Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 940/2019-T
Data da decisão: 2021-02-04  IVA  
Valor do pedido: € 84.969,82
Tema: IVA - Exclusão do direito à dedução em sede de IVA; al. a), n.º 2 e n.º 6 do art. 19.º do CIVA; al. b) do n.º 5 do art. 36.º do CIVA.
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SUMÁRIO: Sem prejuízo da função documental da fatura, na medida em que pode conter dados controláveis, conquanto estejam cumpridos e demonstrados os requisitos substantivos, a não observância das formalidades não pode levar à supressão do direito à dedução do IVA, reforçando que este garante a neutralidade na aplicação do IVA, pelo que não poderá ser recusado somente porque os sujeitos passivos negligenciaram certos requisitos formais, quando os requisitos substantivos tenham sido cumpridos.

 

DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Marisa Almeida Araújo e José Coutinho Pires (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 18 de março de 2020, acordam no seguinte:

 

I.             Relatório

 

A A... – UNIPESSOAL, LDA., sociedade com sede na Rua ..., n.º..., ..., em Lisboa (...-...), com o número único de matrícula e de pessoa coletiva ..., (adiante apenas “Requerente”) veio, ao abrigo do artigo 10.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (adiante apenas designado por RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 Março, requerer a constituição de tribunal arbitral.

A Requerente peticiona que o Tribunal declare a ilegalidade das liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.º..., relativa ao período 10/12T, n.º..., relativa ao período 11/03T, e respetivas liquidações de juros compensatórios n.º ... e n.º ..., todas datadas de 30/05/2013, restituindo-se à Requerente o montante penhorado, acrescido de juros indemnizatórios, e a indemnização pela garantia prestada com vista à suspensão do processo de execução fiscal.

 

A Requerente alega, sumariamente, o seguinte,

Na sequência de um pedido de reembolso de IVA referente ao período 12/06T, no valor de € 43.959,52, foi desencadeada ação inspetiva externa de âmbito parcial, realizada pelos Serviços de Inspeção Tributária Divisão III – Equipa 35 da Direção de Finanças de Lisboa, relativa aos anos de 2010, 2011 e 2012.

No âmbito daquela inspeção tributária foram efetuadas correções em sede de IVA no montante de € 21.000,00, relativamente ao período de 10/12T e no montante de € 57.500,00, relativamente ao período 11/03T, com fundamento na dedução indevida de IVA.

Segundo a Requerente, os serviços de inspeção tributária consideraram que – com referência aos serviços prestados pela B..., Lda., as faturas n.º 236 de 29.12.2010 e n.º 2 de 25.01.2011, na sua descrição indicam a realização de um “levantamento e estudo de operação de investimento” efetuado por esta empresa prestadora de serviços, dividido em duas parcelas de € 100.00,00 + IVA, a que acrescem serviços prestados relacionados com a “análise e discussão da estratégia de investimento, definição de modelo de financiamento e configuração do modelo de gestão para a A...”, no valor de € 150.00,00 + IVA, cobrados através da fatura n.º 3 de 25.01.2011 – a descrição destas faturas não satisfaz o requisito enunciado na alínea b) do n.º 5 do artigo 36.º do Código do IVA.

Os serviços tributários concluíram ainda, segundo a Requerente que, independentemente de outros meios de prova que comprovam a efetiva realização das operações a que estas faturas respeitam, o cumprimento nas faturas dos requisitos expressos no artigo 36.º, n.º 5 do Código do IVA, é uma exigência insubstituível em termos do Código do IVA que permite a aferição do direito à dedução do imposto e o controlo da situação tributária do sujeito passivo.

Acrescentando que os esclarecimentos prestados à posteriori pelo sujeito passivo, não foram considerandos já que a Requerida considerou que os mesmos não obedecem aos requisitos enunciados no mesmo artigo 36.º, n.º 5 do Código do IVA e, portanto, não conferem o direito à dedução deste imposto.

Na sequência da notificação do relatório final de inspeção, a Requerente foi notificada das liquidações adicionais de IVA e correspondentes liquidações de juros compensatórios.

A Requerente não procedeu ao pagamento voluntário do imposto e juros compensatórios apurado nas liquidações em apreço, a administração tributária instaurou o processo de execução fiscal n.º ...2013..., para cobrança coerciva do montante de € 84.969,92.

A Requerente notificada da constituição de penhor legal sobre um crédito no valor de € 35.789,92 para garantir a cobrança da dívida exequenda no identificado processo de execução fiscal, procedeu à apresentação da garantia bancária n.º ..., no montante de € 75.000,00, para suspensão do identificado processo de execução fiscal.

Em 31 de outubro de 2013, a Requerente apresentou impugnação judicial tendo por objeto os atos tributários acima identificados, a correr os seus termos na 1.ª Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa sob o n.º .../13...BELRS.

A Requerente não concorda com o teor do relatório e das demonstrações de acerto de contas, discordando com a não dedutibilidade do valor das faturas suportado por si, pelo que peticiona a declaração de ilegalidade das liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.º..., relativa ao período 10/12T, n.º..., relativa ao período 11/03T, e respetivas liquidações de juros compensatórios n.º ... e n.º..., todas datadas de 30.05.2013

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante “AT” ou “Requerida”).

Em 31 de dezembro de 2019, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação. Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, aqui signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes, notificadas dessa designação em 17 de fevereiro de 2020, não se opuseram, nos termos dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 8.º do RJAT, 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 18 de março de 2020.

 

Em 2 de julho de 2020, a Requerida apresentou Resposta, na qual se defende por impugnação e pugna pela improcedência e consequente absolvição do pedido, bem como matéria de exceção, alegando sumariamente que:

Em matéria de exceção a AT suscita a falta de apresentação com o pedido da certidão prevista no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018 que a Requerente protestou juntar suscitando justo impedimento na obtenção da certidão. A Requerida entende que não se deve dar por verificado o justo impedimento alegado pela Requerente, defendendo que, se a lei prevê expressamente que a certidão deve acompanhar a petição inicial, então a falta da certidão tem de representar a ineptidão da petição e, como já não é possível corrigir o facto de a mesma não ter sido junta com o PPA; ou, defende ainda a Requerida, mesmo que se entendesse ter existido o justo impedimento, quando aquele findasse teria que se apresentar sob pena de se ter por inepta a petição e, por consequência, nulo o processo. Fora do quadro legal previsto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, na presente ação sempre se verificariam as exceções de litispendência/ caso julgado e da caducidade do direito de ação, que forçosamente, segundo a Requerida, culminariam com a absolvição da Requerida da instância, com todas as consequências legais.

Por impugnação a AT invoca que:

Os Serviços de Inspeção Tributária (SIT) da Direção de Finanças de Lisboa, procederam a inspeção parcial - IVA - à atividade da Requerente nos exercícios económicos de 2010 a 2012.

Da análise às operações ativas, designadamente, aos principais documentos justificativos do IVA liquidado, constatou-se que a faturação é emitida com o descrito de "assessoria de gestão" para o único cliente, a "C... SA", não tendo sido disponibilizado qualquer contrato ou acordo que sustente as prestações de serviços; No que concerne ao IVA contido nas operações passivas, da análise efetuada aos documentos justificativos da sua dedução, detetou-se que o IVA evidenciado no campo 24 das declarações periódicas entregues resulta do imposto suportado, essencialmente, com serviços adquiridos à empresa "B...  Lda." e serviços jurídicos adquiridos à sociedade "D... - Sucursal.

O técnico de contas prestou esclarecimento sobre a natureza dos serviços prestados, descritos nas faturas mas a AT entendeu que dos esclarecimentos prestados e da documentação de suporte apresentada pelo sujeito passivo, as faturas não foram emitidas corretamente, dado que não satisfazem o requisito enunciado no n.º 5 do art.º 36.º, do Código do IVA, na redação em vigor à data de emissão dos documentos, que é uma exigência insubstituível em termos do Código do IVA, que permite a aferição do direito à dedução do imposto e o controlo da situação tributária do sujeito passivo sendo que, conclui que os esclarecimentos prestados à posteriori não obedecendo aos requisitos enunciados no citado artigo 36.º, não conferem o direito à dedução deste imposto.

Acrescenta ainda a Requerida que o sujeito passivo foi notificado, para, à luz do disposto nos artigos 19.º e 20.º do CIVA justificar o estudo da operação de investimento, designadamente, apresentando notas de honorários com o detalhe discriminativo dos serviços prestados, a adjudicação do serviço, o estudo efetuado pela consultora, na parte relativa ao âmbito e natureza dos investimentos, bem como, as notas de honorários que explicassem em detalhe os diversos serviços jurídicos prestados mas, na sua resposta, não foram disponibilizados, segundo a AT, quaisquer um destes elementos de prova, que permitiriam analisar quais as motivações que deram origem aos serviços em causa ou qual a perspetiva da A... na angariação destes serviços, confirmar o âmbito e a natureza das propostas de investimento, o seu enquadramento em sede de IVA. Bem como, não ficou demonstrada, segundo a Requerida, a relação entre os serviços adquiridos a montante - em termos que confiram direito à dedução - com a realização de quaisquer operações tributáveis para a empresa a jusante, ao abrigo do artigo 20.º do Código do IVA.

Perante os factos sumariamente descritos, a AT conclui que o imposto incidente sobre os serviços materializados através das faturas n.ºs 236, 2 e 3 da B... não se encontrarem na forma legal ao abrigo do art.º 36.º, n º 5, alínea b) em conjugação com o artigo 19.º n.os 2 e 6 ambos do Código do IVA; e pela falta de demonstração, feita pelo sujeito passivo através de elementos objetivos, de que as despesas incorridas com a aquisição dos serviços em causa estariam diretamente relacionadas com a realização ou a perspetiva de realização de operações tributáveis, ao abrigo do disposto no art.º 20.º, n ° 1, do Código do IVA;

Assim sendo, e por ter o IVA relativo aos serviços acima descritos sido indevidamente deduzido influenciando o crédito de imposto, solicitado pelo sujeito passivo na DP de IVA do 2.º trimestre de 2012 (2012-06T) procedeu-se às correções em apreço nos autos.

O sujeito passivo notificado para, querendo, exercer o direito de audição prévia, sobre o projeto de relatório, não o fez, convertendo-se o projeto de relatório em relatório definitivo, e, notificado ao sujeito passivo.

Perante a posição descrita sumariamente, a Requerida pugna pela improcedência do pedido arbitral.

 

Por despacho de 4 de julho de 2020, o tribunal concedeu à Requerente a oportunidade de se pronunciar quanto à matéria de exceção, exercendo o respetivo contraditório, e procedesse à junção dos documentos que havia protestando juntar.

A Requerente veio responder, no seu requerimento de 4 de setembro de 2020, à matéria de exceção, considerando-as improcedentes e juntar os documentos n.os 1, 2, 3, 4, 6, 8, 9 e 10.

Subsiste a Requerente com pedido para junção da certidão eletrónica do requerimento de extinção da instância (Doc. N.º 5, que já havia protestado juntar com o articulado inicial) por, ainda, não ser possível na data de apresentação do requerimento.

 

Por despacho de 8 de setembro de 2020, o Tribunal Arbitral determinou a dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e concedeu às partes o prazo sucessivo de 15 dias para apresentação das respetivas alegações.

A Requerente apresentou alegações a 30 de setembro de 2020 e, com as alegações, juntou aos autos o documento (n.º 5) correspondente à certidão eletrónica do requerimento de extinção da instância.

Em resposta ao despacho de 2 de novembro de 2020, a Requerida informou os autos, por requerimento de 12 de novembro, que não tem o processo administrativo porquanto o apresentou no Tribunal Tributário e que o problema se soluciona com a junção de certidão eletrónica de todo o processo que, por maioria de razão – na perspetiva da Requerida – inclui o PAT.

Notificada a Requerente para se pronunciar sobre a resposta da AT, a mesma não o fez.

Por despacho de 23 de novembro, o tribunal indeferiu, nos termos do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro, o requerimento da Requerida.

Fixou-se o dia 18 de janeiro de 2020 como data previsível para a prolação da decisão final.

 

II.            Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

Admite-se a cumulação de pedidos nos termos dos arts. 3.º do RJAT e 104.º do CPPT atendendo à identidade de factos tributários.

 

A Requerida suscitou diversas exceções que cumpre apreciar.

 

Como vimos, no Pedido arbitral, a Requerente protestou juntar a certidão prevista no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, invocando justo impedimento na obtenção da mesma.

A Requerida veio, em matéria de exceção, defender: i) Que não se deve dar por verificado o alegado justo impedimento; ii) Se a lei prevê expressamente que a certidão deve acompanhar a petição inicial, a sua omissão tem de implicar ineptidão da Petição; iii) Incompetência do Tribunal, por tal requisito não estar cumprido até 31 de Dezembro de 2012; ou iii)  Mesmo que se entendesse ter existido o justo impedimento, quando aquele findasse teria que se apresentar sob pena de se ter por inepta a petição e, por consequência, nulo o processo. Defende, ainda, a Requerida, que fora do quadro legal previsto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, na presente ação sempre se verificariam as exceções de incompetência, litispendência/ caso julgado e da caducidade do direito de ação, que forçosamente, segundo a Requerida, culminariam com a absolvição da Requerida da instância, com todas as consequências legais.

Em sentido contrário, alega a Requerente, em defesa do justo impedimento, que só por falha ocorrida no SITAF, a impediu de juntar a referida certidão. Ante a impossibilidade de extrair no SITAF, até ao dia 31.12.2019, a certidão judicial eletrónica do requerimento de extinção da instância (peça “Requerimento”, submetido no dia 30.12.2019, às 10:56:17), a Requerente procedeu ao pedido de emissão de certidão judicial eletrónica do comprovativo de submissão daquele requerimento (cf. doc. n.º 4 do pedido de pronúncia arbitral), e não à emissão de certidão do requerimento propriamente dito.

Argumenta, ainda, a Requerente não ser verdade que o impedimento tenha cessado no dia 31.12.2019, com a emissão da certidão judicial eletrónica junta como documento n.º 4 do pedido de pronúncia arbitral. O constrangimento apontado, tal como decorre dos correios eletrónicos trocados com a Helpdesk do IGFEJ, em data posterior à submissão do pedido de pronúncia arbitral, apenas culminaram no decurso do mês de julho do corrente ano, com a possibilidade de emissão da aludida certidão judicial eletrónica, conforme cópia dos correios eletrónicos que ora se juntam como documento n.º 1.

Finalmente, acresce, ainda, que, somente em 23.07.2020, a Requerente foi notificado da sentença de extinção da instância proferida no âmbito do processo de impugnação judicial n.º .../13...BELRS, que correu os seus termos na 1.ª Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa, na qual se determinou “Proceda a UO à emissão da certidão judicial eletrónica do processo para os fins do disposto no nº3 do artigo 11º do Decreto-Lei n.º 81/2018”, conforme cópia que se junta como documento n.º 4.

Vejamos.

 

A Requerida assenta as alegadas exceções à volta do incumprimento do disposto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro.

Resulta dos autos, que a Requerente requereu a emissão de certidão judicial eletrónica do requerimento de extinção da instância (requerimento submetido no dia de 30.12.2019, às 10:56:17), data em que estava em tempo para cumprir a lei, se tudo funcionasse como é normal acontecer.

Alega a Requerida, entre o mais, que, sabendo a Requerente que o pedido arbitral teria de ser acompanhado da referida certidão, e que os tribunais públicos não iam funcionar no dia 31 de Dezembro, de 2019, não usou da prudência que lhe era exigível, ao solicitar o pedido de certidão no último dia.

Independentemente de o pedido de certidão em causa ter sido solicitado apenas no dia 30 de Dezembro cumpre, em primeiro lugar, realçar que o pedido arbitral teria de dar entrada até 31 de Dezembro.  Por outro lado, constitui facto notório que se as funcionalidades da plataforma eletrónica estivessem todas a funcionar em perfeitas condições, a resposta ao pedido seria satisfeita de forma imediata. Tanto assim que a Requerente conseguiu obter certidão judicial eletrónica do comprovativo de submissão do requerimento de certidão de extinção da instância (doc n.º 4 do Pedido), o que indicia de forma objetiva que algo não estaria a funcionar bem em relação à funcionalidade em questão. Resulta, aliás, evidenciado, das diligências posteriores encetadas pela Requerente, conforme documentos juntos aos autos, em exercício do contraditório à matéria de exceção, que a situação perdurou no tempo.

Concede-se que a prudência exigiria que a Requerente, prevenindo eventuais erros, tivesse eventualmente submetido o requerimento mais cedo, mas correr-se-ia o risco de cair em eventual juízo arbitrário, desde logo, designadamente, quanto aos dias de antecedência que deveriam ter antecedido o pedido. Sobretudo tendo em conta os indícios mencionados sobre o não funcionamento perfeito da referida plataforma até datas posteriores. Acresce que, no juízo valorativo que se faça não se pode abstrair do contexto em que se vive num mundo dominado pela eletrónica, que nos habitua a obter o que se deseja com um simples “click”.

Por tudo o que vai exposto, podemos concluir que se a Requerente não conseguiu juntar a certidão judicial eletrónica do requerimento de extinção da instância com o Pedido arbitral foi por razões que não lhe podem ser imputadas.

Termos em que, ao não subsistirem razões para concluir pela existência de culpa da parte, seu representante ou mandatário, que obstem à aplicação do instituto de justo impedimento, na situação dos autos, improcede a argumentação da Requerida, dando-se por verificado o alegado justo impedimento.

Nesta sequência, improcede igualmente a alegada exceção de incompetência, bem como todas as demais, alegadas, aliás, de forma puramente abstrata. Acresce que, em lado algum do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro, o legislador comina com a alegada ineptidão da petição inicial, litispendência e caducidade do direito de ação a omissão de junção ao pedido arbitral da referida certidão.

Acresce que, tudo ponderado, no contexto apontado, não admitir a verificação de justo impedimento e a junção a posteriori da certidão judicial eletrónica requerida, afigura-se que tal implicaria, isso sim, a violação dos princípios da tutela judicial efetiva e o da proporcionalidade.

   

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

Cumpre apreciar e decidir.

 

III.          Fundamentação

 

III.I. Matéria de facto

 

A.           Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:

 

1.            O presente processo provém do processo de impugnação judicial n.º .../13...BELRS, que correu termos na Unidade Orgânica 1 do Tribunal Tributário de Lisboa, tendo a petição inicial da Impugnação Judicial dado entrada a 31/10/2013;

2.            A Requerente  requereu a junção aos autos, como Doc. N.º 4, de comprovativo de pedido de certidão judicial eletrónica de comprovativo de entrega de requerimento e do respetivo comprovativo de pagamento, protestando juntar como documento n.º 5 a certidão judicial eletrónica do requerimento de extinção da instância;

3.            A Requerente é uma sociedade por quotas cujo objeto consiste na prestação de serviços e de gestão, compreendendo todos os relacionados com a gestão administrativa e secretariado, angariação, análise e acompanhamento de investimentos, assessoria, consultoria de gestão, gestão de recursos humanos e funções administrativas inerentes, sistemas de informação, execução de tarefas operativas, de suporte ou backoffice, domiciliação de sociedades, cedência ocasional de espaços e tratamento de correspondência para além de, acessoriamente, realizar a gestão e/ou exploração direta de estabelecimentos hoteleiros e/ou de restauração;

4.            A Requerente, constituída em 17/12/2010, é um sujeito passivo de IVA nos termos do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA, enquadrado no regime normal com periodicidade trimestral que exerce a atividade principal de “Outras Atividades de Consultoria para os Negócios e a Gestão” a que corresponde o CAE 70220.

5.            Os Serviços de Inspeção Tributária (SIT) da Direção de Finanças de Lisboa, procederam a inspeção parcial - IVA - à atividade da Requerente nos exercícios económicos de 2010 a 2012, na sequência de pedido de reembolso de IVA (cf. relatório de inspeção);

6.            A Requerente foi sujeita a uma ação inspetiva que teve por objetivo a análise da legitimidade do crédito de imposto, e de acordo com a aplicação informática dos reembolsos, a seleção para inspeção deste crédito prende-se com os códigos 102 - 1.0 pedido de reembolso e 302 - atividade imobiliária (cf. relatório de inspeção);

7.            A acumulação de créditos de IVA teve como origem o início da atividade da Requerente - 4.0 trimestre de 2010 (2010 -12T) até ao período do reembolso 2012-06T, devido ao IVA dedutível de imobilizado e outros bens e serviços (campos 20 e 24 das declarações periódicas de IVA, que totalizou, nos períodos em questão, os montantes respetivos de € 841,52 (oitocentos e quarenta e um euros e cinquenta e dois cêntimos) e € 116 016,59 (cento e dezasseis mil e dezasseis euros e cinquenta e nove cêntimos), superior ao IVA liquidado de € 72 817,60 (setenta e dois mil oitocentos e dezassete euros e sessenta centavos):

 

(cf. relatório de inspeção)

8.            Quanto às operações ativas, a faturação é emitida com o descrito de "assessoria de gestão" para o único cliente, a "C... SA" (cf. relatório de inspeção);

9.            Não foi disponibilizado qualquer contrato ou acordo relativo às prestações de serviços;

10.          No que concerne ao IVA contido nas operações passivas, o IVA evidenciado no campo 24 das declarações periódicas entregues resulta do imposto suportado, essencialmente, com serviços adquiridos à empresa "B... Lda.”:

 

(cf. relatório de inspeção)

11.          No âmbito das diligências externas, o técnico de contas da Requerente enviou por email de 14/12/2012 uma carta assinada pelo gerente com explicação dos serviços prestados pelas sociedades referidas:

 

(cf. relatório de inspeção)

12.          Pelos esclarecimentos da Requerente e da B..., a AT concluiu que,

 

(cf. Relatório de inspeção)

 

13.          Perante os esclarecimentos apresentados a AT conclui que,

 

(cf. relatório de inspeção)

14.          O sujeito passivo notificado para, querendo, exercer o direito de audição prévia, sobre o projeto de relatório, não o fez e as correções propostas em sede de projeto mantiveram-se, convertendo-se o projeto de relatório em relatório definitivo, e, notificado ao sujeito passivo;

15.          Foram emitidas as liquidações adicionais de IVA referentes ao período em apreço nos presentes autos;

16.          As liquidações foram notificadas à Requerente, tendo como data limite de pagamento, o dia 31 de Julho de 2013;

17.          Das liquidações adicionais de IVA e correspondentes liquidações de juros compensatórios (Doc. N.º 7 junto pela requerente com o Pedido arbitral) consta o seguinte:

 

18.          A Requerente não procedeu ao pagamento voluntário do imposto e juros compensatórios apurado nas liquidações em apreço, a administração tributária instaurou o processo de execução fiscal n.º ...2013..., para cobrança coerciva do montante de € 84.969,92 (documento n.º 8 junto pela Requerente);

19.          Em 16.09.2013, foi a Requerente notificada da constituição de penhor legal sobre um crédito no valor de € 35.789,92 para garantir a cobrança da dívida exequenda no identificado processo de execução fiscal, montante que viria posteriormente a ser aplicado naquele processo de execução (documento n.º 9 junto aos autos pela Requerente);

20.          Em 04.10.2013, a Requerente procedeu à apresentação da garantia bancária n.º ..., no montante de € 75.000,00, para suspensão do identificado processo de execução fiscal (documento n.º 10 junto aos autos pela Requerente).

 

B.            Não há factos relevantes para esta Decisão Arbitral que não se tenham provado.

 

C.            Fundamentação da Fixação da Matéria de Facto

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.os 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação. A Requerida, ainda que notificada para o efeito, não juntou o processo instrutor. No entanto o SP, na resposta à matéria de exceção, juntou aos autos o Relatório de Inspeção, que serviu de fundamentação aos atos de liquidação em causa.

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes com base nas peças processuais e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para esta Decisão Arbitral, os factos acima elencados.

 

III.II. Matéria de Direito

 

III.II.1. Questões a decidir 

 

Como vimos, a Requerente peticiona a declaração da ilegalidade das liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) n...., no montante de €21.000,00, relativa ao período 10/12T, e no montante de 57.500,00,  n.º ..., relativa ao período 11/03T, e respetivas liquidações de juros compensatórios n.º ... e n.º ..., todas datadas de 30/05/2013, restituindo-se à Requerente o montante penhorado, acrescido de juros indemnizatórios, e a indemnização pela garantia prestada com vista à suspensão do processo de execução fiscal (doc 7, junto pela Requerente com o Pedido arbitral).

Segundo a Requerente, os serviços de inspeção tributária consideraram que – com referência aos serviços prestados pela B..., Lda., incidente sobre os serviços materializados através das faturas n.ºs 236, 2 e 3, não preenchem os pressupostos do exercício do direito à dedução, porquanto:

- os documentos de suporte não se encontrarem na forma legal ao abrigo do art.º 36.º, n º 5, alínea b) em conjugação com o artigo 19.º n.os 2 e 6 ambos do Código do IVA; e pela falta de demonstração, feita pelo sujeito passivo através de elementos objetivos, de que as despesas incorridas com a aquisição dos serviços em causa estariam diretamente relacionadas com a realização ou a perspetiva de realização de operações tributáveis, ao abrigo do disposto no art.º 20.º, n ° 1, do Código do IVA;

Para este tribunal, numa interpretação global, centrada na fundamentação do Relatório de inspeção, afigura-se que a segunda questão está intimamente ligada à primeira, defendendo a Requerida para a desconsideração do exercício do direito à dedução, no essencial, a inobservância do disposto no nº 5 do artigo 36º do CIVA.

Vejamos.

 

III.II.2. Quanto à ilegalidade das liquidações

 

§ 1.º O direito à dedução. O quadro normativo pertinente

 

O exercício do direito à dedução, condicionado ao cumprimento de requisitos formais (formalidades a que deve obedecer a emissão de faturas) e materiais, (efetividade das operações e respetiva conexão com atividades exercidas pelos sujeitos passivos que confiram tal direito) consubstancia uma das principais características do IVA através do qual se assegura o princípio estruturante da neutralidade do imposto.

Esta neutralidade concretizar-se-á, de acordo com Sérgio Vasques,  no sentido de que “imposto neutro é aquele que não interfere nas decisões dos agentes económicos, deixando a produtores a liberdade de escolher o que produzir e como produzi-lo (neutralidade do produtor) ao mesmo tempo que deixa a consumidores a liberdade de escolher o que consumir sem os afastar da sua inclinação natural (neutralidade no consumidor). Concretizada deste modo, a neutralidade é uma noção que surge ligada em primeira linha à noção de eficiência económica, sendo que por regra é quanto se deixam inalteradas as escolhas de produtores e consumidores que se logra uma afectação óptima de recursos em mercado”.

Numa primeira abordagem poder-se-á afirmar que o direito à dedução do IVA confere aos sujeitos passivos o direito a deduzir ao montante de imposto de que são devedores, o IVA incorrido nas suas aquisições de bens e serviços quando os mesmos tenham como finalidade a realização de operações que conferem o direito à dedução, ou seja, a concretização do princípio da neutralidade só se assegura na circunstância de os sujeitos passivos de imposto se desonerarem do mesmo, subtraindo o IVA incorrido nos seus inputs ao IVA que liquidam nos outputs.

A regra geral do direito à dedução encontra-se prevista no artigo 168º da Diretiva IVA no seguinte sentido:

“Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os seguintes montantes:

a)            O IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;

b)           O IVA devido em relação a operações assimiladas a entregas de bens e a prestação de serviços em conformidade com a alínea a) do artigo 18º e o artigo 27º;

c)            O IVA devido em relação às aquisições intracomunitárias de bens, em conformidade com o artigo 2º, nº 1, alínea b), subalínea i);

d)           O IVA devido em relação a operações assimiladas a aquisições intracomunitárias, em conformidade com os artigos 21º e 22º;

e)           O IVA devido ou pago em relação a bens importados para esse Estado-Membro.

Por seu turno, dispõe o artigo 19º do CIVA, o seguinte no que aqui releva;

Artigo 19º

Direito à dedução

(…)

2. Só confere direito à dedução o imposto mencionado nos seguintes documentos, em nome e na posse do sujeito passivo:

a) Em faturas passadas na forma legal;

(…)

6.Para efeitos do exercício do direito à dedução, consideram-se passadas na forma legal as faturas que contenham os elementos previstos nos artigos 36º ou 40º, consoante os casos (…).

 

Dispondo o artigo 178º, alínea a) da Diretiva IVA que;

“CAPÍTULO 4

Disposições relativas ao exercício do direito à dedução

Artigo 178º

Para poder exercer o direito à dedução, o sujeito passivo deve satisfazer as seguintes condições:

a)            Relativamente à dedução referida na alínea a) do artigo 168º, no que respeita às entregas de bens e às prestações de serviços. Possuir uma fatura emitida nos termos das secções 3 a 6 do capítulo 3 do título XI.

 

O exercício do direito à dedução do IVA, e como sinalizado está condicionado à observância e cumprimento de requisitos, uns de caracter formal e outros de natureza material.

Os requisitos formais, reportam-se a um conjunto de formalidades a que deve obedecer a emissão das faturas, constantes do artigo 36º, nº 5 do CIVA.

Artigo 36º

Prazo de emissão e formalidade das faturas

“(…)

5- As faturas devem ser datadas, numeradas sequencialmente e conter os seguintes elementos:

a)            Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente, bem como os correspondentes números de identificação fiscal dos sujeitos passivos de imposto;

b)           A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável: as embalagens não efetivamente transacionadas devem ser objeto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução;

c)            O preço, líquido de imposto, e outros elementos incluídos no valor tributável;

d)           As taxas aplicáveis e o montante de imposto devido;

e)           O motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for caso disso;

f)            A data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, em que os serviços foram realizados ou em que foram efetuados pagamentos anteriores à realização das operações, se essa data não coincidir com a data da emissão da fatura.

No caso de a operação ou operações às quais de reporta a fatura compreenderam bens ou serviços sujeitos a taxas diferentes de imposto, os elementos mencionados nas alíneas b), c) e d) devem ser indicados separadamente, segundo a taxa aplicável”.

Em sentido semelhante dispõe a Diretiva, que estabelece o sistema europeu comum do IVA, concretamente no seu artigo 226º, que parcialmente se transcreve;

Secção 4

Conteúdo das faturas

Artigo 226º

“Sem prejuízo das disposições específicas previstas na presente diretiva, as únicas menções que devem obrigatoriamente figurar, para efeitos do IVA, nas faturas emitidas em aplicação do disposto nos artigos 220º e 221º, são as seguintes:

1)            A data de emissão da fatura;

2)            O número sequencial, baseado numa ou mais séries, que identifique a factura de forma unívoca;

3)            O número de identificação para efeitos do IVA, referido no artigo 214º, ao abrigo do qual o sujeito passivo efetuou a entrega de bens ou a prestação de serviços;

4)            O número de identificação para efeitos do IVA do adquirente ou destinatário, referido no artigo 214º, ao abrigo do qual foi efetuada uma entrega de bens ou uma prestação de serviços pela qual aquele seja devedor do imposto ou uma entrega de bens referida no artigo 138º;

5)            O nome e o endereço completo do sujeito passivo e do adquirente ou destinatário;

6)            A quantidade e natureza dos bens entregues ou a extensão e natureza dos serviços prestados;

7)            A data em que foi efetuada, ou concluída, a entrega de bens ou a prestação de serviços ou a data em que foi efetuado o pagamento por conta, referido nos pontos 4) e 5) do artigo 220º, na medida em que essa data esteja determinada e seja diferente da data de emissão da fatura;

8)            O valor tributável para cada taxa ou isenção, o preço unitário líquido de IVA, bem como os abatimentos e outros bónus eventuais, se não estiveram incluídos no preço unitário;

9)            A taxa do IVA aplicável;

10)         O montante do IVA a pagar, salvo em caso de aplicação de um regime especial para o qual a presente diretiva exclua esse tipo de menção

10-A) Quando a fatura for emitida pelo adquirente ou destinatário da entrega de bens ou da prestação de serviços, e não pelo fornecedor ou prestador, a menção “Autoliquidação”;

11)         Em cado de isenção, ou quando o adquirente ou o destinatário for devedor do imposto, a referência à disposição aplicável da presente diretiva, ou à disposição nacional correspondente, ou qualquer outra menção indicando que a entrega de bens ou a prestação de serviços beneficia de isenção ou está sujeita a autoliquidação;

11-A) Quando o adquirente ou o destinatário for devedor do imposto, a menção “Autoliquidação”. (…)”

 

Quanto aos requisitos materiais determina o artigo 20º, nº 1 do CIVA o seguinte:

“Artigo 20º

Operações que conferem o direito à dedução

1.            Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes:

a)            Transmissões de bens e prestação de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas;

b)           Transmissões de bens e prestação de serviços que consistam em;

I)             Exportações e operações isentas nos termos do artigo 14º;

II)           Operações efetuadas no estrangeiro que seriam tributáveis se fossem efetuadas no território nacional;

III)          Prestações de serviços cujo valor esteja incluído na base tributável de bens importados, nos termos da alínea b) do nº 2 do artigo 17º;

IV)          Transmissões de bens e prestações de serviços abrangidos pelas alíneas b), c), d) e e) do nº 1 e pelos nºs 8 e 10º do artigo 15º;

V)           Operações isentas nos termos dos nºs 27) e 28) do artigo 9º, quando o destinatário esteja estabelecido ou domiciliado fora da Comunidade Europeia ou que estejam diretamente ligadas a bens, que se destinam a ser exportados para países não pertencentes à mesma Comunidade;

VI)          Operações isentas nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei nº 394-B/84, de 26 de dezembro”

 

A norma vinda de citar tem correspondência com o artigo 168º da Diretiva IVA, nos termos da qual e sobre a epigrafe “Origem e âmbito do direito à dedução”, determina como segue:

“Artigo 168º

Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efetua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:

a)            O IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;

b)           O IVA devido em relação a operações assimiladas a entregas de bens e a prestações de serviços, em conformidade com a alínea a) do artigo 18º e o artigo 27º;

c)            O IVA devido em relação às aquisições intracomunitárias de bens, em conformidade com  artigo 2º, nº 1, alínea b), subalínea i);

d)           O IVA devido em relação a operações assimiladas a aquisições intracomunitárias, em conformidade com os artigos 21º e 22º;

e)           O IVA devido ou pago em relação a bens importados para esse Estado-Membro.”

*****

Traçado o quadro normativo pertinente, haverá que sublinhar que, a relevância dos requisitos formais das faturas, com reflexo no exercício do direito à dedução do IVA, tem sido objeto de profícua análise, por parte da doutrina, e tratada por diversa jurisprudência quer a nível interno quer a nível europeu, nomeadamente pelo TJUE e também pelo CAAD.

Ainda que de forma meramente indicativa, poder-se-ão sinalizar os seguintes processos: nºs 3/2014-T de 2016-12-06, 759/2015-T de 2016-01-22, 323/2016-T, de 2017-02-17, 716/2016-T, de 2017-06-01, 96/2018-T, de 2018-10-30, 290/2019-T, de 2019-11-29, 725/2019-T, de 2020-06-12 e 290/2019-T, de 2019-11-29, dois quais destacaremos o processo nº 96/2018-T, cuja motivação e sentido decisório subscrevemos, e data venia seguiremos de perto, tendo em mente o artigo 8º, nº 3 do Código Civil que estabelece que “nas situações que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim se obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.”

Assim, pode ler-se no processo em causa, sobre a relevância dos requisitos formais na jurisprudência do TJ e consequências da sua inobservância:

“A primeira questão que se suscita prende-se com a suficiência do discriminativo constante das faturas emitidas à Requerente, cuja dedução foi rejeitada pela AT, mais concretamente em saber se aquele observa as condições mínimas de detalhe estabelecidas pelo artigo 226º, nº 6 da Diretiva IVA, acima transcrito, segundo o qual as faturas devem obrigatoriamente mencionar “a extensão e natureza dos serviços prestados”.

Sobre esta questão, o TJ, num caso relativamente recente considerou insuficiente um descritivo que continha apenas a indicação de “serviços jurídicos prestados desde determinada data até ao presente”, por ser demasiado genérico para identificar a concreta natureza dos serviços em causa e a sua extensão, sem prejuízo de não entender obrigatória a descrição dos serviços prestados de forma exaustiva.

Para o TJ “a finalidade das menções que devem obrigatoriamente constar da fatura consiste em permitir às Administrações Fiscais a realização de controlos do pagamento do imposto devido e, se for caso disso, da existência do direito à dedução do IVA” e é à luz desta finalidade que importa analisar se as faturas respeitam as exigências do artigo 226º, nº 6 da Diretiva IVA- cf., acórdão do TJ, de 15 de Setembro de 2016, Baris, C-516/14, nº s 26,27 e 28.

Observe-se que estas exigências podem ser supridas através de documentos conexos com as faturas, que a estas possam ser equiparados, nos termos do artigo 219º da referida diretiva, na qualidade de documentos que alteram a fatura inicial e a ela façam referência específica e inequívoca (cfr, acórdão Baris, parágrafo 34).

No entanto, o TJ não considera que seja inevitável o afastamento do direito à dedução, como consequência de uma violação do artigo 226º, nº 6 da Diretiva IVA.

Para o Tribunal de Justiça da União Europeia,“ o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução deste imposto pago a montante seja concedida se os requisitos materiais estiveram cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais.

Por conseguinte, quando a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para saber que os requisitos materiais foram cumpridos, não pode impor condições suplementares ao direito do sujeito passivo de dedução do imposto que possam ter por efeito eliminar esse direito (v. neste sentido, acórdãos de 21 de outubro de 2010, Nidera Handelscompagnie, C-385/09, EU:C:2010:627, nº 42; de 1 de março de 2012, Kopalnia Odkrywkowa Polski Trawertyn P.Granatowicz, M. Wasiewicz, C-280/10, EU:C:2012:107, Nº 43, e de 9 de julho de 2015, Salomie e Oitean, C-183/14, EU; C:2015.454, nºs 58  e 59 e jurisprudência aí refrida- cfr. Acórdão Barlis, parágrafo 42.

Assim, o TJ conclui que o artigo 178º, alínea a) da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades tributárias nacionais possam recusar o direito à dedução do IVA pelo simples facto de o sujeito passivo possuir uma fatura que não cumpre os requisitos exigidos pelo artigo 226º, nº 6 desta diretiva, quando essas autoridades dispõem de todas as informações necessárias para verificar se os requisitos substantivos relativos ao exercício desse direito de encontram satisfeitos – cf, acórdão Barlis, parágrafo 43 e dispositivo.

Esta posição já tinha sido anteriormente sufragada nos Acórdãos de 30 de setembro de 2010, Uszodaépio kft, C-392/09, de 21 de outubro de 2010, Nidera, C-385/09; de 1 de março de 2012, Kopalnia (ou Polsky Trawertyn), C-280/10; de 27 de setembro de 2012, VSTR, C-587/10: de 8 de maio de 2013, Petroma, C-271/12; de 18 de julho de 2013, Evira.K EOOD, C.78/12; de 6 de fevereiro de 2014, SC Fatorie, C-424/12 e de 11 de dezembro de 2013, Idexx Laboratories, C-590/13.”

Continuando a decisão que vimos citando;

“Esta jurisprudência constante do TJ afirma que, sem prejuízo da importante função documental da fatura, na medida em que pode conter dados controláveis, conquanto estejam cumpridos e demonstrados os requisitos substantivos, a não observância das formalidades  não pode, em princípio, levar à supressão do direito à dedução do IVA, reforçando que este “garante a neutralidade na aplicação do IVA, pelo que não poderá ser recusado somente porque os sujeitos passivos negligenciaram certos requisitos formais, quando os requisitos substantivos tenha, sido cumpridos – cf. Acórdão Uszodaépito kft, nº 38).

Na interpretação do TJ, a exigência de dispor de fatura em todos os pontos conforme com as disposições da Diretiva IVA teria uma consequência inaceitável: a de pôr em causa o direito à dedução do sujeito passivo, quando os dados podem ser validamente comprovados através de outros meios que não sejam uma fatura . cf., nº 48 do Acórdão Kopainia.

Acresce, neste ponto, e conforme referido na decisão arbitral nº 3/2014-T, de 6 de dezembro de 2016, ao convocar o Acórdão de 12 de julho de 2012, EMS Bulgaria, C-284/11, “que coloca a questão dos efeitos associados ao incumprimento de formalidade no domínio sancionatório e não no plano (bem distinto) dos efeitos impeditivos ou extintivos do exercício do direito (substantivo) à dedução”.

O referido entendimento tem sido reforçado em jurisprudência posterior, designadamente  no Acórdão de 15 de novembro de 2017, Rochus Geissel, C-374/15, que recorda que o direito à dedução do IVA não pode, em princípio, ser limitado, e que o regime de deduções visa libertar completamente o empresário do peso do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas atividades económicas, pelo que a dedução do IVA pago a montante deve ser concedida se os requisitos substanciais estiveram cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais (nºs 40 a 46 do Acórdão Rochus Geissel)

“(…)”

Porém, em situações de fraude, por exemplo, quando a violação das “exigências formais tiver por efeito impedir a prova certa de que as exigências materiais foram observadas”, o TJ confirma a admissibilidade à luz do direito europeu, da recusa do direito á dedução. Neste caso, é necessário que se demonstre que o sujeito passivo “não cumpriu fraudulentamente, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, a maior parte das obrigações formais que lhe incumbiam para poder beneficiar deste direito” – cf. Acórdão de 28 de junho de 2016, Giuseppe Astone, C-332/15, nº 42 e ponto 2 do dispositivo.”

 

Retirando-se ainda da decisão prolatada em 2018-10-30 sob a égide do CAAD no âmbito do processo número 96/2018-T, que vimos seguindo:

“ A doutrina nacional é parametrizada pela jurisprudência europeia. Segundo Sérgio Vasques, “[a] complexidade que reveste o regime das faturas e a margem que ainda é deixada aos estados-membros nesta matéria têm levado à multiplicação de litígios junto do TJUE relativos aos requisitos formais para o exercício do direito à dedução do IVA. Nas suas decisões o tribunal, reiterando embora a função da fatura como suporte do direito à dedução, em correspondência com o artigo 178º da Diretiva, tem permitido que sobre este requisito de forma prevaleça a substância das operações sempre que isso se mostre necessário para garantir a neutralidade do IVA e não coloque risco demasiado”- cf. O Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 2015, pp 340-345 (excerto de p. 341).

 

Miguel Durham Agrellos e Paulo Pichel, também com apoio na jurisprudência comunitária consideram que os vícios formais apenas são passíveis de impedir o direito à dedução se puserem “razoavelmente em causa a capacidade de cobrança correta do imposto e de fiscalização pelas autoridades tributárias, de tal modo que esta não está em condições de conhecer a realidade material subjacente, em face dos elementos apresentados pelo sujeito passivo”- cfr. “Jurisprudência do TJUE sobre Exigências de Forma das Facturas e Direito à Dedução do IVA”, Cadernos IVA 2015, Coord. Sérgio Vasques, Almedina, 2015, pp 191-211 (e excerto de p.194).

Também Cidália Lança refere que “de acordo com a jurisprudência daquele Tribunal [TJ], o princípio na neutralidade exige que a dedução do IVA seja concedida se os requisitos substantivos tenham sido cumpridos, mesmo se os sujeitos passivos tiverem negligenciado certos requisitos formais”- cf., Anotação ao artigo 36º do Código do IVA e RITI Notas e Comentários, Coord, e Organização Clotilde Celorico Palme e António Carlos dos Santos, Almedina, 2014, p 340.

 

Para concluir neste segmento, convocam-se por paradigmáticas, e pela flagrante similitude com o caso em discussão nos presentes autos, os parágrafos, 35,41,42,43 e 44, do acórdão da Quarta Secção do TJUE proferido no âmbito do processo C-516/14, de 15 de Setembro de 2016 -Acórdão Barlis, S.A;

35- (…) faturas que só contenham a menção “serviços prestados desde determinada data até ao presente”, como as que estão em causa no processo principal, não respeitam, em princípio, as exigências previstas no nº 6 deste artigo [226º]e que faturas que só contenham a menção “serviços jurídicos prestados até ao presente” não respeitam, em princípio, as exigências previstas no referido nº 6 nem as exigências previstas no º 7 do mesmo artigo, o que cabe, todavia, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar”.

41- No que respeita aos requisitos formais relativos ao exercício do referido direito, e resulta do artigo 178º, alínea a), da Diretiva 2006/112 que o seu exercício está subordinado à posse de uma fatura emitida nos termos do artigo 226º desta diretiva (v., neste sentido, acórdãos de 1 de março de 2012, Kopalnia Odkrywkowa Polsky P. Granatowicz, M.Wasiewicz, C-280/10, EU:C:2012:107, nº 41, e de 22 de outubro de 2015,  PPUH Stehcemp, C-277/14, EU:C:2015:719, nº 29)

42- O Tribunal de Justiça declarou que o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução deste imposto pago a montante seja concedida se os requisitos materiais estiveram cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais. Por conseguinte, quando a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para saber que os requisitos materiais foram cumpridos, não pode impor condições suplementares ao direito do sujeito passivo de dedução do imposto que possam ter por efeito eliminar esse direito (v., neste sentido, acórdãos de 21 de outubro de 2010 Nidera Handelscompagnie, C-385/09, EU:C:2010:627, nº 42: de 1 de março de 2012, Kopalnia Odlkrywowa Polski Trawertyn P- Granatowicz, M. Waqasiewicz, C-280/10 EU:C:2012:107, nº 43 e de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C-183/14, EU:C:2015:454, nºs 58, 59 e jurisprudência aí referida).

43- Daqui resulta que a Administração Fiscal não pode recusar o direito a dedução do IVA pelo simples facto de a fatura não preencher os requisitos exigidos pelo artigo 226º, nºs 6 e 7, da Diretiva 2006/112, se dispuser de todos os dados para verificar se os requisitos substantivos relativos a este direito se encontram satisfeitos.

44- A este respeito, a Administração Fiscal não deve limitar-se ao exame da própria fatura. Deve igualmente ter em conta informações complementares prestadas pelo sujeito passivo. Esta constatação é confirmada pelo artigo 219º da Diretiva 2006/112 que equipara a fatura qualquer documento ou mensagem que altere a fatura inicial e a ela faça referência específica e inequívoca.”.

 

§1.º. 1. Aplicação ao caso em apreço

 

Tendo em consideração os normativos e a jurisprudência de que supra se deu conta, há que fazer a sua aplicação ao caso concreto dos presentes autos.

A Requerida limita-se a alegar, no que se refere ao “justificativo” para a desconsideração das faturas para efeito do exercício do direito à dedução, […] “não se considera dedutível (…)”pelos documentos de suporte não se encontrarem na forma legal ao abrigo do artigo 36º, nº 5, alínea b) em conjugação com o artigo 19º, ns. 2 e 6, ambos do Código do IVA” (conclusão 1, constante do RIT a fls 15).

Estão em causa três faturas emitidas à Requerente pela sociedade “B...” identificadas pelos nºs 236, 2 e 3, com os seguintes descritivos, respetivamente:

-236- “Nossos honorários relativos a levantamento e estudo de operações de investimento”,

-2- “Segunda e última parcelas dos nossos honorários relativos a estudo de operações de investimento”,

-3- “Nossos honorários relativos a análise e discussão da estratégia de investimento, definição de modelo de financiamento e configuração de modelo de gestão para a A...”.

 

No âmbito do procedimento inspetivo a que a Requerente foi sujeita e como consta do respetivo relatório e do probatório o gerente desta veio detalhar os serviços prestados pela “B...”, tendo esta própria procedido a explicação quanto à natureza dos serviços por si prestados que estiveram na base na emissão das faturas  controvertidas, encontrando-se  acauteladas as finalidades de controlo do pagamento do imposto, desde logo, no que se refere a taxas e isenções, que permitiram a liquidação do imposto correspondente.

Para além dos descritivos das faturas, como resulta dos factos dados como provados e, em especial, com referência aos serviços prestados pela B..., Lda. (“B...”), a Requerente, no âmbito da inspeção, teve oportunidade de explicitar o detalhe dos serviços prestados pela sociedade B... da seguinte forma:

 «As faturas n.º 236 de 29.12.2010 e n.º 2 de 25.01.2011, “são relativas à análise por aquela sociedade de consultadoria financeira de várias opções de investimento directo que foram propostas à A...;

Os serviços prestados pela B..., Ldª., que são objeto da fatura n.º 3, de 256/1/2011, respeitaram a consultadoria estratégica encomendada pelo sujeito passivo tendo em vista a definição dos sectores empresariais nos quais a sociedade pretende investir diretamente aproveitando as sinergias decorrentes das disponibilidades de recursos da sócia única da A...;

Os serviços que constam da fatura nº 1, de 25/1/2011, respeitam à assessoria de gestão prestada pela B... Ldª., ao sujeito passivo no âmbito da prestação de serviços de apoio permanente à gestão que este último manteve com a sociedade C..., SA., desde o início da actividade até janeiro de 2012.

Numa apreciação global e atendendo não apenas aos elementos constantes das faturas emitidas juntamente com as explicitações e documentação posterior, verifica-se que através de tais esclarecimentos e documentos juntos é possível “reconstituir que serviço foi prestado e qual o seu custo”, nos termos preconizados pelo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 4 de Outubro, de 2017, no âmbito do processo nº 1141/16. Cumpre igualmente sublinhar, no caso em apreço, o teor do parágrafo 44 do Acórdão Barlis, no segmento em que se afirma que “ a Administração Fiscal não deve limitar-se ao exame da própria fatura. Deve igualmente ter em conta informações complementares prestadas pelo sujeito passivo (…)”

No entendimento que resulta do processo nº 561/2017-T, do CAAD, “o incumprimento (ou o deficiente cumprimento, que, para o caso, tanto vale, já que todos os requisitos das facturas são essenciais), das exigências formais relativas às facturas não tem como consequência fatal a sua desconsideração para efeitos do direito ao reembolso do IVA”.

Perante o que vai exposto, considerando a fundamentação constate do RIT, poderíamos, quando muito, aceitar estarmos perante uma imperfeição de referência dos elementos exigíveis, mas não perante omissão de requisitos.

As menções constantes das faturas controvertidas ainda que de carácter genérico não podem deixar de se considerarem associadas aos documentos juntos e informações prestadas quer pela Requerente, quer pelas entidades emitentes das faturas, como já referido.

Afigura-se concluir que a Requerente completou a informação constante das faturas, não se vislumbrando qualquer razão plausível para que, relativamente às mesmas, possa ser coartado o seu direito à dedução do respetivo imposto.

Em conclusão e acompanhando Sérgio Vasques   “(…) podemos dizer que o TJUE tem vindo a relativizar de algum modo os requisitos de forma para o exercício do direito à dedução e a função que nisso cabe às facturas disciplinadas pelo Título XI, Capítulo 3, da Directiva IVA. O tribunal admite que a substância das operações prevaleça sobre os vícios da factura, quando estejam em causa elementos previstos exclusivamente na lei interna dos estados-membros, e na limitada medida em que a Directiva IVA permite a sua introdução. E o tribunal admite mesmo que a substância das operações prevaleça sobre vícios das facturas relativos a elementos tipificados na Directiva IVA, posto que não se crie com isso risco de fraude.

O objectivo desta abordagem “flexível” – como a diz o advogado-geral Cruz Villalón no processo Polski Trawertyn – é o de garantir o direito à dedução a qualquer sujeito passivo que efectivamente tenha suportado o pagamento do imposto. A multiplicação de exigências pelos estados-membros no momento de emissão de facturas pode levar a que se dificulte ou anule o direito à dedução para quem deve exercê-lo na substância, um resultado frontalmente contrário aos objectivos perseguidos pela Directiva IVA. Foi assim que o TJUE acabou por desenvolver “uma variante do princípio da proporcionalidade” ao lidar com estes casos, reiterando sempre que “as formalidades assim estabelecidos pelo estado-membro em causa e que devem ser respeitadas pelo sujeito passivo para poder exercer o direito à dedução do IVA não podem ultrapassar o estritamente necessário para controlar a aplicação correcta do procedimento de autoliquidação”.

Assinale-se, a título de nota final, que, em situações em tudo idênticas à que decorre dos presentes autos, e em que estavam em causa descritivos das faturas como “consultoria de investimento”, “serviços administrativos”, “diversos-prestação de serviços” e “diversos”, “prestação de serviços”, “prestação de serviços jurídicos e de consultadoria fiscal”, não considerados pela Autoridade Tributária e Aduaneira para efeitos de dedução do IVA, as decisões correspondentes  aos respetivos processos arbitrais (290/2019-T;96/2018-T;716/2016-T;586/2016-T e 561/2017-T) que correram sob a égide do CAAD, concluíram em igual sentido ao aqui  pugnado.

Face ao que vem de expor-se, tendo em consideração o quadro normativo traçado e o recorte da jurisprudência a respeito da consequência de uma fatura que não cumpra os requisitos exigidos pelo artigo 226, nºs 6 e 7 da Diretiva, para o exercício do direito à dedução do IVA, inexiste por parte da AT qualquer motivo plausível para a desconsideração das faturas controvertidas para esse efeito, procedendo, em consequência o pedido de pronúncia arbitral.

 

§ 1.º.2. Quanto à alegada falta de demonstração de que os serviços adquiridos à B... estariam relacionados com a realização das operações tributáveis

 

Embora de forma abstrata, a AT acaba por considerar não dedutível o IVA das faturas controvertidas, adicionando à não observância dos requisitos formais destas, contemplados no nº 5, do artigo 36º em conjugação com o disposto no nº 2 do artigo 19º do CIVA, a falta de materialização das operações que estiveram na origem da sua emissão.

Alega para tanto na conclusão 2 do Relatório de Inspeção Tributária (fls.16) que não se considera o imposto dedutível “pela falta de demonstração, feita pelo sujeito passivo através de elementos objetivos de que as despesas incorridas com a aquisição dos serviços em causa estariam diretamente relacionadas com a realização ou a perspetiva de realização de operações tributáveis ao abrigo do disposto no artigo 20º, nº 1 do Código do IVA”.

Dispõe o artigo 20.º, n.º 1 do Código do IVA que “Só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes: a) Transmissões de bens ou prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas; (…)”.

Neste âmbito, prevê-se no artigo 167.º da Diretiva do IVA que “Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, (…) a deduzir: a) O IVA devido ou pago (…) em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo”.

Dos citados preceitos legais do Código do IVA e da Diretiva do IVA resulta que os bens e os serviços adquiridos para utilização na atividade produtiva do sujeito passivo conferem direito à dedução.

No caso concreto, a ora Requerente, constituída em 17.12.2010, tem como atividade principal a prestação de serviços de consultadoria para os negócios e a gestão, atividade que é inteiramente tributável e confere o direito à dedução.

Não vem posto em causa a prestação efetiva dos serviços, mas tão só se estão relacionados com a atividade da Requerente.

Não podemos, porém, acompanhar a Requerida quando concluiu liminarmente que a insuficiência parcial ou imperfeita do descritivo das faturas em causa inviabiliza a conexão indispensável à atividade desenvolvida pela Requerente. Afigura-se que a Requerida faz errónea conexão do IVA incorrido (nos serviços adquiridos) com a obtenção de rendimentos por parte da Requerente, o que se compreenderia se estivéssemos em sede de imposto sobre o rendimento, o que não é o caso. 

Como acima referido, a B... prestou à ora Requerente serviços de consultoria financeira e de gestão, concretizados através do “estudo de operação de investimento”, da “definição do modelo de investimento” e da “configuração de modelo de gestão”, como aliás se extrai dos correspondentes documentos de suporte daquela prestação de serviços.

Serviços estes tanto mais justificados por se encontrar em início de atividade, altura em que foi fundamental definir o modelo /estratégia de investimento financeiro e de gestão. 

Conclui-se, desta forma, que a Requerente demonstrou nos autos que os serviços de consultadoria prestados pela B..., conforme mencionados nos documentos de suporte, afiguram-se, pois, necessários para prossecução da referida atividade principal da Requerente. Constitui convicção deste tribunal que as explicações efetuadas pela Requerente, os documentos por esta juntos em sede inspetiva, bem assim como os esclarecimentos prestados pelas entidades emitentes das faturas aqui em causa, conforme probatório, são de molde a concluir pela materialidade das operações delas constantes, para efeitos do disposto no nº 1 do artigo 20º do CIVA.

 

III.II.3. Restituição do montante indevidamente pago e juros indemnizatórios

 

Como decorre da factualidade dada como provada, a administração tributária procedeu à constituição de penhor legal sobre um crédito no valor de € 35.789,92, para garantir a cobrança da dívida exequenda no processo de execução fiscal n.º ...2013..., o qual viria posteriormente a ser aplicado naquele processo de execução fiscal.  Nesta sequência, a Requerente pede a restituição do montante indevidamente penhorado, acrescido de juros indemnizatórios. 

Começando pelo pedido de juros indemnizatórios, decorre do disposto na alínea b) do artigo 24º do RJAT, que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a administração tributária, a partir do termo do prazo para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos precisos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, a até ao termo do prazo para execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessárias para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100º da LGT, ex vi alínea a) do nº 1 do artigo 29º do RJAT, que prevê:

Artigo 100º

Efeitos de decisão favorável ao sujeito passivo

A administração tributária está obrigada em caso de procedência total ou parcial da reclamação, impugnação ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do prazo da execução da decisão.

Embora o artigo 2º, nº1, alíneas a) e b) do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade”, para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), não fazendo menção a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências, os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se harmoniza e conjuga com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

O nº 5 do artigo 24º do RJAT a afirmar que “é devido o pagamento de juros independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deverá ser interpretado no sentido de permitir o conhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral tributário.

Os juros indemnizatórios têm uma função reparadora do dano, dano esse que resulta do facto de o sujeito passivo ter ficado ilicitamente privado de certa quantia, durante um determinado período de tempo, visando colocá-lo na situação em que o mesmo estaria caso não tivesse efetuado o pagamento que lhe foi indevidamente exigido.

Perante o que vem de expor-se, e face ao sentido decisório quanto ao mérito da causa já sinalizado, tem a Requerida direito à restituição do montante indevidamente pago acrescido do pagamento de juros calculados nos termos legais.

 

III.II.4. Da indemnização por prestação de garantia indevida

 

Em 4/10/2013, a Requerente procedeu à apresentação de uma garantia bancária n.º ..., no montante de €75.000, 00, pedindo, nesta sequência que a Requerida seja condenada em indemnização pela garantia indevidamente prestada.

Nesta matéria, o artigo 171.º do CPPT estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

Aliás, a cumulação de pedidos relativos ao mesmo ato tributário está implicitamente pressuposta no artigo 3.º do RJAT, ao falar em «cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos», o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo ato tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por garantia indevida são suscetíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.

No caso em apreço, os atos de liquidação de IVA e juros compensatórios têm subjacentes um erro comum que os afeta a todos, que é ter-se entendido pela não dedutibilidade do IVA constante das faturas subjacentes.

As liquidações adicionais foram da exclusiva iniciativa da Administração Tributária e a Requerente em nada contribuiu para que elas fossem efetuadas.

No entanto verifica-se que a Requerida não fez prova sobre as despesas suportadas com a garantia bancária.

Termos em que fica a entidade Requerida condenada a restituir à Requerente as despesas incorridas com a prestação da garantia bancária indevidamente prestada, no montante que se vier a determinar em sede de execução de sentença. 

 

IV.          Decisão

Face ao que vem de expor-se, decide este Tribunal em:

a)            Julgar improcedentes as exceções suscitas pela Requerida;

b)           Declarar a ilegalidade dos atos de liquidação adicional de IVA nº..., relativa ao período 10/12T, ..., relativo ao período 11/03T, e respetivas liquidações de juros compensatórios nºs ... e ..., com a consequente anulação das mesmas;

c)            Julgar procedente o reembolso da quantia de 35.789,92 € penhorada à Requerente, acrescida de juros indemnizatórios;

d)           Julgar procedente o pedido de indemnização devida por prestação da garantia indevida, no valor que venha a ser determinado em execução de julgados;

e)           Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira ao pagamento das custas do processo.

 

V. Valor do processo

De conformidade ao estatuído nos artigos 296º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 46/2013, de 26 de Junho, 97º-A), nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 84.969,82 € (oitenta e quatro mil, novecentos e sessenta e nove euros, oitenta e dois cêntimos).

 

VI. Custas

Nos termos do disposto nos artigos 12º, nº 2, 22º, nº 4 do RJAT, e artigos 2º, e 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I a este anexa, fixa-se o montante de custas em 2.754,00 € (dois mil setecentos e cinquenta e quatro euros).

 

Notifique-se.

Lisboa, 4 de Fevereiro de 2021

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

Fernanda Maçãs

(Árbitro Presidente)

 

Marisa Almeida Araújo

(Árbitro Vogal)

 

José Coutinho Pires

(Árbitro Vogal)