Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 9/2022-T
Data da decisão: 2022-09-15  Selo  
Valor do pedido: € 67.591,43
Tema: IS – Fundos de Investimento Imobiliário – Comissões de gestão cobradas por Sociedades Gestoras de Organismos de Investimento Coletivo não residentes.
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DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Fernando Borges de Araújo, Rui Ferreira Rodrigues e Susana Mercês, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral Coletivo, constituído a 22.03.2022, decidem o seguinte:

 

 

  1. RELATÓRIO
  1. FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO A..., com o número de identificação de pessoa coletiva ..., (doravante “Primeiro Requerente”) e B...– FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO, com o número de identificação de pessoa coletiva..., (doravante “Segundo Requerente”), (em conjunto designados por “Requerentes”), vieram, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) e 10.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante “RJAT”), requerer a constituição do Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”), com vista à pronúncia deste Tribunal sobre a legalidade das autoliquidações de Imposto do Selo (doravante “IS”), sobre o valor das comissões de gestão cobradas pela C... GmbH (doravante “Sociedade Gestora Alemã”), entre março de 2020 e maio de 2021, e entre janeiro de 2020 e maio de 2021, respetivamente, no montante total de €67.591,43 (€29.015,86 ao Primeiro Requerente e €38.575,57 ao Segundo Requerente). 
  2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite em 10.01.2022 pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.
  3. Os Requerentes não exerceram o direito à designação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, al. a), e do artigo 11.º, n.º 1, al. a), ambos do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os ora signatários como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do cargo no prazo aplicável.
  4. Em 02.03.2022, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, al. b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico do CAAD.
  5. Em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, al. c), do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 22.03.2022.
  6. No dia 26.04.2022, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, juntou o processo administrativo e apresentou a sua Resposta na qual suscitou a exceção da (i)legalidade da coligação de autores e defendeu-se por impugnação.
  7. Em 02.05.2022, foram os Requerentes notificados para, querendo, se pronunciarem, no prazo de 10 (dez) dias, sobre a exceção invocada pela Requerida.
  8. No dia 16.05.2022, os Requerentes apresentaram requerimento, no qual se pronunciaram quanto à exceção deduzida pela Requerida, pugnando pela improcedência da mesma.
  9.  Em 19.05.2022, foi proferido pelo Tribunal Arbitral, o seguinte despacho:

Dado que já foi exercido o contraditório quanto à matéria de excepção, que será apreciada a final, dado que as questões que subsistem são essencialmente de direito, e dado que não foi requerida qualquer prova testemunhal, dispensa-se a reunião do art. 18º do RJAT, podendo as partes apresentar alegações escritas, a Requerente no prazo de 10 dias contados da notificação do presente despacho, e a Requerida no prazo de 10 dias contado da notificação das alegações da Requerente, ou da falta de apresentação das mesmas.

Nos termos do art. 21º, 1, do RJAT, a decisão final será proferida e comunicada até 22 de Setembro de 2022, devendo a Requerente pagar o remanescente da taxa de arbitragem até essa data, dando cumprimento ao disposto no art. 4º, 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

As partes deverão enviar ao CAAD as suas peças processuais em formato editável (Word), com vista a facilitar e abreviar a elaboração da decisão final.

Notifique-se.

  1. Em 02.06.2022, e em 17.06.2022, os Requerentes e a Requerida apresentaram, respetivamente, as suas alegações finais.

 

I.1. ARGUMENTOS DAS PARTES

  1. Os argumentos carreados para os autos prendem-se com a sujeição das comissões de gestão cobradas pela Sociedade Gestora Alemã (entidade não residente em Portugal) aos Requerentes, a imposto do selo em Portugal, à taxa de 4%, nos termos das verbas 17.3 e 17.3.4, constantes da Tabela Geral do Imposto do Selo (doravante “TGIS”).  
  2. Os Requerentes alegam que estas comissões cobradas pela Sociedade Gestora Alemã não estão, atualmente e, até que exista uma alteração legislativa, sujeitas a imposto do selo em Portugal, com os fundamentos que a seguir se sumariam:
  1. Existe uma desarticulação e lacuna legislativa dos preceitos estabelecidos no artigo 4.º, n.º 2, al. c), do CIS e da Verba 17.3 da TGIS, por não se encontrarem literalmente harmonizados.
  2. Por paradoxal que possa parecer (...), o legislador optaria por não estender a incidência do imposto do selo (...) às comissões cobradas na ordem externa a residentes em território nacional por instituições financeiras que não sejam instituições de crédito nem sociedades financeiras. Apenas em virtude da integração analógica proibida no que concerne às normas de incidência, dado o princípio da legalidade tributária e o seu próprio carácter excecional, seria possível extrair solução diversa da norma do art. 4.º, n.º 2, alínea c), do Código do Imposto do Selo.” (Cf. Documento n.º 15 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
  3. Em obediência aos princípios de interpretação das normas tributárias decorrentes do artigo 11.º, da Lei Geral Tributária e tendo em consideração que a Sociedade Gestora Alemã não é uma instituição de crédito ou uma sociedade financeira, quer ao abrigo do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (doravante “RGICSF”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, na sua redação atual, quer ao abrigo da legislação comunitária, as comissões de gestão cobradas pela entidade não residente aos Requerentes não estão, atualmente e até que exista uma alteração legislativa, sujeitas a IS em Portugal, por ausência de norma de incidência subjetiva e territorial.
  4. Pelo que, não deverá ser liquidado qualquer IS sobre as aludidas comissões que venham a ser cobradas pela dita entidade não residente, até que a legislação fiscal seja alterada em sentido contrário. 
  1. A AT contra-argumentou com base nos seguintes argumentos:
  1. Até à entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2016 (Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março) poderia subsistir uma errónea interpretação decorrente de uma isenção prevista no Código do Imposto do Selo, artigo 7.º, do CIS.
  2. A Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, aditou um número à norma de isenção estipulando que a mesma se aplica apenas às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea, pelo que a mesma aqui não se verifica.
  3. As Sociedades Gestoras de Organismos de Investimento Coletivo exercem atividades financeiras e são instituições financeiras.
  4. Tais sociedades são assim consideradas pelo regime jurídico das instituições e da atividade financeira vigente no nosso país, e de forma expressa pelos Regulamentos que instituíram o sistema de supervisão prudencial da União Europeia.
  5. A norma constante do n.º 5, do artigo 6.º, do RGICSF tem por efeito apenas a exclusão das SGOIC da supervisão do Banco de Portugal e transportá-la para a CMVM, como é reconhecido diretamente no preâmbulo de supervisão aplicável aos próprios OIC, que já anteriormente estavam sujeitos à supervisão da CMVM.
  6. O n.º 5, do artigo 6.º, do RGICSF constitui uma ficção legal negativa, que tem apenas efeitos internos no RGICSF.
  7.  O n.º 5, do artigo 6.º, do RGICSF não tem efeitos externos na ordem jurídica financeira nem posterga o direito estabelecido nos Regulamentos e Diretivas Europeias que classificam as SGOIC diretamente como instituições financeiras.
  8. Sendo as SGOIC instituições financeiras estão sujeitas ao Imposto do Selo, nos termos previstos na Verba 17.3.4 da Tabela Geral do CIS.
  9. Entre as várias matérias que podem ser reconduzidas ao direito fiscal da União Europeia, no que concerne à tributação indireta, as influências do direito interno foram de facto muito relevantes no passado, mas neste momento, há já uma considerável harmonização ou uniformidade ao nível europeu.
  10. Está em causa uma norma de incidência de imposto, cujo carácter definidor tem de ser certo, objetivo e estar “desenhado na lei de forma suficientemente determinada”, sendo que na letra da diretiva comunitária, não se encontra prevista a não sujeição de tributação das comissões por serviços de gestão, por parte da entidade gestora do fundo.
  11. Repara-se a falta de referência expressa a “quaisquer outras instituições financeiras”, tal como sucede nas regras de determinação do sujeito passivo de imposto, apesar da norma de incidência subjetiva, constante da verba 17.3.4 da TGIS a incluir.
  12. A introdução de “outras instituições financeiras” na redação da verba 17.3.4 da TGIS ocorreu com a reforma do CIS em 2000. Porém, as regras da territorialidade transitaram tal como se encontravam definidas na antiga tabela de IS, não havendo o cuidado de acompanhar as alterações introduzidas na norma de incidência geral.
  13. A ausência da referência expressa na norma de incidência territorial, artigo 4.º do CIS às “outras instituições financeiras” não é decisivo para sustentar a tese da não sujeição a IS das comissões e outras contraprestações por serviços financeiros cobrados por entidades desse tipo não residente.
  14. A Administração Tributária no seu Parecer 340/2005 de 31.03.2005, da DSJC, entende estarem sujeitos a IS em Portugal, quaisquer juros, comissões e outras contraprestações por serviços financeiros cobrados por entidades não residentes a entidades domiciliadas em Portugal.

 

  1. SANEAMENTO
  1. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, nos termos do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.
  2. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
  3. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
  4. O processo não enferma de nulidades.
  5. A exceção da (i)legalidade da coligação de autores suscitada pela Requerida será apreciada após determinada a matéria de facto.

 

III. MATÉRIA DE FACTO

III.1. FACTOS PROVADOS

  1. Consideram-se provados os seguintes factos:
  1. O Primeiro Requerente é um fundo de investimento imobiliário fechado de subscrição particular, tendo a sua constituição sido autorizada pela CMVM, em 14.09.2006 (Cf. Documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
  2. O Segundo Requerente é um fundo de investimento imobiliário fechado de subscrição particular, tendo a sua constituição sido autorizada pela CMVM, em 16.06.2016 (Cf. Documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
  3. Os Requerentes são geridos pela C... GmbH, com sede na ..., ... Frankfurt am Main, registada junto do Tribunal de Frankfurt am Main sob o número HRB ... (Cf. Documentos n.ºs 9 e 12 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
  4. A Entidade Gestora – C... GmbH – é uma sociedade de responsabilidade limitada constituída ao abrigo do direito da República Federal da Alemanha, que desde 11 de Julho de 2011 gere organismos de investimento coletivo, estando registada junto da Bundesanstalt fur Finanzdienstleistungsaufsicht (BaFin) com o número 124100 para o efeito e devidamente autorizada pela CMVM para exercer atividade em Portugal (Cf. Documentos n.ºs 9 e 12 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
  5. No exercício da sua atividade, a Sociedade Gestora Alemã, é responsável pela administração e gestão dos Requerentes (Cf. Documentos n.ºs 9 e 12 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
  6. A Sociedade Gestora Alemã cobra aos Requerentes, pela atividade exercida, comissões de gestão, as quais são liquidadas e pagas em duodécimos, mensal e postecipadamente, sendo as mesmas calculadas sobre o valor mensal do ativo total daqueles (Cf. Documentos n.ºs 9 e 12 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
  7. Entre março de 2020 e maio de 2021, o Primeiro Requerente suportou encargos com as comissões de gestão cobradas pela Sociedade Gestora Alemã, nos seguintes valores:

 

(Cf. Documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).

  1. Entre janeiro de 2020 e maio de 2021, o Segundo Requerente suportou encargos com as comissões de gestão cobradas pela Sociedade Gestora Alemã, nos seguintes valores:

 

(Cf. Documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).

  1. Sobre as aludidas comissões de gestão cobradas pela Sociedade Gestora Alemã aos Requerentes foi liquidado IS, à taxa de 4%, constante da Verba 17.3.4, da TGIS, o qual foi refletivo como custo daqueles (Cf. Documentos n.ºs 3, 4, 11 e 14 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
  2. A liquidação do aludido imposto foi promovida mediante a guia multi-imposto durante o ano de 2020 e da DMIS durante o ano de 2021, tendo sido efetuado pelos Requerentes o respetivo pagamento, no montante de €29.015,86 pelo Primeiro e no valor de €38.575,57 pelo Segundo, o que perfaz a importância total de €67.591,43 (Cf. Documentos n.ºs 3 e 4, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
  3. O Primeiro Requerente e o Segundo Requerente apresentaram as reclamações graciosas n.º ...2021... e ...2021..., respetivamente, contra os supra identificados atos tributários, no montante total de €67.591,43 (€29.015,86 – Primeiro Requerente e €38.575,57 – Segundo Requerente), nas quais peticionaram pela anulação dos mesmos (Cf. Documentos n.ºs 5 e 6, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
  4. Em 21.10.2021 e em 12.10.2021, foram o Primeiro Requerente e o Segundo Requerente, respetivamente, notificados das decisões de indeferimento expresso das reclamações graciosas, por parte da Unidade de Grandes Contribuintes da AT (Cf. Documentos n.ºs 7, 8, 1 e 2 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
  5. Os Requerentes apresentaram o presente pedido de pronúncia arbitral em 07.01.2022. 

 

III.2. FACTOS NÃO PROVADOS

  1. Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.

 

III.3. FUNDAMENTAÇÃO DA FIXAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

  1. Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegadas pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. a) e e), do RJAT.
  2. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.
  3. Tendo em conta as posições assumidas pelas partes, o disposto nos artigos 110.º, n.º 7, e 115.º, n.º 1, ambos do CPPT, a prova documental e o processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

IV. DA (I)LEGALIDADE DA COLIGAÇÃO DE AUTORES

  1. A Autoridade Tributária defende, em suma, que:
  1. A coligação de autores é ilegal por não estarem preenchidos os respetivos pressupostos legais, mais concretamente o disposto no artigo 3.º, do RJAT.
  2. Embora estejam em causa a interpretação e a aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito, no que respeita às circunstâncias de facto em apreciação, estão em causa nos autos circunstâncias de facto que, embora idênticas, não são as mesmas.
  3. O pedido do Primeiro Requerente, no montante de €29.015.86, respeita às suas autoliquidações de imposto, que tiveram por base as comissões de gestão cobradas pela Sociedade Gestora Alemã, entre março de 2020 e maio de 2021;
  4. O pedido do Segundo Requerente, no montante de €38.575,57, respeita às suas autoliquidações de imposto, que tiveram por base as comissões de gestão cobradas pela Sociedade Gestora Alemã, entre janeiro de 2020 e maio de 2021.
  1. Vejamos, então, se assiste razão à Requerida.
  2. O n.º 1, do artigo 3.º, do RJAT, estatui o seguinte: “A cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.” (sublinhado nosso)
  3. Como é bom de ver, a norma exige o cumprimento de dois requisitos cumulativos: o primeiro, que a procedência dos pedidos dependa essencialmente das mesmas circunstâncias de facto; e o segundo, que a procedência dos pedidos dependa essencialmente da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.
  4. Ora, encontrando-se apenas em causa, nos presentes autos, a observância do primeiro requisito, releva esclarecer o que se deve entender por “mesmas circunstâncias de facto”.
  5. Para encontrar o preciso alcance da aludida norma – n.º 1, do artigo 3.º, do RJAT – é necessário atender à interpretação que a doutrina tem feito do mesmo.
  6. Refere Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6.ª ed., Vol. II, Áreas Lisboa, 2011, p. 183, que “não é necessário para ser viável a cumulação e a coligação que haja uma identidade absoluta das situações fácticas, bastando que seja idêntica a questão jurídico-fiscal a apreciar.
  7. O citado autor afirma, ainda, em Guia de Arbitragem Tributária, 2013, p. 147, que “Os factos serão exatamente os mesmos quando forem comuns às pretensões do autor ou autores, de forma a que se possa concluir que, se provarem os alegados relativamente a um ato, existirá o suporte fáctico total ou parcialmente necessário para procedência das pretensões de todos os pedidos.
  8. Veja-se, também, o entendimento perfilhado por Carla Castelo Trindade, em Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Anotado, ed. Almedina, 2016, p. 145, “com a exigência de uma identidade de situações fácticas a apreciar, o legislador não pretendeu impor que essa identidade fosse absoluta, ou seja, que os factos a apreciar fossem exata e rigorosamente os mesmos. É, pois, suficiente que, no tocante aos pontos essenciais da discussão de mérito, os factos sejam bastante semelhantes, de forma a que a decisão que se profere para um dos conjuntos factuais, fosse precisamente a mesma a ser proferida para outro.
  9. Aqui chegados, volvemos ao caso dos autos.
  10. Ambos os Requerentes são fundos de investimento imobiliário fechados de subscrição particular, os quais são geridos pela mesma entidade – Sociedade Gestora Alemã – que pela sua atividade cobra àqueles comissões de gestão, exatamente nos mesmos moldes e condições de pagamento.
  11.  Quer o Primeiro Requerente, quer o Segundo Requerente, pretendem ver apreciada a questão da incidência do IS em Portugal, sobre as aludidas comissões, à taxa de 4%, conforme previsto nas Verbas 17.3 e 17.3.4, da TGIS, pelo que está em causa a aplicação das mesmas regras de direito.
  12. Pugnam, ainda, ambos os Requerentes pela anulação das autoliquidações de IS, com fundamento na desarticulação e lacuna legislativa dos preceitos previstos no artigo 4.º, n.º 2, al. c), do CIS e das ditas verbas, por não se encontrarem literalmente harmonizados.
  13. Assim, e sufragando a já citada doutrina, não pode entender-se que as diferenças (que assentam unicamente nos valores das comissões cobradas, no período em que o foram e no montante de IS a pagar) das presentes situações fácticas tenham relevo suficiente para afastar a possibilidade da coligação de autores, porquanto, a decisão a proferir para os factos descritos por um dos Requerentes será precisamente a mesma a ser proferida para o outro Requerente.

 

Face ao exposto, improcede a presente exceção suscitada pela Requerida, por estarem preenchidos todos os pressupostos exigidos pelo preceito normativo em apreciação (n.º 1, do artigo 3.º, do RJAT), para a admissibilidade da coligação de autores.

***

V. MATÉRIA DE DIREITO

  1. A questão decidenda consiste em determinar se as comissões de gestão cobradas pela Sociedade Gestora Alemã (entidade não residente em território nacional) aos Requerentes, estão sujeitas a imposto do selo em Portugal, à taxa de 4%, nos termos das verbas 17.3 e 17.3.4, constantes da Tabela Geral do Imposto do Selo.

 

V.1. DA INCIDÊNCIA DO IMPOSTO DO SELO

  1.  O IS incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstas na tabela geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens (Cf. artigo 1.º, n.º 1, do CIS).
  2. A referida tabela – TGIS –, e para o que aqui releva, prevê nas suas verbas 17.3 e 17.3.4 o seguinte:

“17

Operações financeiras:

(...)

17.3

Operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras – sobre o valor cobrado:

(...)

17.3.4

Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões. 4%”

  1.  Face à norma citada, a sujeição ao aludido imposto ocorre se preenchidos dois pressupostos:
  1. A entidade credora for uma instituição de crédito, uma sociedade financeira ou uma instituição financeira – elemento subjetivo –;
  2. Forem cobradas outras comissões ou contraprestações por serviços financeiros – elemento objetivo –.
  1. Num primeiro momento, e tratando-se, nos autos, de comissões de gestão cobradas por uma instituição financeira – o que não é posto em causa pelas partes– seria de concluir que estariam cumpridos os requisitos exigidos para que tais operações estivessem sujeitas a tributação, em sede de IS, em Portugal.
  2. Contudo, a entidade credora aqui em causa é uma entidade estrangeira, não residente em Portugal, condição essa, que não se encontra prevista e/ou abrangida pelas citadas normas de incidência de IS, pelo que será necessário recorrer ao preceito normativo da territorialidade, previsto no artigo 4.º, CIS, nomeadamente, ao seu n.º 2, al. c), para aferir se as ditas comissões estão ou não sujeitas ao aludido imposto.
  3. Com efeito, são as regras de extensão da territorialidade contidas nas várias alíneas do n.º 2, do referido artigo, que ampliam o âmbito de incidência do IS.
  4. Estipula, assim, a al. c), do n.º 2, do artigo 4.º, do CIS que:

“São, ainda, sujeitos a imposto:

  1. (...) as comissões (...) cobradas por instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no estrangeiro ou por filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no território nacional a quaisquer entidades domiciliadas neste território (...).”
  1. O legislador veio, assim, na al. c), do n.º 2, do artigo 4.º, do CIS, estender o âmbito de incidência do imposto do selo, às comissões cobradas por instituições de crédito e sociedades financeiras sediadas no estrangeiro a quaisquer entidades domiciliadas no território nacional.
  2. E, é, efetivamente, o preceito em questão que vem determinar e garantir a incidência de IS sobre tais comissões.
  3. Como é bom de ver, a própria redação dada pelo legislador ao artigo 4.º, do CIS, designadamente, a expressão contida no seu n.º 2– “São, ainda, sujeitos a imposto” –, permite concluir que caso não existisse esta norma de extensão, não haveria sequer incidência de IS sobre as referidas comissões.
  4. Desta feita, só podem ser tributadas em Portugal as comissões, cobradas pelas entidades credoras (instituições de crédito e sociedades financeiras) sediadas no estrangeiro a outras entidades domiciliadas em Portugal, unicamente em função da norma de extensão da al. c), do n.º 2, do artigo 4.º, do CIS.
  5. Aqui chegados, importa salientar que, ao contrário do previsto nas verbas 17.3 e 17.3.4, da TGIS – que fazem alusão a “quaisquer outras instituições financeiras” –, a al. c), do n.º 2, do artigo 4.º, do CIS, apenas faz referência expressa a “instituições de crédito ou sociedades financeiras”.
  6. Assim, impõe-se fazer um breve enquadramento da qualificação dada às entidades aqui em apreço (Fundo de Investimento Imobiliário e Sociedade Gestora Alemã), pese embora não haja dissenso das partes quanto a esta questão – pois, ambas consideram que se tratam de instituições financeiras – bem como, indagar se o facto da Sociedade Gestora Alemã ter a natureza de instituição financeira impede/afasta a tributação em Portugal das comissões por si cobradas, em sede de imposto do selo, por ausência expressa da menção “quaisquer outras instituições financeiras” na norma de incidência territorial.

 

V.2. DA QUALIFICAÇÃO DO FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO E SOCIEDADE GESTORA ALEMÃ COMO INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS   

  1. Atendendo a que o conceito técnico-jurídico de instituição financeira não se encontra previsto no direito fiscal, é fundamental chamar à colação o artigo 11.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária (doravante “LGT”), que estatui o seguinte: “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei”.
  2. Esta disposição cumpre uma importante função orientadora da atividade de interpretação das normas fiscais, evitando a geração de incerteza jurídica e imprevisibilidade por altura da concretização dos conceitos jurídicos empregues pelo legislador fiscal.
  3. Logo, “requer-se do operador jurídico a determinação do sentido e âmbito do conceito de instituição financeira, a partir do significado que o mesmo assume no direito financeiro. É este que fornece o quadro normativo que determina as regras e as condições para o exercício da atividade financeira, designadamente, de concessão de crédito ou de investimento. É a partir dele e no seu seio que são definidas e criadas as instituições financeiras.” (Cf. Decisão arbitral proferida no processo n.º 123/2018-T)
  4. Assim, para a concretização do conceito de instituição financeira no caso concreto devem ser carreados diferentes dados normativos e argumentativos, quer a nível nacional, quer a nível europeu:
  5. Estatui a al. z), do artigo 2.º-A, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (doravante “RGICSF”) que, “Para efeitos do disposto presente Regime Geral, entende-se por instituições financeiras, com exceção das instituições de crédito, sociedades gestoras de participações no sector dos seguros, das sociedades gestoras de participações de seguros mistas e das sociedades gestoras de participações no setor puramente industrial, as empresas que tenham como atividade principal adquirir ou gerir participações sociais ou exercer uma ou mais das atividade enumeradas nas alíneas b) a h), j) e r) do n.º 1 do artigo 4.º, incluindo instituições de pagamento, empresas de investimento, sociedades de gestão de ativos, companhias financeiras, companhias financeiras mistas e companhias financeiras de investimento.
  6. O n.º 1, do artigo 30.º, do Código dos Valores Mobiliários (doravante “CVM”), perfilha um conceito amplo de investidor profissional, que por sua vez abrange um conceito amplo de instituição financeira, abrangendo as “instituições de investimento coletivo e respetivas sociedades gestoras” (Cf. al d), do n.º 1, do artigo 30.º, do CVM), bem como, “outras instituições financeiras autorizadas ou reguladas (...)”(Cf. al f), do n.º 1, do artigo 30.º, do CVM).
  7. Por força da alínea f), do n.º 1, do artigo 30.º, do CMVM, as instituições de investimento coletivo e as respetivas sociedades gestoras são colocadas ao lado de “outras instituições financeiras”, referência que surge logo a seguir ao elenco de instituições referidas nas alíneas a) e e) do mesmo preceito. Esta técnica de redação legislativa só tem realmente sentido se estiver bem claro, na mente do intérprete, que as instituições de investimento coletivo e as respetivas sociedades gestoras também são instituições financeiras. Por outras palavras, é com base neste entendimento que à menção das instituições de investimento coletivo são acrescentadas “outras instituições financeiras”. O artigo 30.º/1) do CMVM repetidamente considera instituições financeiras não apenas as sociedades gestoras, mas também os fundos (...) ou as instituições de investimento coletivo por elas geridas.” (Cf. Decisão arbitral proferida no processo n.º 123/2018-T)
  8. Nos termos das alíneas u) e aa), do artigo 2.º, do Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo (doravante “RGOIC”) – Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro, que procedeu à revisão do regime jurídico dos organismos de investimento coletivo – Decreto-Lei n.º 63-A/2013 e à alteração ao RGICSF e ao CVM – são definidos como fundos de investimento, “os patrimónios autónomos, sem personalidade jurídica, pertencentes aos participantes no regime geral de comunhão regulado no presente Regime Geral” e os organismos de investimento coletivo como sendo “instituições, dotadas ou não de personalidade jurídica, que têm como fim o investimento coletivo de capitais obtidos junto de investidores, cujo funcionamento se encontra sujeito a um princípio de repartição de riscos e à prossecução do exclusivo interesse dos participantes.
  9. Os fundos de investimento são considerados uma espécie dentro do género dos organismos de investimento coletivo, esclarecendo o artigo 5.º, do RGOIC, que os organismos de investimento coletivo assumem a forma contratual de fundo de investimento ou a forma societária (compreendem as sociedades de investimento mobiliária e as sociedades de investimento imobiliário), sendo que, como dispõe o n.º 2, do artigo 6.º, do citado diploma, ao fundo de investimento fica reservado a expressão “fundo de investimento”, acrescida da expressão “imobiliário” no caso dos fundos de investimento imobiliário, que deve integrar a sua denominação.
  10. No âmbito do direito europeu, a Diretiva (UE) 2015/849, do Parlamento Europeu e do Conselho de 20 de maio de 2015, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais ou de financiamento de terrorismo, que alterou o Regulamento (UE) n.º 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho e revogou a Diretiva 2005/60/CE do Regulamento Europeu e do Conselho e a Diretiva 2006/70/CE da comissão, no seu artigo 3.º, n.º 2, al. d), qualifica estes fundos de investimento imobiliário – que se encontram enquadrados na categoria das instituições de investimento coletivo, designadas por “organismos de investimento coletivo” –, bem como as suas sociedades gestoras como “instituições financeiras” –.
  11. De igual forma, a Diretiva 2013/36/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de junho de 2013 (Cf. artigo 3.º, n.º 1, ponto 22), relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e à supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento, que alterou a Diretiva 2002/87/CE e revogou as Diretivas 2006/48/CE e 2006/49/CE, e o Regulamento (UE) n.º 575/2013 (Cf. artigo 4.º, n.º 1, ponto 26), classifica os aludidos fundos e as respetivas sociedades gestoras como “instituições financeiras”, na medida em que tal definição abrange uma instituição “que não sendo uma instituição de crédito, tem como atividade principal a aquisição de participações ou o exercício de uma ou mais das atividades enumeradas no anexo I, pontos 2 a 12 e 15”, da referida Diretiva, onde se incluem, nomeadamente, a participação em emissões de títulos e prestação de serviços conexos com essa emissão, a consultoria às empresas em matéria de estruturas do capital, de estratégia industrial e de questões conexas, e consultoria, bem como serviços em matéria de fusão e aquisição de empresas, a gestão de carteiras ou consultoria em gestão de carteiras.
  12.  Aqui chegados, é inequívoco que os fundos de investimento imobiliário, bem como as suas sociedades gestores são qualificadas como instituições financeiras, quer nos termos da legislação nacional, quer nos termos da legislação comunitária.
  13. Importa, ainda, salientar que a partir da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 114/2019, de 23 de Setembro – 01.01.2020 –, foram transferidas as atribuições de supervisão prudencial das sociedades gestoras de fundos de investimento do Banco de Portugal para a CMVM.
  14. A CMVM é atualmente responsável pela supervisão destas sociedades gestoras, tal como já era dos organismos de investimento coletivo sob gestão daquelas.
  15. Conforme prevê o preâmbulo do aludido Decreto-Lei: “A concentração das vertentes prudencial e comportamental da supervisão elimina as áreas de sobreposição regulatória e permite à CMVM ter uma visão de conjunto, mais completa e integrada, destas entidades e das atividades desenvolvidas pelas mesmas. Ao concentrar as competências de supervisão possibilita-se uma atuação mais rápida e uma fiscalização mais intensa do supervisor, tendo em vista melhorar a eficácia da supervisão. Em resultado da transferência de competências, os agentes do mercado passam a relacionar-se apenas com um supervisor, o que permite reduzir a necessidade de atos autorizativos e a diminuição dos custos regulatórios em geral. Aproveita-se ainda esta oportunidade para rever e aperfeiçoar o regime prudencial, conferindo maior certeza, adequação e proporcionalidade às regras aplicáveis às sociedades gestoras, tendo em consideração o seu papel no mercado e o correspondente risco.
  16. A transferência das atribuições de supervisão prudencial das sociedades gestoras de fundos de investimento para a CMVM teve como propósito a aproximação do regime nacional aos requisitos regulatórios europeus previstos na Diretiva 2011/61/EU do Parlamento e do Conselho, de 8 de junho de 2011, relativa aos gestores de fundos de investimento alternativos (Diretiva AIFM) – da qual decorre que os fundos de investimento imobiliário são qualificados como uma subespécie dos fundos de investimento alternativo, que, por sua vez, é uma subespécie de “empresas de investimento coletivo –, de modo a permitir às sociedades gestoras nacionais condições concorrenciais equilibradas face às sociedades gestoras que operam na União Europeia.
  17. A Diretiva 2011/61/UE, bem como a já referida Diretiva 2013/36/UE, visam, respetivamente, a coordenação das legislações nacionais reguladoras das sociedades gestoras de investimento alternativos e dos organismos de investimento coletivo, a fim de aproximar, no plano comunitário, as condições de concorrência, proporcionar uma proteção mais eficaz e mais uniforme aos participantes, oferecer uma maior estabilidade do sistema financeiro e alcançar a harmonização essencial necessária e suficiente dos mecanismos de supervisão prudencial.
  18. Pois, o bom funcionamento do mercado interno requer não só um regime legal, mas também uma cooperação estreita e regular e uma convergência significativamente reforçada das práticas de regulamentação e de supervisão das autoridades competentes dos Estados-Membros.
  19. Com a entrada do mencionado Decreto-Lei n.º 114/2019, de 23 de Setembro – que alterou, entre outros diplomas, o RGICSF, nomeadamente o seu artigo 6, n.º 5 –, deixaram de ser qualificadas como sociedades financeiras as entidades reguladas no Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo – RGOIC –, no qual se incluem, conforme já referido supra, os fundos de investimento imobiliário e as suas sociedades gestoras – passando estes a ter um regime próprio.
  20. É manifesto que, quer a transferência das atribuições de supervisão prudencial das sociedades gestoras de fundos de investimento, bem como dos organismos de investimento coletivo sob a sua gestão para a CMVM, quer a mudança da qualificação destas entidades (que deixaram de ser classificadas como sociedades financeiras) e, ainda, as razões que serviram de base a estas alterações (explanadas no preâmbulo do dito Decreto-Lei n.º 114/2019, de 23 de Setembro e indicadas supra), nomeadamente, o propósito de aproximar as legislações nacionais com a legislação europeia, demonstram uma, clara, pretensão de se autonomizar, cada vez mais, o regime jurídico aplicável a estas entidades – instituições financeiras (no plano nacional e comunitário) – distinguindo-as e diferenciando-as das instituições de crédito e das sociedades financeiras.
  21. Ora, havendo esta distinção expressa entre instituições financeiras e as restantes entidades (instituições de crédito e sociedades financeiras), quer no plano jurídico nacional, quer no plano jurídico comunitário, e atendendo aos fundamentos que determinaram este afastamento entre elas, resta apurar se a ausência da menção “quaisquer outras instituições financeiras” na norma de incidência territorial afasta a tributação em Portugal das comissões cobradas pela Sociedade Gestora Alemã (não residente em território nacional) aos Requerentes, nos termos das verbas 17.3 e 17.3.4, constantes da TGIS. 
  22. E, é esta a questão decidenda, que se coloca nos autos, pois, também não há dissenso das partes quanto à natureza atribuída às comissões de gestão cobradas pela Sociedade Gestora Alemã aos Requerentes, as quais correspondem a serviços financeiros, para efeitos de incidência de IS, conforme previsto na verba 17.3.4, da TGIS, conjugada com a al. c), do n.º 2, do artigo 4.º, do CIS. 
  23. Contudo, impõe-se fazer um breve enquadramento da natureza das referidas comissões de gestão cobradas pela Sociedade Gestora Alemã aos Requerentes.

 

V.3.  DA NATUREZA DAS COMISSÕES CONTEMPLADAS NAS NORMAS DE INCIDÊNCIA DE IS

  1. Nos termos da citada verba – 17.3.4 –, conjugada com a al. c), do n.º 2, do artigo 4.º, do CIS, a sujeição ao IS só ocorre se forem cobradas comissões por serviços financeiros – elemento objetivo –.
  2. Tal como já se referiu supra, a Sociedade Gestora Alemã é considerada uma instituição financeira, encontrando-se a sua atividade regulada no RGOIC. 
  3. Dispõe o artigo 67.º, do aludido diploma o seguinte: “O exercício da atividade de gestão de organismo de investimento coletivo é remunerado através de uma comissão de gestão, podendo esta incluir uma componente variável calculada em função do desempenho do organismo de investimento coletivo, nos termos previstos em regulamento da CMVM.
  4. Com efeito, as comissões pagas à Sociedade Gestora Alemã são pela atividade global que desenvolve na gestão dos Requerentes, sendo que o valor daquelas não está decomposto em função de cada ato ou tipo de ato realizado por esta entidade.
  5. A atividade exercida pela Sociedade Gestora Alemã compreende todas as funções indicadas no artigo 66.º, n.º 1, do RGOIC (que se encontram em conformidade com os regulamentos juntos aos autos – Cf. Documentos n.º s 9 e 12 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido –, a saber:

“Artigo 66.º
Funções das entidades gestoras

 

1 - No exercício das funções respeitantes à gestão de organismo de investimento coletivo, compete à entidade gestora:

a) Gerir o investimento, praticando os atos e operações necessários à boa concretização da política de investimento, em especial:

i) A gestão do património, incluindo a seleção, aquisição e alienação dos ativos, cumprindo as formalidades necessárias para a sua válida e regular transmissão e o exercício dos direitos relacionados com os mesmos; e

ii) A gestão do risco associado ao investimento, incluindo a sua identificação, avaliação e acompanhamento.
b) Administrar o organismo de investimento coletivo, em especial:
i) Prestar os serviços jurídicos e de contabilidade necessários à gestão dos organismos de investimento coletivo, sem prejuízo da legislação específica aplicável a estas atividades;
ii) Esclarecer e analisar as questões e reclamações dos participantes;
iii) Avaliar a carteira e determinar o valor das unidades de participação e emitir declarações fiscais;
iv) Cumprir e controlar a observância das normas aplicáveis, dos documentos constitutivos dos organismos de investimento coletivo e dos contratos celebrados no âmbito da atividade dos mesmos;

v) Proceder ao registo dos participantes na condição prevista no n.º 4;
vi) Distribuir rendimentos;

vii) Emitir, resgatar ou reembolsar unidades de participação;

viii) Efetuar os procedimentos de liquidação e compensação, incluindo o envio de certificados;
ix) Registar e conservar os documentos.

c) Comercializar as unidades de participação dos organismos de investimento coletivo sob gestão.
2 - No exercício das funções respeitantes à gestão de OIA, à entidade gestora compete ainda, no que respeita aos ativos deste, nomeadamente:

a) Prestar os serviços necessários ao cumprimento das suas obrigações fiduciárias;
b) Administrar imóveis, gerir instalações e controlar e supervisionar o desenvolvimento dos projetos objeto de promoção imobiliária nas suas respetivas fases;

c) Prestar outros serviços relacionados com a gestão do OIA e ativos, incluindo sociedades, em que tenha investido por conta do OIA.

3 - A entidade gestora só pode ser autorizada a prestar as atividades previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 e no n.º 2 se estiver autorizada para o exercício da atividade referida na alínea a) do n.º 1.

4 - A entidade gestora pode assegurar, sem necessidade de autorização da CMVM, o registo individualizado das unidades de participação dos organismos de investimento coletivo sob gestão quando assegure a respetiva comercialização, desde que as unidades de participação estejam integradas em sistema centralizado.

5 - Quando a entidade gestora assegure o registo referido no número anterior fica sujeita às regras aplicáveis ao registo individualizado de valores mobiliários previstas no Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de novembro, na sua redação atual, e respetiva regulamentação.”

 

  1. Saliente-se, desde logo, “que é artificioso decompor todas as atividades indicadas na norma atrás citada e verificar se cada uma é, ou não, um serviço financeiro porque a comissão paga não é decomposta de igual forma. A comissão é relativa a todos os serviços, não sendo feita qualquer distinção em função da atividade concretamente desenvolvida.” Além de que, “os serviços indicados no art. 66.º, n.º 1, al. b), subalínea i) não são autónomos dos serviços de administração, são auxiliares do serviço de administração e diretamente dele dependentes. Os serviços da subalínea i) estão enunciados na al. b), o que indica que são realizados no âmbito da administração dos organismos de investimento coletivo. Pelo que não se pode dissociar as atividades indicadas na subalínea i) da própria atividade de administração, como se fossem autónomas. (...)” (Cf. Decisão arbitral proferida no processo n.º 741/2021-T)

 

  1. Desta feita, até as atividades auxiliares à atividade financeira são incluídas no mesmo conceito. Esta é mais uma razão para afastar a dita decomposição das atividades da Sociedade Gestora Alemã previstas no artigo 66.º, do RGOIC.

 

  1. Face às disposições acima transcritas, e atendendo aos regulamentos juntos aos autos pelos Requerentes (Cf. Documentos n.º s 9 e 12 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido) é inequívoco que as atividades desenvolvidas pela Sociedade Gestora Alemã devem ser consideradas como serviços financeiros.

 

  1. Aqui chegados, estamos em condições para apreciar se, efetivamente, a ausência da menção “quaisquer outras instituições financeiras” na norma de incidência territorial afasta a tributação em Portugal das comissões cobradas pela Sociedade Gestora Alemã (não residente em território nacional) aos Requerentes, nos termos das verbas 17.3 e 17.3.4, constantes da TGIS.

V.4. DA INTERPRETAÇÃO DA AL. C), DO N.º 2, DO ARTIGO 4.º, DO CIS – NORMA DE INCIDÊNCIA TERRITORIAL –

  1. A LGT fixou as regras gerais da interpretação da lei fiscal através do seu artigo 11.º, que dispõe nos seguintes termos:

“1 - Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.

2 - Sempre que, nas normas fisc​ais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se​​ outro decorrer diretamente da lei.

3 - Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.

4 - As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são suscetíveis de integração analógica.

  1. É inequívoco que o n.º 4, do citado artigo, proíbe a integração analógica de lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República.
  2. A reserva parlamentar está circunscrita, em matéria fiscal, à criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas (artigo 165.º, n.º 1, al. i), da Constituição da República Portuguesa – doravante “CRP” –), havendo de entender-se que no conceito de criação de impostos se incluem todos os elementos essenciais à própria definição do imposto a que se refere o artigo 103.º, n.º 2, da CRP, como sejam a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (Cf. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição de República Portuguesa Anotada, 4ª edição, Coimbra, vol. I, pág. 329, vol. II, págs. 1091-1092).
  3. No caso vertente, está justamente em causa uma norma de incidência de imposto que se enquadra na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República e, por conseguinte, encontra-se vedado ao intérprete a integração por meio de analogia relativamente à referida disposição.
  4. A integração analógica encontra-se, pois, vedada em matéria de incidência, mercê do especial vigor que o princípio constitucional da legalidade, na sua vertente da tipicidade (Cf. artigo 103.º, n.º 2, da CRP) assume nestes domínios.
  5. Não é, assim, constitucionalmente permitido ao juiz integrar uma suposta lacuna existente numa norma tributária de incidência que, por contender com um elemento essencial do imposto, lhe são exigidas cautelas especiais na sua aplicação.
  6. Com efeito, o elemento literal da norma contida na al. c), do n.º 2, do artigo 4.º, do CIS, apenas faz alusão às instituições de crédito e às sociedades financeiras, excluindo do seu âmbito as aludidas instituições financeiras, as quais, conforme já se referiu, são distintas e encontram-se sujeitas a um regime jurídico diverso, quer no plano nacional, quer no plano comunitário, face àquelas entidades (instituições de crédito e sociedades financeiras).
  7. Ora, “a letra da lei assume-se, naturalmente, como o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe, desde logo, uma função negativa, qual seja, não poder ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espírito, sentido) que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. Também como refere Oliveira Ascensão, a letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação. Quer dizer que o texto funciona também como limite de busca do espírito”. (Cf. Decisão arbitral proferida no processo n.º 741/2021-T)
  8. Dito isto, sendo o referido preceito – al. c), do n.º 2, do artigo 4.º, do CIS – uma norma de incidência, em relação à qual se encontra constitucionalmente vedada a integração pelo intérprete de supostas lacunas, mercê dos já citados princípios constitucionais, e atendendo ao elemento literal daquele – que é sempre o mais relevante, por ser delimitador da atividade interpretativa – e, ainda, face à distinção e autonomização do conceito de instituição financeira e seu regime aplicável – não poderá ser outra a conclusão, no caso dos autos, de que as presentes comissões cobradas pela Sociedade Gestora Alemã não estão sujeitas a IS em Portugal.
  9. É certo que, se tivermos em conta o elemento histórico percebemos que a introdução de “outras instituições financeiras” na redação da verba 17.3 apenas ocorreu por ocasião da reforma do CIS em 2002, na qual as regras da territorialidade, em geral, transitaram do artigo 120.º-A da antiga Tabela, tal qual ali se encontravam definidas, não tendo havido o cuidado de acompanhar as alterações introduzidas na norma de incidência geral.
  10. Contudo, se o legislador desejava incluir as instituições financeiras na aludida norma – incidência territorial – deveria tê-lo feito expressamente, pelas razões já explanadas – proibição da analogia, elemento literal, diferenciação do tipo de entidades – razões essas decisivas e mais relevantes do que o elemento histórico – bem como, por questões de segurança jurídica, evitando uma atuação arbitrária por parte da AT nestas situações.
  11. Por todo o exposto, não restam dúvidas que, face à norma prevista na al. c), do n.º 2, do artigo 4.º, do CIS, na redação em vigor, as instituições financeiras (não residentes) não se encontram abrangidas pelas normas de incidência de IS e, como tal não estão as comissões cobradas pela Sociedade Gestora Alemã aos Requerentes sujeitas ao dito imposto em Portugal, à taxa de 4%, nos termos das verbas 17.3 e 17.3.4, constantes da TGIS.
  12. Cumpre assim, considerar, que assiste razão aos Requerentes, devendo ser revogadas as decisões de indeferimento das reclamações graciosas em apreço, e bem assim as autoliquidações de IS aqui visadas, procedendo, por isso, o pedido arbitral. 

 

VI. REEMBOLSO DO IMPOSTO INDEVIDAMENTE PAGO E JUROS INDEMNIZATÓRIOS

  1. Além do reembolso do imposto, os Requerentes peticionaram pelo pagamento de juros indemnizatórios, previsto no artigo 43.º, da LGT, o qual tem como pressuposto que se apure, em reclamação graciosa ou impugnação judicial – ou em arbitragem tributária – que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido.
  2. O reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, resulta do disposto no artigo 24.º, n.º 5, do RJAT, quando estipula que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.
  3. No caso vertente, as autoliquidações foram efetuadas pelos próprios Requerentes.
  4. A AT optou por não atender ao pedido dos Requerentes, nem tampouco deu procedência aos pedidos efetuados nas ditas reclamações graciosas, persistindo no erro.
  5. Daí se pode retirar que as ilegalidades das autoliquidações também se devem a erro imputável aos serviços (AT).
  6. Nestes termos, é de entender que assiste aos Requerentes o direito ao pretendido pagamento de juros indemnizatórios.

 

VII. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar o pedido de pronúncia arbitral inteiramente procedente e, em consequência:

  1. Declarar a ilegalidade e anular os atos tributários de autoliquidação de Imposto do Selo ora sindicados (objeto mediato do pedido de pronúncia arbitral), bem como os atos de indeferimento das reclamações graciosas n.ºs ...2021... e ...2021..., que tiveram como objeto os ditos atos (objeto imediato do pedido de pronúncia arbitral);
  2. Condenar a Requerida à restituição da quantia de €29.015,86 (vinte e nove mil e quinze euros e oitenta e seis cêntimos), relativa às autoliquidações de IS suportadas pelo Primeiro Requerente sobre as comissões de gestão cobradas pela Sociedade Gestora Alemã, entre março de 2020 e maio de 2021;
  3. Condenar a Requerida à restituição da quantia de €38.575,57 (trinta e oito mil e quinhentos e setenta e cinco euros e cinquenta e sete cêntimos), relativa às autoliquidações de IS suportadas pelo Segundo Requerente sobre as comissões de gestão cobradas pela Sociedade Gestora Alemã, entre janeiro de 2020 e maio de 2021;
  4. Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, sobre o montante de €29.015,86 (vinte e nove mil e quinze euros e oitenta e seis cêntimos), ao Primeiro Requerente e sobre o valor de €38.575,57 (trinta e oito mil e quinhentos e setenta e cinco euros e cinquenta e sete cêntimos), ao Segundo Requerente, conforme previsto no artigo 43.º da LGT.

 

VIII. VALOR DA CAUSA

Fixa-se ao processo o valor de €67.591,43 (sessenta e sete mil e quinhentos e noventa e um euros e quarenta e três cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

IX. CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €2.448,00 (dois mil e quatrocentos e quarenta e oito euros), nos termos da tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida em razão do decaimento.

Lisboa, 15 de setembro de 2022

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

 

Fernando Borges de Araújo

(Presidente)

 

 

 

Rui Ferreira Rodrigues

(Árbitro Adjunto)

 

 

Susana Mercês

(Árbitra Adjunta)