Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 897/2019-T
Data da decisão: 2020-07-08  IMI  
Valor do pedido: € 125.490,96
Tema: AIMI – Prédios destinados a actividade hoteleira e turística; Incorreção de inscrição matricial; Invocação do erro em impugnação da liquidação.
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DECISÃO ARBITRAL

 

                Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dra. Marisa Isabel Almeida Araújo e Prof. Doutor Diogo Feio (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 13-03-2020, acordam no seguinte:             

                1. Relatório

 

A..., LDA., NIF..., com sede na ..., ..., em ..., (doravante, a "Requerente") apresentou pedido de pronúncia arbitral tem em vista a anulação da liquidação do adicional ao imposto municipal sobre imóveis (AIMI).

A Requerente pede ainda restituição da quantia paga.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 27-12-2019.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 12-02-20209, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 13-03-2020.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que defendeu a improcedência da do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 12-06-2020, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

A)           A Requerente, é proprietária de um conjunto de prédios urbanos, situados na ..., na freguesia da ... e concelho de Loulé, que integram o empreendimento turístico B... (artigo 1.º do pedido de pronúncia arbitral e documentos n.ºs 1 e 2 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

B)           O conjunto desses prédios está registados no Registo Nacional de Turismo do Turismo de Portugal IP como «Aldeamento Turístico» (documentos n.ºs 3 e 16 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

C)           A Autoridade Tributária e Aduaneira reconheceu em processos inspectivos que os prédios referidos integram um aldeamento turístico (documentos n.ºs 5 e 6 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

D)           Todos os prédios urbanos referidos estão afetos a serviços de alojamento turístico, cada um integrando uma ou mais unidades de alojamento;

E)            O empreendimento turístico oferece exclusivamente serviços de alojamento de tipo hoteleiro, sendo procurado para fins não residenciais e o uso por todos os seus clientes circunscreve-se a curtos períodos de tempo destinados ao repouso e ao lazer dos próprios (prova testemunhal produzida no processo n.º 674/2017-T, e alínea I) da matéria de facto dada como provada nesse processo];

F)            A Requerente foi notificada do acto de liquidação de AIMI, com o n.º 2019..., no montante de € 126.971,65, que consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, que tem por objecto os prédios que integram o referido aldeamento turístico; 

G)           Em 25-09-2019, a Requerente procedeu ao pagamento da quantia liquidada (documento n.º 1);

H)           Os prédios que integram o aldeamento turístico referido estão inscritos nas matrizes prediais respectivas com indicação de «Afectação: Habitação», não tendo sido solicitada pela Requerente a alteração da respetiva classificação para serviços (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

I)             Em 26-12-2019, a Requerente apresentou o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

A fixação da matéria de facto baseia-se nos documentos juntos pela Requerente e em afirmações que faz que não são questionadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

A Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou processo administrativo.

No que concerne à não apresentação dos alvarás, ou as licenças de utilização para fins turísticos emitidas pela Câmara Municipal, o Tribunal Arbitral entendeu que a prova produzida, designadamente os documentos oficiais juntos com o pedido de pronúncia arbitral, não deixam margem para qualquer dúvida razoável de que os prédios estão integrados num aldeamento turístico e se destinam à prestação de serviços característicos de hotelaria.

Em processos arbitrais, em matéria de prova, prevalece «a livre convicção dos árbitros» [artigo 16.º, alínea e), do RJAT], pelo que a prova da afectação a fins turísticos não depende da apresentação de qualquer documento.

Aliás, como se refere no probatório, a Autoridade Tributária e Aduaneira já reconheceu em anteriores inspecções que o aldeamento se destina a fins turísticos (documentos n.ºs 5 e 6 juntos com o pedido de pronúncia arbitral).

 

3. Matéria de direito

 

Resulta da prova produzida, que não é controvertida, que os prédios relativamente aos quais foi liquidado Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) integram, um aldeamento turístico, em que se prestam serviços característicos de hotelaria [alínea E) da matéria de facto fixada].

No entanto, a afectação dos prédios que integram o aldeamento turístico que consta das respectivas matrizes prediais é de «Habitação».

A questão essencial que é objecto do presente processo consiste em saber se, apesar de os prédios referidos estarem afectos a actividade comercial e de prestação de serviços, estão sujeitos a AIMI, por a afectação que consta das matrizes ser «Habitação».

Para resolução dessa questão é necessário esclarecer se os erros das inscrições matriciais podem ser invocados em impugnação da liquidação,

 

3.1. Posições das Partes

 

O artigo 135.º-B do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) (aditado pela Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro) estabelece o seguinte, n que aqui interessa:

 

Artigo 135.º-B

Incidência objetiva

 

1 - O adicional ao imposto municipal sobre imóveis incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular.

2 - São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código.

 

O artigo 6.º do CIMI estabelece o seguinte:

 

1 - Os prédios urbanos dividem-se em:

 a) Habitacionais;

 b) Comerciais, industriais ou para serviços;

 c) Terrenos para construção;

 d) Outros.

 

 2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

3 - Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos.

4 - Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3.

 

A Requerente defende, em suma, que

– os prédios referidos estão abrangidos pela norma de exclusão de AIMI prevista no artigo 135.º-B, n.º 2 do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”), sendo inaplicável o n.º 1 do mesmo artigo, por integrarem um empreendimento turístico e não têm fins residenciais, mas prestação de serviços de alojamento turístico;

– para este efeito, o empreendimento dispõe de diversos equipamentos e infraestruturas complementares de apoio, desporto e lazer, incluindo recepção, bar, piscinas, spa entre outros, e é procurado exclusivamente para alojamento por curtos períodos, com fins não residenciais;

– a classificação matricial dos prédios que compõem o empreendimento turístico não deve prevalecer sobre a sua vocação e aptidão exclusivamente turística;

– o erro na classificação matricial dos prédios em causa, enquadrados na espécie “habitacionais” em vez de “para serviços”, constitui vício susceptível de ser invocado e conhecido no âmbito da impugnação arbitral da liquidação;

– a classificação referida na matriz não pode ser considerada uma presunção inilidível, pois tal contraria o artigo 73.º da LGT;

– a impugnação de actos de liquidação pode fazer-se com fundamento em qualquer ilegalidade;

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que

– a lei estabelece a incidência do imposto sobre os prédios classificados como “habitação", à face do artigo 6.º do CIMI, independentemente da afetação que tenham, uma vez que não constam da delimitação negativa de incidência;

– legislador, optou expressamente por tributar prédios que também integram o ativo das empresas, como sejam os classificados como habitacionais ou os terrenos para construção;

– os prédios que integram o ativo das empresas classificados como habitacionais ou terrenos para construção não estão incluídos na disposição de delimitação negativa por exclusão do âmbito de aplicação;

– o acto individualizado de liquidação do AIMI diferencia-se do ato de apuramento do

VPT a inscrever na matriz predial, que serve de base à liquidação;

– o regime da reclamação de matrizes patente no artigo 130.º do CIMI consubstancia um verdadeiro ónus - e não uma faculdade – que deve ser observado pelos contribuintes, caso pretendam fazer prevalecer o direito de que se arrogam, isto é, a necessidade justificada de promover a alteração na matriz do prédio ou prédios de que são proprietários;

– os efeitos das reclamações apresentadas, ou das correções promovidas pelo chefe do serviço de finanças, ao abrigo do referido artigo, só produzem efeitos na liquidação respeitante ao ano em que a mesma foi apresentada ou a retificação foi

promovida;

– não foi com base na atividade a que estão afetos os imóveis que veio a ser definida a exclusão de incidência, já que na versão da lei aprovada se determinou aquela exclusão com base apenas nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do CIMI, sem qualquer alusão à afetação ou não ao modo de funcionamento das pessoas coletivas.

 

3.2. Apreciação da questão

 

A questão que é objecto do presente processo consiste em saber se, apesar de os prédios referidos estarem afectos a actividade comercial e de prestação de serviços, estão sujeitos a AIMI, por a afectação que consta das matrizes ser «Habitação».

Para resolver esta questão é necessário saber se os erros nas inscrições matriciais podem ser invocados na impugnação de actos de liquidação que nelas assentem.

Como defende a Requerente, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a admitir a possibilidade de na impugnação de actos  de liquidação serem invocados vícios das inscrições matriciais, em sintonia com a interpretação que faz do princípio da impugnação unitária, enunciado no artigo 54.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), de que resulta que pode «ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida». (   )  

Por outro lado, este entendimento de que não há preclusão do direito de o contribuinte ver corrigidas as inscrições matriciais erradas, sintoniza-se com a possibilidade de os pedidos de correcção de inscrições poderem ser apresentados a todo o tempo (artigo 134.º, n.º 5, do CPPT) e as rectificações poderem ser promovidas a todo o tempo pelo chefe do serviço de finanças (artigo 130.º, n.º 5, do CIMI).

Sendo esta jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo pacífica e uniforme, um Tribunal que julga em 1.ª instância deve aplicá-la, naturalmente.

Assim, tendo ficado claramente demonstrado que a indicação da afectação «Habitação» que consta das matrizes dos prédios é incorrecta e que a afectação adequada será «Para serviços», tem de se concluir que a situações dos prédios em causa se enquadra na excepção prevista no n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI, pelo que está afastada a incidência de AIMI.

Consequentemente, a liquidação impugnada enferma de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

4. Restituição do imposto pago

 

Sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, a Requerente tem direito a restituição imposto pago em 26-09-2019, no montante de € € 126 971,65.

Como se referiu na decisão da matéria de facto, a Requerente por lapso manifesto, refere que o valor da liquidação e o montante que pagou foi de € 125.490,96, mas o montante liquidado e pago é de € 126 971,65.

Ao abrigo do preceituado no artigo 249.º do Código Civil, aplicável por força do disposto no artigo 295.º do mesmo Código, considera-se corrigido o erro material referido.

                           

5. Decisão

Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:

A)           Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

B)           Anular a liquidação de AIMI, com o n.º 2019..., no montante de € 126.971,65;

C)           Julgar procedente o pedido de reembolso e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente o montante de € 126.971,65.

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor € 126.971,65.

 

7. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, de harmonia com a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

              

Lisboa, 08-07-2020

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Marisa Isabel Almeida Araújo)

(Diogo Feio)