de financiamento concedido e obtido e dos fluxos financeiros;

- Não foram apresentados extratos de conta corrente e cópias dos documentos de suporte aos registos contabilísticos referentes às alegadas origens dos fundos necessários para a aquisição das participações sociais ocorridas entre 2007 e 2011.

- Relativamente ao empréstimo contraído junto da Caixa ..., a Requerente, além de não ter comprovado em que data tal financiamento terá sido efetivamente disponibilizado pela instituição financeira e em que termos, também não apresentou extratos de conta corrente do referido financiamento, nem sequer extratos de contas de depósitos à ordem referentes à movimentação do referido financiamento ao longo dos anos. Pela análise do extrato de conta corrente referente ao ano de 2007 que justifica o alegado financiamento concedido à empresa mãe (conta 252111 - Grupo C..., SGPS, S.A), constata-se que, entre 05 de junho de 2007 (considerando por mera hipótese que o financiamento obtido foi totalmente disponibilizado nessa data) e 31 de dezembro de 2007, continuaram, como até então, a ser efetuados imensos movimentos a débito e a crédito na referida conta corrente, que culminaram com um saldo devedor a 31-12-2011 no montante € 31.319.029,44. (cfr. doc.13, p. 7)

- Da análise das notas de débito da B... relativas a juros verifica-se que não existe qualquer menção relativamente ao capital em dívida, qual o período de tempo para efeitos de cálculo dos juros e a taxa de juros aplicada,  o que torna impossível estabelecer qualquer relação entre os financiamentos obtidos e os encargos financeiros debitados.

 

Em resumo, a Requerente devia ter apresentado prova mais detalhada relativamente às operações que realizou, nomeadamente balancetes analíticos referentes aos períodos de tributação em causa (2007 a 2011) para efeitos de avaliação da evolução das contas de financiamento concedido e obtido e dos fluxos financeiros, designadamente através de extratos de conta corrente, bem como documentos de suporte que permitissem fazer a comprovação da aplicação dos fundos na aquisição das partes de capital, de modo a permitir a determinação direta dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais.

 

IV- O DIREITO

 

1- A Requerente começa por arguir a ilegalidade da circular 7/2004, a qual preconiza um método indireto de determinação dos encargos financeiros afetos à aquisição de participações sociais pelas SGPS, método que, por prudência, utilizou na autoliquidação de IRC relativa a 2011, mas que, no seu entender, resultou em significativa distorção do seu lucro tributável. Alega, em suma, que o método preconizado por tal circular se baseia em presunções sem qualquer base factual.

Em nossa opinião, é duvidoso que se possa falar de ilegalidade de orientações genéricas (circulares) na medida em que as mesmas mais não são que uma opinião administrativa sobre a forma como deve ser interpretada/dado cumprimento a uma norma legal.

A grande vantagem das circulares, que torna muito recomendável a sua emissão é a segurança jurídica que proporcionam: independentemente da bondade do nelas preconizado (da sua “legalidade”, se assim se quiser designar), o contribuinte que atue em conformidade tem a garantia legal de que a administração não pode, no futuro, contestar a sua atuação. Porém, tal garantia legal nada tem a ver com a “legalidade” ou “ilegalidade” do conteúdo da orientação genérica, traduz sim o primado do princípio da confiança sobre a legalidade da atuação do contribuinte que fez sua a orientação administrativa.

Assim sendo, o contribuinte é livre de seguir ou não o preconizado pela orientação genérica, com a consciência de que se o não fizer está sujeito a ver a sua atuação questionada pela AT em sede inspetiva. Daí a prudência da Requerente: autoliquidou o imposto em conformidade com o preconizado pela circular e, posteriormente, veio arguir, em pedido de revisão oficiosa, a ilegalidade de tal autoliquidação.

Importa ainda frisar que as decisões administrativas aqui em causa (da revisão oficiosa e do recurso hierárquico) não se fundamentaram na vinculação da Requerente ao preconizado na circular em questão. Tão só concluíram que a utilização de outro método (que poderemos designar por imputação especificada) implicaria um ónus da prova que o contribuinte não teria logrado cumprir.

Em resumo, não sendo uma orientação genérica uma norma jurídica com eficácia externa (que vincule os particulares e não apenas os funcionários que têm dever de obediência para com quem a emitiu), não se pode colocar a questão da sua legalidade, nomeadamente por contradição ou violação de uma norma jurídica hierarquicamente superior, no caso o art. 32º do EBF.

 

2 - Da apreciação da factualidade relevante alegada pela Requerente (nº 22 a 61 do requerimento inicial) resultou, no essencial, que foram dados por provados todos os factos documentados por adequado suporte contabilístico e que não foram dados por provados os factos alegados relativamente aos quais este tribunal arbitral considerou não existir prova documental bastante. Na fundamentação dos “factos não provados” concretizou-se, ainda que de forma necessariamente não esgotante, a falta de prova documental suficiente detetada.

Em resumo, cabia à Requerente produzir prova da concreta aplicação do capital alheio que originou encargos financeiros no exercício em causa, de forma a permitir ao tribunal concluir em que valor tais recursos não tinham sido utilizados na aquisição de participações sociais, em que medida tais encargos financeiros correspondiam a gastos fiscalmente dedutíveis.

O ónus de tal prova incidia, indubitavelmente, sobre a Requerente, desde logo porquanto a AT, da decisão do recurso hierárquico, havia, fundadamente, estabelecido a dúvida sobre a concreta aplicação dos montantes obtidos através de mútuos por ter concluído – tal como este tribunal arbitral veio também a concluir – pela insuficiência da documentação apresentada.

Estamos perante uma situação com contornos específicos: a AT aceitou a autoliquidação feita pela Requerente, aceitou a verdade da sua contabilidade; posteriormente, a Requerente veio questionar ao por si declarado, alegando que o cálculo dos encargos financeiros imputáveis à aquisição de participações sociais (apurado segundo a metodologia preconizada pela AT) não correspondia à verdade[21]. Alegando a não correspondência à realidade do por si declarado, cabia, indubitavelmente, à Requerente o ónus da prova de factos capazes de fundamentar tal conclusão[22], o que, no entender deste tribunal arbitral, não logrou.

E não se diga que se tratava de uma “prova diabólica”, pois é suposto existirem na contabilidade da Requerente documentos suficientes para lograr tal prova. Seria uma prova difícil - reconhece-se – pela quantidade da documental exigível. Mas é também por esta razão que é de considerar aceitável – ainda que sempre por opção do sujeito passivo – o método preconizado pela referida circular, uma vez que, no essencial, visa simplificar as obrigações acessórias a cargo do sujeito passivo.

Termos em que há que concluir pela improcedência do pedido de anulação parcial da liquidação impugnada.

Consequentemente, fica prejudicada a apreciação dos demais pedidos formulados pela Requerente, porque dependentes da procedência do pedido principal.

 

V - DECISÃO ARBITRAL

 

Termos em que se conclui pela total improcedência do peticionado.

 

Valor: € 155.343,04

Custas arbitrais, no valor de 3.672,00 euros, a cargo da Requerente por ter sido total o seu decaimento.

 

Lisboa, 14 de outubro de 2022

 

Os Árbitros

 

 

Rui Duarte Morais (relator)

 

 

José do Vale Marçal

 

 


Amândio Silva

 

 



[1] Artigo 69.º (Casos de impedimento):

 

1 - Salvo o disposto no n.º 2, os titulares de órgãos da Administração Pública e os respetivos agentes, bem como quaisquer outras entidades que, independentemente da sua natureza, se encontrem no exercício de poderes públicos, não podem intervir em procedimento administrativo ou em ato ou contrato de direito público ou privado da Administração Pública, nos seguintes casos:
(…)
f) Quando se trate de recurso de decisão proferida por si, ou com a sua intervenção, ou proferida por qualquer das pessoas referidas na alínea b) ou com intervenção destas.

 

[2]  Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, 1972, pág.127 e ss.

[3] Artigo 581.º (Requisitos da litispendência e do caso julgado):

 

1 - Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.


2 - Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.
3 - Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
4 - Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.

 

[4] Cujo nº 2 dispunha:  As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.

[5] #69 (gastos e perdas de financiamento) do balancete da Requerente a 31/12/2011:

 

[6] Relevado na rubrica #2511100000 – CAIXA..., S.A. do balancete analítico, com referência a 31 de Dezembro de 2011.

[7] Registado na rubrica #2541100000 –B..., LD. O mesmo resulta dos doc. 10 a 12 juntos ao requerimento inicial.

[8] Pela análise dos documentos anexos ao balanço e demonstração de resultados dos anos 2007, doc.13, pp 7 e 8; ano 2008, doc.16. p. 8; ano 2009, doc. 17, pp. 8 e 9; ano 2010, doc. 18, pp.28 e 29; ano 2011, doc. 14, p. 27.

[9] Pág. 8 do Anexo ao Balanço e à Demonstração de Resultados em 31 de Dezembro de 2007, junto ao requerimento inicial como Doc. 13):

[10] Pág. 27 das Notas às Demonstrações Financeiras relativas ao período findo em 31 de Dezembro de 2011, juntas ao Requerimento inicial como Doc. 14.

[11] Pág. 7 do Doc.  13 e cópia de uma súmula de movimentações ocorridas no âmbito do sobredito financiamento, juntos ao requerimento inicial como Doc.  15:

Da análise do extrato de conta corrente referente ao ano de 2007, que justifica o alegado financiamento à empresa mãe (conta 252111-Grupo C... SGPS, SA), constata-se que, entre 5 de junho de 2007 e 31 de dezembro de 2007, continuaram, como até então, a ser efetuados imensos movimentos a débito e a crédito na referida conta corrente, que culminaram com um saldo devedor a 31-12-2011 no montante de € 31.319.029,44.

[12] Pág. 8 do Anexo ao Balanço e à Demonstração de Resultados, em 31 de Dezembro de 2008, junto ao Requerimento inicial como Doc. 16.

[13] Doc. 16 junto ao Requerimento inicial.

[14] Pela análise dos documentos anexos às contas de 2008, p. 8 e 9.

[15] Pág. 8 do Anexo ao Balanço e à Demonstração de Resultados, em 31 de Dezembro de 2009, cuja cópia foi junta ao requerimento inicial como doc. 17.

[16] Pela análise dos documentos anexos aos balanços e demonstração de resultados dos anos 2007, doc.13, p. 5; 2008, doc.16, p. 8; 2010, doc. 18, p. 31; e 2011, doc. 14, p.3, 26 

e 27.

[17] Pág. 5 do doc. 13.

[18] Pág. 8 do doc.16.

[19] Resulta do dado como provado em d).

[20] Págs.3, 26 e 27 do doc. 14 anexo ao balanço e demonstração de resultados de 31/12/11 Embora este documento não refira expressamente esta operação financeira, comprova a origem de fundos para a realização do presente aumento de capital do seguinte modo:

1- Liquidação da conta devedora da R... SGPS - € 856.618,00 (p.26 do doc 14);

2- Idem S..., S.A. - €244.589,00 (p.26 do doc. 14);

3-Reforço de financiamento obtido junto da T..., no montante de €215.708,00 (p. 27 do doc. 14);

4-Remanescente financiado através do resultado das vendas - €156.844,00 (p.3 Doc.14).

Total € 1.473.759,00.

 

 

 

[21] Uma situação factual diferente da subjacente ao ac. do Pleno da 2ª secção do STA no proc. 0406/18, de 26/09/2018.

[22] Como se entendeu no Acórdão do STA proferido no processo n.º 0982/ 11, de 27-06-2012.