Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 92/2016-T
Data da decisão: 2016-09-09  IRS  
Valor do pedido: € 55.553,07
Tema: IRS - Mais valias; domicílio fiscal; habitação própria e permanente
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Decisão Arbitral

 

            I – Relatório

 

            1.1. A…, NIF…, residente na Rua …, n.º…, …, …, e B…, NIF…, residente na Rua …, …, … (doravante designados por «Requerentes»), tendo sido notificados, cada um, da liquidação adicional de IRS de 2011 no valor total de €55.553,07, relativa à desconsideração da exclusão tributária da mais-valia com a venda da casa de morada de família, apresentaram, a 19/2/2016, um pedido de constituição de Tribunal Arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), 6.º, n.º 1, e 10.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/1 (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante somente designado por «RJAT»), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), tendo em vista a “apreciação da legalidade e consequente declaração de ilegalidade” dos actos tributários em causa, por “errada percepção dos factos e violação de lei”.

 

            1.2. Em 6/5/2016 foi constituído o presente Tribunal Arbitral Singular.

 

            1.3. Nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do RJAT, foi a AT citada, como parte Requerida, para apresentar resposta, nos termos do referido artigo, em 9/5/2016. A AT apresentou a sua resposta em 9/6/2016, tendo argumentado, em síntese, no sentido da total improcedência do pedido dos Requerentes.

 

            1.4. Por despacho de 2/9/2016, o Tribunal considerou, nos termos do art. 16.º, al. c) e e), do RJAT, e 19.º do RJAT, ser dispensável a produção de prova testemunhal e a reunião do art. 18.º do RJAT, e que o processo estava pronto para decisão. Foi, ainda, fixada a data de 9/9/2016 para a prolação da decisão arbitral.

           

            1.5. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é materialmente competente, o processo não enferma de vícios que o invalidem e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, configurando-se legítimas.

 

            II – Alegações das Partes

 

            2.1. Vêm os Requerentes alegar na sua petição inicial que: a) “a Autoridade Tributária (na fundamentação e indeferimento da reclamação graciosa) desconsiderou o reinvestimento declarado por A… na sua declaração de 2014 e entende que não tem direito a usufruir o benefício fiscal descrito no art. 10.º, n.º 5 e ss. do CIRS”; b) “segundo o Fisco, esta exclusão de tributação depende do preenchimento cumulativo de 3 requisitos”; c) “a AT considera que [o «terceiro» requisito, que dispõe que «o produto daquela venda seja utilizado para a aquisição da propriedade de outro imóvel destinado também à habitação própria e permanente do sujeito passivo e do seu agregado familiar] não está cumprido, porque A… não alterou a morada para a Rua…, …, em … – mantendo-a na Rua…, …, …, no …”; d) “Ou seja: assumem que o imóvel objeto do reinvestimento não foi destinado à habitação própria e permanente de A… e do seu agregado familiar, pois a Requerente A… aí não teria residido – pois não alterou a sua morada para a Rua…, …, em …”; e) “Já quanto a B…, o Fisco não tem quaisquer dúvidas, pois entende que residiu na Rua …, desde a aquisição dessa fração – por ter alterado logo a sua morada para essa localização”; f) “em 2014, A…, ainda casada com B…, residiu na nova morada de família, objeto do reinvestimento, na Rua …, …, …”; g) “A… estava casada com B…, e após a aquisição desse imóvel em …, passou a residir aí com o seu marido e filhos, como sucede com quaisquer outras famílias”; h) “o imóvel foi adquirido em 25/6/2014, por A… e B… (p. 8 do projeto de indeferimento da Reclamação Graciosa) [...]. Se os cônjuges já estivessem separados de facto em 25/6/2014 é evidente que A… não teria adquirido metade de uma fração onde não iria residir”; i) “se A… despende uma elevada quantia para adquiri um imóvel (200 mil euros aproximadamente) – é porque pretende aí viver com o resto da sua família, como sucedeu realmente, e o ulterior divórcio é irrelevante para efeito da consolidação da isenção de IRS”; j) “a lei civil (art. 1673.º do CC) presume que os cônjuges, como casados, adotam a mesma residência de família – «vivem sob o mesmo teto». E, no caso concreto, tal residência comum de família só pode ser o novo imóvel adquirido por ambos os cônjuges com vista a esse fim, de aí viverem conjuntamente com os filhos (como sucedeu)”; l) “é verdade que A… não alterou a sua morada fiscal para a Rua …, …, …. Como é igualmente verdade que A…, já em Janeiro de 2015, decidiu abandonar o lar de família, na Rua…, …, numa medida pré-divórcio que se consumou em Março de 2015. Este último facto é totalmente irrelevante para a decisão dos autos a não sujeição fiscal consuma-se se o imóvel adquirido em 2014 foi a casa de morada de família em 2014, independentemente das vicissitudes posteriores. E aquele outro também é totalmente irrelevante para a decisão dos autos: a habitação própria e permanente de A… em Junho de 2014 (requisito da exclusão de imposto) não se comprova por uma declaração às Finanças [...] – o art. 10.º do CIRS nada diz nesse sentido. Mas comprova-se antes pela realidade subjacente, da efectiva residência nesse local ou não – e essa prova atesta que residiu na Rua …, …”; m) “nem tão pouco se pode sequer invocar, in casu, uma presunção de que as pessoas residem na morada indicada às Finanças, pois, no caso concreto, o que se presume é que cônjuges casados, como é o caso, residem no mesmo local – e que se adquiriram ambos uma casa nova, o provável é que vão para aí residir, até porque o marido assim o fez e declarou”; n) “A… residiu na Rua … em 2014 – e aí vivia em 31/12/2014”; o) “na hipótese académica de se entender que A… não residiu na Rua …, … [...] a verdade é que os atos tributários são ainda ilegais [...] [porque] a lei [art. 10.º, n.º 5, proémio, e n.º 6, al. a), do CIRS] apenas exige que o imóvel de chegada seja a habitação do sujeito passivo (de B…) ou do seu agregado familiar (um dos cônjuges e seus filhos). In casu, é evidente que o imóvel se destinou à habitação familiar de B… (e seus filhos) [a AT não põe isso em causa] – e isso basta para consolidar a isenção”; p) “seria injusto e arbitrário negar a isenção neste caso. [...] ainda que a mulher A… não tivesse residido nessa habitação (hipótese aventada à cautela) a verdade é que B… e seus filhos passaram a aí residir (e até aos dias de hoje). A… cumpriu a letra e espírito da lei (art. 10.º, n.os 5 e 6, do CIRS). Comprou a sua nova casa de residência habitual (e de família) com o produto da venda da anterior que tinha esse mesmo destino”; q) “a dívida fiscal é a mesma – e exigida a ambos os requerentes, em comunhão, porque estão agora divorciados. Se estivessem casados, seriam notificados num só ato da mesma liquidação [...]. Não há duas dívidas mas uma só – e não há duas liquidações mas uma só [...]. Daí que a coligação dos autores faça todo o sentido (identidade da dívida, da fundamentação e dos argumentos), até para evitar casos julgados contraditórios e o valor da causa tem de corresponder ao valor da liquidação de IRS”.        

 

            2.2. Vêm os Requerentes, em síntese, solicitar ao Tribunal Arbitral “o deferimento da presente ação arbitral e, em consequência, a anulação da liquidação de IRS impugnada, na pessoa de cada um dos requerentes e, por decorrência, a anulação dos atos de indeferimento expresso das reclamações graciosas, com todas as consequências legais, nomeadamente em matéria de juros.”  

           

            2.3. Por seu lado, a AT vem alegar, na sua contestação: a) que “o objecto dos presentes autos consiste na questão de saber se o domicílio fiscal declarado pelo sujeito passivo perante a AT constitui um requisito legal imprescindível para que o contribuinte possa beneficiar da exclusão de tributação por reinvestimento do valor de realização de habitação própria e permanente, prevista no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS”; b) que “a interpretação que os Requerentes fazem da lei fiscal, [...] salvo o devido respeito, constitui uma errónea interpretação das normas legais subsumíveis ao caso”; c) que “decorre do disposto nos citados preceitos [n.º 5 e 6 do art. 10.º do CIRS] que, quer o imóvel alienado, quer o imóvel adquirido (anterior ou posteriormente), no qual se concretizou o reinvestimento, devem ser afectos ao mesmo destino: a habitação própria e permanente do sujeito passivo”; d) que “a questão decidenda nestes autos reside, porém, em saber de que forma a lei fiscal define os conceitos de habitação própria e permanente e de domicílio fiscal e em que medida faz depender um do outro. E nesta matéria, salvo o devido respeito, os Requerentes fazem uma errónea interpretação das normas legais subsumíveis ao caso”; e) que, “na interpretação da lei fiscal, o intérprete não deve fazer uma interpretação estritamente literal das normas jurídicas, mas sim, tendo como partida o texto da lei, proceder ao apuramento daquele que foi o pensamento legislativo, atendendo para esse efeito aos demais elementos interpretativos, para além do elemento literal, a saber: o elemento lógico, o elemento sistemático e o elemento teleológico”; f) que, “embora não se encontre expressamente consagrado no artigo 10.º do CIRS que se considera existir afectação a habitação própria e permanente do sujeito passivo, do imóvel onde este fixar o seu domicílio fiscal, tal não significa que o referido regime não resulte da globalidade das normas fiscais aplicáveis quando interpretadas de acordo com os vários elementos de hermenêutica jurídica”; g) que “a comunicação do domicílio fiscal é obrigatória e só com esta o domicílio fiscal declarado pelo sujeito passivo goza de eficácia perante a AT”; h) que “é inequívoco que o disposto no artigo 19.º da LGT a respeito do domicílio fiscal é plenamente aplicável ao caso em apreciação”; i) que, “atendendo ao elemento sistemático, neste caso, conjugando o disposto no artigo 19.º da LGT, com o artigo 43.º do CPPT e com o artigo 42.º do EBF, resulta manifesto que, do ponto de vista fiscal, os conceitos de habitação própria e permanente e de domicílio fiscal devem coincidir entre si, sendo que o domicílio fiscal declarado perante a AT é um requisito legal imprescindível para que o contribuinte possa beneficiar da exclusão de tributação por reinvestimento do valor de realização de habitação própria e permanente”; j) que “a favor de tal coincidência milita também o elemento teleológico das normas em causa, porquanto, atendendo este ao fim social da lei, ou seja, à finalidade que o legislador teve em vista na elaboração da lei, não podemos olvidar que o dever de comunicação do domicílio fiscal tem subjacente uma clara finalidade de certeza e segurança jurídicas”; l) que, “ao contrário do que pretendem fazer crer os Requerentes, resulta da lei fiscal, tendo em conta os elementos sistemático e teleológico das normas em presença, que os conceitos de habitação própria e permanente e de domicílio fiscal devem coincidir entre si, sendo a fixação e comunicação do domicílio fiscal à AT um requisito formal de que o legislador faz depender a exclusão de tributação por reinvestimento do valor de realização de habitação própria e permanente, prevista no artigo 10.º, n.º 5 do CIRS”; m) que “a interpretação e aplicação das normas jurídicas propugnadas pelos Requerentes são contrárias à lei e violadoras do princípio da legalidade tributária”; n) que “fazer depender a aplicação do regime de exclusão de tributação das mais valias por reinvestimento em habitação própria e permanente, da comunicação da alteração do domicílio fiscal junto da AT não revela qualquer excesso entre os fins públicos prosseguidos com o imposto e os custos privados necessários para os conseguir, nem tão pouco entre os fins públicos prosseguidos e outros princípios, como o da igualdade”.

 

2.4. A AT conclui que o presente pedido “deve ser julgado improcedente”, “mantendo-se na ordem jurídica o acto tributário de liquidação e absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido.”

 

            III – Factualidade Provada, Não Provada e Respectiva Fundamentação

 

3.1. Consideram-se provados os seguintes factos:

 

            i) A 2/12/2011, os ora Requerentes – à data casados um com o outro – alienaram a sua habitação própria e permanente, prédio urbano … - fracção Z, sita na freguesia de …, concelho do Porto, pelo valor de €400.000,00.

 

            ii) Na declaração de IRS de 2011, a mais-valia com a alienação do referido imóvel não foi tributada, dado que os Requerentes (entre si casados) declararam a intenção de reinvestir o produto da venda na aquisição de outro imóvel, no prazo legal, que seria a futura habitação própria e permanente de ambos.

 

            iii) A 25/6/2014, os Requerentes (então ainda casados entre si) adquiriram um novo imóvel com a finalidade acima referida, sito na Rua …, …, Gaia (correspondente ao prédio urbano inscrito no artigo…, fracção…, da União de Freguesias de … e …, Concelho de Vila Nova de Gaia), pelo valor de €391,361,05.  

 

            iv) As operações supra descritas não foram realizadas com recurso a crédito bancário ou outro (trata-se de facto alegado pelos Requerentes e não contestado pela AT).

 

            v) Conforme consta de documento junto com a reclamação graciosa constante do PA apenso, os ora Requerentes divorciaram-se em 19/3/2015, tendo estado entre si casados desde o ano de 1994.

 

            vi) Na sentença de divórcio ficou estipulado que os filhos do casal viveriam com o pai (o Requerente B…) no imóvel objecto do reinvestimento (sito na Rua …, …, em Gaia). A Requerente A… viveu nesta casa de morada de família desde a sua aquisição a 25/6/2014 até Janeiro de 2015 inclusive (trata-se de facto alegado pelos Requerentes e não contestado pela AT).

 

            vii) A Requerente A… tinha ainda como domicílio fiscal, em 31/12/2014, o prédio alienado (referido em i)). Já o Requerente B… (que, em 11/5/2015, indicou-se como separado de facto, apresentou Declaração de rendimentos, modelo 3 de IRS, e declarou o reinvestimento do valor de realização proveniente da alienação do prédio urbano, inscrito no artigo…, fracção Z, sito na freguesia de …, Concelho do Porto) tinha como domicílio fiscal, também em 31/12/2014, o imóvel sito na Rua …, …, em Gaia.

 

            viii) A 8/9/2015, os ora Requerentes efectuaram declaração de substituição do IRS de 2014 – passando a assinalar o campo “casados” (e corrigindo a declaração inicial onde  B… afirmou ser “separado de facto”) – visto ambos serem entre si casados à data do facto tributário mas já divorciados aquando da entrega da declaração de rendimentos.

 

            ix) Tendo a AT entendido que a Requerente A… não procedeu à alteração do domicílio fiscal para o imóvel objecto de reinvestimento, os Requerentes foram notificados da liquidação adicional de IRS n.º 2015…, de 8/7/2015, relativa ao ano de 2011, da qual resulta o valor ora em causa de €55.374,98.

 

            x) Inconformados com a referida decisão, os ora Requerentes deduziram reclamações graciosas (processos n.º …2015… e …2015…, constantes do PA1 e PA2 apensos), as quais foram expressamente indeferidas por, respectivamente, despachos datados de 25/11/2015 e 30/12/2015, da Sra. Chefe de Divisão da Divisão de Justiça Administrativa e Contenciosa da Direcção de Finanças do …. 

           

            xi) Inconformados, os Requerentes deduziram, a 19/2/2016, o presente pedido arbitral.

 

            3.2. Não há factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

3.3. Os factos considerados pertinentes e provados (v. 3.1) fundamentam-se na análise das posições expostas pelas partes e da prova documental junta aos presentes autos.

 

            IV – Do Direito

 

            No presente caso, a questão essencial que se coloca é a de saber se, como alega a AT para sustentar a liquidação adicional de IRS ora em causa, “o domicílio fiscal declarado pelo sujeito passivo perante a AT constitui um requisito legal imprescindível para que o contribuinte possa beneficiar da exclusão de tributação por reinvestimento do valor de realização de habitação própria e permanente, prevista no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS”.

 

            Com efeito, é com base no facto de, a 31/12/2014, a Requerente A… não ter, ainda, procedido à alteração do seu domicílio fiscal para a morada do imóvel objecto do reinvestimento que a AT defende que “a aplicação do regime de exclusão de tributação das mais valias por reinvestimento em habitação própria e permanente [depende] da comunicação da alteração do domicílio fiscal junto da AT” – dado entender que a “fixação e comunicação do domicílio fiscal à AT [é] um requisito formal de que o legislador faz depender a exclusão de tributação por reinvestimento do valor de realização de habitação própria e permanente, prevista no artigo 10.º, n.º 5, do CIRS”.

            Contudo, ao ler o referido artigo do CIRS não se vislumbra, nem na sua letra, nem no seu espírito, qualquer requisito relativamente à comunicação do domicílio fiscal à AT, e que faça depender desse (invocado) requisito a exclusão de tributação por reinvestimento do valor de realização de habitação própria e permanente. Se é certo que há a obrigação de comunicar a mudança de domicílio fiscal (vd. art. 19.º da LGT), nada permite entrever, no referido artigo do CIRS, que essa falta de comunicação tenha como imediata consequência, ipso facto, a não admissão da pretendida exclusão.

 

            Com efeito, note-se que no mencionado artigo do CIRS não se faz qualquer referência ao conceito de “domicílio fiscal” (ao invés do que sucede noutros casos: vd., e.g., art. 46.º, n.º 9, do EBF), e, por outro lado, que a não comunicação de mudança de domicílio (que sucedeu apenas quanto a um dos ora Requerentes) não permite concluir que estes não têm habitação própria e permanente no novo prédio, dado que poderão apresentar factos que podem permitir demonstrar que fixaram no novo prédio o centro da sua vida pessoal (neste caso, conjugal).

 

            Ora, face à factualidade provada nos presentes autos, conclui-se que os Requerentes fizeram a necessária prova. Com efeito, note-se, em particular, que: 1) os ora Requerentes não estavam, à data do facto tributário aqui em causa, separados de facto (e nem se compreenderia como poderiam estar separados de facto e, ainda assim, decidirem a aquisição, “a meias”, do imóvel objecto do reinvestimento); 2) segundo o artigo 1673.º do Código Civil, presume-se que os cônjuges, como casados, adoptam a mesma residência de família (mesmo que aí não residam em absoluta permanência) – e a AT não apresentou factos que permitissem contrariar esta presunção; 3) os Requerentes, agora já divorciados, efectuaram, em 8/9/2015, declaração de substituição do IRS de 2014 suprindo o lapso do Requerente B…, quando em 2015 declarou uma situação pessoal que não tinha em 2014.

 

            Pelo exposto, conclui-se que foram apresentados suficientes factos demonstrativos de que a ora Requerente A… também residia, a 31/12/2014, na Rua …, …, em Gaia, apesar de não ter domicílio fiscal actualizado para esta morada.

 

            No mesmo sentido – e com plena pertinência para o caso aqui em análise – ver, p. ex., o seguinte Acórdão: “[o art. 10.º, n.º 5, do CIRS é] uma norma de exclusão de incidência de IRS relativa às mais-valias realizadas em bens imóveis, verificadas determinadas condições previstas na lei. Como refere Paula Rosado Pereira, «Face aos contornos do regime em apreço, poder-se-á dizer que, na realidade, se está perante uma suspensão de tributação aplicável mediante simples manifestação, na declaração de rendimentos referente ao ano de realização, da intenção de proceder ao reinvestimento (…)» [Paula Rosado Pereira, Estudos sobre IRS: Rendimentos de Capitais e Mais-Valias, Cadernos IDEFF, n.º 2, Almedina, Coimbra, 2005, p. 101]. «A exclusão tem como objectivo favorecer a propriedade do imóvel destinado a habitação permanente.» (cfr. José Guilherme Xavier de Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, p. 413). «O objectivo da lei é claro: eliminar obstáculos fiscais à mudança de habitação, em casa própria, por parte das famílias.» (cfr. Rui Duarte Morais, Sobre o IRS, Almedina, Coimbra, 2006, p. 114). «Trata-se, naturalmente, de não onerar fiscalmente a efectivação do direito fundamental à habitação» (cfr. André Salgado de Matos, Código do Imposto do Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), Anotado, ISG, Coimbra, 1999, p. 168). Ora, importa sublinhar, desde logo, que da análise do n.º 5 do art. 10.º do CIRS resulta que o legislador não remete para o conceito jurídico-fiscal de «domicílio fiscal», como sucede, por exemplo, para efeitos da concessão da isenção de IMI relativamente a imóveis destinados à habitação própria permanente prevista no n.º 1 do art. 46.º do EBF considera-se ter havido afectação do prédio à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar se aí se fixar o respectivo domicilio fiscal (cfr. n.º 9 daquele preceito legal). Mas mesmo nesse caso em que se remete para o conceito de domicílio fiscal, mesmo assim, «(...) II. O facto dos sujeitos passivos não terem comunicado a mudança de domicílio para o prédio relativamente ao qual pediram a isenção de IMI, por si só, não indicia que não têm habitação própria e permanente nesse prédio. III - A morada em certo lugar, a habitatio, pode demonstrar-se através ‘factos justificativos’ de que o beneficiado fixou no prédio o centro da sua vida pessoal.» Ac. do STA de 23/11/2011, proc. n.º 0590/11. Ou seja, mesmo nesses casos em que o sujeito passivo não cumpriu com a sua obrigação de comunicação da mudança de domicílio fiscal o STA admite que o sujeito passivo possa demonstrar a sua morada em certo lugar através de «factos justificativos», pelo que não se vê como no caso em apreço em que o n.º 5 do art. 10.º do CIRS nem sequer remete para o conceito de domicílio fiscal se poderia entender que obsta à «habitação permanente» a não comunicação da alteração do domicílio fiscal. [...] o conceito de domicílio fiscal vem definido na alínea a) do n.º 1 do art. 19.º da LGT, e deste modo, salvo disposição em contrário, o domicílio fiscal do sujeito passivo, no caso das pessoas singulares, é o local da residência habitual. Por outras palavras, o domicílio fiscal das pessoas singulares é o local onde residem habitualmente. Para além da definição de domicílio fiscal que consta do n.º 1 daquele preceito legal o legislador entendeu estabelecer uma obrigação comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária no n.º 2 [corresponde actualmente ao n.º 3], regulando as consequências jurídico-fiscais do incumprimento dessa obrigação: é ineficaz a mudança enquanto não for comunicada à administração tributária (cfr. n.º 3 a que corresponde o actual n.º 4). Importa, então, distinguir por um lado, o conceito de domicílio fiscal (que depende única e exclusivamente do local da residência habitual), e por outro lado, a obrigação de comunicação da mudança de domicílio (cujo incumprimento acarreta a ineficácia da mudança). A mudança da residência habitual do sujeito passivo (domicílio fiscal) deve ser obrigatoriamente comunicada à AT, mas se não o for, tal incumprimento tem consequências jurídicas apenas a nível da eficácia da mudança do domicílio, ou seja, dos seus efeitos jurídicos. Aqui chegados importa então concluir que, se é legítimo à AT no procedimento tributário opor-se ao reconhecimento de determinado direito do contribuinte derivado de lei substantiva quando este se limita a invocar o seu domicílio fiscal, mas não tenha comunicado a sua alteração, já não é legítimo o não-reconhecimento desse direito quando para além da invocação do domicílio fiscal o sujeito passivo prove que à data dos factos constitutivos do seu direito substantivo tinha residência habitual no local em questão. Ora, como vimos, o n.º 5 do art. 10.º do CIRS nem sequer remete para o conceito de domicílio fiscal, pelo que nunca se poderia entender que obsta à «habitação permanente» a não comunicação da alteração do domicílio fiscal, e de qualquer modo, seguindo a jurisprudência supra citada, sempre seria de entender que o Impugnante poderia fazer prova da sua residência habitual em certo lugar, pelo que importava, no caso dos autos, aferir se o Impugnante fez ou não essa prova. E neste particular a sentença recorrida, após a valoração da prova [...] produzida nos autos, entendeu e bem, que a Impugnante que reunia os requisitos necessários e exigidos pelo artigo 10.º do CIRS para a exclusão da tributação como mais-valias da parte dos ganhos provenientes da transmissão onerosa do imóvel” (Ac. do TCAS de 8/10/2015, proc. 6685/13).

 

            Também no presente caso, tendo sido feita a referida prova da “residência habitual” à data dos factos ora em causa, conclui-se que estão reunidos os requisitos exigidos pelo artigo 10.º, n.º 5, do CIRS, para que os Requerentes possam beneficiar da exclusão de tributação por reinvestimento do valor de realização de habitação própria e permanente.

 

***

 

            V – DECISÃO

 

            Em face do supra exposto, decide-se:

 

            - Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação, com todos os efeitos legais, das liquidações adicionais impugnadas.

                       

Fixa-se o valor do processo em €55.553,07 (cinquenta e cinco mil quinhentos e cinquenta e três euros e sete cêntimos), nos termos do art. 32.º do CPTA e do art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e do art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

Custas a cargo da Requerida, no montante de €2142,00, nos termos da Tabela I do RCPAT, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do disposto no art. 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique.

 

Lisboa, 9 de Setembro de 2016.

 

O Árbitro,

 

(Miguel Patrício)

 

***

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.