Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 9/2013-T
Data da decisão: 2013-06-28  IRS  
Valor do pedido: € 12.445,08
Tema: IRS – Tributação de ajudas de custo ao abrigo de “Acordos de destacamento”
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Decisão Arbitral

 

 

I.                   RELATÓRIO

 

1.            A..., (adiante designado Requerente), contribuinte n.º …, com residência fiscal na Rua …, …, requereu, em 10 de janeiro de 2013, a constituição de tribunal arbitral, nos termos do disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (adiante, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária ou RJAT), tendo em vista:

 

(i)                 A anulação parcial da liquidação do IRS n.º 2009 ..., relativa ao ano de 2008, na parte referente ao montante de € 12.445,08 auferido pelo ora requerente a título de ajudas de custo; e

(ii)               Consequente reembolso do IRS resultante da anulação parcial.

 

2.            Em 20 de janeiro de 2010, o Requerente apresentou reclamação graciosa do referido acto de liquidação.

 

3.            O indeferimento da reclamação graciosa foi notificado ao Requerente em 15 de outubro de 2012.

 

4.            O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e notificado à Autoridade Tributária (adiante Requerida).

 

5.            No pedido, o Requerente optou por não designar árbitro.

 

6.            Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou árbitro o ora signatário, notificando as partes.

 

7.            O tribunal encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

 

8.            As alegações que sustentam o pedido de pronúncia arbitral do Requerente são, em súmula, as seguintes:

 

Alegações do Requerente

 

8.1    O Requerente celebrou, em janeiro de 2004, um contrato de trabalho com a sociedade B... – Assessoria de Gestão, Lda, e, por cessão da posição contratual, integrou a B.... & Associados, SROC, Lda, a partir de 1 de outubro de 2004.

8.2    No dia 6 de outubro de 2008, o Requerente foi destacado para prestar a sua atividade profissional no escritório da B..., LLP, em Nova Iorque, EUA, durante um período aproximado de 9 meses.

8.3    A B..., LLP, apesar de distinta e independente, integra uma “network” à escala mundial, no âmbito da qual é frequente a celebração destes “acordos de destacamento”.

8.4    Estes acordos de destacamento têm um conjunto de regras comuns, aplicáveis ao caso concreto:

     (i) O salário do trabalhador é mantido nos termos estabelecidos no contrato de trabalho e é pago pela empresa com a qual o trabalhador celebrou o seu contrato de trabalho;

     (ii) Durante o período de destacamento, todos os termos e condições do contrato de trabalho mantêm-se inalterados, com excepção da prestação de trabalho que é exercida sob a orientação da empresa;

(iii)        O pagamento de ajudas de custo destinadas a cobrir gastos com refeições, lavandaria, telefonemas, estacionamento automóvel, despesas bancárias e transporte residência/local de trabalho/residência, em razão da deslocação do domicílio necessário, é efectuado pela empresa para a qual o trabalhador é destacado.

 

8.5    Durante o período de destacamento, o contrato de trabalho celebrado com entre o trabalhador e a empresa manteve-se em vigor e inalterado.

8.6    Em conformidade com o acordo de destacamento, em 2008, a AB..., LLP pagou ao Requerente ajudas de custo no montante total de € 13.260,76 (USD 18.455,00), nos seguintes termos: a (i) estadia - € 9.862,04 (USD 13.725,00) correspondente ao pagamento do valor da habitação; e (ii) ajudas de custos stricto sensu - € 3.398,72 (valor diário de USD 55,00).

8.7    Por lapso, o Requerente incluiu no Anexo J da declaração de rendimentos modelo 3 o montante de € 13.260,76 pagos a título de ajudas de custo, valor que considera não se encontra sujeito a IRS nos termos do artigo 2.º n.º 3 al. d) e n.º 14 do Código do IRS e Portaria n.º 30-A/2008, de 10 de janeiro (em vigor à data dos factos).

8.8  “In casu, quer o montante corretamente qualificado pelas partes como “ajuda de custo” e aqui indistintamente apelidado de ajuda de custo “strictu sensu” ou como “ajuda de custo em sentido estrito”, como também a importância auferida como compensação pela habitação em Nova Iorque, deverá ser qualificada com ajuda de custo nos termos do Código do IRS”.

8.9    Os artigos 2.º n.º 3 al. d) e n.º 14.º do Código do IRS consagram os pressupostos da não tributação de ajudas de custo: (i) montantes serem efetivamente auferidos enquanto ajudas de custo, por realização de uma efetiva deslocação por parte do trabalhador ao serviço e no interesse da entidade patronal e (ii) o pagamento dos montantes diários não exceder os limites fixados anualmente para os servidores do Estado.

8.10  No mesmo sentido, dispõe o n.º 1 do artigo 260.º do Código do Trabalho, em vigor à data dos factos: “Não se consideram retribuição as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outros equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte em que exceda os respetivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador”.

8.11 Em consonância, a jurisprudência tem também entendido que as ajudas de custo não integram o conceito de retribuição, na medida em que representam uma compensação pelas despesas a que o trabalhador é obrigado pelo facto de estar deslocado ao serviço da entidade patronal (Vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, Proc. 00272/06, e Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo (STA), proferidos no âmbito dos processos 01042/07, 01043/07 e 01065/07).

8.12 Face ao exposto, in casu, os montantes auferidos pelo Requerente aquando e por causa do seu destacamento para prestar a sua atividade em Nova Iorque configuram, efetivamente, ajudas de custos e não integram o conceito de remuneração.

8.13  Assim, no período que decorreu entre 6 de outubro e 31 de dezembro de 2008, o ora Requerente recebeu o montante de € 13.260,76, a título de ajudas de custo.

8.14  Nos termos da Portaria n.º 30-A/2008, de 10 de janeiro, o limite de ajudas de custo diárias para o ano de 2008, foi de € 144,71 para funcionários, agentes do Estado e entidades a ele equiparadas com vencimentos superiores ao valor do índice 405 (€ 1351,12, nos termos da tabela salarial para 2008).

8.15  O montante pago diariamente ao Requerente a título de ajudas de custo foi de US $55, montante que, a 31 de dezembro de 2008, correspondia a aproximadamente € 39,52, acrescido do montante de $ 13.275,00 (€9.862,04) como encargo de habitação, o que corresponde à importância diária de $159,59 (€ 114.67).

8.16  Ou seja, está sujeito a tributação o valor diário de € 9,45 (€159,19-€144,71), no valor total de € 815,70 e excluído de tributação o valor diário de € 144,71, no valor total de € 12.445,08.

8.16  Em conclusão, a AT ao tributar as quantias em causa incorreu em vício de violação de lei.

 

9.   Por seu turno, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, na qual se defendeu nos seguintes termos:

 

Resposta da Requerida

 

9.1    Na resposta, a Requerida alega que, tratando-se de rendimentos declarados pelo próprio sujeito passivo, nunca o ora Requerente exibiu qualquer documento que demonstrasse a que título as verbas foram pagas.

9.2    Por outro lado, não é perceptível o modo de pagamento das despesas de habitação.

9.3    Sem prejuízo, nas alegações apresentadas – jurisprudência e legislação – presume-se que as ajudas de custo foram pagas pela entidade patronal, o que não aconteceu.

9.4    Com efeito, as ajudas de custo foram pagas por uma empresa com a qual o trabalhador não tem qualquer ligação directa (ou até indirecta) de dependência ou subordinação. 

9.5    É, portanto, fundamental perceber quem é a entidade pagadora e o beneficiário dos montantes e estabelecer a relação jurídica subjacente.

9.6    Acresce ainda que o Requerente refere que os rendimentos de fonte norte-americana foram tributados nos Estados-Unidos mas não faz prova desta alegação, nomeadamente se accionou a convenção para evitar a dupla tributação celebrada com os EUA.

9.7    Em suma, o Requerente não fez prova de que as verbas por si declarada no anexo J da declaração de rendimentos não deverão ser sujeitas a tributação em sede de IRS.

 

 

  1. O Requerente, com base nos princípios do contraditório e igualdade de partes, veio, em 3 de maio de 2013, juntar a declaração (“Statement of Earnings”) emitida pela B... LLP, em 22 de janeiro de 2010, na qual se encontram decompostos os montantes auferidos:

“Housing: 13,725 USD

Per diem: 4,730 USD”

 

10.1 Esclareceu ainda que, nos termos do acordo de destacamento, a empresa C... era responsável por disponibilizar ao ora Requerente uma casa mobilada durante o destacamento. Estes custos foram diretamente cobrados à B... LLP. Ou seja, o Requerente não recebeu diretamente qualquer quantia para despesas com a habitação.

 

  1. No dia 16 de maio de 2013, foi realizada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.

 

11.1 As partes renunciaram à produção das alegações orais, previstas no n.º 2 do artigo 18.º do RJAT. Foi-lhes conferido prazo até ao dia 31-05-2013 para apresentação das alegações escritas.

 

12.  Nas alegações escritas, o Requerente reafirma o peticionada no requerimento inicial e esclarece que não foi tributado nos Estados Unidos pelos rendimentos de fonte americana (facto este que se comprova por não ter sido pedido crédito de imposto na sua declaração de rendimentos de 2008) uma vez que os montantes pagos pela B... EUA têm natureza compensatória e não remuneratória.

 

12.1 Acrescenta ainda que, conforme jurisprudência do STA (Proc. 01043/07), é sobre a AT que recai o ónus da prova de que as verbas pagas não se destinavam a “cobrir acréscimos de despesas por ele suportadas em resultado de deslocação da sua residência habitual”, o que não aconteceu.

 

12.2 Assim, terá necessariamente de se decidir pela natureza compensatória e, em conformidade, ser anulada parcialmente a liquidação de IRS na parte que recai sobre os montantes auferidos pelo Requerente a título de ajudas de custo excluídos de tributação.

 

12.3 Termina requerendo o pagamento de juros indemnizatórios sobre o montante indevidamente liquidado.

 

Nada mais tendo sido arguido ou requerido pela partes, cumpre, agora, proferir decisão.

 

II. FUNDAMENTAÇÃO

MATÉRIA DE FACTO

Factos dados como provados:

1.      O Requerente celebrou, em janeiro de 2004, um contrato de trabalho com a sociedade B... – Assessoria de Gestão, Lda, e, por cessão da posição contratual, integrou a B.... & Associados, SROC, Lda, a partir de 1 de outubro de 2004.

2.      No dia 6 de outubro de 2008, o Requerente foi destacado para prestar a sua atividade profissional no escritório da B..., LLP, em Nova Iorque, EUA, até ao dia 6 de Julho de 2009.

3.      A..., LLP é, em termos jurídicos, distinta e independente da B.... & Associados, SROC, Lda.

4.      No acordo de destacamento, foi estabelecido o seguinte:

         (i) O salário do trabalhador é mantido nos termos estabelecidos no contrato de trabalho e é pago pela empresa com a qual o trabalhador celebrou o seu contrato de trabalho;

         (ii) Durante o período de destacamento, todos os termos e condições do contrato de trabalho mantêm-se inalterados, com excepção da prestação de trabalho que é exercida sob a orientação da empresa;

         (iii) O pagamento de ajudas de custo destinadas a cobrir gastos com refeições, lavandaria, telefonemas, estacionamento automóvel, despesas bancárias e transporte residência/local de trabalho/residência, em razão da deslocação do domicílio necessário, é efectuado pela empresa para a qual o trabalhador é destacado.

5.      Em 2008, a A..., LLP pagou, directa e indirectamente, os seguintes montantes: i) estadia - € 9.862,04 (USD 13.725,00) correspondente ao pagamento do valor da habitação; e (ii) ajudas de custos diárias - € 3.398,72 (4.730 USD).

6.      O Requerente permaneceu em Portugal, no ano de 2008, por um período superior a 268 dias.

7.      O Requerente incluiu no Anexo J da declaração de rendimentos modelo 3 o montante de € 13.260,76 a título de trabalho independente.

8.      Esta declaração originou a liquidação de IRS n.º 2009 ..., com o valor a pagar de € 4.151,84.

9.      Não se conformando, o Requerente apresentou reclamação graciosa, em 20 de janeiro de 2010, requerendo a anulação parcial da liquidação na parte referente ao montante de € 12.445,08.

10.  Notificado do indeferimento da reclamação graciosa em 15 de outubro de 2012, o Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

A decisão da matéria dos factos provados baseou-se nos documentos juntos, e na não oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira, quanto a factos invocados pela Requerente.

 

Não há factos não provados, com relevo para a decisão da causa.

 

Questões a apreciar

A)          Do Mérito: deverá ser declarada a ilegalidade parcial e consequente anulação parcial da liquidação do IRS n.º 2009 ..., relativa ao ano de 2008, na parte referente ao montante de € 12.445,08 auferido pelo ora requerente a título de ajudas de custo?

 

DO MÉRITO

a)      Da relação jurídica estabelecida com a entidade pagadora

Para devida qualificação em sede de IRS dos factos, devemos, em primeiro lugar, determinar qual a relação jurídica estabelecida entre o Requerente e a entidade pagadora dos rendimentos.

O Requerente era, à data, trabalhador dependente da sociedade B.... & Associados, SROC, Lda. Nesta qualidade e mantendo o seu vínculo laboral,  o Requerente prestou serviços, durante um período de sensivelmente 9 meses, para uma terceira entidade, nos termos do acordo estabelecido entre todas as partes envolvidas. Findo este período, o Requerente regressou ao seu local de origem, com salvaguarda de todos os seus direitos.

Estamos, assim, perante uma cedência ocasional de um trabalhador, tal como prevista no artigo 322.º do Código do Trabalho (Lei 99/2003, de 27 de agosto, em vigor à data). Com efeito, “…para que haja cedência ocasional de trabalhadores é necessário que se verifiquem três elementos: em primeiro lugar, que o trabalhador seja cedido do quadro de pessoal próprio do empregador para outra entidade, que sobre aquele exerce o poder de direção; em segundo lugar, que a cedência seja temporária e eventual; por fim, que se mantenha o vínculo laboral entre o trabalhador e o cedente” (Anotação de Guilherme Gray, PEDRO ROMANO MARTINEZ e outros, Código do Trabalho Anotado, 6.ª Ed., 2008, p.613).

Durante este período, os poderes próprios da entidade patronal são partilhados entre a entidade cedente e a cedida. Esta cedência “implica uma cisão dos poderes próprios do empregador: o empregador cedente, em princípio, mantém o poder disciplinar sobre o trabalhador cedido e o estatuto do empregador, ao passo que o poder de direção, na parte atinente à conformação da actividade e demais condições de trabalho, inscreve-se na esfera jurídica do cessionário”. (Guilherme Gray, Idem, p. 614).

Ora, atentos ao regime laboral subjacente, todos os rendimentos pagos - directa ou indirectamente - ao trabalhador, constituem rendimentos principais ou acessórios resultantes de trabalho prestado ao abrigo de contrato de trabalho (artigo 2.º do Código do IRS).

 

b)     Do enquadramento fiscal dos rendimentos pagos

 

Compete, agora, enquadrar, em sede de IRS, cada um dos rendimentos pagos ao Requerente. Conforme ponto 5 da matéria de facto, a B..., LLP pagou, directa e indirectamente, ao ora Requerente os seguintes montantes: i) estadia - € 9.862,04 (USD 13.725,00) correspondente ao pagamento do valor da habitação; e (ii) ajudas de custos diárias - € 3.398,72 (4.730 USD).

Nos termos do acordo de cedência, as ajudas de custo diárias (Per diem), visavam cobrir as custas razoáveis com a alimentação, roupa, chamadas telefónicas, parque de estacionamento, comissões bancárias, deslocações para o trabalho e outros custos (p. 5 do acordo). Estas importâncias não são, à luz do citado artigo 260.º n.º 1 do Código do Trabalho, em vigor à data dos factos, consideradas retribuição.

Em sede fiscal, o artigo 2.º n.º 3 al . d) do Código do IRS estabelece que “As ajudas de custo e as importâncias auferidas pela utilização de automóvel próprio em serviço da entidade patronal, na parte em que ambas excedam os limites legais ou quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado e as verbas para despesas de deslocação, viagens ou representação de que não tenham sido prestadas contas até ao termo do exercício”. Nos termos do n.º 14 do citado artigo 2.º, os limites legais previstos neste artigo serão os anualmente fixados para os servidores do Estado.

Tem sido pacífico na jurisprudência que, em sede IRS, as ajudas de custo só constituem remuneração na parte que excederem os limites legais (ver, a título de exemplo, além da jurisprudência citada pela Requerente, os Acórdãos do STA, de 22/05/2013, Proc. 0146/13; de 12/03/2008, Proc. 01065/07; de 23/04/2008, Proc. 01044/07; de 06/03/2008, Proc. 01063/07).

O limite legal para os servidores do Estado por deslocação ao estrangeiro foi fixado, para 2008, em € 144.71 (Portaria n.º 30-A/2008, de 10 de janeiro).

Além do valor de ajudas de custo diárias, ao ora Requerente foi ainda disponibilizada a utilização de uma habitação no valor de € 9.862,04 (USD 13.725,00), correspondente ao pagamento feito pela B..., LLP à empresa arrendatária.

A vexata quaestio é saber se este valor integra o valor das ajudas de custo diárias - como entende o Requerente - ou se estas importâncias corresponde a remuneração acessória, nos termos previsos no n.º 4 da al. b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS. Vejamos.

Na sistematização do artigo 2.º do Código do IRS, além da regra geral prevista no n.º 1, o legislador decidiu incluir um conjunto de regras especiais ao longo do n.º 3 com o objectivo de garantir a tributação efetiva dos rendimentos aí descritos (Neste sentido, vide XAVIER DE BASTOS, Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, p. 60 e ss).

No n.º 3 al. b) do artigo 2.º, tratou o legislador de definir e exemplificar quais as “vantagens acessórias” sujeitas a imposto. Em primeiro lugar, consagra-se uma definição genérica de vantagem acessória: “todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração principal que sejam auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e constituam para o respetivo beneficiário uma vantagem económica”. De seguida, o Código enumera dez exemplos de vantagens acessórias que devem ser objecto de tributação.

Nesta enumeração, o n.º 4 da al. b) do n.º 3 do artigo 2.º estabelece que constituem uma vantagem acessória “Os subsídios de residência ou equivalentes ou a utilização de casa de habitação fornecida pela entidade patronal”.

Face à expressa previsão desta norma de incidência, sempre que a entidade patronal disponibilize uma casa de habitação, a título temporário ou definitivo, o enquadramento deste rendimento deve ser feito à luz desta disposição e não do regime de ajudas de custo. Uma interpretação em sentido contrário, violaria o princípio da legalidade, na sua vertente de tipicidade (artigo 103.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e artigo 8.º n.º 1 da Lei Geral Tributária).

Com efeito, o regime de ajudas de custo exige a aplicação dos “pressupostos da sua atribuição aos servidores do estado” (al. d) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS) previstos no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 192/95, de 28 de julho, que regula a atribuição de ajudas de custos por deslocação em serviço público ao estrangeiro e no estrangeiro, nomeadamente a prestação de alojamento em estabelecimento hoteleiro de três estrelas, ou equivalente. Tal não é o caso.

Assim, os rendimentos relativos ao uso da casa de habitação são tributados nos termos do n.º 4 da al. b) do n.º 3 do artigo 2.º, conjugado com o n.º 2 do artigo 24.º do Código do IRS.

Definida a norma de incidência aplicável, cabe, agora, determinar se o valor suportado com a casa de habitação, deve, por aplicação do disposto no n.º 4 da al. b) do n.º 3 do artigo 2.º e al. a) do n.º 2 do artigo 24.º, ambos do Código do IRS, ser objeto de tributação em sede de IRS na esfera do ora Requerente.

A nossa resposta é negativa.

Atentos aos factos dados como provados, este rendimento constituiu, na esfera do Requerente, uma “despesa necessária” (XAVIER DE BASTOS, Idem, p. 84) resultante da deslocação temporária para fora da sua residência habitual e não uma “vantagem económica” como exige expressamente a al b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS para que o rendimento seja tributável. Não descortinamos, in casu, qualquer vantagem económica efetiva do trabalhador ou acréscimo de rendimento pessoal resultante da disponibilização pela entidade patronal da casa de habitação.

Neste sentido se pronuncia RUI DUARTE MORAIS: “Está em causa o fornecimento ou o pagamento por outrem (que, contrariamente ao que diz a lei, não tem necessariamente que ser uma entidade patronal) da residência do trabalhador. Porém, tal não implica, em todos os casos, a existência de uma vantagem acessória. Assim acontece, por ex., (…) com o alojamento de trabalhadores temporariamente deslocados, mesmo que em casa de habitação, etc.”(RUI DUARTE MORAIS, Sobre o IRS, 2.ª Ed., 2008, pp.61-62)

Acrescentamos ainda que uma interpretação em sentido contrário violaria o princípio da capacidade contributiva, fundamento e limite de toda a tributação (MANUEL FAUSTINO, “A atribuição, pela entidade patronal, de casa de habitação como vantagem acessória tributável em IRS”, em Revista dos Técnicos Oficiais de Contas, n.º 62, Ano V, Maio de 2005).

Em conclusão,

(i)                 As ajudas de custos diárias no valor total de € 3.398,72 estão excluídas de tributação por não ultrapassarem o limite legal diário de € 144.71 (al d) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS);

(ii)               A quantia de € 9.862,04 relativa às despesas suportadas com a renda da habitação disponibilizada ao ora Requerente está excluída de tributação por não constituir um rendimento acessório, nos termos da al. b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS.

***

III. DECISÃO:

A matéria de facto é a que esta transcrita supra.

O tribunal é competente e as partes são legítimas.

Em face do exposto:

- julga-se procedente o pedido de declaração de ilegalidade parcial e consequente anulação parcial do acto de liquidação de IRS liquidação do IRS n.º 2009 ..., relativa ao ano de 2008, na parte referente ao montante de € 12.445,08 declarado no anexo J da declaração modelo 3 do IRS;

- condena-se a Autoridade Tributária e Aduaneira a restituir o imposto cobrado na parte correspondente à correção prevista no parágrafo anterior;

- nega-se provimento ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios apresentado pelo Requerente em sede de alegações escritas por não ser admissível a ampliação do pedido após a reunião prevista no n.º 1 do artigo 18.º do RJAT.

 

Fixa-se ao processo o valor de €12.445,08 (valor indicado e não contestado), e o valor da correspondente taxa de arbitragem em €918,00, nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.

Custas a cargo da entidade requerida.

Notifique.

Lisboa, 28 de junho de 2013

 

 

(Amândio Silva)