Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 9/2016-T
Data da decisão: 2016-08-27  IRC  
Valor do pedido: € 1.132,24
Tema: IRC - Benefício fiscal à interioridade; alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 43.º do EBF (revogado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30.12) e n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 55/2008 de 26.03; ineptidão da petição inicial; competência do Tribunal Arbitral; intempestividade do pedido de pronúncia arbitral
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Decisão Arbitral

 

Partes

Requerente: A…, LDA., NIPC PT…, com sede na Urbanização…, Lote…, …, …-… … .

Requerida: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT).

 

I.                   RELATÓRIO

 

a)      Em 12-01-2016, a Requerente entregou no CAAD um pedido solicitando, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), a constituição de tribunal arbitral singular (TAS).

 

O PEDIDO

 

b)      A Requerente pede a declaração de ilegalidade da liquidação de IRC de 12.08.2015, n.º 2015…, com o n.º de compensação 2015…, e das liquidações de juros n.ºs 2015 … e 2015…, no montante global de 1 132,24 euros e bem assim a consequente devolução do imposto e dos juros compensatórios indevidamente liquidados quanto ao período de tributação de 2011-02-03 a 2011-12-31.

c)      Liquidação que resultou do cálculo do IRC, não à taxa reduzida prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 43.º do EBF (taxa ad valorem de 10%) mas sim à taxa geral de 25%, uma vez que substituiu voluntariamente a declaração Modelo 22 de 2011 (apresentada em 2012) na sequência da notificação que foi feita ao seu TOC em 02.07.2015, de início de uma inspecção tributária de controlo de benefícios fiscais, tendo em vista a correcção do imposto sem o benefício fiscal.

 

A CAUSA DE PEDIR

 

d)     A Requerente invoca que preenche todos os requisitos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 43.º do EBF em vigor à data dos factos (revogado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30.12) e do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26.03, uma vez que iniciou a sua actividade em … em 03.02.2011.

e)      E porque tem a sua sede e direcção efectiva na zona geográfica de … e exerce a sua actividade na zona geográfica …, concelho de Viseu (uma zona geográfica considerada elegível para este benefício nos termos da Portaria 1117/2009, de 30.09), entende que para usufruir do benefício fiscal, não é necessário ter contabilizadas remunerações de trabalho dependente, não lhe sendo aplicável o n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26.03, propugnando no sentido de que o critério aqui definido pelo legislador, de 75% da massa salarial, surge apenas para estabelecer uma regra para distinguir a actividade principal da acessória.

 

DO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR (TAS)

 

f)       O pedido de constituição do TAS foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 28-01-2016.

g)      Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido disso notificadas as partes em 10-02-2016. As partes não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

h)      O Tribunal Arbitral Singular (TAS) encontra-se, desde 28-03-2016, regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).

i)        Todos estes actos se encontram documentados na comunicação de constituição do Tribunal Arbitral Singular com data de 28-03-2016 que aqui se dá por reproduzida.

j)        Em 29-03-2016 foi a AT notificada nos termos e para os efeitos do artigo 17.º-1 do RJAT. Respondeu em 28.04.2016. Juntou ainda o PA composto por 1 ficheiro informatizado com 25 folhas com 25 laudas escritas.

k)      Uma vez que a Requerida invocou a ineptidão da PI, a excepção de incompetência do TAS e a intempestividade do pedido de pronúncia, porque a ilustre mandatária da Requerente tem domicílio profissional em …, foram convidadas as partes, por despacho de 13.05.2016, a pronunciarem-se sobre a dispensa de realização da reunião de partes a que se refere o artigo 18.º do RJAT com opção por alegações escritas.

l)        Ambas as partes manifestaram anuência à proposta de condução do processo atrás referida. Por despacho de 19.05.2016 foram agendadas alegações escritas e sucessivas, conferindo-se prazo de 10 dias a cada parte.

m)    A Requerente apresentou as suas alegações em 31.05.2016. A Requerida apresentou as contra-alegações em 15.06.2016. As partes mantiveram, no essencial, o que tinham referido em sede de pedido e de resposta, pugnando a Requerente pela improcedência das excepções aduzidas.

n)      Em 17.07.2016 foi convidada a Requerente a corrigir o pedido de pronúncia uma vez que se considerou que, por manifesto lapso, não tinha junto ao processo, ou as declarações de IRC do ano que impugnava, ou a nota de liquidação, com reflexo na utilidade do pedido. Foi a AT também notificada para referir se queria exercer o contraditório relativamente aos documentos que a Requerida viesse a apresentar, uma vez que já estariam na sua posse.

o)      Por requerimento de 25.07.2016, a Requerente veio: juntar a nota de liquidação do exercício de 2011, em substituição da já apresentada; esclarecer que era quanto ao ano de 2011 que versava o pedido e veio ainda alterar o valor da utilidade económica para 1 132,24 euros.

p)      A Requerida por requerimento de 27.07.2016 veio dissentir sobre a possibilidade de correcção do lapso da Requerente, opor-se à tramitação processual durante as férias judiciais e não prescindir do contraditório, o qual queria exercer nos termos gerais de contagem dos prazos.

q)      A Requerida por requerimento de 19.08.2016 veio exercer o contraditório sobre a correcção do lapso da Requerida e sobre a junção de documentos. Apresentou nesta data uma nova resposta, considerando agora a nota de liquidação de IRC, mas mantendo no fundo a defesa apresentada em 28.04.2016.

 

PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

r)       Legitimidade, capacidade e representação – As partes gozam de personalidade jurídica, capacidade judiciária, são partes legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

s)       Princípio do contraditório - A Requerida foi notificada nos termos do inciso j) deste Relatório. Todas as peças processuais e todos os documentos juntos ao processo foram disponibilizados à respectiva contraparte no Sistema de Gestão Processual do CAAD. Da sua junção foram sempre notificadas ambas as partes.

t)       Excepções dilatórias - O procedimento arbitral não padece de nulidades e o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo prescrito na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, como resulta do decidido infra na parte III desta decisão.

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERENTE

 

u)      A Requerente discorda da leitura que a AT adoptou em sede de relatório de inspecção, do n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26.03 (que regulamenta as normas isentivas do artigo 43.º do EBF na redacção em vigor em 2011), no sentido de considerar como requisito necessário para usufruir do benefício fiscal do artigo 43.º - n.º 1 alíneas a) e b) do EBF a “obrigação de exercer a sua actividade principal nas áreas beneficiárias, mediante concentração de mais de 75% da massa salarial”.

v)      Discorda ainda da aplicação na decisão da AT, ao caso, da definição de “massa salarial” contida no artigo 14.º n.º 6 da Lei 2/2007, de 16.01 (lei das finanças locais).

w)    Propugna no sentido de que as normas isentivas do artigo 43.º - 1 – a) e b) do EBF “não condicionam a concessão do benefício fiscal à criação de postos de trabalho”, nem o n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26.03 “estabelece como condição de acesso às entidades beneficiárias ou das suas respectivas obrigações a manter um mínimo de postos de trabalho, para poder usufruir do benefício”. E que o critério “definido pelo legislador de 75% da massa salarial surge apenas para estabelecer uma regra para distinguir a actividade principal da acessória”.

x)      E conclui que da norma do artigo 43.º - 1 – a) e b) do EBF e da norma do n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26.03, não resulta “que seja condição obrigatória para usufruir do benefício que o sujeito passivo tenha na área geográfica beneficiária a sua sede e direcção efectiva, e que disponha igualmente nessa área de 75% da massa salarial, ou mesmo que disponha de massa salarial”.

y)      Entende que reúne as condições estabelecidas no artigo 43.º e no seu n.º 1 alíneas a) e b) do EBF, porquanto tem a sua sede em … (zona elegível como área beneficiária para efeitos de aplicação do benefício fiscal do artigo 43.º do EBF, redacção de 2011), exerce apenas uma actividade comercial de “prática médica especializada, ambulatório”, fez investimentos em bens do seu activo, pelo que não pode ser impedida de beneficiar das reduções de taxa a que se alude nas alíneas a) e b) do artigo 43.º do EBF.

z)      A redução de taxa do IRC aplica-se mesmo sem remunerações contabilizadas (no caso o sócio-gerente que não é remunerado), não carecendo de ser entidade empregadora, tal motivando um maior nível de lucros da empresa e aumento da eficiência económica.

aa)   Ao nível da oferta de emprego refere que tem colaboradores externos, médicos e enfermeiros, que consigo colaboram nas cirurgias, emitindo recibo verde.

bb)  Invoca em seu favor a interpretação do n.º 2 do artigo 2.º do DL 55/2008, de 26.03, em conformidade com a amplitude da autorização legislativa (reserva de lei da AR) conferida para a criação do benefício do artigo 43.º do EBF “não podendo … criar novos requisitos ou limitar o acesso ao benefício”, como consta das decisões CAAD tiradas nos processos n.º 273/2013-T e n.º 18/2015-T.

cc)   Em sede de alegações manteve essencialmente o que referiu no pedido de pronúncia e defende a improcedência das excepções aduzidas pela AT.

 

SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERIDA

 

Ineptidão da PI

dd) Invoca a ineptidão do pedido de pronúncia porque a Requerente afirma que impugna a liquidação de IRC de 2011 e junta as declarações modelo 22 do IRC deste período, mas depois junta uma nota liquidação do exercício de 2012.

 

Incompetência do TAS para apreciar o pedido de declaração de ilegalidade do acto de autoliquidação de IRC

ee)   Entende a AT que porque o Requerente, após notificação para início do procedimento de inspecção, apresentou a declaração substitutiva do Modelo 22 do exercício económico de 2012, a liquidação que lhe foi feita é uma autoliquidação, pelo que nos termos do artigo 131.º-1 do CPPT, antes da via judicial, deveria ocorrer a via obrigatória de reclamação graciosa.

ff)    Pelo que nos termos da Portaria de vinculação da AT ao CAAD – artigo 2.º alínea a) da Portaria 112-A/2011, de 22.03 – o TAS não é competente, dado não ter ocorrido a oportunidade da AT se pronunciar, em sede graciosa, sobre o suposto acto de autoliquidação de IRC.

 

Intempestividade de apresentação do pedido de pronúncia

gg)  Alega a Requerida que porque o termo do prazo para pagamento voluntário da liquidação de IRC tinha como data limite 12.10.2015 e porque a Requerente apresentou o pedido de pronúncia no CAAD em 12.01.2016, face o teor da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT que fixa o prazo de 90 dias para pedir a constituição de tribunal arbitral, o prazo terminou em 11 de Janeiro de 2016, ocorrendo intempestividade de apresentação do pedido de pronúncia, propugnando pela sua absolvição da instância.

 

Deduzindo oposição

hh)  Dissentindo do ponto de vista da Requerente, a Requerida propugna por outra leitura da lei com fundamento de que este “incentivo fiscal constitui um auxílio de Estado com enquadramento a nível comunitário nos auxílios de minimis para efeitos dos artigos 107.º e 108.º do TFUE (anteriores 87.º e 88.º do Tratado da EU)”, pelo que teve que ser notificada a Comissão Europeia que deliberou em “19/09/2001 e nos termos do artigo 87.º do Tratado UE, não levantar objecções à sua execução, por entender que estavam satisfeitas as condições para ser considerados compatíveis com o mercado comum, conforme auxílio estatal N 223/01 – Portugal, referente ao regime de incentivos fiscais de combate à desertificação e recuperação do desenvolvimento nas áreas do interior”.

ii)      Pelo que tendo a Comissão Europeia tomado a decisão no âmbito da vigência do artigo 7.º da Lei 171/99, de 18.09, alterado pelo artigo 54.º da Lei n.º 30-C/2000, de 29 de Dezembro, tendo sido aditado àquele artigo o n.º 4 que dispunha o seguinte: «Considera-se que a actividade principal é exercida nas zonas beneficiárias quando os sujeitos passivos tenham a sua sede ou direcção efectiva nessas áreas e nelas se concentre mais de 75% da respectiva massa salarial», este aditamento clarificou, … a forma de aferição do critério referente ao exercício da «actividade principal nas áreas beneficiárias.»

jj)      Reunidas as condições para a aplicabilidade das medidas de auxílio de Estado contidas na Lei n.º 171/99, foi, em cumprimento do previsto no artigo 13.º da Lei n.º 171/99, aprovado o Decreto-Lei n.º 310/2001, de 10 de Maio, com vista à regulamentação das normas destinadas à sua boa execução, cujo preâmbulo refere o seguinte: "Através da Lei n.º 171/99, de 18 de Setembro, na redacção dada pelo artigo 54.º da Lei n.º 30-C/2000, de 29 de Dezembro, foram criadas diversas medidas de incentivo à recuperação acelerada das regiões portuguesas que sofrem de problemas de interioridade. Estes incentivos, por serem susceptíveis de serem considerados como auxílios de Estado, foram, previamente à respectiva aplicação, notificados à Comissão Europeia. No passado dia 19 de Setembro, a Comissão Europeia, após ter examinado as medidas constantes na Lei n.º 171/99, de 18 de Setembro, face às orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional (JOCE, C 74, de 10 de Março de 1998) e às orientações relativas aos auxílios ao emprego (JOCE, C 334, de 12 de Dezembro de 1995), decidiu não levantar objecções à sua execução, desde que respeitadas as disposições comunitárias aplicáveis. Encontram-se, pois, reunidas as condições para o Governo proceder à regulamentação das normas necessárias à boa execução da Lei n.º 171/99, de 18 de Setembro, as quais, pelo disposto no seu artigo 13.º, são aprovadas por decreto-lei."

kk)  Assim, tendo o artigo 7.º da Lei n.º 171/99, de 18 de Agosto, sido transposto para o EBF, passando a constar do seu artigo 39.º-B, aditado pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, e alterado pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro; tendo o Decreto-Lei 310/2001, de 10 de Maio (regulamentação das normas destinadas à boa execução dos benefícios fiscais à interioridade) sido substituído pelo Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, haverá que ter em conta a elemento histórico deste regime de benefícios.

ll)      “É a Lei n.º 53-A/2006 que expressamente determina aos benefícios fiscais relativos à interioridade previstos no artigo 39.º-B do EBF são aplicáveis as regras estabelecidas pelo Decreto-Lei n.º 310/2001, de 10.05, que viria a ser revogado pelo Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26.03”, conclui a Requerida, porquanto durante algum tempo, o benefício do EBF (artigo 39.º-B redacção inicial) foi regulamentado pelo diploma de 2001 e não pelo de 2008.

mm)  Discorda da alegação de que a leitura implícita da lei levada a efeito na liquidação coloque em causa o princípio da violação da reserva de lei da AR, referindo que “O direito ao benefício fiscal consignado no artigo 43.º do EBF está dependente da verificação de pressupostos cuja definição não se compreende na regra mais geral contida neste normativo”. “Assim, sem a regulamentação que especifique e concretize os restantes pressupostos de que depende o benefício ali consignado em termos genéricos, não é tão pouco admissível falar de um qualquer direito a um benefício fiscal, uma vez que os pressupostos de que depende esse direito ainda não se encontram instituídos”.

nn)  Considera que o benefício do artigo 43.º - 1- a) e b) do EBF está subordinado ao regime do “artigo 2.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 55/2008 que … «Considera que a actividade principal é situada nas zonas beneficiárias quando os sujeitos tenham a sua sede ou direcção efectiva nessas áreas e nelas se concentre mais de 75% da respectiva massa salarial.»

oo)  Refere: “resulta claro dos normativos legais aplicáveis que as empresas só poderão usufruir de tal benefício se exercerem a sua actividade principal numa das áreas beneficiárias”. “E só se considera que exercem a sua actividade principal numa dessas áreas se: a) Aí tiverem a sua sede ou direcção efectiva; e b) Aí fixarem mais de 75% da respectiva massa salarial”.

pp)  E que a definição de “massa salarial” é a facultada pelo “artigo 14.º n.º 6 da Lei n.º 2/2007 … : «Entende-se por massa salarial o valor das despesas efectuadas com o pessoal e escrituradas no exercício a título de remunerações, ordenados ou salários.”

qq)  Invoca em favor da sua leitura da lei uma sentença do TAF de Viseu no processo 9/12.1BEVIS e uma decisão do CAAD Processo 597/2014-T.

rr)     No requerimento de 19.08.2016 a AT manteve, no essencial, o que acima se refere e já tinha sido aduzido na resposta.

ss)    Propugna pela procedência das excepções, com absolvição da instância, ou quendo assim não se entenda, defende a improcedência do pedido de pronúncia, com absolvição dos pedidos.

 

II - QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR

 

Haverá que apreciar, em primeiro lugar, as excepções invocadas:

  • Incompetência do TAS;
  • Intempestividade de apresentação do pedido de pronúncia; e
  • Ineptidão da PI.

 

Posteriormente, caso improcedam as excepções, apreciar-se-á se a liquidação em causa padece de alguma ilegalidade que obste à sua manutenção na ordem jurídica.

 

O que a AT considera – segundo o relatório de inspecção tributária (página 15) – é o seguinte:

  1. O Requerente não cumpre o objectivo de criar emprego e fixar pessoas nas áreas beneficiárias, uma vez que não tem trabalhadores (dependentes);
  2. E porque não tem trabalhadores dependentes não “tem massa salarial”, e consequentemente não cumpre o pressuposto exigido pela alínea d) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26.03, ou seja, não situa a sua actividade principal nas áreas beneficiárias, uma vez que para tal deveria concentrar nessas áreas mais de 75% da massa salarial, como o exige o n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26.03.

 

A principal questão que se coloca no presente processos tem a ver com o apuramento sobre se a Requerente pode ou não beneficiar do incentivo fiscal consagrado na alínea b) do n.º 1 do artigo 43.º do EBF, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho.

 

O cerne da questão residirá em saber se o regime da parte final da norma contida no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei 55/2008, de 26.03, visa apenas esclarecer o conteúdo da norma da alínea d) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei 55/2008, de 26.03 que diz o seguinte: “situarem a sua actividade nas áreas beneficiárias” (que reproduz o que já se refere nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 43.º do EBF: “ … entidades cuja actividade principal se situe nas áreas beneficiárias”), ou se constitui mais um elemento constitutivo do benefício fiscal estabelecido no actual artigo 43.º do EBF dado o teor da redacção da norma: “Considera-se que a actividade principal é situada nas zonas beneficiárias quando os sujeitos tenham a sua sede ou direcção efectiva nessas áreas e nelas se concentre mais de 75% da respectiva massa salarial

 

Simultaneamente poderá fazer sentido analisar se, neste caso, será de adoptar o conceito de “massa salarial” como abrangendo apenas as remunerações do trabalho dependente ou se deve ter-se em conta outros tipos de relações de emprego, como o caso, em que existe claramente trabalho independente, associado a uma rede de prestadores de serviços independentes (médicos e enfermeiros).

 

III.      MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA FUNDAMENTAÇÃO

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos abaixo elencados, de resto não contestados pelas partes, indicando-se os documentos respectivos (prova por documentos), como fundamentação.

 

Considerou-se provado o facto da alínea 9), não com base no documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia, mas tendo em conta que a AT não contestou o pagamento, pela Requerente, do IRC liquidado de 2012 (a que alude o documento junto), nem qualquer outro, mormente o de 2011 aqui em causa.

 

Factos provados

 

1)                 A Requerente procedeu ao registo na Conservatória do Registo Comercial da sua constituição em 19.01.2011, tendo como sede a Urbanização…, lote…, …, … –…  …, e como objecto “clínica médica, prestação de serviços na área da ortopedia e traumatologia” – artigos 3º e 4º do pedido de pronúncia, documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia e pontos II.3.1 e II.3.2 do relatório de inspecção tributária – documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia.

2)                 A Requerente encontra-se colectada no Serviço de Finanças de …, código … (área geográfica de…), desde 2011.02.03 pela actividade principal “actividades de prática médica especializada, ambulatório”, inserido no CAE …- ponto II.3.2 do relatório de inspecção tributária – documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia e artigo 3º do pedido de pronúncia.

3)                 A Requerente dispõe de contabilidade organizada, tem a sua sede e direcção efectiva na zona geográfica de … e desenvolve a sua actividade principal na zona …, concelho de Viseu constante da Portaria n.º 1117/2009, de 30 de Setembro, considerada área territorial beneficiária dos incentivos às regiões com problemas de interioridade conforme o disposto nos artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março – artigos 6º, 7º e 8º do pedido de pronúncia, ponto II.3.5 do relatório de inspecção e ausência de contestação na Resposta a estes factos.

4)                 A Requerente entregou em 28.05.2012 a declaração de rendimentos, modelo 22, referente ao exercício de 2011 (ID: …-… -…), por meio da qual se calculou, por aplicação à matéria colectável à taxa reduzida prevista na alínea b), do n.º 1 do artigo 43.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais - artigo 10º do pedido de pronúncia e documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia.

5)                 Em 29.06.2015 a Requerente teve conhecimento por intermédio do seu Técnico Oficial de Contas, de que contra si, havia sido instaurado procedimento inspectivo interno de Direcção de Finanças de…, tendo sido disso informada por meio do ofício n.º … datado de 30.06.2015, com referência ao processo n.º OI2015… e pela Requerente recepcionado em 02.07.2015 – artigos 12º e 13º do pedido de pronúncia e documentos n.ºs 3 e 4 juntos com o pedido de pronúncia.

6)                  A Requerente procedeu à substituição da declaração referida no número anterior em 2015.08.05 (ID: …-…-…) – artigo 14º do pedido de pronúncia, lauda 23 do PA e documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia.

7)                 Pelo ofício n.º… datado de 06.08.2015, a Requerente foi notificada do resultado da acção inspectiva, nos termos do artigo 62.º do RCPITA, que refere, em síntese, que a Requerente não cumpre com os requisitos necessários em ordem a poder beneficiar da taxa reduzida de IRC, porquanto não tem ao seu serviço trabalhadores, logo, não cria emprego nas áreas beneficiárias (no caso …-…), nem a sua actividade principal se situa nessa mesma área beneficiária. – artigo 15º do pedido de pronúncia, documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia e teor do PA junto pela Requerida com a resposta.

8)                 A Requerente foi notificada, em data não concretamente apurada, da liquidação de IRC de 12.08.2015, n.º 2015…, n.º de compensação 2015…, e liquidação de juros 2015 … e 2015…, no montante global de 1 132,24 euros – artigo 16º do pedido de pronúncia, documentos juntos com o requerimento da Requerente de 25.07.2016 e documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia.

9)                 A Requerente efectuou o pagamento do saldo apurado nos termos da alínea anterior em data não apurada – artigo 17º do pedido de pronúncia e aceitação tácita deste facto pela AT que o não contestou.

10)             Por requerimento de 25.07.2016 a Requerente juntou os documentos comprovativos da demonstração de liquidação de IRC e Juros a que se alude na alínea 8) supra – conforme requerimento da Requerente de 25.07.2016 e dois documentos em anexo.

11)             A Requerente para prestação de serviços médicos tem colaboradores externos, médicos e enfermeiros, residentes em … que consigo colaboram e procedem à emissão de recibo – Artigo 42º do pedido de pronúncia e aceitação tácita deste facto pela AT que o não contestou.

12)             Em 12-01-2016, a Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia – registo de entrada no SGP do pedido de pronúncia.

 

Factos não provados

Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.

 

IV. APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR (TAS) CUMPRE SOLUCIONAR

 

Incompetência do TAS

Entende a AT que porque a Requerente, após notificação para início do procedimento de inspecção, apresentou a declaração substitutiva do Modelo 22 do exercício económico de 2012, a liquidação que lhe foi feita é uma autoliquidação, pelo que nos termos do artigo 131.º-1 do CPPT, antes da via judicial, deveria ocorrer a via obrigatória de reclamação graciosa.

 

Pelo que nos termos da Portaria de vinculação da AT ao CAAD – artigo 2.º alínea a) da Portaria 112-A/2011, de 22.03 – o TAS não é competente, dado não ter ocorrido a oportunidade da AT se pronunciar, em sede graciosa, sobre o suposto acto de autoliquidação de IRC.

 

Não se nos afigura que lhe assista razão. Com efeito,

 

Como se retira dos factos provados em 6) e 7) da parte III desta decisão, a notificação do Relatório da Inspecção ocorreu pelo ofício n.º … datado de 06.08.2015. E a substituição do Modelo 22 ocorreu em 05.08.2015, após, em 29.06.2015, da Requerente “ter conhecimento por intermédio do seu Técnico Oficial de Contas, de que contra si, havia sido instaurado procedimento inspectivo interno de Direcção de Finanças de…, tendo sido disso informada por meio do ofício n.º … datado de 30.06.2015, com referência ao processo n.º OI2015… e pela Requerente recepcionado em 02.07.2015”

 

É notório que tal substituição só foi feita porque a Requerente, tal como alega no artigo 14º do pedido de pronúncia, queria evitar “sujeitar-se a consequências de maior gravidade”. Por outro lado, a notificação do Relatório de Inspecção constitui documento equivalente a “orientação genérica emitida pela AT” e configura-se óbvio que o que separa as partes neste dissídio são apenas e só diferentes leituras da lei (como acima se deixou expresso na síntese da posição das partes).

 

É que o próprio Relatório de Inspecção (página 16), expressa que a Requerente “procedeu à regularização das faltas cometidas, tendo, para tal substituído a declaração de rendimentos Modelo 22 referentes aos períodos de 2011, 2012 e 2013, corrigindo o valor da colecta”.

 

Mesmo que se considere discutível que o relatório de inspecção equivale a uma “orientação genérica emitida pela AT”, haverá que considerar que o é a nota que a Senhora Inspectora enviou ao TOC em 26.06.2015 e que consta em anexo ao documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia.

 

Por outro lado, não ocorreu “autoliquidação” do IRC. A liquidação de IRC foi feita pela AT e não pelo contribuinte e data de 12.08.2015 (vide alínea 8) dos factos provados), após a recepção do relatório de inspecção que foi enviado por ofício de 06.08.2015.

 

Com efeito, na declaração de substituição de Modelo 22, a Requerente apenas calculou o imposto, sem o benefício, mas a liquidação foi feita subsequentemente pela AT.

 

Pelo que, nos termos do artigo 131.º – 3 do CPPT não assiste razão na invocação desta excepção, julgando-se improcedente.

 

Com efeito, nesta circunstância, a AT tomou posição expressa sobre a situação gerada com o acto do contribuinte, ou seja, a entrega do Modelo 22 de substituição quanto ao exercício de 2011 e consequente liquidação do IRC, de acordo com a mesma, operação levada a efeito pela AT após o envio do Relatório de Inspecção onde faz alusão expressa ao acto do contribuinte.

 

Intempestividade de apresentação do pedido de pronúncia

Alega a Requerida que porque o termo do prazo para pagamento voluntário da liquidação de IRC tinha como data limite 12.10.2015 e porque a Requerente apresentou o pedido de pronúncia no CAAD em 12.01.2016, face o teor da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT que fixa o prazo de 90 dias para pedir a constituição de tribunal arbitral, o prazo terminou em 11 de Janeiro de 2016, ocorrendo intempestividade de apresentação do pedido de pronúncia, propugnando pela sua absolvição da instância.

 

Mas, de facto, o IRC de 2011, como se pode retirar do documento n.º 7 em anexo ao pedido de pronúncia, indica como data limite de pagamento do imposto o dia 19.10.2015 e não o dia 12.10.2015.

 

Nesta conformidade, parece-nos claro que o pedido, entregue no CAAD em 12.01.2016, foi deduzido dentro do prazo legal de 90 dias.

 

Pelo que só pode decair esta excepção.

 

Ineptidão do pedido de pronúncia

Invoca a AT a ineptidão do pedido de pronúncia porque a Requerente afirma que impugna a liquidação de IRC de 2011 e junta as declarações modelo 22 do IRC deste período, mas depois junta uma nota liquidação do exercício de 2012 e pede a anulação do IRC liquidado quando a este último exercício.

 

Afigura-se-nos que o que verdadeiramente ocorreu, conforme despacho de 17.07.2016, foi um lapso da Requerente, que consistiu, na confusão, que é recorrente até entre profissionais do foro, entre o que é o ano do imposto (o exercício económico) que corresponde ao período de tributação, o ano da apresentação da declaração Modelo 22 (que é o ano seguinte ao do período de tributação, tal como em IRS) e o ano da liquidação, que no caso, uma vez que resultou de uma substituição de uma declaração, não corresponde ao ano da apresentação da declaração de rendimentos.

 

Em termos processuais, tudo se resolveu com o convite à Requerente para corrigir o pedido de pronúncia, o que fez, juntando a nota de liquidação do IRC relativa ao exercício económico de 2011 e adaptando o valor da utilidade económica ao pedido.

 

A incongruência – que o TAS só configurou quando estava a elaborar a decisão final – resulta clara do exórdio do pedido de pronúncia que indica um número de liquidação e um valor que não está em consonância com a declaração Modelo 22 (de substituição) a que se alude no artigo 10º do pedido de pronúncia, e com a nota de cobrança. Por sua vez a nota de cobrança não estava de acordo com a “demonstração de acerto de contas” que constitui o documento n.º 7 junto com o pedido. A incongruência afectava a causa de pedir e o pedido.

 

Não ocorreu na visão do TAS, contradição entre o pedido e a causa de pedir, pelo menos absoluta e determinante, até pelo simples facto da incongruência ter ficado sanada em termos processuais, com a mera substituição da nota de liquidação do IRC do exercício de 2011 e com a consequente correcção do valor da utilidade económica.

 

É que, além do mais, o PA é no fundo o Relatório da Inspecção Tributária que evidencia 3 alterações de liquidação de IRC da Requerente: quanto aos exercícios dos anos de 2011, 2012 e 2013. Ao TAS impunha-se que se suscitasse à parte que cometeu o lapso, a sua correcção, no exercício dos poderes-deveres que lhe são atribuídos pela alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do RJAT.

 

Mesmo que tal poder-dever não estivesse contido no RJAT sempre haveria que ter em conta os princípios antiformalistas, "pro actione" e "in dubio pro favoritate instanciae" que impõem uma interpretação das normas processuais que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva (artigo 2.º-1 e artigo 7.º do CPTA).

 

Citando Alberto dos Reis, Comentário ao CPC, página 364: “Se o autor exprimiu o seu pensamento em termos inadequados, serviu-se de linguagem tecnicamente defeituosa, mas deu a conhecer suficientemente qua o efeito jurídico que pretendia obter, a petição será uma peça desajeitada e infeliz, mas não pode qualificar-se como inepta”.

 

E segundo o acórdão do STJ, de 13.03.1994, in BMJ 135º-377: “A nulidade resultante da ineptidão por … divergência entre a causa de pedir e o pedido, fica sanada quando, não tendo havido indeferimento liminar … a causa de pedir venha a ser modificada … de forma a tornar-se clara e harmónica com o pedido”.

 

Está assim sanada a apontada incongruência do pedido de pronúncia, que na essência, resultou de lapso manifesto, o qual, nos termos da lei processual e substantiva, apenas confere direito à parte em que involuntariamente incorreu, a corrigi-lo (artigo 249.º do CC e artigo 146.º do CPC). Foi este o entendimento que, no contexto deste processo, seguimos.

 

A defesa do ponto de vista da Autoridade Tributária não foi abalada pelo referido lapso (ou nas palavras de Alberto dos Reis de uma “peça … infeliz”), até porque, segundo consta deste processo, existem três processos sobre o mesmo tema a correr no CAAD, contando com este. O PA junto pela AT será comum aos três processos, posto que é o Relatório da Inspecção comum aos exercícios económicos dos anos de 2011, 2012 e 2013.

 

Nestes termos, considera-se rectificado o lapso apontado e decide-se aceitar a rectificação do objecto deste processo que é referente à liquidação indicada na alínea 8) dos factos provados, com efeitos desde a data da apresentação do pedido de relevação implícita do lapso pela Requerente (em 25 de Julho de 2016) improcedendo, nesta medida, a alega excepção de ineptidão do pedido de pronúncia.

 

Questão de fundo

Quanto à questão de fundo, escreve-se no artigo 43.º do EBF, em vigor à data dos factos, sob a epígrafe “benefícios fiscais relativos à interioridade” (assinalamos a “bold” as disposições que estão imediatamente em causa):

 

1 - Às empresas que exerçam, directamente e a título principal, uma actividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços nas áreas do interior, adiante designadas «áreas beneficiárias», são concedidos os benefícios fiscais seguintes:

a) É reduzida a 15 % a taxa de IRC, prevista no n.º 1 do artigo 80.º do respectivo Código, para as entidades cuja actividade principal se situe nas áreas beneficiárias;

b) No caso de instalação de novas entidades, cuja actividade principal se situe nas áreas beneficiárias, a taxa referida no número anterior é reduzida a 10 % durante os primeiros cinco exercícios de actividade;

c) As reintegrações e amortizações relativas a despesas de investimentos até (euro) 500 000, com exclusão das respeitantes à aquisição de terrenos e de veículos ligeiros de passageiros, dos sujeitos passivos de IRC que exerçam a sua actividade principal nas áreas beneficiárias podem ser deduzidas, para efeitos da determinação do lucro tributável, com a majoração de 30 %;

d) Os encargos sociais obrigatórios suportados pela entidade empregadora relativos à criação líquida de postos de trabalho, por tempo indeterminado, nas áreas beneficiárias são deduzidos, para efeitos da determinação do lucro tributável, com uma majoração de 50 %, uma única vez por trabalhador admitido nessa entidade ou noutra entidade com a qual existam relações especiais, nos termos do artigo 58.º do Código do IRC;

e) Os prejuízos fiscais apurados em determinado exercício nos termos do Código do IRC são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos sete exercícios posteriores.

2 - São condições para usufruir dos benefícios fiscais previstos no número anterior:

a) A determinação do lucro tributável ser efectuada com recurso a métodos directos de avaliação;

b) Terem situação tributária regularizada;

c) Não terem salários em atraso;

d) Não resultarem de cisão efectuada nos últimos dois anos anteriores à usufruição dos benefícios.

3 - Ficam isentas do pagamento de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis as aquisições seguintes:

a) Por jovens, com idade compreendida entre os 18 e os 35 anos, de prédio ou fracção autónoma de prédio urbano situado nas áreas beneficiárias, destinado exclusivamente a primeira habitação própria e permanente, desde que o valor sobre o qual incidiria o imposto não ultrapasse os valores máximos de habitação a custos controlados, acrescidos de 50 %;

b) De prédios ou fracções autónomas de prédios urbanos, desde que situados nas áreas beneficiárias e afectos duradouramente à actividade das empresas.

4 - As isenções previstas no número anterior só se verificam se as aquisições forem devidamente participadas ao serviço de finanças da área onde estiverem situados os imóveis a adquirir, mediante declaração de que conste não ter o declarante aproveitado anteriormente de idêntico benefício.

5 - As isenções previstas no n.º 3 ficam dependentes de autorização do órgão deliberativo do respectivo município.

6 - Para efeitos do presente artigo, as áreas beneficiárias são delimitadas de acordo com critérios que atendam, especialmente, à baixa densidade populacional, ao índice de compensação ou carência fiscal e à desigualdade de oportunidades sociais, económicas e culturais.

7 - A definição dos critérios e a delimitação das áreas territoriais beneficiárias, nos termos do número anterior, bem como todas as normas regulamentares necessárias à boa execução do presente artigo, são estabelecidas por portaria do Ministro das Finanças.

8 - Os benefícios fiscais previstos no presente artigo não são cumulativos com outros benefícios de idêntica natureza, não prejudicando a opção por outro mais favorável”.

 

Por sua vez o Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26.03 tem a seguinte redacção (assinalando-se a parte que aqui tem interesse, sendo que onde se refere “artigo 39.º-B do EBF” deve entender-se “artigo 43.º do EBF”):

 

Com o aditamento do artigo 39.º-B ao Estatuto dos Benefícios Fiscais pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, alterado pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, foram renovadas diversas medidas de incentivo à recuperação acelerada das regiões portuguesas que sofrem de problemas de interioridade, tendo sido substituído o regime constante da Lei n.º 171/99, de 18 de Setembro, na redacção introduzida pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro.

Encontram-se, pois, reunidas as condições para o Governo proceder à regulamentação das normas necessárias à boa execução do artigo 39.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

Nestes termos, disciplinam-se neste decreto-lei as condições de acesso das entidades beneficiárias, as entidades responsáveis pela concessão dos incentivos, as obrigações a que ficam sujeitas as entidades beneficiárias, bem como as consequências em caso de incumprimento.

Foi ouvida a Associação Nacional de Municípios Portugueses.

Assim:

Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:

CAPÍTULO I

Objecto e condições de acesso

Artigo 1.º

Objecto

O presente decreto-lei visa estabelecer as normas de regulamentação necessárias à boa execução das medidas de incentivo à recuperação acelerada das regiões portuguesas que sofrem de problemas de interioridade, ao abrigo do n.º 7 do artigo 39.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho.

Artigo 2.º

Condições de acesso das entidades beneficiárias

1 - Sem prejuízo do previsto no artigo 39.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais, as entidades beneficiárias devem reunir as seguintes condições de acesso:

a) Encontrarem-se legalmente constituídas e cumprirem as condições legais necessárias ao exercício da sua actividade;

b) Encontrarem-se em situação regularizada perante a administração fiscal, a segurança social e o respectivo município;

c) Disporem de contabilidade organizada, de acordo com o Plano Oficial de Contabilidade;

d) Situarem a sua actividade principal nas áreas beneficiárias;

e) Comprometerem-se, nos casos dos incentivos previstos na alínea c) do n.º 1 e na alínea b) do n.º 3, ambas do artigo 39.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais, a manter afecto à respectiva actividade o investimento realizado, bem como a manter a sua localização geográfica, durante um período mínimo de cinco anos a contar da data da realização integral do investimento;

f) Comprometerem-se, no caso dos incentivos previstos na alínea d) do n.º 1 do artigo 39.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais, a manter os novos postos de trabalho por um período mínimo de cinco anos a contar da data da sua criação;

g) Informarem a entidade responsável a que se refere o artigo 3.º do presente decreto-lei da atribuição de qualquer outro incentivo ou da apresentação de candidatura para o mesmo fim;

h) Obterem previamente, no caso do incentivo previsto nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 39.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais, a autorização a que se refere o n.º 5 do mesmo artigo.

2 - Considera-se que a actividade principal é situada nas zonas beneficiárias quando os sujeitos tenham a sua sede ou direcção efectiva nessas áreas e nelas se concentre mais de 75% da respectiva massa salarial.

Artigo 3.º

Entidades responsáveis

São entidades responsáveis pela atribuição dos incentivos, bem como pela sua fiscalização e controlo:

a) No caso dos incentivos previstos nas alíneas a), b), c) e e) do n.º 1 e no n.º 3 do artigo 39.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais, a Direcção-Geral dos Impostos;

b) No caso do incentivo previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 39.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais, a Direcção-Geral dos Impostos, em articulação com o Instituto da Segurança Social, I. P.

Artigo 4.º

Obrigações das entidades beneficiárias

1 - As entidades beneficiárias ficam sujeitas às seguintes obrigações:

a) Manter a situação regularizada perante a administração fiscal, a segurança social e o respectivo município;

b) Facultar todos os elementos relacionados com a concessão do incentivo que lhe sejam solicitados pela entidade responsável referida no artigo 3.º;

c) Comunicar à entidade responsável referida no artigo 3.º qualquer alteração ou ocorrência que ponham em causa os pressupostos subjacentes à atribuição do incentivo;

d) Manter as condições legais necessárias ao exercício da respectiva actividade;

e) Manter a contabilidade organizada de acordo com o Plano Oficial de Contabilidade;

f) Manter na empresa, devidamente organizados, todos os documentos susceptíveis de comprovarem as declarações prestadas aquando da atribuição do incentivo.

2 - No caso dos incentivos previstos na alínea c) do n.º 1 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 39.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais, a entidade beneficiária obriga-se igualmente a não ceder, locar, alienar, afectar a outra actividade ou deslocalizar o investimento, no todo ou em parte, até cinco anos contados da data da realização integral do investimento.

3 - No caso dos incentivos previstos alínea d) do n.º 1 do artigo 39.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais, a entidade beneficiária obriga-se a manter os postos de trabalho por um período mínimo de cinco anos a contar da data da sua criação.

Artigo 5.º

Incumprimento

1 - O incumprimento de qualquer uma das obrigações definidas no artigo anterior, bem como a prestação de informações falsas, implica a perda dos incentivos usufruídos, ficando as entidades beneficiárias obrigadas, no prazo de 30 dias a contar da respectiva notificação, ao pagamento das importâncias correspondentes às receitas não arrecadadas, acrescidas de eventuais juros compensatórios calculados à taxa legal em vigor acrescida de 3 pontos percentuais.

2 - Relativamente ao incentivo previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 39.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais, caso se verifique o incumprimento referido no n.º 2 do artigo anterior, a entidade beneficiária deve, na declaração de rendimentos relativa ao exercício em que este ocorra, adicionar o imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas que deixou de ser liquidado, acrescido dos correspondentes juros compensatórios.

CAPÍTULO II

Determinação das áreas territoriais beneficiárias

Artigo 6.º

Áreas territoriais beneficiárias

1 - Para efeitos da aplicação das medidas de incentivo à recuperação acelerada das regiões que sofrem de problemas de interioridade, definidas no artigo 39.º-B do Estatuto dos Benefícios Fiscais, são consideradas como áreas territoriais beneficiárias para os factos verificados em 2007 e 2008, aquelas que são identificadas na Portaria n.º 1467-A/2001, de 31 de Dezembro.

2 - Para os anos subsequentes, compete ao Ministro das Finanças, em conjunto com os membros do Governo responsáveis pelas áreas das autarquias locais e o ordenamento regional, regular por portaria as áreas territoriais beneficiárias, as quais serão identificadas com base nos indicadores definidos no presente decreto-lei, construídos com os últimos dados estatísticos disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística.

Artigo 7.º

Critérios de determinação das áreas

1 - São beneficiárias as áreas territoriais correspondentes a:

a) Concelhos seleccionados numa perspectiva integrada de desenvolvimento regional equilibrado, tomando, nomeadamente em consideração os seguintes critérios:

i) A densidade populacional;

ii) O nível de produção e de rendimento;

iii) O nível de poder de compra;

b) Freguesias de concelhos não considerados na alínea anterior, cuja população residente se localize maioritariamente nas unidades territoriais Serra e Baixo Guadiana definidas no Plano Regional de Ordenamento do Território do Algarve.

2 - A aplicação dos critérios referidos no número anterior deverá garantir a contiguidade da zona beneficiária no continente de Portugal.

CAPÍTULO III

Disposições finais e transitórias

Artigo 8.º

Disposições comunitárias

1 - As disposições que se revelem necessárias a assegurar, ao longo do período de implementação, o integral respeito pela decisão da Comissão Europeia relativamente aos incentivos em causa, nomeadamente no que se refere à sua aplicação às diferentes actividades económicas, serão objecto de portaria conjunta dos membros do governo da área das Finanças e do Trabalho e Solidariedade Social.

2 - Às medidas de incentivo regulamentadas pelo presente decreto-lei são aplicáveis as regras estabelecidas pela Portaria n.º 170/2002, de 28 de Fevereiro, até à aprovação da portaria referida no número anterior.

Artigo 9.º

Norma revogatória

É revogado o Decreto-Lei n.º 310/2001, de 10 de Dezembro.

Artigo 10.º

Produção de efeitos

O presente decreto-lei produz efeitos desde 1 de Janeiro de 2007.

 

***

 

Em primeiro lugar, temos que apurar que tipo de benefício fiscal está em causa neste processo face aos diversos tipos que o Estatuto dos Benefícios Fiscais tipifica.

 

Afigura-se-nos, para resolver as questões colocadas, que não é necessário recorrer aos princípios constitucionais. A lei fiscal ordinária confere resposta clara para a resolução da questão ou questões em discussão.

 

Estamos a tratar uma matéria que cabe no âmbito do n.º 1 do artigo 8.º da Lei Geral Tributária e não no n.º 2 do artigo 8.º da Lei Geral Tributária.

 

Significa isto, que não parece ser lícito ao intérprete raciocinar, depois, como se não estivesse em causa uma “taxa” ainda que reduzida, uma matéria da competência legislativa da Assembleia da República. Ou seja, haverá que ter em conta que, mesmo que se trate de um benefício fiscal dependente de reconhecimento, este reconhecimento tem sempre “efeito meramente declarativo, salvo quando a lei dispuser em contrário”.

 

Por outras palavras, é na lei (incluindo as leis de autorização legislativa) que dimana da AR, que deve ser encontrada a amplitude dos benefícios fiscais e não em quaisquer normas emitidas pelo Governo ou pela Administração Tributária que visem apenas regular, entenda-se “controlar”, o normal funcionamento dos benefícios fiscais. Mas tais normativos nunca poderão ter uma tal amplitude que, em termos práticos, obstaculizem ou reduzam de tal forma o benefício, que o colocam em causa. É nesta dimensão que deve ser lido o diploma que regula o benefício fiscal aqui em causa.

 

Estamos a tratar do benefício fiscal da alínea b) do n.º 1 do artigo 43.º do EBF: “No caso de instalação de novas entidades, cuja actividade principal se situe nas áreas beneficiárias, a taxa referida no número anterior é reduzida a 10 % durante os primeiros cinco exercícios de actividade”.

 

Ora, o benefício em causa é uma redução de taxa (n.º 2 do artigo 2.º do EBF). Uma redução de taxa automática, ou seja, que resulta directa e imediatamente da lei (n.º 1 do artigo 5.º do EBF), pela razão de que o contribuinte, sem mais, coloca na sua declaração de rendimentos a taxa “ad valorem” reduzida de IRC de 10% que incide sobre a base tributável e assim obtém uma colecta. E, com esta operação plasmada no seu Modelo 22, liquida a colecta de IRC. É o contribuinte, face à lei, face ao teor do artigo 43.º do EBF (pois só esta norma dimana da AR, por autorização legislativa ao Governo), em respeito pelo princípio da legalidade vertido no n.º 1 do artigo 8.º da LGT, que aplica directamente a norma isentiva.

 

Naturalmente o contribuinte deve ter em conta todo o demais normativos e orientações que visam controlar, regular, evitar abusos, enfim zelar pelo melhor cumprimento e eficácia da norma isentiva, emitida directamente pela AR ou mediante sua autorização devidamente delimitada.

 

Sendo o benefício em causa automático, resulta directamente da lei emanada directa ou indirectamente da Assembleia da República.

 

Dos factos provados resulta:

 

·         A Requerente procedeu ao registo, na Conservatória do Registo Comercial, da sua constituição em 19.01.2011, tendo como sede a Urbanização…, lote…, …, … –… …, e tem como objecto: “clínica médica, prestação de serviços na área da ortopedia e traumatologia”.

·         A Requerente encontra-se colectada no Serviço de Finanças de…, código … (área geográfica de…), desde 2011.02.03 pela actividade principal “actividades de prática médica especializada, ambulatório”, inserido no CAE 86 220.

·         A Requerente dispõe de contabilidade organizada, tem a sua sede e direcção efectiva na zona geográfica de …e desenvolve a sua actividade principal na zona …, concelho de Viseu constante da Portaria n.º 1117/2009, de 30 de Setembro, considerada área territorial beneficiária dos incentivos às regiões com problemas de interioridade conforme o disposto nos artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março.

 

Perante os factos considerados assentes, cumprirá agora apreciar a fundamentação que está subjacente à liquidação ora em causa.

 

Segundo o teor do Relatório de Inspecção é esta a fundamentação que subjaz à liquidação de IRC aqui em causa:

 

Ou seja, o que está em causa, segundo a posição da AT é apenas o não cumprimento, pela Requerente, do requisito do n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março.

 

Afigura-se-nos que não lhe assiste razão. Com efeito,

 

A norma do n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março tem a ver com o requisito da alínea d) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março que refere que as empresas devem situar a “sua actividade principal nas áreas beneficiárias”.

 

Ora a AT não coloca em causa neste processo o seguinte:

·         a Requerente tem a sua sede e direcção efectiva na zona geográfica de…;

·         a Requerente desenvolve a sua actividade principal na zona …;

·         a Requerente iniciou a sua actividade no início de 2011 (instalação de “nova actividade”);

·         a Requerente preenche os requisitos do corpo do n.º 1 e do n.º 2 ambos do artigo 43.º do EBF e das alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março.

 

Nem coloca em causa o requisito da alínea d) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, em termos imediatos. Apenas o coloca em causa porque a Requerente não possui “massa salarial”, ou seja, remunerações do trabalho dependente.

 

Parece-nos notório que a norma do n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, tal como se encontra redigida, visa apenas esclarecer, para entidades que desenvolvam actividade em mais que uma zona, que se considera que a sua actividade principal se situa naquela:

ü  Onde tenha a sua sede ou direcção efectiva;

ü  E desde que aí concentre mais de 75% da respectiva massa salarial.

 

No caso, a AT não coloca em causa o pressuposto da aplicação da norma: que seria colocar em causa que a Requerente não exerce a sua actividade principal apenas ou essencialmente na área considerada elegível para o benefício fiscal.

 

Por outro lado, não vemos como o benefício do revogado artigo 43.º do EBF, possa estar dependente da criação de emprego, entendendo-se este desiderato apenas integrado com a criação de postos de trabalho dependente (trabalho subordinado).

 

A AT refere no Relatório de Inspecção (página 14) que “… na transição do regime de benefícios à interioridade para o EBF, o espírito da lei manteve-se inalterado”.

 

É discutível que o legislador, ao não colocar na letra da lei esse objectivo de forma clara e objectiva (o requisito de criação apenas de relações de trabalho dependente com vista ao combate à desertificação humana, estímulo à criação de emprego estável e à fixação de jovens) não pretendesse alterar o anterior regime. É que, o alegado espírito da lei anterior não parece ter na redacção do artigo 43.º do EBF um mínimo de correspondência verbal, no caso das normas isentivas aqui em discussão.

 

Por outro lado, mesmo que a norma do n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março fosse aplicável às entidades que não têm trabalhadores dependentes, sempre a expressão “massa salarial” como integrando apenas as remunerações de trabalho dependente subordinado, é discutível e parece conduzir a uma situação inaceitável e absurda, que será o facto de desconsiderar a criação de postos de trabalho independente.

 

É consabido que hoje as relações de trabalho dependente são cada vez mais instáveis e a criação de postos de trabalho independente é seguramente uma forma de atingir os mesmos objectivos: combate à desertificação humana, estímulo à criação de emprego estável e à fixação de jovens.

 

Com efeito, no caso, a Requerente tem como objecto: “clínica médica, prestação de serviços na área da ortopedia e traumatologia”, sendo a sua actividade principal: “… prática médica especializada, ambulatório”. Possui “colaboradores externos, médicos e enfermeiros, residentes em Viseu que consigo colaboram”.

 

Trata-se de uma sociedade que, por excelência, dá trabalho a profissionais que constam da tabela de actividades do artigo 151.º do CIRS: médicos e enfermeiros. O exercício destas actividades na área geográfica em causa não contribui para o combate à desertificação humana e para a fixação de jovens licenciados nestas áreas?

 

Ao criar postos de trabalho independente pode a Requerente criar estímulos de emprego tão estável para médicos e enfermeiros, como se criasse postos de trabalho dependente (face à actual flexibilidade da lei laboral e à instabilidade económica e social), podendo contribuir, com igual intensidade, para o combate à desertificação humana do interior.

 

Teremos, pois, que concluir, sob pena da leitura da lei conduzir a um resultado que não se coaduna com a realidade económica e social do país, que a norma do n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 55/2008, de 26 de Março, não se aplica às entidades que, por natureza, não contratam trabalhadores subordinados, como é o caso, e visa apenas determinar o local onde se situa a actividade principal daquelas entidades que pretendem usufruir destes benefícios, porque a exercem em mais que uma área, para além da elegível.

 

Nestes termos, procede o pedido de pronúncia, uma vez que a liquidação levada a efeito pela AT não está em conformidade com a alínea b) do n.º 1 do artigo 43.º do EBF em vigor à data do acto tributário impugnado.

 

Questões de conhecimento prejudicado

Procedendo o pedido de pronúncia arbitral quanto ao vício de ilegalidade referido, que assegura eficaz tutela dos direitos da Requerente, fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento dos restantes vícios, mormente o da violação de princípios constitucionais.

 

V. DISPOSITIVO

 

Nos termos e com os fundamentos acima expostos:

  • Julgam-se improcedentes as excepções de incompetência do TAS, de intempestividade do pedido de pronúncia e de ineptidão do pedido de pronúncia;
  • Considera-se corrigido o pedido de pronúncia, desde 25.07.2016 (data do requerimento da Requerente) como abrangendo o IRC do exercício de 2011;
  • Julga-se procedente o pedido de anulação da liquidação de IRC de 12.08.2015, n.º 2015…, n.º de compensação 2015…, e liquidação de juros 2015 … e 2015…, no montante global de 1 132,24 euros;
  • Anula-se a liquidação; 
  • Julga-se procedente o pedido de condenação da AT no reembolso do montante de 1 132,24 euros (incluindo IRC e juros), condenando-se a Requerida a proceder ao respectivo reembolso.

 

***

 

Valor do processo: de harmonia com o disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (e alínea a) do n.º 1 do artigo 97.ºA do CPPT), fixa-se ao processo o valor de 1 132,24 euros.

 

Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 306,00 € segundo Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 27 de Agosto de 2016

 

Tribunal Arbitral Singular (TAS),

Augusto Vieira

 

 

Texto elaborado em computador nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.