Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 93/2022-T
Data da decisão: 2022-09-26  IRS  
Valor do pedido: € 21.264.201,00
Tema: IRS - Transparência fiscal. Dedução à coleta de benefícios fiscais. Anulação administrativa.
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Sumário:

A dedução à coleta de despesas de investigação e de desenvolvimento elegíveis no âmbito do sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial (SIFIDE II), quando haja lugar à imputação da matéria tributável aos sócios de sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal, rege-se pelo disposto no artigo 90.º do Código do IRC, não sendo aplicável o limite estabelecido no artigo 78.º, n.º 7, do Código do IRS.

 

DECISÃO ARBITRAL

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório

 

1. A..., contribuinte n.º..., com domicílio fiscal na Rua ..., ...-... Lisboa B..., contribuinte n.º..., com domicílio fiscal na Rua ..., ..., ...-... Lisboa, C..., contribuinte n.º ... e D..., contribuinte n.º..., ambos com domicílio fiscal na Rua ..., vêm requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade dos atos de liquidação n.º 2020..., com o montante a pagar de € 65.547,07, n.º 2020..., com o montante a pagar de € 76.370,00, e n.º 2020..., com o montante a pagar de € 70.724,94, todos referentes a IRS de 2019, e bem assim da decisão de indeferimento tácito do recurso hierárquico interposto na sequência do indeferimento das reclamações graciosas deduzidas contra aqueles atos de liquidação.

 

Fundamentam o pedido nos seguintes termos.

 

Os Requerentes são sócios da sociedade E...– SOCIEDADE DE ADVOGADOS, RL, sujeita ao regime de transparência fiscal previsto no artigo 6.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC).

 

No exercício de 2019, a E... investiu em unidades de participação de um fundo de investimento que tem como objeto o financiamento de empresas dedicadas sobretudo à investigação e desenvolvimento, de acordo com o disposto no artigo 37.º, n.º 1, alínea f), do Código Fiscal do Investimento.

 

Em 21 de Maio de 2020, a E... submeteu junto da Agência Nacional de Inovação um pedido de qualificação do investimento para efeitos de aplicação dos benefícios que se encontravam conexos ao Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE II).

 

Considerando o previsto no artigo 38.º, n.º 1, do Código Fiscal do Investimento, o investimento realizado pela E... deu lugar a uma dedução à coleta no valor global de € 247.500,00.

 

Em maio de 2020, os Requerentes entregaram as respetivas declarações de rendimentos, Declaração Modelo 3 do IRS, relativas ao ano de 2019, declarando no Campo 902, do Quadro 9, do Anexo D, a título de benefício fiscal SIFIDE II, os seguintes montantes: A..., € 66.379,00; B..., € 66.379,00; C..., € 66.379,00.

 

No entanto, quando processou a declaração de rendimentos dos Requerentes, a Administração Fiscal não teve em consideração a dedução à coleta respeitante ao SIFIDE II, que era devida nos termos do disposto no artigo 90.º, n.º 4, do Código do IRC.

 

Como tal, em 17 de setembro de 2020, os Requerentes apresentaram reclamação graciosa, alegando não terem sido considerados os valores que teriam direito a deduzir à coleta em virtude do investimento no SIFIDE II, reclamação que foi deferida por despacho do Diretor Financeiro Adjunto da Divisão da Justiça Tributária de Lisboa, de 18 de novembro de 2020.

 

No entanto, essa decisão foi anulada por despacho do Diretor Adjunto da Direção de Finanças, de 29 de julho de 2021, que determinou o indeferimento da reclamação graciosa. Os Requerentes apresentaram então recurso hierárquico, em 23 de setembro de 2021, que deve entender-se como tacitamente indeferido por não ter sido decidido dentro do prazo legalmente cominado.

 

Entendem os Requerentes, neste condicionalismo, que se verificou a caducidade da anulação administrativa da decisão de deferimento das reclamação graciosas, porquanto, nos termos do artigo 168.º, n.º 1, do CPA, a Administração apenas dispõe de um prazo de seis meses para proceder à anulação dos atos administrativos, e na situação do caso, o deferimento da reclamação ocorreu em 17 de novembro de 2020, ao passo que a revogação desse ato data de 29 de julho de 2021, o que põe em causa os princípios da proteção da confiança e da segurança jurídica, assim como os princípios da colaboração e da boa fé e da verdade material.

 

Por outro lado, como resulta do artigo 90.º do Código do IRC, as deduções à coleta no âmbito das sociedades reguladas pelo princípio da transparência fiscal são determinadas de acordo com as regras do Código do IRC, e não têm como limite o previsto no artigo 78.º, n.º 7, do CIRS, que se refere única e exclusivamente às deduções à coleta aplicáveis a sujeitos passivos em sede de IRS. Acresce que os limites da dedução à coleta previstos no artigo 78.º, n.º 7, do Código do IRS têm em conta a situação pessoal das pessoas singulares e não das pessoas coletivas como é o caso da E... .

 

A Autoridade Tributária, na sua resposta, começa por considerar que a Direção de Finanças de Lisboa procedeu à reapreciação da reclamação graciosa, deferida por despacho de 17 de novembro de 2020, tendo anulado essa decisão através do despacho de 15 de abril de 2021, que foi notificado aos Requerentes, para efeitos do exercício do direito de audição, e que foi convolado em definitivo por despacho de 21 de julho de 2021, não tendo ocorrido uma tripla reapreciação da reclamação graciosa, mas a mera anulação administrativa da decisão inicial de deferimento.

 

Por outro lado, não se verificou a caducidade do direito à anulação administrativa, porquanto o deferimento da reclamação graciosa corresponde a um ato administrativo constitutivo de conteúdo pecuniário, que, nos termos do nº 2 do artigo 168º CPA, pode ser anulado dentro do prazo de um ano a contar da respetiva emissão, pelo que a decisão de anulação administrativa, tendo sido proferida em 29 de julho de 2021, ocorreu ainda dentro do prazo legalmente previsto. 

 

Quanto à dedução à coleta do benefício fiscal, as despesas realizadas pelos Requerentes em 2019 são suscetíveis de integrar «despesas de investigação e desenvolvimento», conforme definido no artigo 36º do CFI, e elegíveis por força do disposto na alínea f) do nº 1 do artigo 37º do mesmo diploma legal, cumprindo os requisitos previstos no capítulo V para que pudessem beneficiar da dedução à coleta.

 

No entanto, essa dedução é feita nos termos do disposto no artigo 90.º do Código do IRC, e, estando em causa uma entidade sujeita ao regime de transparência fiscal, a dedução será imputada aos respetivos sócios de acordo com o disposto no nº 5 desse artigo 90.º do Código do IRC, de acordo com a sua participação na sociedade.

 

Considerando que estamos perante pessoas singulares, relevam ainda as regras previstas no Código do IRS, sendo que as deduções imputadas aos sócios geradas na esfera da sociedade transparente, nos termos do nº 5 do artigo 90º do Código do IRC, são dedutíveis nos termos da alínea k) do nº 1 (benefícios fiscais) e do nº 2 do artigo 78º do Código do IRS (retenções na fonte), com os limites que constam dos nºs. 7 e 8 desse artigo.

E uma vez que os Requerentes têm um rendimento coletável superior ao valor do último escalão do nº 1 do artigo 68º, as deduções à coleta previstas nas alíneas c) a h) e k) do nº 1 do

artigo 78.º do Código do IRS, não podem exceder os € 1.000,00, sendo este limite majorado 5% por cada dependente ou afilhado civil nos agregados com 6 ou mais dependentes.

 

  1. No seguimento do processo, por despacho arbitral de 4 de julho de 2022, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações escritas por não haver novos elementos sobre que as partes se devessem pronunciar.

 

 

  1. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, os árbitros foram designados pelas partes, que designaram o árbitro presidente, e comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 24 de maio de 2022.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro. 

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). 

 

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação 

 

Matéria de facto

 

4. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.

 

 

  1. Os Requerentes A..., B... e C... são sócios da sociedade E... – SOCIEDADE DE ADVOGADOS, RL, pessoa coletiva n.º ..., sujeita ao regime de transparência fiscal previsto no artigo 6.º do Código do IRC.
  2. No exercício de 2019, a E... investiu em unidades de participação de um fundo de investimento que tem como objeto o financiamento de empresas dedicadas sobretudo à investigação e desenvolvimento, de acordo com o disposto no artigo 37.º, n.º 1, alínea f), do Código Fiscal do Investimento.
  3. Em 21 de maio de 2020, a E... submeteu junto da Agência Nacional de Inovação um pedido de qualificação do investimento para efeitos de aplicação dos benefícios que se encontravam conexos ao Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE).
  4. Considerando o previsto no artigo 38.º, n.º 1, do Código Fiscal do Investimento, o investimento realizado pela E... deu lugar a uma dedução à coleta no valor global de € 247.500,00.
  5. Em maio de 2020, os Requerentes entregaram as respetivas declarações de rendimentos, Declaração Modelo 3 do IRS, relativas ao ano de 2019, declarando no Campo 902, do Quadro 9, do Anexo D, os seguintes montantes:

- A..., € 66.379,00; - B..., € 66.379,00; - C..., € 66.379,00.

  1. A Administração Fiscal quando processou a declaração de rendimentos dos Requerentes não teve em consideração a dedução à coleta respeitante ao SIFIDE II, nos montantes referidos na antecedente alínea E). 
  2. Em 17 de setembro de 2020, os Requerentes apresentaram reclamação graciosa contra as respetivas liquidações de IRS relativas ao ano de 2019, alegando que não foram considerados os valores que teriam direito a deduzir à coleta em virtude do investimento no SIFIDE II.
  3. Por despacho de 18 de novembro de 2020, do Diretor Financeiro Adjunto da Divisão da Justiça Tributária de Lisboa, a reclamação graciosa foi deferida, tendo a Administração Tributária concluído que se encontravam reunidos os requisitos para a dedução especifica prevista no artigo 38.º, n.º 1, do Código Fiscal do Investimento e, consequentemente, o valor apurado deveria ser “imputado aos ora reclamantes, na qualidade de sócios, na proporção da sua participação nessa sociedade e ser deduzido ao montante apurado com base na matéria coletável que tenha tido em consideração tal imputação nos termos do n.º 5 do art.º 90.º, do CIRS”.
  4. Por despacho de 15 de abril de 2021, do Diretor de Finanças Adjunto, foi aprovado um projeto de decisão no sentido da anulação da decisão de deferimento da reclamação graciosa de 18 de novembro de 2020, com os seguintes fundamentos:

 

VI – Análise do pedido e parecer […]

2 - Relativamente aos restantes reclamantes, cumpre observar o seguinte:

A pretensão dos ora reclamantes tem enquadramento no art. 35.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31-10 (Código Fiscal do Investimento), no qual se encontra previsto o Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial - SIFIDE II, o qual visa apoiar atividades de investigação e desenvolvimento.

Assim, no âmbito deste incentivo, e nos termos do art. 36.º do CFI, são despesas de investigação, as realizadas pelo sujeito passivo de IRC com vista à aquisição de novos conhecimentos científicos ou técnicos, e despesas de desenvolvimento, as realizadas pelo sujeito passivo de IRC através da exploração de resultados de trabalhos de investigação ou de outros conhecimentos científicos ou técnicos com vista à descoberta ou melhoria substancial de matérias-primas, produtos, serviços ou processos de fabrico.

Nos termos do n.o 1 do art. 38.º do CFI, são beneficiários do SIFIDE II, os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território, que tenham despesas com investigação e desenvolvimento.

As condições para esses sujeitos passivo beneficiarem do SIFIDE II, previstas no n.º 1 do art. 38.º e no art. 39.º do CFI, são as seguintes:

a) Devem ter realizado despesas de investigação e desenvolvimento não comparticipadas a fundo perdido;

b) O seu lucro tributável não pode ter sido determinado por métodos indiretos;

c) Não podem ser devedores ao Estado e à Segurança Social de quaisquer impostos ou contribuições ou tenham o pagamento devidamente assegurado;

Relativamente às despesas elegíveis encontram-se previstas no art. 37.º do CFI, encontrando-se prevista a concretização da usufruição do benefício fiscal, no n.º 1 do art.  38.º do CFI, através da dedução ao valor da coleta de IRC apurado nos termos da al. a) do n.º 1 do art. 90.º do CIRC, nos termos aí previstos.

Realça-se que aquela dedução deve ser comprovada, nos termos do art.  40.º do CFI, através de declaração comprovativa, a requerer pelas entidades interessadas, ou prova da apresentação do pedido de emissão dessa declaração, de que as atividades exercidas ou a exercer correspondem efetivamente a ações de investigação ou desenvolvimento, dos respetivos montantes envolvidos, do cálculo do acréscimo das despesas em relação à média dos dois exercícios anteriores e de outros elementos considerados pertinentes, emitida pela Agência Nacional de Inovação, S. A., no âmbito do sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial, a integrar no processo de documentação fiscal do sujeito passivo a que se refere o artigo 130.º do Código do IRC.

Mais se informa que, no caso em apreço, estamos perante uma sociedade de transparência fiscal, da qual são sócios os ora reclamantes, pelo que, caso estejam observadas as referidas condições em matéria de SIFIDE, a dedução é imputada aos respetivos sócios ou membros, nos termos do n.º 3 do art. 6.º do CIRC, e deduzida, nos termos do n.º 5 do art.  90.º do CIRC, ao montante apurado com base na matéria coletável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo.

Pelo que, cumpre observar se as condições estão verificadas no caso em apreço.

Assim, após consulta ao sistema informático da AT, verifica-se que, no ano em causa, o lucro tributável da referida sociedade não foi determinado por métodos indiretos e não tem dívidas ao Estado e à Segurança Social de quaisquer impostos ou contribuições Cumpre assim aferir se a referida sociedade realizou despesas de investigação e desenvolvimento, nos termos do art. 36.º do CFI.

Através dos documentos juntos aos presentes autos, verifica-se que a sociedade apresentou candidatura ao benefício SIFIDE, submetida a 21-05-2020, para o período 10-01-2019 e 31-12-2019, na qual consta o seguinte:

Relativamente ao ano de 2019, a título de "Participação no capital de instituições de I&D e contributos para fundos destinados a financiar a I&D, o valor de € 300.000,00, despesa suscetível de ser enquadrada na al. f) do n.º 1 do art. 37.º do CFI, não constando qualquer valor a título de subsídios, nem qualquer outra despesa de I&D, quer no ano de 2019, quer nos anos de 2017 e 2018.

Consta ainda a título de crédito fiscal o montante de € 247.500,00 apurado, nos termos do n.º 1 do art.  38.º do CFI.

O referido montante foi calculado da seguinte forma:

€ 300.00,00 x 32,5% = € 97.500,00

€ 300.000,00 x 50% - (0,00 [2017] + 0,00 [2018] / 2 = € 150.000,00

€ 97.500,00 + € 150.000,00 = € 247.500,00

Cumpre ainda referir que foi apresentada declaração comprovativa emitida pela Agência Nacional de Inovação, a 20-07-2020, na qual consta que a referida sociedade requereu, em 21-05-2020, a emissão a declaração necessária à obtenção de um crédito fiscal (dedução à coleta), decorrente das atividades de I&D realizadas em Portugal durante o ano de 2019.

Assim, face aos elementos e documentos analisados, conclui-se que a referida sociedade realizou despesas de I&D suscetíveis de ser enquadradas no art. 36.º e n. 1 do art. 37.º do CFI, estando reunidos os requisitos previstos no art.  38.º e no art. 39.º do CFI.

Pelo que, tendo em conta que as despesas referidas no montante de € 300.000,00 respeitam a uma sociedade de transparência fiscal, deveria o valor apurado, nos termos do n-º 1 do art. 38.º do CFI, de € 247.500,00, ser imputado aos ora reclamantes, na qualidade de sócios, na proporção da sua participação nessa sociedade e ser deduzido ao montante apurado com base na matéria coletável que tenha tido em consideração tal imputação, nos termos do n.º 5 do art.  90.º do CIRC.

O valor apurado, nos termos do n.º 1 do artigo 38.º do CFI (€ 247.500,00), deve: i) ser imputado aos reclamantes, enquanto sócios, na proporção da sua participação nessa sociedade; ii) ser deduzido ao montante apurado com base na matéria coletável que tenha tido em consideração tal imputação, dando-se, assim, cumprimento ao disposto no n.º 5 do artigo 90.º do CIRC.

Contudo, não se contestando estarem reunidas as condições para a sociedade "E...

 - SOCIEDADE DE ADVOGADOS, RC" usufruir do benefício fiscal acima aludido, no ano de 2019, cumpre observar o seguinte:

Entendem os referidos contribuintes que têm direito à dedução à coleta do montante correspondente à sua participação na sociedade (26,82%), isto é € 66.379,50, e como tal declararam no campo 902 do quadro 9 do anexo D das respetivas declarações de

rendimentos esse valor.

No entanto, relativamente às deduções à coleta, dispõe o no 1 do art. 78.º do CIRS, que à coleta são efetuadas, nos termos dos artigos subsequentes, as seguintes deduções relativas:

  1. Aos dependentes do agregado familiar e aos ascendentes que vivam em comunhão de habitação com o sujeito passivo;
  2. Às despesas gerais familiares;
  3. Às despesas de saúde e com seguros de saúde;
  4. Às despesas de educação e formação;
  5. Aos encargos com imóveis;
  6. Às importâncias respeitantes a pensões de alimentos;
  7. À exigência de fatura;
  8. Aos encargos com lares;
  9. Às pessoas com deficiência;
  10. À dupla tributação internacional;
  11. Aos benefícios fiscais.

Estipula o no 3 do mesmo preceito legal que as deduções referidas neste artigo são efetuadas pela ordem nele indicada.

Dispõe a al. c) do n.º 7 do mesmo preceito legal que a soma das deduções à coleta previstas nas alíneas c) a h) e k) do n.º 1 não pode exceder, por agregado familiar, para os contribuintes que tenham um rendimento coletável superior ao valor do último escalão do n.º 1 do artigo 68.º, o montante de € 1.000, sendo este limite majorado em 5% por cada dependente ou afilhado civil nos agregados com 3 ou mais dependentes, conforme dispõe o n.º 8 do artigo 78.º do CIRS.

Ora, no caso em apreço, todos os três contribuintes tiveram, no ano de 2019, um rendimento coletável superior ao valor do último escalão, € 80.640,00. Com efeito, constatou-se o seguinte:

  1. – A...

Rendimento Global: € 324.968,07 Deduções à coleta:

Dependentes (5 dependentes): € 1.200,00 Despesas gerais familiares: € 335,00

Despesas de saúde: € 402,71

Despesas de educação: € 800,00

Exigência de factura: € 30,04

Benefícios fiscais: € 66.379,50

Total de deduções à coleta considerados na liquidação: € 2635,00

 Limite: € 1.000,00

  1. – B... Rendimento Global: €

333.703,77 Deduções à coleta:

Despesas gerais familiares: € 250,00

Despesas de saúde: € 498,55

Encargos com imóveis: € 6,62

Dedução pensão de alimentos: € 4.800,00

Aos benefícios fiscais: € 66.379,50

Total de deduções à coleta considerados na liquidação: € 1.250,00 

Limite: € 1.000,00

  1. – C... Rendimento Global: €

377.077,19

Deduções à coleta:

Dependentes (4 dependentes): € 2.400,00 Despesas gerais familiares: € 500,00

Despesas de saúde: € 399,87

Despesas de educação: € 800,00

Exigência de fatura: € 66,42

Total de deduções à coleta considerados na liquidação: € 4.100,00

Limite: € 1.200,00

Ora, sendo o SIFIDE um benefício fiscal o mesmo é deduzido à coleta por força da alínea k) do n.º 1 do artigo 78.º do CIRS, mas fica sujeito à limitação referida.

Assim, por força da referida limitação, e da necessidade de respeitar a ordem estabelecida no n.º 1 do artigo 78.º do CIRS, não é possível deduzir à coleta a dedução referente aos benefícios fiscais, em concreto a dedução referente ao SIFIDE.

Consequentemente, as liquidações em causa não carecem de qualquer correção, pois como já se constatou aquele benefício fiscal não poderia impactar no resultado do imposto apurado por força da alínea c) do n.º 7 e o n.º 8 do artigo 78.º do CIRS. Concluindo, propõe-se a revogação do despacho de deferimento exarado no presente procedimento de reclamação graciosa.

[…]

VI - Conclusão

Face ao acima exposto e, salvo melhor entendimento, propõe-se:

[…]

O indeferimento da presente reclamação, relativamente aos restantes reclamantes, de acordo com os fundamentos da presente informação. 

 

  1. O projeto de decisão foi notificado aos Requerentes por ofícios de 17 de junho de 2021.
  2. Os Requerentes não exerceram o direito de audição.
  3. Por despacho de 29 de julho de 2021, do Diretor Adjunto da Direção de Finanças, o projeto de decisão foi convolado em definitivo, com base na informação dos serviços que consta dos documentos n.ºs 11, 12 e 13 juntos ao pedido, que aqui se dão como reproduzidos.
  4. Os Requerentes apresentaram recurso hierárquico em 23 de setembro de 2021, que deve ter-se como tacitamente indeferido em 22 de novembro de 2021. N) O pedido arbitral deu entrada em 18 de fevereiro de 2022. 

 

Factos não provados

 

Não há factos não provados que relevem para a decisão da causa.

 

Motivação da matéria de facto

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária.

 

 

            Matéria de direito

 

Caducidade do direito de anulação administrativa

 

5. Os Requerentes começam por suscitar a caducidade da anulação administrativa do anterior ato de deferimento das reclamações graciosas, ocorrido por despacho de 17 de novembro de 2020, alegando que, nos termos do disposto no artigo 168.º, n.º 1, do CPA, a Administração dispunha do prazo de seis meses para proceder à anulação.

 

Importa ter presente, a este propósito, que o novo Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, passou a estabelecer prazos diferenciados para a anulação administrativa (correspondente à anterior figura da revogação anulatória), em detrimento do precedente regime que fixava um prazo uniforme, equivalente ao prazo de impugnação contenciosa, que poderia ser alargado até ao momento da apresentação da resposta pela entidade demandada no processo impugnatório.

 

Para além de ter alargado os poderes de disposição da Administração na pendência de um processo impugnatório, permitindo que a anulação administrativa, quando o ato tenha sido objeto de impugnação jurisdicional, possa ter lugar até ao encerramento da discussão, e não apenas até à resposta, como estava previsto no CPA de 1991 (artigo 168.º, n.º 3)), o novo CPA estabelece diferentes condicionalismos para a anulação administrativa que se destinam a adaptar o prazo aplicável a diferentes tipos de situações.

 

O n.º 1 do artigo 168.º fixa um prazo de seis meses para a anulação administrativa, contado da data do conhecimento pelo órgão competente da causa de invalidade, ou, nos casos de invalidade resultante de erro do agente, desde o momento da cessação do erro, mas que se encontra condicionado a um prazo limite de cinco anos a contar da data da emissão do ato a anular. Mas para os atos constitutivos de direitos, o n.º 2 fixa um prazo de um ano, salvo nos casos previstos nas três alíneas do n.º 4, em que o prazo é ainda de cinco anos.

 

No presente caso, estamos perante um ato constitutivo de direitos, que a lei define como o ato administrativo que atribua ou reconheça situações jurídicas de vantagem ou elimine ou limite deveres, ónus, encargos ou sujeições (artigo 167.º, n.º 3). 

 

Tendo ocorrido o deferimento da reclamação graciosa deduzida pelos Requerentes, com o consequente reconhecimento da dedução à coleta do crédito fiscal resultante de despesas elegíveis a título de benefício fiscal, o deferimento constituiu efeitos jurídicos favoráveis na esfera jurídica dos destinatários, produzindo uma alteração da situação jurídica de que os interessados passaram a beneficiar, caracterizando-se como um ato constitutivo de direitos (cfr.

MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, vol. I, Coimbra, 1973, pág. 454; VIEIRA DE ANDRADE, Lições de Direito Administrativo, 2.ª edição, Coimbra, pág.143). 

 

E, deste modo, não ocorrendo qualquer das situações elencadas no n.º 4 do artigo 168.º, a Administração dispunha do prazo de um ano, a contar da emissão do ato, para a sua anulação administrativa com fundamento em invalidade.

 

Na situação do caso, o que se constata é que o deferimento das reclamações graciosas data de 17 de novembro de 2020 e a anulação administrativa desse ato, mediante a prolação de despacho de indeferimento, é de 29 de julho de 2021, notificado através dos ofícios de 17 de agosto seguinte, e, por conseguinte, a anulação teve lugar ainda dentro do prazo definido no n.º 2 do artigo 168.º do CPA.

 

Acrescente-se que, ao contrário do que é afirmado pelos Requerentes, não se verificou uma sucessiva reapreciação das reclamações graciosas. As impugnações foram inicialmente deferidas por despacho de 17 de setembro de 2020, e na informação dos serviços sobre que foi exarado o despacho de 15 de abril de 2021 foi proposta a anulação do deferimento, que foi notificada aos Requerentes para exerceram o direito de audição prévia. Não tendo os Requerentes exercido o direito de audição, o despacho de 29 de julho de 2021 limitou-se a convolar o projeto de decisão em decisão definitiva, correspondendo à decisão final do procedimento.

 

Nestes termos, os procedimentos de reclamação graciosa seguiram a tramitação comum e a anulação administrativa, operada pelo falado despacho de 29 de julho de 2021, não só é tempestiva como se encontra devidamente fundamentada.

 

Face a todo o exposto, fica prejudicado o conhecimento das questões de constitucionalidade, bem como a invocada violação dos princípios da colaboração e da boa fé e da verdade material.  

 

Dedução à coleta de benefício fiscal no âmbito de sociedades sujeitas ao regime de transparência fiscal

 

6. A única questão em debate, quanto à matéria de fundo, está em saber se a dedução à coleta de despesas de investigação e de desenvolvimento elegíveis no âmbito do sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial (SIFIDE II), se encontra sujeita ao limite estabelecido na alínea c) do n.º 7 (majorado cfr. n.º 8 se aplicável) do artigo 78.º do Código do IRS quando haja lugar à imputação da matéria coletável no rendimento tributável dos sócios de sociedades profissionais no âmbito do regime de transparência fiscal.

 

A Autoridade Tributária, na decisão de indeferimento da reclamação graciosa, não põe em causa que a sociedade realizou despesas de investigação e de desenvolvimento no âmbito do SIFIDE II, no período de tributação de 2019, e reconhece que há lugar a um crédito fiscal no montante de € 247.500,00, apurado nos termos do artigo  38.º, n.º 1, do CFI, que é imputado aos Requerentes na qualidade de sócios da sociedade que efetuou o investimento, na proporção da sua participação social, e é dedutível ao montante apurado com base na matéria coletável que tenha tido em consideração a imputação prevista no artigo 6.º do CIRC,  nos termos do n.º 5 do artigo  90.º do CIRC.

 

O que se discute é se a dedução à coleta que assim deva efetuar-se é influenciada pelo disposto no artigo 78.º, n.º 1, alínea k), e n.º 7, alínea c), do Código do IRS, disposições essas que determinam que a soma das deduções à coleta previstas nas alíneas c) a h) e k) do n.º 1 do mesmo artigo 78.º (onde se incluem as relativas a benefícios fiscais) não podem exceder, para os contribuintes que tenham um rendimento coletável superior ao último escalão a que se refere o artigo 68.º, o montante de € 1000,00.

 

Importa começar por ter presente o regime de transparência fiscal que se encontra regulado no artigo 6.º do Código do IRC, e que, na parte que mais interessa considerar, estabelece o seguinte:

 

 1 - É imputada aos sócios, integrando-se, nos termos da legislação que for aplicável, no seu rendimento tributável para efeitos de IRS ou IRC, consoante o caso, a matéria coletável, determinada nos termos deste Código, das sociedades a seguir indicadas, com sede ou direção efetiva em território português, ainda que não tenha havido distribuição de lucros: 

(...)

  1. Sociedades de profissionais;

(…)

 4 - Para efeitos do disposto no n.º 1, considera-se:  a) Sociedade de profissionais: 

  1. A sociedade constituída para o exercício de uma atividade profissional especificamente prevista na lista de atividades a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS na qual todos os sócios pessoas singulares sejam profissionais dessa atividade;

(…).

 

 O regime especial de tributação caracterizado pela transparência fiscal, para além dos objetivos de combate à evasão fiscal e eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos, tem essencialmente em vista assegurar a neutralidade fiscal relativamente à forma jurídica sob a qual a atividade da sociedade é desenvolvida e que é alcançada através da tributação dos sócios ou membros da sociedade, quer sejam pessoas singulares ou coletivas, tal como se exercessem diretamente a atividade.  

 

Através da imputação da matéria coletável aos sócios, por efeito do regime de transparência fiscal, a sociedade não é tributada em IRC, mas sim nas pessoas dos seus sócios, em sede de IRC ou de IRS, consoante se trate de pessoas coletivas ou singulares.

 

No entanto, ainda que o rendimento dos sócios da sociedade sujeita a transparência fiscal, que sejam pessoas singulares, seja tributado na sua esfera jurídica em sede de IRS como rendimento líquido da categoria B (artigo 20.º, n.ºs 1 e 2, do Código do IRS), a matéria coletável é determinada nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, que regula não só os termos em que se processa a liquidação, com base na obrigação declarativa do sujeito passivo  (n.º 1), como especifica as deduções que podem ser efetuadas ao montante apurado, aí se incluindo as relativas a benefícios fiscais (alínea c) do n.º 2).  Acrescentando o n.º 5 desse mesmo artigo 90.º que as deduções à coleta referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º «são imputadas aos respetivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria coletável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo». 

 

De onde resulta, com evidência, que as deduções ao montante apurado, em que se inclui os benefícios fiscais, são efetuadas de acordo com as regras do Código do IRC, e, especialmente, tendo em atenção as referidas disposições do artigo 90.º (cfr., neste sentido, Manual de IRC, edição da Autoridade Tributária e Aduaneira, Direção de Serviços de Formação) Lisboa, 2016). 

 

É o que se depreende, aliás, do disposto no artigo 6.º do Código do IRC, há pouco transcrito, onde se consigna que é imputada aos sócios «a matéria coletável, determinada nos termos deste Código», ou seja, nos termos do Código do IRC, ainda que passe a integrar o rendimento tributável dos sócios, para efeitos de IRS, quando se trate de pessoas singulares.

 

Nas deduções à coleta no âmbito do regime de transparência fiscal, regulado no Código do IRC, não tem, por isso, aplicação o limite estabelecido no artigo 78.º, n.º 7, do Código do IRS, que se refere às deduções à coleta em sede de IRS.

 

Nem é viável, no plano da hermenêutica jurídica, que o apuramento do imposto venha a ser efetuado através da conjugação de disposições que pertencem a diferentes blocos normativos, que respeitam a diferentes tributos e têm um âmbito de aplicação distinto.

 

Acresce que o próprio CFI, que regula o sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento, esclarece, no seu artigo 38.º, que o valor correspondente às despesas pode ser deduzido ao montante da coleta do IRC, apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC (n.º 1), e a dedução é feita nos termos do artigo 90.º do Código do IRC (n.º 3).

 

Não pode subsistir dúvida, por conseguinte, que as deduções à coleta, no âmbito do regime de transparência fiscal, são efetuadas nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e, em especial, de acordo com o seu n.º 5, não tendo qualquer aplicação ao caso o regime de deduções à coleta em IRS.  

 

O pedido arbitral mostra-se ser, por conseguinte, procedente. Considerando, no entanto, que a causa de pedir se funda exclusivamente na desconsideração da dedução à coleta do benefício fiscal, a anulação dos atos tributários tem por base os montantes dedutíveis, tal como resulta da alínea E) da matéria de facto, e não os montantes totais a pagar que constam das liquidações.

 

Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios

 

7. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.

 

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito. 

 

Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de IRC, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).

 

 

III – Decisão 

 

Termos em que se decide:

 

  1. Julgar procedente o pedido arbitral e anular os atos de liquidação n.º 2020..., n.º 2020 ... e n.º 2020 ..., referentes a IRS de 2019, na parte em que desconsideram as deduções à coleta no montante de € 66.379,00 relativamente a cada um dos Requerentes, e bem assim as decisões de indeferimento das reclamações graciosas contra eles deduzidas e de indeferimento tácito do recurso hierárquico;
  2. Condenar a Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito. 

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 212.642.01, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Notifique.

 

Lisboa, 26 de setembro de 2022,

   

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

Carlos Fernandes Cadilha

 

O Árbitro vogal

 

Manuel Faustino

 

A Árbitro vogal

 

Sofia Ricardo Borges (Vencida, conforme declaração anexa)

 

 

 

Declaração de Voto

 

Votei vencida a Decisão na questão da dedução à colecta. Nos termos e pelos fundamentos que seguem, e sempre com todo o devido respeito.

Começando por um breve enquadramento, resumindo-nos ao essencial e por tópicos.

 

  1. Benefícios Fiscais (BF)

Os BFs operam por via de diferentes técnicas, cada BF em concreto tendo a sua própria modalidade/técnica de atribuição. São exemplos, desde logo, as reduções de taxas, as deduções à matéria colectável, as deduções à colecta, a tributação diferida. Técnicas de atribuição todas elas distintas entre si. À distinção entre “deduções à matéria colectável” e “deduções à colecta” se referia Alberto Xavier[1], entre o mais, assim: “distinguem-se (...) pela diversa natureza da realidade quanto à qual se verifica a dedução: no primeiro caso essa realidade é, como se disse[2], o objecto do imposto; no segundo caso o próprio imposto (prestação tributária) em si mesmo considerado.” A estas mesmas distinções se referem tantos outros AA. Seja como diferentes “tipos de benefícios fiscais”, seja como BFs de distintas naturezas. Seja, como Saldanha Sanches[3], assim: “(...) o legislador pode optar por conceder, ao contribuinte, a possibilidade de deduzir uma certa quantia ao seu rendimento ou, pelo contrário, permitir-lhe deduzir uma certa quantia da sua colecta, ou seja, da sua dívida de imposto.”[4]

A respeito, confirmando-o também, v. o art.º 2.º, n.º 2, do EBF[5].

 

A matéria de BFs é de reserva de lei, os BFs são medidas excepcionais no seio do Sistema Fiscal, e constituem Despesa Fiscal. Na interpretação das normas que os consagram hão-de relevar seja o art.º 11.º da LGT, e por essa via, o art.º 9.º do CC, seja o art.º 10.º do EBF (e v. art.º 11.º do CC). E, aqui, de sobremaneira o levar em linha de conta a teleologia substancial da política económica corporizada.

 

AA) O SIFIDE II

Resulta claramente do regime legal deste BF que o mesmo foi pensado pelo legislador para as sociedades “normais”, “regra”, seja pelo constante das normas específicas do regime, seja pelo enquadramento do mesmo no CFI e o mais que neste Diploma se legisla, num contexto de BFs que traduzem no geral incentivos ou estímulos fiscais às empresas e ao investimento produtivo. Como decorre do seu normativo específico - art.ºs 35.º a 42.º do CFI – as despesas elegíveis são sempre as “realizadas pelo sujeito passivo de IRC” (art.º 36.º), a dedução é utilizável pelos “sujeitos passivos de IRC” que podem deduzir “ao montante da coleta do IRC” (art.º 38.º, n.º 1 e v. também n.ºs 3 e 4), e as obrigações contabilísticas incluem que “A contabilidade dos sujeitos passivos de IRC beneficiários deste regime deve dar expressão ao imposto que deixe de ser pago em resultado da dedução a que se refere o artigo 38.º mediante menção do valor correspondente no anexo às demonstrações financeiras (...)” (art.º 41.º). Para dizer que, o regime se encontra pensado, parece-nos claro, para típicas sociedades de capitais, dirigidas ao lucro e ao reinvestimento produtivo. Vocacionado para empresas tributadas em IRC, pois.

Em parte alguma se referindo o legislador senão (CFI) à colecta de IRC.

O que só por si não impedirá, é certo, que também as sociedades em regime de TF (v. infra) possam usufruir dos mesmos BFs. Ainda assim, a nota parece-nos relevante. O SIFIDE II quando é criado não está pensado para sociedades em regime de TF, para sociedades de profissionais como no caso. A ser aplicado em tal contexto sempre exigirá alguma adaptação.

 

  1. Sociedades em regime de Transparência Fiscal (TF)

As sociedades em regime de TF não são tributadas em IRC – cfr., entre o mais, art.º 12.º do CIRC. Sem prejuízo das obrigações acessórias nesse contexto e da tributação em sede de Tributações Autónomas.

Não obstante, procede-se ao apuramento da respectiva matéria colectável – cfr., entre o mais, art.º 6.º, n.º 1, do CIRC.

“Todavia, à determinação da referida matéria colectável não se segue a liquidação em sentido estrito nem o pagamento do correspondente IRC, uma vez que essa matéria colectável é imputada a cada um dos sócios da sociedade (...). Uma imputação especial que, nos termos do art.º 20.º do CIRS, é feita a título de rendimentos empresariais líquidos, os quais se integram assim no procedimento de liquidação de IRS (...).”[6]

“Pelo que estamos aqui perante uma tributação das empresas cuja disciplina é partilhada pelos Códigos do IRC e do IRS, regulando o primeiro a tributação desse rendimento enquanto rendimento empresarial gerado numa empresa societária, e estabelecendo o segundo uma pessoalização da tributação desse mesmo rendimento através da sua integração no rendimento global relevante em sede de apuramento do IRS a pagar.”[7]

Não ocorre, assim, dívida fiscal de IRC.[8]

Não há colecta de IRC.[9]

 

            BB) Finalidades com que o legislador consagrou o regime de TF

Foram objectivos de neutralidade, combate à evasão fiscal e eliminação da dupla tributação económica dos lucros distribuídos que determinaram o legislador à consagração do regime de TF[10]. E é assim que se procede, por esta via e com estes objectivos, a uma imputação especial: a imputação aos sócios da Matéria Colectável[11] determinada nos termos do CIRC. Como? “Integrando-se [essa matéria colectável] no seu [dos sócios] rendimento tributável”, “para efeitos de IRS ou IRC, consoante o caso”, “nos termos da legislação que for aplicável” – tudo cfr. art.º 6.º, n.º 1 do CIRC.

 

  1. Somos remetidos para o CIRS – “Legislação que for aplicável”, cfr. art.º 6.º do CIRC

Surge assim, pela via que vimos de ver, uma dívida fiscal que é – não de IRC mas sim - de IRS.

Liquidação de IRS, pois.[12] [13]

Sendo que em momento algum o legislador ao criar o regime do BF em questão (SIFIDE II) se referiu à eventual necessidade de afastar quaisquer regras que, por via da Transparência Fiscal, pudessem ser convocadas a aplicar-se.

O que poderia, se assim o intencionasse, ter feito. Como não deixou de fazer em outros casos.[14]

 

            CC) É próprio da tributação em IRS

O IRS é um imposto único e progressivo, conforme pré-determinado pela CRP, e depois concretizado, seja na LGT, seja, específica e desenvolvidamente, no CIRS. Na estruturação desta tributação do rendimento o legislador teve sobremaneira em consideração o Princípio da Igualdade, traduzido em concreto pelo sub-princípio da tributação em função da Capacidade Contributiva. A qual será, aliás, não propriamente a capacidade contributiva individual e isolada do sujeito passivo de per si mas, antes, a capacidade contributiva do seu agregado familiar.

Trata-se do imposto sobre o rendimento que por excelência mais se pautará por ser respeitador da Capacidade Contributiva - v. entre o mais, art.ºs 103.º, n.º 1 e 104.º, n.º 1 da CRP.

 

*

 

Aqui chegados, quid iuris quanto à aplicabilidade ao caso do limite constante do art.º 78.º, n.º 7, al. c)[15] do CIRS?

Estamos perante sujeitos passivos (SP), de IRS, cujos rendimentos se enquadram no último escalão (cfr. art.º 68.º do CIRS). Situação à qual, pela aplicação das normas próprias, normas do CIRS, portanto, se aplica o referido limite.

 

Vem aceite, no acto em crise, o reconhecimento do direito à utilização de um crédito[16] de SIFIDE II. Não vem questionada nem a reunião dos pressupostos de aquisição do respectivo direito, nem a aplicabilidade do mesmo em contexto de sociedade em regime de transparência fiscal sendo os sócios em questão pessoas físicas (pessoas singulares).

 

Vejamos então, sendo então daqui que o Julgador há-de partir.

 

Assente o que se deixou percorrido. Diz-nos o legislador, no art.º 6.º (sob a epígrafe “Transparência fiscal”), n.º 1, do CIRC, que “É imputada aos sócios, integrando-se, nos termos da legislação que for aplicável, no seu rendimento tributável para efeitos de IRS ou IRC, consoante o caso, a matéria coletável, determinada nos termos deste Código, das sociedades a seguir indicadas, (...): / (...) b) Sociedades de profissionais; (...)”.

 

E, por sua vez, no art.º 15.º - “deste Código” – (sob a epígrafe “Definição da matéria coletável”) assim: “1. Para efeitos deste Código: / a) Relativamente às pessoas colectivas (...) referidas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º, a matéria coletável obtém-se pela dedução ao lucro tributável, determinado (...), dos montantes correspondentes a: / 1) Prejuízos fiscais, (...); 2) Benefícios fiscais, eventualmente existentes que consistam em deduções naquele lucro; (...)”.

 

É assim - como acabamos de apreender na lei – que se apura, em IRC, a Matéria Colectável. Até à mesma ser apurada apenas se poderão considerar, a deduzir, Benefícios Fiscais se os mesmos consistirem – tiverem por modalidade de atribuição – em deduções ao Lucro Tributável. E, a partir desse momento, fica apurada a Matéria Colectável. (Sendo, assim, até aí, e só até aí, que tem aplicação o CIRC, como veremos).

 

O SIFIDE II consiste numa (opera através de uma) dedução à Colecta. Que não à Matéria Colectável. Opera, pois, num momento já ulterior ao do apuramento da Matéria Colectável. Cfr. art.º 38.º, n.º 1, do CFI - “(...) podem deduzir ao montante da coleta de IRC apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, (...)”.

 

O montante da Colecta de IRC, a Colecta de IRC, é apurada, sem surpresa, nos termos – também ali se lê – do art.º 90.º, n.º 1, do CIRC. Liquidação de IRC, portanto, aquilo de que no art.º 90.º, n.º 1, se trata – v., também, entre o mais, a letra da al. c) do mesmo n.º 1.

 

Chegados ao art.º 90.º, n.º 2, do CIRC, se dúvidas restassem, e perante o que vimos de ver, constatamos que também da própria letra da lei decorre, lapidarmente quanto a nós, não haver - afinal -, no nosso caso, “montante apurado nos termos do número anterior”. Colecta de IRC.

 

Insista-se: não há colecta de IRC, no caso.

E seria à colecta de IRC que – a esta existir – se deduziriam os possíveis BFs consistentes em deduções à colecta.

 

E quando, no n.º 5 do mesmo art.º 90.º, o legislador remete para “as deduções referidas no n.º 2” está tão só a referir-se, resulta-nos claro, a essas mesmas deduções, conforme ali identificadas por alíneas.

 

Não a mais do que isso. Não já, pois, a uma operação de subtracção dessas mesmas - identificadas/tipificadas por alíneas - deduções a um “montante apurado nos termos do número anterior”, a uma colecta de IRC, pois. Que não existe.

Tais deduções, que o legislador ali convoca-tipifica-identifica, são sim, no caso – v. n.º 5 - “imputadas aos respectivos sócios” e “deduzidas ao montante apurado (...)” – apurado em resultado (resultante) da devida aplicação do art.º 6.º do CIRC (para que ali se remete).

Que não ao “montante apurado nos termos do número anterior” a que o legislador se referia – distinta e diferentemente - no n.º 2, do mesmo art.º 90.º. E que é aquele que se apura por aplicação do respectivo n.º 1. Que será (seria), este sim, uma colecta de IRC.

 

As identificadas deduções são sim - imputadas aos sócios e - deduzidas ao “montante apurado com base na matéria coletável que tenha tido em consideração a imputação prevista no [artigo 6.º]”.

 

Montantes apurados, pois, distintos – o identificado pelo legislador no n.º 1 do art.º 90.º do CIRC (ao qual se reporta igualmente nos números seguintes do artigo) versus o identificado no n.º 5. V. como é clara neste sentido, desde logo, a letra da lei (pela distinta redacção entre o n.º 5 e os n.ºs que o antecedem).

Ou seja, distintas Colectas.

 

As ali tipificadas deduções se indo, assim, deduzir (subtrair) ou:

  1. à colecta de IRC, ou, diferentemente,
  2. à colecta resultante da imputação determinada pelo art.º 6.º do CIRC,

consoante, respectivamente, a sociedade seja uma típica sociedade de capitais (não seja uma sociedade sujeita ao regime de TF) ou seja uma sociedade sujeita ao regime de TF.

 

A “matéria coletável que tenha tido em consideração a imputação prevista no [artigo 6.º]” (cfr. n.º 5 do art.º 90.º) é, afinal, a Matéria Colectável na qual se imputaram os rendimentos transferidos por imputação especial para os sócios, ao se desconsiderar, para o efeito, a personalidade jurídica da Pessoa Colectiva. Ou seja, a Matéria Colectável de IRS, na qual tais rendimentos se encontram, então, já incluídos (imputados, por força do art.º 6.º, n.º 1 do CIRC). E cfr. também art.º 20.º do CIRS. Que estabelece assim (sob a epígrafe “Imputação especial”): “1. Constitui rendimento dos sócios (...) das entidades referidas no artigo 6.º do CIRC, que sejam pessoas singulares, o resultante da imputação efetuada nos termos e condições dele constante, (...).” e “2. Para efeitos do disposto no número anterior, as respetivas importâncias integram-se como rendimento líquido na Categoria B.”[17]

 

E é também assim que, em coerência, se lê, relembre-se, no art.º 12.º do CIRC: “As sociedades e outras entidades a que, nos termos do artigo 6.º, seja aplicável o regime de transparência fiscal não são tributadas em IRC, salvo quanto às tributações autónomas.”  

 

É de Liquidação em IRS a Liquidação[18] de que se trata nos autos. Assim decorre da lei, entre o mais, como vimos. E, se dúvidas houvesse, das Demonstrações de liquidação juntas pelos Requerentes aos autos (docs. 2,3 e 4) (e bem assim, das Declarações Modelo 3 também juntas aos autos).

 

Em coerência, mais uma vez, com o que vem de se expôr mais acima, pode também e ainda ver-se o funcionamento do apuramento em sede de IRC conforme Declaração Modelo 22. Em cujo Quadro 07 – Apuramento do Lucro Tributável – os únicos BFs “utilizáveis” são os que operam “por dedução ao rendimento” – cfr. respectivas Instruções de Preenchimento, e v. campo 774. V. também, em conexão, mais uma vez, o art.º 15.º, n.º 1, al. a) (e v. quadro 310 também, na Modelo 22).

E em cujo Quadro 10, por sua vez, - Cálculo do Imposto (e cfr. respectivas Instruções de Preenchimento também) – as sociedades em regime de TF nada têm a preencher, a não ser quanto ao campo 365 – ref. a TAs. E v. também o campo 355 – que é, este sim, o reportado ao constante do art.º 90.º, n.º 2 do CIRC (v. também, as Instruções de Preenchimento, a respeito).

 

Assim também, e quando no Manual de IRC que vem referido no Acórdão[19] se lê “uma vez que o cálculo do valor imputado é determinado de acordo com as normas do CIRC”, o “valor imputado” que aí se refere é, precisamente, o valor dos rendimentos imputados aos sócios – a Matéria Colectável de IRC, que se vai integrar (integrada, imputada) no seu rendimento tributável para efeitos - então - de IRS ou IRC, consoante o caso (sócio Pessoa Singular / sócio Pessoa Colectiva).

Que se vai integrar, se se quiser assim dizer, na Unidade Fiscal / Unidade jurídica que se detecta na tributação sobre o rendimento das pessoas singulares[20]. Assim, na Colecta de IRS.

 

A Matéria Colectável, que vai nesta sede ser imputada, é pois, terá ficado claro, apurada nos termos do art.º 15.º, n.º 1 do CIRC (e, cfr. também por essa via, art.ºs 17.º e ss). E não, contrariamente ao que se entende na posição que fez vencimento, nos termos do art.º 90.º (cfr. já supra).

 

E, assim, por tudo, nas deduções à Colecta no âmbito do regime de TF, quando de sócios pessoas singulares se trate, tem necessariamente aplicação o limite estabelecido no art.º 78.º, n.º 7 do CIRS. Cfr. também n.º 8. Tudo como processado pela Requerida, bem quanto a nós, nas Liquidações em crise.

 

Nem no caso poderia deixar de operar a conjugação entre os referidos dois Diplomas legais (CIRC e CIRS) por tudo o exposto, e como claramente decorre quanto a nós da lei. O CIRS, em situações como a presente, regula a pessoalização destes rendimentos em sede da determinação do imposto – IRS - a pagar[21]. Liquidação de IRS, insista-se. E ao o CFI se reportar à colecta do IRC – vimo-lo já – carece da adaptação que vimos de ver haver de ser feita – na transferência/transposição dos rendimentos, como supra, para o seio do IRS. Adaptação que se traduz, precisamente, em se aplicarem as regras próprias previstas no CIRS, e que o legislador não cuidou de afastar (cfr. supra).

 

Por fim, e a concluir sem mais delongas, refira-se ainda muito brevemente. A interpretação que vimos de expôr, e que é a que nos é dado ter, é a única que, a nosso ver, acautela o objectivo sagrado, neste contexto, da neutralidade fiscal. Senão pensemos. Os Advogados (pense-se nesta classe de profissionais, como é no caso) em prática da sua actividade através de uma sociedade (TF) veriam aberta a porta à “anulação” dos seus rendimentos em IRS (e do dos seus cônjuges/agregado familiar), rendimentos, recorde-se, oriundos de diversas fontes, e aliás sem qualquer limite à invocada dedução no entendimento por que pugnam (e ao arrepio do que aliás sucede no próprio IRC), por via da aplicação de poupanças/capitais no capital de fundos de investimento (cfr. al. f) do art.º 37.º do CFI. Enquanto que aos Advogados em prática individual (e seus agregados familiares) tanto fica vedado.

(E nem se diga que a falta de neutralidade resultará, assim, para os sócios Pessoas Colectivas das sociedades de TF... desde logo porque a TF poderá em determinadas circunstâncias ser, pelos mesmos, afastada.)

 

Por outro lado, refira-se também, muito sucintamente, não se vê com facilidade a conjugação da aplicação como pretendida pelos Requerentes com a possibilidade, existente (e que ocorre, aliás, em uma das Liquidações nos autos), de opção pelo regime simplificado. Como também não deixa de se ver como significativa, neste contexto, a forma como o legislador tratou, neste contexto, a questão dos Prejuízos Fiscais – v. art.º 52.º, n.º 7 do CIRC. Cautela que – parece-nos – não houve que fazer expressamente para uma situação como a que vem tratada (BF adquirido pela sociedade de TF e pretendido ser utilizado pelo respectivo sócio Pessoa Singular) precisamente por tanto já vir devidamente acautelado – por força do art.º 78.º, n.º 7 – CIRS.

 

E agora sim por fim, diga-se. Tendo em consideração os fins da TF, que também são, os de evitar a evasão (vimos) e combater o planeamento fiscal ilegítimo. Não deixamos de notar que – no seio de um instituto pelo qual, desconsiderando-se a personalidade colectiva para efeitos de tributação do rendimento, se pretendeu fazer também face ao denominado “abuso de pessoa colectiva”, uma fórmula como a seguida pelos Requerentes, e que na posição que fez vencimento vem confirmada na Ordem Jurídica, revela, em alguma medida, a utilização do instituto da personalidade colectiva precisamente ao arrepio do visado pela TF. Em palavras simples, é utilizada a personalidade jurídica da sociedade em TF para se adquirir um direito a um BF que, de outro modo, não poderia adquirir-se. O BF vem previsto, vimo-lo, em sede de IRC e não em sede de IRS. Não se encontra ao alcance, pois, de SPs de IRS (ignoremos agora uma situação como a dos autos). E, depois, fazendo uso do mesmo instituto (TF) deduz-se, ademais sem um limite, ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (rendimento que contém - pode conter - em si tudo o que, como se sabe e como aflorámos, contém) o crédito de imposto originado, como vimos, em IRC. Terá tanto sido querido pelo legislador?

 

Por tudo o abreviadamente percorrido, teríamos decidido pelo indeferimento total do PPA e pela manutenção das Liquidações na Ordem Jurídica.

 

Lisboa, 26 de Setembro de 2022

 

 

(Sofia Ricardo Borges)

 

 

 

 

 

 



[1] In “Manual de Direito Fiscal”, Manuais da FDL, Lisboa, 1981 (reimpressão), pp. 291-292

[2] (como o A. melhor se referira na p. 291 idem)

[3] In “Manual de Direito Fiscal”, Coimbra Editora, 3.ª Ed., 2007, p. 453

[4] Ainda com interesse, pode ler-se no Relatório do Grupo de Trabalho para o estudo dos BFs, na Tabela daí constante reportada ao “Tipo de Despesa Fiscal”, uma descrição das diferentes modalidades em questão – sendo a da dedução à colecta assim: “Minoração efectuada após o cálculo do imposto resultante da aplicação das taxas de tributação (...)” - “Os Benefícios Fiscais em Portugal (...)”, Maio de 2019 – disponível em https://www.portugal.gov.pt/download-ficheiros/ficheiro.aspx?v=%3D%3DBAAAAB%2BLCAAAAAAABACzMDQwAgCG5%2BMmBAAAAA%3D%3D

[5] E v. aí, também , o art.º 1.º.

[6] José Casalta Nabais, in “Introdução ao Direito Fiscal das Empresas”, 2.ª Ed., Almedina, 2015, p. 140

[7] Ibidem

[8] (de IRC stricto sensu, se se preferir)

[9] (haverá, tão só, se for o caso, uma colecta de TAs)

[10] V. também e entre o mais no Preâmbulo do CIRC, ponto 3.

[11] (quaisquer sublinhados e ou negritos são nossos salvo se indicado em contrário)

[12] Estamos perante uma não tributação em IRC, surgindo na esfera pessoal dos sócios uma dívida fiscal de IRS – v. Saldanha Sanches, op cit., p. 295

[13] Isto, no caso de sócios pessoas físicas, insista-se. Sendo distinto o caso de sócios pessoas colectivas, em que a “legislação que for aplicável” sempre será em IRC.

[14] Pode ver-se o caso do Programa Semente, art.º 43.º-A do EBF.

[15] Majorado cfr. n.º 8, se aplicável

[16] No rigor, um por cada Requerente.

[17] V. também os art.ºs 28.º, n.º 1 e 31.º, n.º 1, al. g) do CIRS.

[18] As várias Liquidações (três).

[19] P. 13 (Ed. da ATA)

[20] Com interesse sobre o conceito v. Manuel Faustino, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor António Carlos dos Santos, Almedina, 2021, p. 729 e ss.

[21] V. Casalta Nabais, op cit, p. 140.