Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 90/2014-T
Data da decisão: 2014-09-26  IRC  
Valor do pedido: € 30.585,02
Tema: Competência material do Tribunal Arbitral; Região Autónoma da Madeira; Presunção de veracidade das declarações dos contribuintes; Princípio do inquisitório
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I – Relatório

 

 1. No dia 6.02.2014, A..., UNIPESSOAL, LDA, pessoa coletiva nº ..., com sede no Edifício …, Funchal, requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do art. 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação do ato de liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas nº 2013 ... e compensação nº 2013 ..., de 23.10.2013, bem como o ato de liquidação de juros compensatórios nº 2013 ... e do ato de liquidação de juros de mora nº 2013 ..., todos relativos ao exercício de 2012, no valor total 30.585,02 €.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

            Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do art. 6.º do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 8.04.2014.

 

3. A reunião prevista no artigo 18º do RJAT teve lugar no dia 3.07.2014, pelas 14 horas.

 

4. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, são, sinteticamente, os seguintes:

 

4.1. No dia 31.05.2013, a Requerente submeteu a declaração Modelo 22 de IRC, referente ao exercício de 2012.

4.2.Esta declaração originou a liquidação de IRC nº 2013 ..., datada de 20.06.2013, com prejuízos fiscais de € 2.549.238,41 e nenhum imposto a pagar, porquanto em 2012 foram efetuados pagamentos especiais por conta de € 70.000,00 e sofridas retenções na fonte de € 7.124,45.

4.3. Ao ser alertada pela Autoridade Tributária (doravante AT) que a declaração em causa apresentava lapsos, e porque ainda dispunha de prazo para o efeito, a Requerente decidiu fazer uso da faculdade prevista no artigo 122º, nºs 1 e 2 do CIRC e apresentar uma declaração de substituição relativa a 2012.

4.4. Em 25.07.2013, a Requerente submeteu uma declaração de substituição Modelo 22 de IRC do exercício de 2012, a qual foi aceite e identificada pelo nº ....

4.5. No campo 313 desta declaração de substituição Modelo 22 (“lucro tributável”) a Requerente inscreveu a quantia de € 2.771.670,16.

4.6. No campo 314 (“prejuízos fiscais dedutíveis”) a Requerente inscreveu o montante de € 36.412.922,85 pois tinha este montante total de prejuízos disponíveis para efeitos de dedução aos lucros, os quais foram acumulados ao longo dos exercícios de 2007, 2009, 2010 e 2011.

4.7. Ao lucro apurado em 2012 foram deduzidos prejuízos fiscais de € 2.078.752,62, conforme quantia inscrita no campo 320 da declaração de substituição Modelo 22, valor que corresponde a 75% do lucro tributável do exercício.

4.8. Após a submissão da declaração de substituição Modelo 22 e a notificação da liquidação identificada no artigo precedente, a requerente foi notificada pela AT do ofício datado de 13.08.2013 e intitulado “Correção ao valor dos prejuízos fiscais dedutíveis – Período de 2012”.

4.9. Neste ofício, a AT invoca o disposto no artigo 90º, nº 10 do CIRC e alega que o valor dos prejuízos fiscais “evidenciado na declaração modelo 22 do período de 2012, não corresponde aos elementos constantes da base de dados da Autoridade Tribuária e Aduaneira e vai ser objeto de correção na respetiva liquidação”.

4.10. Mais informou a AT que “Desta correção pode apresentar reclamação graciosa ou impugnação judicial nos termos e prazos previstos no artigo 137º do CIRC, quando a notificação lhe for notificada”.

4.11. Ao receber este ofício, a Requerente encetou diligências junto da AT no sentido de obter a fundamentação da recusa de dedução dos prejuízos fiscais indicados na declaração de substituição Modelo 22 do exercício de 2012.

4.12.Em resposta ao seu pedido de fundamentação, no dia 21.10.2013 a Requerente recebeu da Divisão de Liquidação da Direção de Serviços de IRC uma mensagem de correio eletrónico com a seguinte informação:

1.As declarações periódicas de rendimentos modelo 22, relativas aos períodos de 2010 e de 2011, foram enviadas em 2013-03-25 e 2013-03-27, respetivamente, fora do prazo legal e encontram-se certas centralmente.

2.Apresentando as referidas declarações um resultado inferior ao valor apurado na primeira liquidação, promovido oficiosamente pela administração fiscal, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 90º do Código do IRC, não reúnem as mesmas condições para serem liquidadas.”

Mais informava a Direção dos Serviços de IRC: “4.Relativamente à declaração de rendimentos de 2012, o prejuízo fiscal inscrito no campo 320 do quadro 09 vai ser corrigido para o valor de 95.415,76 € resultante da soma do remanescente do prejuízo fiscal de 5.904,42 € de 2007 e 89.511,34 € de 2009.

4.13.Do teor desta mensagem de correio eletrónico, a Requerente depreendeu que a correção à matéria coletável de 2012 resulta da recusa da AT em aceitar a dedução, neste exercício, do montante dos prejuízos fiscais dos exercícios de 2010 e 2011 pelo facto de terem sido efetuadas liquidações oficiosas em decorrência da apresentação intempestiva das declarações Modelo 22 de IRC destes dois exercícios.

4.14. Efetivamente, as declarações Modelo 22 de 2010 e 2011 não foram entregues até ao dia 31 de Maio de 2011 e 2012, respetivamente.

4.15.O facto de as declarações periódicas Modelo 22 de IRC de 2010 e 2011 não terem sido entregues, respetivamente, até 31.05.2011 e 31.05.2012 e de, em consequência, terem sido feitas liquidações oficiosas de IRC não implica que as declarações tenham ficado destituídas de efeito, em particular no que respeita a prejuízos fiscais verificados e declarados nestes dois exercícios.

4.16.De facto, à luz das regras de direito fiscal não se vislumbra em que medida a dedução de prejuízos efetivamente verificados pode ser inviabilizada em virtude de as declarações de rendimentos dos exercícios em que ocorreram terem sido apresentadas para além do prazo normal, gerando liquidações oficiosas de imposto.

4.17.A Requerente não discorda da prática destas liquidações oficiosas de imposto, uma vez que os respetivos pressupostos estavam de facto preenchidos, contestando apenas que estas liquidações oficiosas tenham o efeito de impossibilitar a dedução, no exercício de 2012, de prejuízos efetivamente verificados nos anos anteriores.

4.18. Se a AT não questiona diretamente a existência dos prejuízos, não pode impedir o contribuinte de proceder à sua dedução dentro do espaço temporal delimitado pelo legislador.

4.19.Não é pelo facto de existir uma liquidação oficiosa de IRC resultante de atraso na entrega da declaração de rendimentos que anula ipso facto os prejuízos e o direito de proceder ao seu reporte no espaço temporal definido na lei.

4.20. Aliás, não se vislumbra qualquer norma fiscal que preveja que o direito ao reporte de prejuízos dependa da entrega da declaração de rendimentos até ao dia 31 de Maio.

4.21.Fazer prevalecer as liquidações oficiosas sobre as declarações do contribuinte é subverter os mais elementares princípios de direito fiscal, nomeadamente, os da tributação das empresas pelo rendimento real e o de que as presunções em matéria fiscal são sempre ilidíveis.

4.22. Em consequência do exposto, os prejuízos fiscais regularmente incluídos na declaração Modelo 22 de 2012, reportados a um período compreendido entre 2007 e 2011, devem poder ser deduzidos ao lucro auferido no exercício de 2012, como a requerente fez.

4.23. E mesmo que se mantenham as liquidações oficiosas referentes a 2010 e 2011, a liquidação de IRC ora sindicada deve ser anulada por enfermar de erro quanto aos seus pressupostos de facto.

Por outro lado,

4.24.A declaração de substituição Modelo 22 referente ao exercício de 2012 que identifica os prejuízos fiscais totais e os efetivamente deduzidos foi entregue em 25.07.2013, ou seja, dentro do prazo previsto no art. 122º, nº 2, do CIRC.

4.25.Foi precisamente a inclusão dos prejuízos nesta declaração de substituição que motivou a emissão da notificação datada de 13.08.2013 pelo qual a AT informou que, uma vez que os valores dos prejuízos alegadamente não correspondiam aos elementos constantes da base de dados, procederia a correções em sede de IRC.

4.26.Por razões puramente formais, e à margem da lei, a AT ignorou a realidade e a “solidariedade entre os vários exercícios” imposta pela Lei fiscal, desconsiderando prejuízos que foram declarados à AT mediante a entrega de declaração Modelo 22 consideradas “certas centralmente”.

4.27. A AT não questiona a efetiva verificação destes prejuízos rejeitando o seu reporte em 2012 pela simples circunstância de já existirem liquidações oficiosas.

4.28. Não há dúvida de que a declaração Modelo 22 de substituição referente a 2012, apresentada em 25.07.2013 foi submetida dentro do prazo previsto no artigo 122º, nº 2, do CIRC e, como tal, goza da presunção de veracidade e de boa fé estabelecida no artigo 75º, nº 1, da LGT, o que implica uma inversão do ónus da prova do contribuinte para a AT.

4.29.Tal significa que, no caso concreto, todo o conteúdo da declaração de substituição Modelo 22 relativa a 2012, entregue em 25.07.2013, se presume verdadeiro e de boa fé até prova em contrário pela AT, o que não ocorreu pelo que não pode haver qualquer óbice à utilização destas quantias para efeitos de dedução ao lucro tributável.

4.30. Se a AT discordava dos valores dos prejuízos fiscais inscritos pela Requerente na declaração Modelo 22 de substituição submetida em 25.07.2013, estava obrigada a convolar esta declaração substitutiva em reclamação graciosa e, portanto, não podia ter procedido de imediato a uma liquidação adicional de IRC relativamente a 2012 nos termos do art. 59º, nº 5 do CPPT.

4.31.O objeto da reclamação seria a liquidação que foi efetuada com base na declaração Modelo 22 apresentada inicialmente em 31.05.2013, a qual, como ficou evidenciado com a declaração de substituição entregue em 25.07.2013, não refletia a verdadeira situação tributária da Requerente.

4.32. O que a AT não estava legalmente autorizada a fazer era avançar de imediato para uma liquidação adicional de IRC do exercício de 2012 com fundamento em divergência com o contribuinte sem previamente convolar a declaração substitutiva em reclamação graciosa, como impõe o artigo 59º, nº 5, do CIRC.

4.33. Ao proceder desta forma, a AT omitiu a prática de um ato obrigatório, o que consubstancia um vício de forma do procedimento de liquidação com efeito invalidante da decisão final, a qual se materializa na liquidação adicional ora impugnada, nos termos do art. 135º do Código de Procedimento Administrativo.

4.34.As declarações modelo 22 respeitantes aos períodos tributários de 2010 e 2011, mesmo que sejam consideradas extemporâneas, se não constituírem fundamento para a anulação das liquidações oficiosas efetuadas pela AT devem, pelo menos, servir de fundamento para a correção destas liquidações oficiosas se ainda nos encontrarmos dentro dos 4 anos de caducidade do direito à liquidação, como sucede in casu, o que é imposto pelo princípio constitucional da tributação do lucro real das empresas e pelo princípio do inquisitório consagrado no art. 58º da LGT.

4.35. Se mesmo com a apresentação das declarações de rendimentos de 2010 e 2011 a AT ainda considerasse que os mesmos fossem insuficientes, deveria ter realizado as diligências úteis ao esclarecimento dos factos ou solicitado a apresentação de elementos adicionais, o que não fez.

4.36. A AT não podia desconsiderar os prejuízos declarados relativamente aos exercícios de 2010 e 2011 sem previamente demonstrar que as declarações não refletiam a verdadeira situação fiscal da Requerente, prova que nunca foi realizada em clara violação do princípio do contraditório.

4.37.Assim, verifica-se um vício do procedimento de liquidação, o que deve conduzir à anulação do ato tributário.

4.38. Outra razão pela qual a tese da AT não pode prevalecer é por transformar em inilidíveis as presunções em que se fundam os métodos indiretos, subvertendo a regra do disposto no art. 73º da LGT pois que uma liquidação oficiosa fundada em métodos indiretos deve ceder perante a demonstração, seja qual for o modo que reveste, de que os pressupostos em que assentam não se conformam com a realidade do contribuinte – que é precisamente o que ocorre no caso sub judice

4.39.O que, transposto para o caso concreto, significa que a AT não pode deixar de reconhecer prejuízos fiscais quando estes foram declarados pelo contribuinte, ainda que depois do prazo normal do nº 1 do art. 120º do CIRC, mesmo já tendo sido realizadas as liquidações oficiosas.

4.40. Pelo que, os atos de liquidação ficam inquinados por erro nos pressupostos de facto uma vez que não representam a situação do contribuinte, o que constitui causa de invalidade dos mesmos.           

4.41.Face a todos os argumentos de facto e de direito expostos, o ato de liquidação não pode manter-se na ordem jurídica.

 

 

5. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se por impugnação e por exceção. Na defesa por exceção, alegou a Requerida, em síntese, o seguinte:

5.1.A Requerente tem a sua sede na Zona Franca da Madeira – No Edifício …, no Funchal, Região Autónoma da Madeira.

5.2. O objeto do presente pedido de pronuncia arbitral é a declaração de ilegalidade do ato de liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas nº 2013 ... e compensação nº 2013 ..., de 23.10.2013, bem como o ato de liquidação de juros compensatórios nº 2013 ... e do ato de liquidação de juros de mora nº 2013 ..., todos relativos ao exercício de 2012, no valor total € 30.585,02.

5.3. No que Respeita à Região Autónoma da Madeira, a administração fiscal foi objeto de regionalização.

5.4.Nos termos do art. 112º, nº 1, al. b) do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira aprovado pela Lei nº 13/91 de 5 de Junho, o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas constitui receita fiscal da Região.

5.5.O Decreto-lei nº 18/2005, de 18 de Janeiro, transferiu para a Região Autónoma da Madeira as competências fiscais antes atribuídas à Direção de Finanças da Região Autónoma da Madeira.

5.6. O Decreto Legislativo Regional 27/2008/M, de 3 de Julho, aprovou a adaptação orgânica e funcional da legislação nacional à Região Autónoma da Madeira, tendo, designadamente, sido determinado que um conjunto de competência previstas no CIRC ao Ministro das Finanças e à DGCI se entendam reportadas ao secretário regional com a tutela das finanças e à Direção Regional dos Assuntos Fiscais.

5.7.Entre as competências que passaram a entender-se reportadas à Direção Regional dos Assuntos Fiscais, encontrava-se a prevista, ao tempo, no art. 82º, al. b) do CIRC (atual art. 89º) respeitante à competência para a liquidação.

5.8.Nos termos do art. 15º deste diploma ficou estabelecido que a adaptação legislativa operada pelo mesmo é feita sem prejuízo do disposto no art. 46º do Decreto Regulamentar Regional nº 29-A/2005/M, de 31 de Agosto, diploma que aprovou a orgânica da Direção Regional dos Assuntos Fiscais.

5.9. Sendo que, o art. 46º do Decreto Regulamentar Regional nº 29-A/2005/M, de 31 de Agosto, dispunha, por sua vez, no seu nº 1, que ”Até que se encontrem instalados todos os meios logísticos necessários ao exercício da plenitude das competências e atribuições previstas nos artigos 1º e 2º deste diploma, a DGCI, através dos seus departamentos e serviços, continuará a realização dos procedimentos em matéria administrativa necessários ao exercício das atribuições e competências transferidas para a Região Autónoma da Madeira, incluindo os relativos à liquidação e cobrança dos impostos que constituem receita própria da Região autónoma da Madeira.

5.10.Este diploma veio a ser revogado pelo Decreto Regulamentar Regional nº 2/2013/M que no nº 1, do seu Art. 12º (sob a epigrafe “Cooperação e colaboração reciproca da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) e da Direção Regional dos Assuntos Fiscais”) dispõe: ”Até que se encontrem instalados todos os meios logísticos necessários ao exercício da plenitude das atribuições e competências previstas no art. 2º do presente diploma, a AT, através dos seus departamentos e serviços, continuará a assegurar a realização dos procedimentos em matéria administrativa e informática necessários ao exercício das atribuições e competências transferidas para a RAM, incluindo os relativos à liquidação e cobrança dos impostos que constituem receita própria da RAM.

5.11.Estão vinculados à jurisdição dos tribunais administrativos constituídos sob a égide do CAAD, no que à arbitragem tributária concerne, os serviços que, desde a reorganização decorrente do Decreto-Lei nº 118/2011, de 15 de Dezembro, compõem a Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos do Decreto-Lei, não estando prevista a vinculação da administração fiscal regionalizada.

5.12.Daqui decorrendo a incompetência do Tribunal arbitral.

Por outro lado,

5.13.A legitimidade processual advém da qualidade de parte na relação material, daí resultando o interesse em agir em juízo, bem como o de exercer o contraditório à pretensão deduzida.

5.14.A Requerida no presente pedido e pronúncia arbitral não é parte na relação material pois não é sujeito ativo do imposto uma vez que a Requerente tem a sua sede na Zona Franca da Madeira e a administração fiscal da sua sede ou domicílio é regionalizada.

5.15.Acrescendo que o objeto do pedido arbitral é uma liquidação de IRC, imposto que constitui receita da Região Autónoma da Madeira pelo que, a decisão que viesse a ser proferida nos presentes autos só poderia produzir os seus efeitos em relação à administração fiscal da Região Autónoma da Madeira, com a consequente perda de receita fiscal da Região Autónoma.

5.16.Nestes termos, não está o Tribunal arbitral legalmente habilitado à emissão de uma pronúncia de mérito sobre a pretensão deduzida, impondo-se a absolvição da instância arbitral.

 

Por impugnação, alegou a Requerida, ainda em síntese, o seguinte:

5.17. O apuramento da matéria coletável far-se-á com base nas declarações dos contribuintes, “desde que estes as apresentem nos termos previstos na lei” (art. 59º, nº 2 do CPPT).

5.18.Sendo as declarações apresentadas “nos termos previstos na lei” as mesmas “Presumem-se verdadeiras e de boa fé” (Art. 75º, nº 1 da LGT).

5.19.A apresentação da declaração “nos termos da lei” tem de ser entendido como abrangendo os prazos previstos na lei.

5.20.Se a declaração, no entanto, não for apresentada dentro do prazo legal, a competência da liquidação é devolvida à AT, cabendo a esta proceder à liquidação, ao abrigo das alíneas b) e c) do nº 1 do art. 90º do CIRC.

5.21. No caso dos autos, na falta de apresentação atempada das declarações periódicas, a competência devolveu-se à Direção Regional dos Assuntos Fiscais, sem prejuízo da colaboração prestada pela AT.

5.22. Forçoso é concluir que quando procedeu às liquidações oficiosas a que respeita o presente pedido, a administração fiscal mais não fez do que responder a um imperativo legal.

5.23.Conforme decidiu o tribunal arbitral, também constituído sob a égide do CAAD, no processo nº 10/2013-T “só haverá lugar à presunção de veracidade das declarações apresentadas pelos sujeitos passivos, quando as mesmas forem apresentadas dentro do prazo legalmente estabelecido para tal, conforme referido acima. Ora no caso controvertido sujeito a pronuncia arbitral, a declaração periódica de rendimentos de IRC não podia beneficiar da presunção de veracidade pois a mesma foi apresentada fora de prazo”.

5.24. A Requerente, reconhecendo o facto de ter apresentado as declarações fora do prazo, sem adiantar uma justificação válida para o facto, continua a arrogar-se o direito a ter-se como verídico o seu conteúdo, mas não apresenta qualquer prova da verificação efetiva dos prejuízos que invoca.

5.25.Estando validamente efetuadas as liquidações oficiosas, por métodos indiretos, de acordo com o art. 90º do CIRC, cabia à Requerente a demonstração do excesso da quantificação, conforme decorre das regras gerais de distribuição do ónus da prova consagradas no art. 74º da LGT.

5.26.Quanto ao princípio constitucional da tributação pelo rendimento real refira-se que em nada este sai beliscado no caso dos autos pois que não foi feita prova de qualquer excesso na quantificação e, por outro lado, o art. 104º, nº 2 da CRP introduz um elemento moderador, o advérbio “fundamentalmente”.

5.27. É manifesto que a Requerente poderia ter garantido a sua tributação de acordo com rendimento real que alega ter tido, caso tivesse apresentado a sua declaração periódica em tempo, sujeitando-se à eventualidade de ser verificada a sua situação tributária no espaço de tempo que a lei confere à administração fiscal para o fazer.

 

6. Notificada da resposta apresentada, a Requerida pronunciou-se sobre as exceções suscitadas, quer, oralmente, na reunião prevista no art. 18º do RJAT, quer nas alegações escritas que veio a apresentar, em síntese, nos seguintes termos:

6.1.Não assiste razão à Requerida na invocação de incompetência absoluta do tribunal arbitral, para além de a sua argumentação representar um atentado ao princípio da boa fé que norteia as relações entre a administração e os contribuintes.

6.2.No caso concreto, o ato cuja anulação a Requerente pretende foi praticado pela AT e não por qualquer serviço da RAM.

6.3.Tal como a Requerida reconhece no art. 2º da sua resposta, o objeto do pedido de pronuncia arbitral é a declaração de ilegalidade do ato de liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas nº 2013 ... e compensação nº 2013 ..., de 23.10.2013, bem como o ato de liquidação de juros compensatórios nº 2013 ... e do ato de liquidação de juros de mora nº 2013 ..., todos relativos ao exercício de 2012, no valor total 30.585,02 €.

6.4.Ora, uma simples visualização do Doc. Nº 1 permite constatar que a demonstração de liquidação de IRC está assinada pelo Diretor-Geral da AT, José António de Azevedo Pereira.

6.5.Consta ainda da mesma o logótipo da AT, a indicação “Imposto sobre o Rendimento” e a morada na Av. Engº Duarte Pacheco, 28, 1099-013, Lisboa, Apartado 10062 EC Campolide, 1072-083, Lisboa, na qual funciona a Direção dos Serviços do IRC.

6.6.Nas demonstrações de acerto de contas e de liquidação de juros compensatórios e moratórios anexas à nota de liquidação, e que destas fazem parte integrante, constam igualmente o logótipo e a identificação da AT e ainda a indicação da “Área de Cobrança”, que funciona na Av. João XXI, 76, 1049-065, Lisboa.

6.7. Significa isto que o ato tributário de liquidação que constitui objeto do pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto no art. 2º, nº 1, al. a) do RJAT, foi praticado pela AT e não por um serviço da RAM.

6.8.Incidindo o pedido de pronúncia arbitral sobre um ato da autoria da AT, não se vislumbra como pode legalmente a Requerida eximir-se à jurisdição do CAAD.

6.8.A ser procedente a tese da Requerida, a impugnação ora impugnada teria sempre de ser anulada com fundamento na falta de competência do seu autor.

6.9.Acresce que não existe norma no ordenamento jurídico nacional que tenha retirado à AT o direito de liquidar IRC.

6.10. O poder de liquidar e cobrar os impostos nacionais compete aos serviços sob a administração direta do Estado, tendo as regiões autónomas um mero poder – não dever - de criar os serviços fiscais competentes para a liquidação e cobrança dos impostos de que são sujeitos ativos.

6.11.Acontece que apesar da previsão legal do art. 51º, nº 2, al. a) da LFRA, tal poder atribuído à RAM não se concretizou.

6.12. O próprio Governo regional previu, no art. 12º, nº 1 do Decreto Regulamentar Regional nº 2/2013/M que “Até que se encontrem instalados todos os meios logísticos necessários ao exercício da plenitude das atribuições e competências previstas no art. 2º do presente diploma, a AT, através dos seus departamentos e serviços, continuará a assegurar a realização dos procedimentos em matéria administrativa e informática necessários ao exercício das atribuições e competências transferidas para a RAM, incluindo os relativos à liquidação e cobrança dos impostos que constituem receita própria da RAM.

6.13. Assim se compreende o teor do art. 51º, nº 4, da Lei das Finanças das Regiões Autónomas que “Os impostos nacionais que constituem receitas regionais e os impostos e taxas regionais devem ser como tal identificados aos contribuintes nos impressos e formulários fiscais, sempre que possível, mesmo que sejam cobrados pela administração fiscal do Estado”.

6.14.Assim, deve ser reconhecida a vinculação da AT à jurisdição arbitral no presente caso porquanto foi a AT que praticou o ato de liquidação que constitui objeto dos presentes autos e a competência para liquidar IRC sobre os sujeitos passivos residentes na RAM pertence legalmente à AT.

6.15.Se assim não for, o que só se perspetiva por mera cautela de patrocínio e sem conceder, estar-se-á perante uma notória violação do princípio da igualdade, assim como uma restrição inadmissível e injustificada do acesso à tutela jurisdicional efetiva (arts. 13º e 20º da CRP).

6.16.Em face do exposto, deve a exceção de incompetência absoluta ser considerada totalmente improcedente.

6.17.Não corresponde à realidade que a AT não seja parte na relação material subjacente ao litígio e que não tem legitimidade para ser demandada pela via arbitral, pois foi a Requerida que efetuou o ato de liquidação de IRC cuja declaração de ilegalidade foi requerida ao Tribunal Arbitral.

6.18.Como autora do ato tributário sindicado, a AT tem interesse direto em contradizer uma vez que é o sujeito ativo da relação jurídico-tributária estabelecida com a Requerente, já que é responsável pela liquidação e cobrança do IRC.

6.19.Seria incongruente para não dizer atentatório das mais elementares regras de boa fé, que a AT praticasse uma liquidação de imposto e posteriormente não pudesse ser chamada a juízo para se pronunciar sobre a ilegalidade de um ato que ela própria praticou.

6.20.Não se verifica, portanto, a ilegitimidade passiva da ATA devendo, também esta exceção, ser julgada improcedente.

 

7. Nas alegações escritas que apresentou, no que respeita ao mérito da causa, a Requerente, manteve, no essencial, as posições já expressas na petição inicial.

A Requerida não apresentou alegações.

 

8. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

 

II – Matéria de facto relevante

 

9. O tribunal considera provados os seguintes factos:

1.                  A Requerente é uma sociedade comercial que está licenciada, desde 10.10.2002, para o exercício da sua atividade, na Zona Franca da Madeira.

2.                  No dia 31.05.2013, a Requerente submeteu junto da Autoridade Tributária e Aduaneira a declaração Modelo 22 de IRC, referente ao exercício de 2012.

3.                  Esta declaração originou a liquidação de IRC nº 2013 ..., datada de 20.06.2013, com prejuízos fiscais de € 2.549.238,41 e nenhum imposto a pagar.

4.                  Este ato tributário foi comunicado à Requerente pela Autoridade Tributária e Aduaneira, Imposto sobre o Rendimento, Av. Engenheiro Duarte Pacheco, 28, 1099-013 Lisboa, sendo a notificação assinada pelo Diretor-Geral dos Impostos, José António de Azevedo Pereira.

5.                  Na mesma notificação refere-se que o contribuinte “Pode reclamar ou impugnar nos termos e prazos estabelecidos nos artigos 137º do CIRC e 70º e 102º do CPPT, contados continuamente após a data da presente notificação, a qual se considera efetuada no momento em que o destinatário aceda à caixa postal eletrónica ou, no caso de ausência de acesso à mesma, no 25º dia posterior ao seu envio”.

6.                  Com data de emissão de 1.06.2013 a foi enviada à Requerente pela Autoridade Tributária e Aduaneira uma notificação, assinada pela Diretora dos Serviços de IRC, Helena Pegado Martins, comunicando a existência do seguinte erro na declaração Mod. 22 de IRC “D7E ANEXO –C PREENCHIDO E MATÉRIA COLECTÁVEL NULA”.

7.                  Na sequência desta comunicação, em 25.07.2013, a Requerente submeteu uma declaração de substituição modelo 22 de IRC, junto da ATA a qual foi aceite e identificada pelo nº ....

8.                  Do confronto entre as duas declarações resultam as seguintes diferenças:

8.1-A primeira declaração apresenta um resultado líquido do período negativo de – 2.634.390,56 € enquanto a segunda apresenta um resultado positivo de 2.658.546,30 €.

8.2-A primeira declaração apresenta no campo 724 (“IRC e outros imposto incidentes sobre lucros”) o valor de zero  enquanto a segunda apresenta um valor de 27.970,71 €.

8.3-A primeira declaração apresenta prejuízos fiscais de 2.549.238,41 €, enquanto a segunda apresenta um valor de zero prejuízos fiscais.

8.4-A primeira declaração apresenta zero  de lucro tributável enquanto a segunda apresenta 2.771.670,16 € de lucro tributável.

8.5-A primeira declaração apresenta zero  de prejuízos fiscais dedutíveis, enquanto a segunda apresenta 36.412.922,85 € de prejuízos fiscais dedutíveis.

8.6-A primeira declaração apresenta zero  de prejuízos fiscais deduzidos enquanto a segunda apresenta 2.078.752,62 €.

8.7-A primeira declaração apresenta zero  de matéria coletável enquanto a segunda apresenta 692.917,54 €.

8.8-A primeira declaração apresenta zero  de coleta enquanto a segunda apresenta 27.716,70 €.

8.9-A primeira declaração apresenta zero de pagamento especial por conta enquanto a segunda apresenta 70.000,00 €.

8.10-A primeira declaração apresenta zero de retenções na fonte enquanto a segunda apresenta 7.124,45 €.

8.11-A primeira declaração apresenta zero de valor a recuperar enquanto a segunda apresenta 7.124,45 € de valor a recuperar.

9.Após a submissão da declaração de substituição Modelo 22, a Requerente foi notificada pela AT do ofício datado de 13.08.2013, assinada pela Diretora dos Serviços de IRC, Helena Pegado Martins, comunicando a correção ao valor dos prejuízos fiscais dedutíveis, respeitante ao período de 2012, de 2.078.752,62 € para 0,00 €.

10.Mais informou a AT que “Desta correção pode apresentar reclamação graciosa ou impugnação judicial nos termos e prazos previstos no artigo 137º do CIRC, quando a notificação lhe for notificada”.

11.Ao receber este ofício, a Requerente encetou diligências junto da AT no sentido de obter a fundamentação da recusa de dedução dos prejuízos fiscais indicados na declaração de substituição Modelo 22 do exercício de 2012.

12.Em resposta ao seu pedido de fundamentação, no dia 21.10.2013 a Requerente recebeu da Divisão de Liquidação da Direção de Serviços de IRC uma mensagem de correio eletrónico da autoria do Chefe de Divisão, Bruno Lagos, com a seguinte informação:

1.As declarações periódicas de rendimentos modelo 22, relativas aos períodos de 2010 e de 2011, foram enviadas em 2013-03-25 e 2013-03-27, respetivamente, fora do prazo legal e encontram-se certas centralmente.

2.Apresentando as referidas declarações um resultado inferior ao valor apurado na primeira liquidação, promovido oficiosamente pela administração fiscal, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 90º do Código do IRC, não reúnem as mesmas condições para serem liquidadas.

3.Pode reclamar ou impugnar as referidas liquidações oficiosas nos termos e condições referidos no artigo 137º do Código do IRC.

4.Relativamente à declaração de rendimentos de 2012, o prejuízo fiscal inscrito no campo 320 do quadro 09 vai ser corrigido para o valor de 95.415,76 € resultante da soma do remanescente do prejuízo fiscal de 5.904,42 € de 2007 e 89.511,34 € de 2009.”

13.Em resultado deste entendimento, a Administração Fiscal e Aduaneira, através da Direção Geral dos Impostos, efetuou as liquidações ora contestadas, as quais consistem em ato de liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas nº 2013... e compensação nº 2013 ..., de 23.10.2013, bem como o ato de liquidação de juros compensatórios nº 2013 ... e do ato de liquidação de juros de mora nº 2013 ..., todos relativos ao exercício de 2012, no valor total 30.585,02 €.

14.A declaração modelo 22 do exercício de 2010 foi entregue no dia 25.03.2013 e a declaração respeitante ao exercício de 2011 foi submetida à AT no dia 13.12.2011 e substituída por outra no dia 27.03.2013.

15.Na declaração modelo 22 respeitante ao exercício de 2010 foi apresentado um prejuízo fiscal de 31.397.671,29 €.

16.Na primeira declaração modelo 22 de 2011 foi apresentado um prejuízo fiscal de 36.882.683,53 € e na segunda o prejuízo fiscal de 4.925.740,22 €.

17.Em ambos os casos, a não apresentação atempada da declaração levou a AT a efetuar liquidações oficiosas de IRC, nos termos do disposto no art. 90º, nº 1, al. b) do CIRC tendo, relativamente a 2010, sido emitida a liquidação oficiosa nº 2011 ..., datada de 30.11.2011 e relativamente a 2011 a liquidação oficiosa nº 2012 …, datada de 20.11.2012, das quais não resultou qualquer imposto a pagar.

 

10. Factos não provados:

 

Com interesse para a decisão da causa, não se provou que nos períodos tributários de 2010 e 2011 a Requerente teve prejuízos fiscais.

 

11.A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se no que respeita aos factos considerados provados, nos documentos juntos pela Requerente como documentos 1 a 12, não contrariados pelos elementos constantes do processo administrativo, nem impugnados pela Requerida.

A prova do facto número 1 resulta do documento nº 1 e das posições das partes expressas nos articulados; A prova do facto número 2 resulta do documento número 2; A prova do facto número 3 resulta do documento número 3; A prova do facto número 4 resulta do documento número 3; A prova do facto número 5 resulta do documento número 3; A prova do facto número 6 resulta do documento número 4; A prova do facto número 7 resulta do documento número 5; A prova dos factos constantes do número 8 resulta dos documento números 2  e 5; A prova do facto número 9 resulta do documento número 6; A prova do facto número 10 resulta do documento número 6; A prova do facto número 11 resulta do documento número 7; A prova do facto número 12 resulta do documento número 7; A prova do facto número 13 resulta especialmente do documento número 1 – notificação de liquidação endereçada à Requerente pela Autoridade Tributária e Aduaneira, Imposto sobre o Rendimento, Av. Engenheiro Duarte Pacheco, 28, 1099-013 Lisboa, e assinada pelo Diretor Geral dos Imposto José António de Azevedo Pereira, mas também de todos os demais documentos que sustentam a prova dos factos nºs 2 a 12 e que demonstram a intervenção da Requerida em todos os atos do procedimento que precederam as liquidações em causa; A prova do facto número 14 resulta dos documentos números 8, 9 e 10; A prova do facto número 15 resulta do documento número 9; A prova do facto número 16 resulta dos documentos número 8 e 10; A prova do facto número 17 resulta dos documentos números 11 e 12.

 

A decisão quanto à matéria de facto não provada assenta na ausência de produção de prova relativamente a tal matéria, sem prejuízo do que adiante se dirá sobre o ónus da prova de tais factos.

 

-III- O Direito aplicável                                                                            

 

Exceção de incompetência absoluta do tribunal

 

12. Estão em causa, nos presentes autos, atos tributários de liquidação praticados pela AT.

A Requerida, todavia, referindo que o IRC foi um dos impostos regionalizados, invocando os arts. 225º e 227º, nº 1, al. i), da Constituição, o art. 107º, o art. 112º, nº 1, al. B) do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei nº 13/91, de 5 de Junho, o Decreto Legislativo Regional 27/2008/M de 3 de Julho, o art. 12º do Decreto Regulamentar Regional nº 2/2013/M, sustenta a incompetência do Tribunal Arbitral.

Sustenta a Requerida que relativamente aos Tribunais arbitrais, constituídos sob a égide do CAAD, não está “prevista a vinculação da administração fiscal regionalizada, uma vez que esta não faz parte da AT- Autoridade Tributária e Aduaneira, entidade sucessora da DGCI e da DGAIEC, nos termos previstos no referido Decreto-Lei nº 118/2011, de 15 de Dezembro”.

 

Vejamos.

 

13. Nos termos do art. 2º, nº 1, al. a) do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das pretensões tendentes “À declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta.

De acordo com o art. 4º, nº 1, do mesmo diploma “A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.”

 

14. Pelo art. 1º da portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, a Requerida vinculou-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que, nos termos do art. 2º “tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida referidas no do art. 2º do Decreto_Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro”, não estando o ato tributário sub judice abrangido por qualquer das exceções previstas nas alíneas a) a d) deste artigo.

 

15.De acordo com o art. 140º do Estatuto Politico-Administrativo da Região Autónoma da Madeira (Lei nº 13/91 de 5 de Junho com as alterações introduzidas pelas leis 130/99 de 21.08 e 12/2000 de 21.06):

 “As competências administrativas regionais, em matéria a exercer pelo governo e administração regionais, compreendem:

a)                 A capacidade fiscal de a Regiões Autónoma da Madeira ser sujeito activo dos impostos nelas cobrados, quer de âmbito regional, quer de âmbito nacional, nos termos do número seguinte;

b)                 O direito à entrega, pelo estado, das receitas fiscais que devam pertencer-lhes;

 

Por sua vez, nos termos do nº 2 do mesmo artigo “A capacidade de as Regiões autónomas serem sujeitos activos dos impostos nela cobrados compreende:

a)                 O poder de os Governos regionais criarem os serviços fiscais competentes para o lançamento, liquidação e cobrança dos impostos de que é sujeito ativo;

 

16. Simetricamente, determinava o art. 39º da primeira Lei de Finanças das Regiões Autónomas (Lei nº 13/98 de 24 de Fevereiro)

 

As competências administrativas regionais, em matéria fiscal a exercer pelos governos e administrações regionais, compreendem:

(…)

b)                 A capacidade fiscal de as Regiões Autónomas serem sujeitos activos dos impostos nelas cobrados, quer de âmbito regional, quer de âmbito nacional, nos termos do número 2 do presente artigo;

c)                  O direito à entrega, pelo estado, das receitas fiscais que devam pertencer-lhes, de harmonia com o nº 1 do artigo 10º;”

 

Por sua vez, nos termos do nº 2 do mesmo artigo “A capacidade de as Regiões autónomas serem sujeitos activos dos impostos nelas cobrados compreende:

a)                 O poder de os Governos regionais criarem os serviços fiscais competentes para o lançamento, liquidação e cobrança dos impostos de que são sujeitos ativos;”

 

 

17.Nos termos do art. 1º, nº 1 do Decreto-Lei nº 18/2005 de 18 de Janeiro “São transferidos para a Região Autónoma da Madeira as atribuições e competências fiscais que no âmbito da Direção de Finanças da Região Autónoma da Madeira e de todos os Serviços dela dependentes vinham sendo exercidas no território da Região pelo Governo da República, sem prejuízo (…)”.

E, nos termos do nº 2 do mesmo preceito legal “Compete a Governo Regional da Região Autónoma da Madeira exercer a plenitude das competências previstas na Constituição e na lei em relação às receitas fiscais próprias, praticando todos os actos necessário à sua administração e gestão”.

Ainda de acordo com o nº 2 do mesmo diploma “Por decreto regulamentar regional será criado um organismo com vista à prossecução na Região Autónoma da Madeira das atribuições e competências cometidas à Direção de Finanças da Região Autónoma da Madeira, extinta pelo presente diploma nos termos do nº 3 do artigo anterior.”

Por outro lado, nos termos do art. 4º, nº 1, do mesmo diploma “Enquanto não for criado o novo organismo de âmbito regional, manter-se-ão as estruturas organizacionais da Direção de Finanças da Região Autónoma da Madeira, ficando o respectivo pessoal afecto funcionalmente à Secretaria Regional do Plano e Finanças”.

 

18.Pelo Decreto Regulamentar Regional nº 29-A/2005/M, de 31.08. o Governo Regional aprovou a estrutura orgânica da Direção Regional dos Assunto Fiscais, dispondo, no nº 1, do art. 1º, que “A Direcção regional dos Assuntos Fiscais, abreviadamente designada por DRAF, é o departamento da Secretaria Regional do Plano e Finanças que tem por atribuições gerais, em relação às receitas próprias da Região Autónoma da Madeira, praticar todos os actos necessários à sua administração e gestão dos impostos sobre o rendimento, sobre a despesa e sobre o património e de outros tributos legalmente previstos (…).”

Todavia, ficou estabelecido no art. 46º, nº 1 do mesmo diploma que “Até que se encontrem instalados todos os meios logísticos necessários ao exercício da plenitude das competências e atribuições previstas nos artigos 1º e 2º deste diploma, a DGCI, através dos seus departamentos e serviços continuará a assegurar a realização dos procedimentos em matéria administrativa necessários ao exercício das atribuições e competências transferidas para a Região Autónoma da Madeira, incluindo os relativos à liquidação e cobrança dos impostos que constituem receita própria da Região Autónoma da Madeira.”

 

19.Por outro lado, nos termos do art. 17º, nº 1, da Lei Orgânica 1/2007, de 19 de Fevereiro, “Constitui receita de cada Região Autónoma o imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas:

a) Devido por pessoas coletivas ou equiparadas que tenham sede, direcção efectiva ou estabelecimento estável numa única região”.

De acordo com o art. 51º, nº 1 da mesma lei “As competências administrativas regionais, em matéria fiscal, a exercer pelos governos e administrações regionais respectivas, compreendem:

a)                 A capacidade fiscal de as Regiões Autónomas serem sujeito activos dos impostos nelas cobrados, quer de âmbito regional, quer de âmbito nacional, nos termos do nº 2.

b)                 O direito à entrega, pelo estado, das receitas fiscais que devam pertencer-lhes, de harmoniza com o disposto nos artigos 14º e seguintes

Por sua vez, nos termos do nº 2 do mesmo artigo “A capacidade de as Regiões autónomas serem sujeitos activos dos impostos nela cobrados compreende:

a)                 O poder de os Governos regionais criarem os serviços fiscais competentes para o lançamento liquidação e cobrança dos impostos de âmbito regional;”[1]

Por outro lado, é de referir que nos termos do nº 4 do art. 51º da mesma Lei “Os impostos nacionais que constituem receitas regionais e os impostos e taxas regionais devem ser como tal identificados aos contribuintes nos impressos e formulários fiscais, sempre que sejam cobrados pela administração fiscal do Estado”.

 

20.Pelo Decreto Legislativo Regional nº 27/2008/M, de 27.05.2008, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira procedeu à adaptação Orgânica e funcional da legislação fiscal nacional à Região Autónoma da Madeira, determinando-se, designadamente, que “as referências legislativas feitas nos artigos (…) 82º[2], al. b)(…) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (…) entendem-se reportadas à Direcção Regional dos Assuntos Fiscais.

 

Porém, no art. 15º do mesmo diploma ressalvava-se que “A Adaptação legislativa operada pelo presente decreto legislativo regional é feita sem prejuízo do disposto no artigo 46º no Decreto Regulamentar Regional nº 29-A/2005/M, de 31 de Agosto, diploma que aprovou a orgânica da Direcção Regional dos Assuntos Fiscais” o que equivale a estabelecer que a DGCI, através dos seus departamentos e serviços continuava a assegurar a realização dos procedimentos em matéria administrativa necessários ao exercício das atribuições e competências transferidas para a Região Autónoma da Madeira, incluindo os relativos à liquidação e cobrança dos impostos que constituem receita própria da Região Autónoma da Madeira.

 

21. A lei Orgânica nº 1/2010, de 29 de Março veio alterar a Lei Orgânica nº 1/2007, modificando a al. a) do nº 2, do art. 51º repondo redação idêntica à constante do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira e da primeira LFRA, acima expostos. Com efeito, ficou novamente a constar desta alínea “O poder de os Governos Regionais criarem os serviços fiscais competentes para lançamento, liquidação e cobrança dos impostos de que são sujeitos activos”.[3]

 

22.O Decreto Regulamentar Regional nº 2/2013, de 28.12.2012, que aprovou a Lei Orgânica Da Direção Regional dos assuntos Fiscais dispõe no seu nº 3 que:

“-Incumbe em especial à DRAF e relativamente às receitas fiscais próprias:

a)                 Assegurar a liquidação e cobrança dos impostos sobre o rendimento, sobre o património e sobre o consumo e demais tributos que lhe incumbe administrar, bem como arrecadar e cobras outras receitas da Região ou de pessoas coletivas de direito público”.

 

Todavia, na senda do Decreto Regulamente Regional 29-A/2005 e do Decreto Legislativo Regional 27/2008/M, estabelece-se no art. 12º, nº 1, que “Até que se encontrem instalados todos os meios logísticos necessários ao exercício da plenitude das atribuições e competências previstas no artigo 2º do presente diploma, a AT, através dos seus departamentos e serviços, continuará a assegurar a realização dos procedimentos em matéria administrativa e informática necessários ao exercício das atribuições e competências transferidas para a RAM, incluindo os relativos à liquidação e cobrança dos impostos que constituem receita própria da RAM

 

23. Conforme escreve Sérgio Vasques “Importa ter presente isto de que o legislador se esqueceu ao editar a LFRA, que os nossos grandes impostos hoje em dia não são verdadeiramente liquidados e cobrados, pelos serviços periféricos da administração tributária, como o eram até ao século passado, mas antes autoliquidados e pagos pelos próprios contribuintes através de um sistema geridos pelos serviços centrais da administração. Este anacronismo da LFRA e dos estatutos político-administrativos dá lugar a incertezas variadas na fixação das competências regionais em matéria tributária, em particular no tocante à Madeira, onde foi levado a cabo um processo de regionalização da administração fiscal com os resultados mais perniciosos através do Decreto-lei 18/2005, de 18 de Janeiro, do Decreto-Legislativo Regional nº 27/2008/M, de 3 de Julho, e do Decreto Regulamentar Regional nº 29-A/2005/M, de 31 de Agosto[4].

 

24.Em todo o caso, resulta do itinerário legislativo acima exposto que a AT nunca deixou de “assegurar a realização dos procedimentos em matéria administrativa e informática necessários ao exercício das atribuições e competências transferidas para a RAM, incluindo os relativos à liquidação e cobrança dos impostos que constituem receita própria da RAM”, incluindo ao abrigo do Decreto Regulamentar Regional nº 2/2013, em vigor à data das liquidações sub judice, pelo que a Requerida disponha dos necessários poderes para a prática das liquidações em causa, podendo ainda considerar-se que, inequivocamente, o imposto em causa estava sujeito à sua administração.[5]

Assim sendo, tendo os atos tributários sido praticados pela Requerida e dispondo a mesma de competência para o efeito, administrando o imposto, não restam dúvidas de que os atos tributários em causa estão sujeitos à jurisdição arbitral nos termos dos arts. arts. 2º, nº 1, al. a) e 4º, nº 1 do RJAT e, ainda, dos arts. 1º e 2º da portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, dispondo o tribunal arbitral de competência.

Assim sendo, improcede a exceção dilatória em causa.

 

 

Ilegitimidade passiva da AT

 

25. Vem ainda a Requerida invocar a ilegitimidade passiva da ATA, alegando não ser esta o sujeito ativo da relação jurídico-tributária, nem titular da relação material controvertida.

Com escreve Jorge Lopes de Sousa, em anotação ao artigo 9º do CPPT “Como se conclui deste nº 4 deste artigo 9º, todas as pessoas que têm legitimidade para intervir no procedimento tributário têm também legitimidade para intervir no processo judicial tributário” (CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO Anotado e Comentado, áreas Editora, 2006, Vol. I, pág. 116).

No caso sub judice, estamos em presença de atos tributários de liquidação praticados pela Requerida, dispondo de competência para o efeito e administrando o imposto.

Ora, tendo a AT legitimidade para o procedimento tributário, como aliás aceitou ao praticar todos os atos do mesmo, incluindo a liquidação, e decorre do art. 9º, nº 1 do CPPT, não pode deixar de se concluir que tem legitimidade para o processo arbitral tributário.

Aliás, é este princípio geral que dimana, também, do direito processual administrativo geral pois que, estando em causa a impugnação de ato administrativo, a legitimidade passiva é conferida  à “pessoa colectiva de direito público ou, no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputável o acto jurídico impugnado[6], o que exclui a ilegitimidade passiva de entidade pertencente a pessoa coletiva diversa do autor do ato.

De resto, como está bom de ver, não faria sentido que a legitimidade para a sustentação judicial dum ato de liquidação pertencesse a outrem que não o seu autor na medida em que é quem o praticou que está em melhores condições para defender a legalidade da sua atuação.

 Neste ponto, na verdade, afigura-se-nos contraditória a posição da AT, ao assumir a sua legitimidade para praticar as liquidações sub judice e não se considerar parte legítima para intervir no processo em que tal ato é sindicado.

Termos em que se declara que a AT detêm, em exclusivo, legitimidade passiva na presente ação, julgando-se improcedente a invocada exceção de ilegitimidade desta entidade.

 

 

DO MÉRITO DA CAUSA

 

26. Tendo a impugnante imputado diversos vícios aos atos tributários impugnados há que determinar a ordem do conhecimento dos mesmos, devendo ser observada a ordem do art. 124º do CPPT, aplicável por força do art. 29º, nº 1, al. a) do RJAT (Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in GUIA DA ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA, Coord. Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, 2013, Almedina, pag. 202).

A procedência de qualquer dos vícios invocados pela requerente conduzirá à anulação do ato tributário. No entanto, o vício de violação de lei é aquele que conduzirá à “mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos” na medida em que a sua eventual procedência impedirá a renovação do ato, o que não sucede com a anulação decorrente dos demais vícios.

Em conformidade, o Tribunal irá apreciar em primeiro lugar do vício de violação de lei.

 

27. Como resulta do probatório, no quadro 314 (“prejuízos fiscais dedutíveis”) da declaração de rendimentos que apresentou em 25.07.2013, respeitante ao período tributário de 2012, a Requerente inscreveu o montante de € 36.412.922,85 os quais alegou terem sido acumulados ao longo dos exercícios de 2007,2009, 2010 e 2011.

A questão a decidir no presente processo prende-se com a questão de saber se pode ou não, a Requerente, deduzir os prejuízos fiscais alegadamente acumulados nos anos de 2010 e 2011.

A Requerida entende que não, alicerçando-se no facto de, relativamente a tais períodos tributários, a Requerente não ter apresentado as suas declarações fiscais no prazo legal, tendo, em consequência, sido emitidas liquidações oficiosas.

 

28. A Requerida entende que pelo facto das declarações de IRC de 2010 e 2011 terem sido apresentadas fora do prazo legal implica a cessação de presunção de veracidade das mesmas e em consequência, passaria a caber à Requerente a prova da efetiva verificação dos prejuízos dedutíveis constantes das mesmas.

Segundo a Requerida, só se presumem verdadeiras as declarações dos contribuintes “apresentadas nos termos da lei”, o que incluiria o prazo de apresentação da declaração. Assim, se a declaração for apresentada fora do prazo não é apresentada “nos termos da lei” e, em consequência não goza da presunção de veracidade.

 

29.O Requerente, diferentemente, entende que a expressão “apresentadas nos termos da lei”, não inclui o respetivo prazo, mas que, se assim se não entender, pelo menos a declaração do ano de 2011, foi apresentada no prazo de um ano a contar do termo do prazo legal.

Adicionalmente a Requerida entende que, mesmo que se entenda que a expressão “nos termos da lei” inclui o prazo, no caso em apreço será relevante o cumprimento do prazo respeitante ao ano de 2012 e não os cumprimentos dos prazos respeitantes aos períodos tributários de 2010 e 2011, uma vez que não são as liquidações respeitantes a tais períodos tributários que estão em causa no presente processo.

 

30.Sobre as liquidações oficiosas previstas nas alíneas b) e c) do nº 1, do art. 90º do CIRC escreve Rui Duarte Morais:

“ O art. 83º, nº 1, al. b) e C), dispõe que, na falta de entrega, na falta de entrega da declaração periódica de rendimentos (grosso modo, a declaração em que se procede ao apuramento do resultado fiscal do exercício anterior), a administração fiscal procederá, oficiosamente, à liquidação, a qual terá por base a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada ( e da qual não poderá resultar imposto em dívida de valor inferior ao “imposto mínimo” a que estão sujeitos os contribuintes abrangidos pelo regime simplificado) ou, na falta de tais dados, os elementos de que disponha.

Temos dúvidas quanto ao sentido desta liquidação oficiosa. Pensamos que o seu objectivo mais não é que prevenir uma eventual caducidade do direito à (a qualquer) liquidação.

O montante assim fixado será, necessariamente, provisório (como, de resto, é também a autoliquidação, uma vez que fica sempre sujeita a uma eventual correcção posterior pela administração fiscal).Na realidade, não faria qualquer sentido que a liquidação oficiosa feita em tais termos pudesse ser havida como adequado substituto da declaração a que o sujeito passivo não procedeu. Para além de tal poder redundar numa vantagem incompreensível para o contribuinte faltoso (ao ser tributado com base no resultado dum exercício anterior poderia pagar menos do que aquilo a que estaria obrigado, por ter acontecido uma evolução positiva dos resultados do seu negócio), significaria abdicar de qualquer pretensão de basear a tributação em causa no lucro (no resultado) real ou, mesmo, normal, desse sujeito passivo.

A falta de cumprimento pelo sujeito passivo parece impor à administração, para além de proceder oficiosamente a uma tal liquidação “provisória”, o dever funcional de, dentro do prazo de caducidade de tal direito, efectuar uma acção inspectiva visando determinar qual o lucro obtido por esse sujeito passivo no exercício em causa e, também, a sua situação actual (Apontamentos ao IRC, almedina, 2007, pag. 208, sublinhados nossos)

 Entendemos que, para boa interpretação e aplicação do regime em causa devem ser especialmente ponderados conjuntamente os princípios do inquisitório e da verdade material e por outro o princípio da praticabilidade, na sua relação com o valor de eficiência administrativa constitucionalmente consagrado no art. 267º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa. Esta ponderação deve, ainda, ser feita à luz do princípio da tributação do rendimento real das empresas, corolário do princípio da capacidade contributiva.

Adicionalmente, poderão, ainda, ser considerados o princípio da proporcionalidade, bem como o princípio “ne bis in idem”. Este, na medida em que entendemos que a aplicação do regime em questão não deverá constituir, na prática, uma sanção para o sujeito passivo, a acrescer à que resulta do Regime Geral da Infrações Tributárias.

No caso em apreço, o atraso na apresentação das declarações fiscais respeitantes aos períodos tributários de 2010 e 2011 legitimam as liquidações oficiosas previstas no art. 90º, nº 1, al. b) do CIRC, bem como a aplicação do regime sancionatório do RGIT.

Por outro lado, conforme resulta dos arts. 75º, nº 1, da LGT, 59º, nº 2, do CPPT e 90º, nº 1, al. a) do CIRC e a jurisprudência vem entendendo[7] a falta de apresentação atempada da declaração do contribuinte retira às declarações apresentadas pelo sujeito passivo a presunção de veracidade, por se entender que a mesma não foi apresentada “nos termos da lei”.

Este entendimento em nada interfere com o art. 73º da LGT, na medida em se admite a prova por parte do sujeito do excesso de quantificação, nos termos do art. 74º, nº 3, do mesmo diploma, o que significa que ao contribuinte é conferido o direito de provar a veracidade da matéria coletável constante da sua declaração não apresentada “nos termos da lei”, através dos meios probatórios gerais.

 

31. O que acaba de ser dito tem pertinência para as liquidações de 2010 e 2011 e não está diretamente em causa nos presentes autos, sendo que o ato de liquidação sub judice respeita ao período tributário de 2012.

As liquidações oficiosas de 2010 e 2011 apenas indiretamente poderiam influenciar a liquidação de 2012, na medida em que o Requerente invoca ter tido prejuízos fiscais em 2010 e 2011 que pretenderia deduzir em 2012, mas tais prejuízos fiscais não foram considerados nas liquidações oficiosas de 2010 e 2011, atenta a natureza das mesmas.

 

32.Independentemente da questão de saber se, neste tipo de liquidações, a AT tem (e se em todos o casos) “o dever funcional de, dentro do prazo de caducidade de tal direito, efectuar uma acção inspectiva visando determinar qual o lucro obtido por esse sujeito passivo no exercício em causa” há que responder à seguinte questão: Têm as liquidações oficiosas de 2010 e 2011 automaticamente consequências noutros períodos tributários? 

A nosso ver nenhuma norma legitima, com base naquelas liquidações oficiosas ou nos atrasos do sujeito passivos que as originaram, o afastamento da presunção de veracidade das declarações do contribuinte, relativamente a outro período tributário, mas tão só nos períodos tributários a que dizem respeito.

Para que a declaração do contribuinte goze da presunção de veracidade, deve ser apresentada “nos termos a lei”, como decorre dos arts. 75º, nº 1, da LGT e 59º, nº 2 do CPPT. E o cumprimento da lei, no que respeita ao tempo da apresentação, é o prazo respeitante ao período tributário em causa.

 Concluímos assim, que estes factos, só por si, não afastam a presunção de veracidade da declaração de rendimentos da Requerente relativamente ao exercício de 2012, desde que esta tenha sido apresentada “nos termos previstos na lei”.

 

33.Cumpre, pois, apreciar a(s) declaração(ões) de rendimentos do contribuinte relativamente ao período tributário em questão.

No caso em apreço, a Requerente apresentou uma primeira declaração em 31.05.2013, da qual resultou um prejuízo fiscal de 2549.238,41 €, não tendo sido apurado imposto liquidado, nem a recuperar.

Na declaração de substituição apresentada em 25.07.2013 foi apurado um lucro tributável de 2.771.670,16 €, prejuízos fiscais dedutíveis de 36.412.922,85 € (que não tinham sido apresentados na primeira declaração), prejuízos fiscais deduzidos no valor de 2.078.752,62 (que consequentemente também não tinham sido apresentados na primeira declaração) e 692.917,54€ de matéria coletável do que resultou uma coleta de 27.716,70 € (por aplicação da taxa de 4%), pagamento especial por conta de 70.000,00 € (que também não havia sido apresentado na primeira declaração) e retenções na fonte de 7.124,45 € (que também não haviam sido apresentadas).

A declaração acaba por apresentar IRC a recuperar de 7.124,45 € (quadro 362 do modelo 22) e um total a recuperar no mesmo valor.

De acordo com a primeira declaração não havia qualquer valor a recuperar.

 

34.Conforme decidiu o tribunal arbitral, também constituído sob a égide do CAAD, no processo nº 10/2013-T, invocado pela Requerida, “só haverá lugar à presunção de veracidade das declarações apresentadas pelos sujeitos passivos, quando as mesmas forem apresentadas dentro do prazo legalmente estabelecido para tal”.

A questão que se coloca nos presentes autos é a de saber se a declaração de rendimentos modelo 22 cuja presunção de veracidade se discute, é, na realidade, uma declaração de substituição de uma primitiva declaração apresentada no prazo legal[8].

Dispõe o art. 59º, do CPPT:

(…)

Nº 3- Em caso de erro de facto ou de direito nas declarações dos contribuintes, estas podem ser substituídas:

(…)

b)Sem prejuízo da responsabilidade contra-ordenacional que ao caso couber, quando desta declaração resultar imposto superior ou reembolso inferior ao anteriormente apurado, nos seguintes prazos:

(…)

II) Até ao termo do prazo legal de reclamação graciosa ou impugnação judicial do acto de liquidação, para a correção de erros ou omissões imputáveis aos sujeitos passivos de que resulte imposto de montante inferior ao liquidado com base na declaração apresentada;

 

Nº 5- “Nos casos em que os erros ou omissões a corrigir decorram de divergência entre o contribuinte e o serviço na qualificação de actos, factos ou documentos invocados em declaração de substituição apresentada dentro do prazo legal para reclamação graciosa, com relevância para a liquidação do imposto ou de fundada dúvida sobre a existência dos referidos actos, facto ou documentos, o chefe de finanças deve convolar a declaração de substituição em reclamação graciosa da liquidação, notificando da decisão o sujeito passivo.”

 

35. Por outro lado, dispõe o art. 122º do CIRC, nos seguintes termos:

“1-Quando tenha sido liquidado imposto inferior ao devido ou declarado prejuízo fiscal superior ao efetivo, pode ser apresentada declaração de substituição, ainda que fora do prazo legalmente estabelecido, e efetuado o pagamento do imposto em falta.

2- A autoliquidação de que tenha resultado imposto superior ao devido ou prejuízo fiscal inferior ao efetivo pode ser corrigida por meio de declaração de substituição a apresentar no prazo de um ano a contar do termo do prazo legal

 

 

36. A nosso ver, o elemento teleológico das normas em causa aponta para uma necessária relação de um mínimo de coerência intrínseca entre a declaração substituída e a declaração de substituição, visando a lei facultar ao contribuinte a possibilidade de corrigir erros cometidos na declaração a substituir, assentando, materialmente, a declaração de substituição, na declaração a substituir.

O regime permite a entrega de uma declaração de substituição, mas não de uma nova declaração desligada da anterior. Se assim não fosse, estaria encontrado um meio de prolongar o prazo de apresentação da declaração de rendimentos, bastando para o efeito apresentar, formalmente, uma qualquer declaração mesmo que totalmente desligada da realidade jurídico-fiscal e da verdade material do sujeito passivo.

 

37.As divergências entre as declarações, no caso sub judice, podem sintetizar-se como se segue:

 

 

Designação do campo

MODELO 22

1ª DECLARAÇÃO

2ª DECLARAÇÃO

Campo

Resultado Líquido do período

701

-2.634.390,56

2.658.547,30

IRC e outros impostos incidentes sobre lucros

724

0

27.970,71

Prejuízo para efeitos fiscais

777

2.549.238,41

0,00

Lucro tributável

778

0

2.771.670,16

Prejuízos fiscais dedutíveis

314

0

36.412.922,85

Prejuízos fiscais deduzidos

320

0

2.078.752,62

Matéria coletável

322

0

692.917,54

Coleta

351

0

27.716,70

Pagamento especial por conta

356

0

70.000,00

Retenções na fonte

359

0

7.124,45

Total a pagar

367

0

0

Total A recuperar

368

0

7.124,45

 

 

Salva à vista a ausência de continuidade entre as duas declarações e a intensa incoerência das mesmas, o que resulta, desde logo, da circunstância de na primeira declaração ser apresentado um resultado líquido negativo de 2.634.390,56 € e de na segunda ter sido apresentado um resultado positivo de 2.658.547,30 €.

Bastaria esta incongruência para se concluir que não se verifica um mínimo de continuidade entre as duas declarações.

Acresce que a incoerência entre as declarações é ainda reforçada pelas demais divergências salientando-se entre as mesmas a apresentação na segunda declaração de prejuízos fiscais dedutíveis no valor de 36.412.922,85 € que não constavam da primeira declaração.

 

38. Por outro lado, no nosso entender, para que uma declaração de substituição, nos termos do art. 122º do CIRC, se possa considerar apresentada “nos termos previstos na lei” para efeitos do art. 75º da Lei Geral Tributária, é necessário que a declaração que visa substituir também o tenha sido.

Acontece que a primeira declaração não foi apresentada nos termos da lei na medida em que, objetivamente, de acordo com a segunda declaração da Requerente, o princípio da boa-fé foi não cumprido na primeira declaração, na medida em que foi violado de modo ativo e intenso o dever de verdade da declaração, componente das obrigações de lealdade e cooperação, inerentes à obrigação de atuar segundo a boa-fé. [9]

Na verdade, determina o art. 48º, nº 2, do CPPT que “O contribuinte cooperará de boa-fé na instrução do procedimento esclarecendo de modo completo e verdadeiro os factos de que tenha conhecimento (…)”.

A Requerente omitiu na primeira declaração respeitante a 2012, factos que havia declarado (extemporaneamente) nas declarações respeitantes a 2010 e 2011 (prejuízos fiscais dedutíveis) e que veio a declarar na segunda declaração apresentada respeitante a 2012, pelo que, só por aqui é seguro concluir que a Requerente violou de modo consciente os deveres de cooperação e de boa-fé.

Por outro lado, segundo as regras da experiência não é razoável admitir que a Requerente estivesse em 31.05.2013 convencida que obteve um lucro tributável negativo de 2.634.390,56 €, tendo em conta que passados cerca de dois meses declarou um resultado positivo de 2.658.547,30 €.

 

Tendo em conta esta factualidade, não se pode aceitar que a segunda declaração do contribuinte goze da presunção de verdade na medida em que a mesma, não tendo sido apresentada no prazo normal, só foi admitida como substituição duma declaração que, segundo o conteúdo da que a viria substituir, objetivamente, viola de modo positivo o dever de verdade a que os contribuintes estão adstritos nas suas declarações para com a AT.

Solução diversa equivaleria a permitir uma situação vantajosa para o contribuinte que viole de modo ativo o dever de verdade, por comparação com o contribuinte que apenas viole o dever de colaboração de modo omissivo, entregando a sua declaração extemporaneamente, o que não é aceitável, porquanto a violação ativa do dever de verdade é mais grave do que a violação dos deveres de cooperação por omissão.

 

39. Acresce que, como escreve António Menezes Cordeiro a propósito da figura do «Tu quoque» “(…) funciona, também, no campo não contratual. Impõe, aí, que quem tenha firmado um direito, formalmente correcto, numa situação jusmaterial que não corresponda à querida pela ordem jurídica não possa, em consequência disso, exercer a sua posição de modo incólume. As possibilidades de exercício são restringidas ou, até, suprimidas – com a consequente extinção do direito implicado[10].

No caso em apreço, ainda que não fosse correta a interpretação do art. 122º que sustentamos, verificar-se-ia a ocorrência desta modalidade do exercício inadmissível de posições jurídicas, na medida em que, em tal hipótese, o direito a apresentar a declaração de substituição, ainda que tivesse sido firmado em termos formalmente corretos (a primeira declaração havia sido apresentada dentro do prazo), assentaria numa situação jus-material não correspondente à querida pela ordem jurídica, porque objetivamente, violadora do dever de agir segundo a boa-fé.

Também nesta medida, porque assente na violação positiva de atuar segundo a boa-fé, não se pode considerar que a segunda declaração tenha sido apresentada nos termos da lei, não gozando, assim, da presunção de veracidade e de boa-fé prevista no art. 75º, nº 1 da Lei Geral Tributária.

 

40. Não gozando a segunda declaração do contribuinte, no caso concreto e pelas razões apontadas, de presunção de veracidade, cabia à Requerente o ónus da prova (objetivo) dos prejuízos fiscais dedutíveis e deduzidos, segundo a mesma declaração. Porém, dos autos não emerge qualquer prova neste sentido, nem o Requerente se propôs realizá-la.

Assim sendo, improcede a invocação de ilegalidade dos atos tributários sub judice, com fundamento no vício de violação de lei.

 

41. A requerente invoca ainda a violação pela Requerida, no procedimento administrativo, do princípio do inquisitório.

Este constitui um dos princípios do procedimento tribuário (art. 55º da LGT) e nos termos do art. 58º da LGT impõe que “A administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido”.

 

Como se decidiu no acórdão do STA de 21-10-2009, proferido no processo nº 0583/09 “O princípio do inquisitório situa-se a montante do ónus de prova”.

Sustenta-se ainda neste aresto que “a necessidade / obrigação da AF intervir no uso do princípio do inquisitório terá sempre a ver com a questão em concreto.”

 

42. No caso dos autos, verifica-se a ocorrência de um conjunto de circunstâncias que merecem ser ponderadas para efeitos de apreciação do respeito do princípio do inquisitório.

A AT na fundamentação da decisão de não aceitar os prejuízos fiscais em causa invoca a entrega não atempada das declarações de rendimentos dos períodos de 2010 e 2011,   não invocando  suspeita de falta de correspondência à realidade dos prejuízos apresentados pela Requerente e, apesar de alegar a extemporaneidade das declarações, refere que as mesmas se encontram “certas centralmente”.

Por outro lado, a AT efetuou a liquidação de acordo com a segunda declaração apresentada pela Requerente, apenas com a ressalva da não aceitação da dedução dos prejuízos fiscais em causa, pelas razões apontadas.

No que respeita aos prejuízos fiscais dedutíveis, esta segunda declaração é coerente com as declarações (tardiamente mas “certas centralmente”) apresentadas relativamente aos períodos de 2010 e 2011.

 

43. Destes factos do  procedimento tributário emerge uma situação de  dúvida objetiva, acerca da efetiva ocorrência dos prejuízos ficais em causa, que deveria ter sido esclarecida no procedimento tributário.

Assim, a nosso ver, no caso concreto, justificar-se-ia que a AT realizasse previamente à liquidação diligências complementares no sentido da descoberta da verdade material, incluindo, no limite, uma inspeção à Requerente. Estas diligências parecem ser até especialmente justificadas, atendendo ao elevado montante de prejuízos fiscais dedutíveis apresentados pela requerente (e que ainda poderão ser deduzidos em períodos tributários posteriores gozando, no nosso entender e de acordo com o acima exposto, gozarão da presunção de veracidade, se apresentados “nos termos da lei”).

A disparidade das duas declarações apresentadas relativamente ao exercício de 2012 é outras das razões que apontariam para a realização duma inspeção tributária à luz do art. 27º, nº 1, al. d), “in fine”, do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária.

Nesta medida, a prossecução e satisfação do interesse público, impunham a realização de diligências destinadas à descoberta da verdade material.

No mesmo sentido, apontaria o princípio da imparcialidade expressamente mencionado no art. 55º da LGT e constitucionalmente consagrado no art. 266º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa.

 

44. A inobservância dos deveres legais pela Requerente, que acima se apontou, não constitui  motivo de dispensa de observância do princípio do inquisitório pela Requerida. Aqueles comportamentos têm consequências desfavoráveis para a Requerente noutras sedes, designadamente em termos de presunção de veracidade da declaração e em sede de infração fiscal.

Na verdade, como escreve Jorge Lopes de Sousa “No caso de os particulares não cumprirem os deveres de colaboração que a lei lhe impõe, a administração tributária não está dispensada de averiguar os factos que interessem à decisão do procedimento, como deriva do princípio do inquisitório, enunciado no art. 58º da LGT, e está previsto no art. 91º, nº 2, do CPA.”[11]

 

45. Tudo ponderado, considera-se que, no caso concreto, a AT não realizou no procedimento todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, tendo violado o art. 58º da Lei Geral Tributária, o que constitui fundamento de ilegalidade do ato tributário, pois, como escrevem Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa “(…) a falta de realização pela administração tributária de diligências que lhe seja possível levar a cabo ou a falta de solicitação aos interessados de elementos probatórios necessários à Instrução do procedimento, constitui vício deste, suscetível de implicar a anulação da decisão nele tomada[12]

Assim sendo, os atos de liquidação em apreciação não podem permanecer na ordem jurídica, impondo-se a sua anulação.

Fica assim prejudicada a apreciação do outro vício de forma alegado pela Requerente consistente na alegada omissão de convolação da declaração de substituição em reclamação, prevista no art. 59º, nº 5, do Código de Procedimento e Processo Tributário.

 

 

 

-IV- Decisão

 

            Assim, decide o Tribunal arbitral:

a)       Julgar improcedentes a exceção dilatória de incompetência do tribunal arbitral e a exceção dilatória de ilegitimidade, invocadas pela Requerida.

b)      Julgar procedente a impugnação, com o fundamento indicado e, em consequência, declarar a anulação dos atos tributários impugnados.

 

Valor da ação: 30.585,02 € (tinta mil quinhentos e oitenta e cinco euros e dois cêntimos) nos termos do disposto no art. 315.º n.º 2, do CPC e 97.º-A,n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Custas pela Requerida, no valor de 1836,00 €, nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.

 

Lisboa, CAAD, 26 de Setembro  de 2014

 

O Árbitro

 

 

            (Marcolino Pisão Pedreiro)

 



[1]Como se observa na decisão arbitral proferida no processo 260/2013 de 6.05.2014 “Da análise desta norma, verifica-se que, legalmente e não obstante referir-se que são sujeitos activos dos impostos nela cobrados, quer de âmbito regional quer de âmbito nacional, apenas é conferida competência às Regiões Autónomas para criarem os serviços fiscais competentes para o lançamento, liquidação e cobrança dos impostos de âmbito regional”.

[2] Atual art. 90º do CIRC.

[3] Curiosamente, com a atual LFRA, nº 1/2013 (entrada em vigor em 1.01.2014) ocorreu nova alteração neste ponto, com a reposição, no nº 2, al. a) do Art. 61º, da redação do art. 51º, nº 2, al. a) da Lei 1/2007.

 

[4] Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2011, pág. 324, nota 522.

[5] Em sentido diverso, numa situação em que a matéria factual era, também, diversa cfr. a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral no processo 89/2012-T, que pode ser consultado no site oficial do CAAD, in www.caad.org.pt.

[6] Art. 10º, nº 2 do CPTA.

[7] Cfr. Acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral no proc. 10/2013-T de 5.07.2013 (que pode ser consultado no site www.caad.org.pt) e Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 30.03.2006, proferido no proc. 00272/04, 2ª Secção que pode ser consultado no site www.dgsi.pt).

[8] Contrariamente à situação dos dois arestos citados/referidos. Em tais casos, discutia-se, designadamente, a presunção de veracidade de declarações fora do prazo legal e sem que se destinassem a substituir outra declaração.

[9] O Tribunal não pode formular qualquer juízo sobre a correspondência ou não correspondência à realidade da segunda declaração na medida em que as partes não produziam qualquer prova sobre tal matéria.

[10] DA BOA FÉ NO DIREITO CIVIL, Vol. II, Coleção Teses, Almedina, 1985, pág. 851.

[11] Código de Procedimento e Processo Tributário Anotado e Comentado, Volume I, 2006, pág. 412.

 

[12] Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4ª Ed., 2012, Encontros da Escrita, pág. 488.