Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 306/2018-T
Data da decisão: 2018-12-28  IMI  
Valor do pedido: € 611,70
Tema: AIMI – Sujeição – Sociedade imobiliária – terreno para construção.
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Decisão Arbitral

 

I- RELATÓRIO

 

1. A..., S.A., pessoa colectiva nº..., com sede em ..., ...-... ..., (doravante designada por Requerente ou Sujeito Passivo), apresentou em 2018-07-02, pedido de constituição de tribunal arbitral singular, nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º, 5º, º 2, alínea a), 6º, nº 1 e 10º, nºs 1 e 2 , todos do Decreto - Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante designado por RJAT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por Requerida ou AT), com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação do acto de indeferimento da reclamação graciosa a que coube o nº ...2018..., e consequentemente da declaração de ilegalidade e consequente anulação do acto de liquidação do adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) nº  2017 ..., emitido pela AT em 2017-06-30 nono valor global de 611,70 €, com referência ao ano de 2017.

2. O pedido de constituição de Tribunal Arbitral Singular foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, e notificado à Requerida em 2018-07-03.

3. Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, devidamente notificado às partes, nos prazos previstos, foi designado como árbitro o signatário que comunicou àquele Conselho a aceitação do encargo no prazo previsto no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

4. Em 2018-08-22, foram as partes notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11º, nº1, alíneas a) e b) na redacção que lhes foi conferida pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

5. O Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 2018-09-11, em consonância com a prescrição da alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redacção que lhe foi conferida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

6. Devidamente notificada para tanto, através de despacho proferido em 2018-09-11 a Requerida apresentou em 2018-10-15 a sua resposta, tendo nessa mesma data procedido à junção do processo administrativo ("PA").

7. Por despacho proferido nessa mesma data devidamente notificado às partes, que fundamentou, para além do mais, a dispensa da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, e a apresentação de alegações finais, foi indicada como data limite previsível para a prolação e notificação da decisão final o dia trinta de Novembro de dois mil e dezoito.

8. Com data de 2018-11-25, e pelas razões que do mesmo constam, foi proferido despacho, devidamente notificado às partes de prorrogação de prazo para a prolação e notificação de decisão às partes para 03/01/2019.

9. A fundamentar o seu pedido a Requerente invoca, em síntese e com relevo para o que aqui importa, o seguinte (que se menciona maioritariamente por transcrição):

 

9.1. É uma sociedade comercial que desenvolve a sua atividade no setor imobiliário, tendo como actividade principal a a compra e venda de bens imobiliários (CAE 068100), (cfr. artigo 1 do pedido de pronúncia arbitral);

 

9.2. Adquiriu o terreno em causa com o fito de nele promover edificações à medida das suas capacidades financeiras e mediante as circunstâncias do mercado, (cfr. artigo 3 do pedido de pronúncia arbitral);

9.3 Tal património predial está destinado única e exclusivamente à exploração [da requerente] no âmbito da sua atividade económica - seja por venda ou arrendamento (cfr. artigo 4  do pedido de pronúncia arbitral);

 

9.4. (...) verifica-se que o AIMI incide sobre os imóveis com afetação habitacional, bem como os terrenos para construção, independentemente da sua afetação - na medida em que os mesmos não constam da norma de delimitação negativa de incidência (cfr. artigo 18 do pedido de pronúncia arbitral);

 

9.5. Não obstante o AIMI ter sido equacionado para continuar a tributação sobre imóveis de luxo e, bem assim, suprir muitas das falhas que haviam sido apontadas à verba 28. do Imposto do Selo, os seus contornos apresentam diversas divergências do regime inicial (cfr. artigo 22 do pedido de pronúncia arbitral),

 

9.6. (...) o acto tributário em causa materializa (...) a violação dos mais basilares cânones da igualdade, proporcionalidade e capacidade contributiva (cfr. artigo 51 do pedido de pronúncia arbitral),

 

9.7. (...) o terreno que está a ser alvo de tributação em sede de AIMI, é essencial para a obtenção de rendimentos no âmbito da sua actividade económica (cfr. artigo 69 do pedido de pronúncia arbitral),

 

9.8.(...) está criada, sem qualquer fundamento de base, uma gritante desigualdade no plano material entre as empresas que tenham decidido prosseguir uma actividade económica que pressuponha a detenção de imóveis (incluindo terrenos para construção), em relação a outras empresas cuja actividade não decorra da detenção de imóveis (cfr. artigo 79 do pedido de pronúncia arbitral),

 

9.9. (...) quando a Proposta de Orçamento de Estado para 2017 foi discutida na especialidade, ficou estabelecido que ficariam excluídos do âmbito da incidência do AIMI, além dos imoveis classificados como industriais e os prédios urbanos licenciados para actividade turística, os prédios urbanos classificados como "comercias, industrias ou para serviços" e "outros" nos termos das alíneas b) e d) do nº 1 do artigo 6º do CIMI- como veio a constar na lei (cfr. artigo 81 do pedido de pronúncia arbitral),

 

9.10.(...) não de vislumbra qualquer fundamento material, jurídico, fiscal, económico ou outro capaz de justificar que a tributação incida apenas sobre as empresas que tenham no seu activo circulante imóveis destinados ao exercício da sua ativiade económica, e exclua de tributação imóveis afectos a outras actividades económicas. (cfr. artigo 86 do pedido de pronúncia arbitral),

 

9.11.(...) a tributação em causa constitui uma violação dos princípios da capacidade contributiva, da igualdade e da proporcionalidade - na medida em que o facto de a impugnante ter no seu inventário imóveis para construção ou venda, em nada exterioriza uma relevante capacidade contributiva digna de ser (diferente e autonomamente) tributada (cfr. artigo 111 do pedido de pronúncia arbitral),

 

9.12. A Requerente convoca ainda decisões arbitrais, nomeadamente as resultantes dos processos nºs 150/2017- T de 27/10/2017 e 507/2015- T de 17/03/2016,para daí concluir (artigo 123 do pedido de pronúncia arbitral) que: "(...) ao incidir sobre a propriedade de imóveis  completamente destituída de qualquer fundamento bastante, deve ser desaplicado o artigo 135º-B nº 1 do CIMI por inconstitucionalidade material, na medida em que viola o princípio da igualdade tributária consagrado nos artigos 13º e 104º, nº 3 do CRP".

 

9.13.A Requerente de igual modo, faz apelo à jurisprudência arbitral (processos nºs 218/2013-T e 51/2013-T), bem assim como aos acórdãos nº 634/1993, de 4/11, 187/2001 e 387/2012 de 10/08  do Tribunal Constitucional, para ancorar o seu ponto de vista quanto à violação dos princípios da capacidade contributiva e da proporcionalidade ou proibição do excesso, relativamente ao normativo subjacente (cfr. artigos 126 e seguintes do pedido de pronúncia arbitral).

9.14. Finaliza a Requerente peticionando que "seja anulada a liquidação da AIMI aqui impugnada, com as legais consequências".

*****

 

10. Como referido, em 2018-10-15, a Autoridade Tributária e Aduaneira, procedeu à junção do PA, e apresentou a sua resposta onde, fundamentalmente, em síntese e para o que aqui releva, defende o seguinte (que igualmente se menciona maioritariamente por transcrição):

 

10.1. (...) no que concerne ao AIMI incidente sobre os prédios urbanos de que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários pessoas colectivas e estruturas equiparadas ( nº 2 do artigo 135º- A do CIMI) o imposto assume a natureza de imposto real, na medida em que a modelação do quantitativo a pagar se abstrai da dimensão económica das entidades, designadamente a qualificação como pequena, média ou grande empresa, bem como não atinge a totalidade a totalidade do património líquido das entidades (cfr. artigo 17º da resposta);

 

10.2. (...) o legislador afastou da incidência os prédios urbanos classificados como "industriais, comerciais ou de serviços " e "outros" mas optou expressamente por manter outros prédios que também integram o activo das empresas, como sejam os classificados como habitacionais ou os terrenos para construção, ao não os incluir na delimitação negativa consagrada (cfr. artigo 27º da resposta);

 

10.3. (...) nada na letra da lei autoriza a concluir que a intenção do legislador do AIMI tenha sido a de excluir de tributação os "prédios urbanos que se encontrem afectos ao exercício de uma actividade económica" (cfr. artigo 60º da resposta):

 

10.4.(...) a Nota Explicativa que constava do Relatório da Proposta do Orçamento de Estado para 2017, perdeu actualidade em consequência das alterações que, em sede Parlamentar, foram introduzidas à proposta legislativa apresentada pelo Governo à Assembleia da República (cfr. artigo 62º da resposta):

 

10.5.O AIMI incidente sobre as pessoas colectivas e estruturas equiparadas reveste a natureza de um imposto real sobre o património imobiliário constituído por prédios urbanos que preencham os tipos visados pelo nº 2 do artigo 135º-B, independentemente das classes do activo em que se encontram inscritos - inventários, activo fxo tangível ou activo não corrente detido para venda - (cfr. artigo 64º da resposta);

 

10.6.(...) na redacção do artigo 135º -B, nº 2 do Código do IMI (...) decorre que o legislador, especificamente, apenas excluiu da tributação em AIMI os prédios urbanos classificados como "comerciais, industriais ou para serviços" e "outros" nos termos das alíneas b) e d) do nº 1 do artigo 6º do Código de IMI (cfr. artigo 76º da resposta);

10.7.(....) o legislador optou por formular a restrição atendendo à classificação dos prédios. (cfr. artigo 77º da resposta);

 

10.8. não existindo na letra da lei nada que indicie que tal exclusão possa ampliar-se, nomeadamente estender-se aos demais prédios aí não incluídos quando estejam afectos a determinada actividade económica do sujeito passivo do imposto (cfr. artigo 78º da resposta):

 

10.9.(...)  a AT não procede a qualquer interpretação inconstitucional da norma, pois não é a AT quem decide incluir na tributação em AIMI os prédios urbanos afectos a actividades económicas (cfr. artigo 84º da resposta);

 

10.10. (...) a Requerente pretende uma interpretação ab-rogante da norma, introduzindo-lhe um sentido que não foi consagrado pelo legislador na letra da lei, ampliando, assim, a totalidade dos prédios detidos pela mesma(cfr. artigo 87º da resposta);

 

10.11. Quanto à ratio legis afirma a AT (artigos 92º e seguintes da sua resposta) que o AIMI visa atingir uma parcela do património dos sujeitos passivos do imposto, incidindo sobre os bens imóveis constitutivos de um património, reconhecível juridicamente como capital de uma determinada entidade (singular ou colectiva) independentemente de estar afecto a qualquer processo produtivo ou gerador de rendimentos

 

 10.12. O critério escolhido pelo legislador - a classificação dos prédios urbanos como industriais, comerciais, ou para serviços e outros - foi adoptado em detrimento de outros que apelassem a verificações casuísticas sobre o destino efectivo dados aos prédios (cfr. artigo 103º da resposta;

 

10.13.(...) a delimitação negativa de incidência foi consagrada na incidência objectiva e não, na incidência subjectiva (cfr. artigo 106º da resposta);

 

10.14.(...) os bens em causa a especialmente os terrenos para construção não são meramente instrumentais ao exercício da actividade (...) são o objecto do comércio ou indústria, pois, destinam-se a revenda ou, no caso dos terrenos para construção, também à transformação em caso de neles serem erigidas construções para subsequente revenda (cfr. artigo 112º e 113º da resposta);

 

10.15. (...) os  imóveis excluídos da sujeição ao AIMI, nos termos do nº 2 do artigo 135- B do CIMI, é que desempenham uma função instrumental às actividades económicas industriais, comerciais ou de serviços, na medida em que constituem edificações que servem de suporte ao funcionamento das referidas actividades, e não são por si mesmos geradores de rendimentos (cfr. artigo 115º da resposta);

 

10.16. reitera ainda a AT, em jeito de finalização da sua argumentação, (cfr. artigo 124º da resposta) que "atenta a formulação objectiva consagrada no artigo 135º- B nº 2, do Código do IMI, foi inquestionavelmente afastado pelo legislador a opção casuística defendida pela Requerente, na qual se trata de invocar elementos de consciência económica muitíssimo variável e contingente que dependem amplamente do modo de gestão, das situações conjunturais de enquadramento, do tipo de aproveitamento realizado dos prédios, da situação em cada ano dos activos patrimoniais detidos"

 

10.17, Relativamente às inconstitucionalidades suscitadas, a AT pugna pela sua não verificação mormente quanto aos princípios da igualdade, de capacidade contributiva e da proporcionalidade, convocando abundante doutrina e jurisprudência em suporte da sua tese, pugnando ainda pelo facto de não poder deixar de aplicar a lei com fundamento em inconstitucionalidade, já que se encontra sujeita ao princípio da legalidade, de acordo com a estatuição dos artigos 266º, nº 2 do CRP,  artigo 3º, nº 1 do Código do Procedimento Administrativo e artigo 55º da Lei Geral Tributária.

 

10.18, Termina a AT o seu articulado de resposta no sentido de o "presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, nos termos acima peticionados, tudo com as devidas e legais consequências" .[1]

 

11. O Tribunal Arbitral Singular é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2º, nº1, alínea a), 5º e 6º do RJAT.

 

12. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, e estão devida e legalmente representadas (artigos 3º,6º e 15º do Código de Procedimento e de Processo Tributária, ex vi, artigo 29º, nº 1, alínea a) do RJAT).

 

13. Não foram suscitadas excepões de que deva conhecer-se.

 

II- FUNDAMENTAÇÃO

A.MATÉRIA DE FACTO

A.1.Factos dados como provados

Com relevo para a apreciação e decisão da questão suscitada, dão-se como provados e assentes os seguintes factos:

 

1. A Requerente desenvolve a sua actividade no sector imobiliário, tendo como actividade principal a compra e venda de bens imobiliários a que corresponde o CAE 068100),

2.Em 01/01/2017 a Requerente era proprietária de um terreno para construção, a que corresponde o artigo matricial ..., da freguesia de ..., concelho de ..., no distrito de Setúbal, com o VPT de 152.925,10 €,

3. Sobre o referido imóvel foi efectuada a liquidação do AIMI, nº 2017..., nos termos do disposto no artigo 135º-F, nº 1 do CIMI, no valor de 611,70 €, correspondente à taxa de 0,4%, sobre o VPT de 152.925,10 €.

4. Da referida liquidação a Requerente apresentou em 2018-01-30 junto do Serviço de Finanças de ... reclamação graciosa a que veio a caber o nº ...2018... .

5. Reclamação essa que foi indeferida por despacho proferido em 02/04/2018 proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de ..., por delegação da Sra. Directora de Finanças de Setúbal.

6. A Requerente em 2017-09-29 procedeu ao pagamento imposto que lhe foi liquidado.

7. Em 2018-07-02 a Requerente apresentou junto do CAAD, pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo (cfr. sistema informático de gestão processual do CAAD).

 

A.2.Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

A.3. Fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada

Relativamente á matéria de facto, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artº 123º, nº2 do CPPT e artigo 670º, nº 3 do CPC. aplicáveis ex vi artigo 29º, nº1, alíneas a) e e) do RJAT).

Deste modo os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida e atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito. (cfr. artigo 596º do CPCivil, aplicável ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes à luz do artigo 110º, nº 7 do CPPT, a prova documental e o PA anexo, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados.

 

B.DO DIREITO

Quadro normativo:

 

. O AIMI foi criado pelo artigo 219º da Lei nº 42/2016, de 28 de Dezembro que aprovou o Orçamento de Estado para 2017, mediante o aditamento ao Código do IMI dos artigos 135º -A a 135º K, passando a constituir o capítulo XV do respectivo código.

Constituindo receita do Fundo de Estabilidade Financeira da Segurança Social de acordo com o disposto n nº 2 do artigo 1º do CIMI (na redacção que lhe foi conferida pelo artigo 257º da Lei nº 114/2017, de 29 de Dezembro (LOE 2018) com entrada em vigor em 2018-01-01.

A incidência objectiva ou real do adicional ao imposto municipal sobre imóveis recai de conformidade ao disposto no nº 1 do artigo 135º-B "sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situado em território português de que o sujeito passivo seja titular".

Prevendo-se nº 2 do mesmo dispositivo uma exclusão de incidência sobre "os prédios urbanos classificados como "comerciais, industriais ou para serviços e "outros" nos termos das alíneas b) e d) do nº 1 do artigo 6º deste Código.

Estão deste modo sujeitos ao AIMI os prédios afectos à "habitação" e os "terrenos para construção" tal como definidos no referido artigo 6º do CIMI.

À semelhança do regime do IMI são sujeitos passivos os proprietários, usufrutuários ou superficiários dos respectivos prédios - artigo 135º -A, nº 1, independentemente das suas qualidades de pessoas singulares ou colectivas, equiparando-se a estas "quaisquer estruturas ou centros de interesses colectivos sem personalidade jurídica que figurem nas matrizes como sujeitos passivos do imposto municipal sobre imóveis, bem como a herança indivisa representada pelo cabeça de casal", segundo a prescrição do nº 2 do artigo 135º-A.

Por outro lado, o artigo 6º do CIMI, classifica sob o seu nº 1 as espécies de prédios urbanos como segue:

Artigo 6º

Espécies de prédios urbanos

1. Os prédios urbanos dividem-se em:

a) Habitacionais;

b) Comerciais, industriais ou para serviços;

c) Terrenos para construção;

 d Outros

Densificando-se nos restantes números do normativo os requisitos/condições respeitantes às diferentes espécies de prédios em questão.

Do quadro normativo mencionado e sem prejuízo do que infra se dirá, poder-se-á desde já avançar, como conclusão provisória, no sentido de que é entendimento deste tribunal  que a literalidade das normas do AIMI conduz à incidência do imposto, e para o que aqui importa, sobre os "terrenos para construção", independentemente da afectação que a estes venha a caber um vez que  não constam da delimitação negativa de incidência.

A Requerente vocaciona o seu pedido de pronúncia arbitral no paralelismo que estabelece entre o tributo em apreciação e a verba 28 da TGIS, concluindo pela violação do princípio constitucional da igualdade na vertente da capacidade contributiva, na medida em que, na sua perspetiva há uma clara desigualdade, pugnando ainda e  fundamentalmente pela interpretação do preceito em causa no sentido de que a delimitação negativa de incidência se deveria ampliar aos "terrenos para construção ", nomeadamente com afectação para "comércio".

Não perfilhando dessa interpretação, subscreve este tribunal a posição consignada no processo nº 6/2018-T que subscreve-mos sem qualquer reserva: a "literalidade dos artigos 135º - A, nº 1 e 135º B º nºs 1 e 2 é clara e não se presta a quaisquer dúvidas interpretativas. Sendo a letra a lei ou elemento gramatical o primeiro elemento a convocar na hermenêutica jurídica e sendo de presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (nº 3 do artigo 9º do Código Civil), não se mostrará necessário convocar outros elementos de entre os disponíveis na panóplia hermenêutica"

Perfilhando-se de igual modo e em sentido similar o que vem dito a respeito deste segmento nas decisões proferidas no âmbito dos processos nºs 664/2017- T e 676/2017-T que a decisão supra citada convoca: "A exclusão do imposto abrange, por conseguinte, os prédios classificados como comerciais industriais ou para serviços, entendendo-se como tais os edifícios ou construções licenciados para esses efeitos ou que tenham como destino normal cada um destes fins. Abarca, para além disso a espécie residual referida na alínea d) do nº 1 desse artigo 6º, aí se incluindo os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem prédios rústicos e ainda os edifícios e construções que se não esquadrem em qualquer das anteriores classificações

O âmbito da incidência objetiva, por efeito da remissão para aquela artigo 6º, ficou assim definido não só por referência a uma espécie de prédios urbanos, mas também por referência ao procedimento administrativo através do qual foi efetuada a classificação ou, falta de licença, à normal destinação desses prédios para fins comerciais, industriais e serviços ou outros"

Não poderá se não divergir-se da posição sustentada pela Requerente quanto à interpretação que leva a cabo relativamente ao artigo 135º - B do CIMI, no sentido de que o legislador pretendeu excluir do âmbito de incidência do AIMI os prédios que se mostrem essenciais para a obtenção de rendimento da Requerente no âmbito da prossecução da sua actividade económica.

De volta à citada decisão arbitral provinda do processo nº 6/2018-T a interpretação que a Requerente sustenta "(...) não tem qualquer apoio na letra da lei nem tão pouco decorre do elemento racional e sistemático. Resulta claro da leitura e interpretação das normas em causa que a opção do legislador não foi no sentido preconizado pela Requerente. Uma tal opção pressuporia que o legislador ao invés de ter delimitado o âmbito de incidência através de tipos caracterizados, tivesse optado por uma avaliação casuística em função da afetação do imóvel, em termos práticos, a uma atividade económica de uma pessoa coletiva. O que se demonstra não ter acontecido".

 

"(...) não foi com base da actividade a que estão afectos os imóveis que veio a ser definida a exclusão de incidência,  [2] pois na redacção que veio a ser aprovada definiu-se a não incidência apenas com base nos tipos de prédios indicados no artigo 6º do CIM, sem qualquer alusão à afectação do funcionamento das pessoas colectivas.

São conceitos distintos a afectação de um imóvel, que pressupõe uma utilização e o fim a que está destinado, o "destino normal" subjacente às classificações dos imóveis, a que se refere o nº 2 do artigo 6º do CIMI.

Se tivesse sido mantida, na redacção final do Orçamento, a intenção legislativa de afastar a incidência sobre os imóveis directamente afectos ao funcionamento das pessoas colectivas, decerto teria sido mantida a referência a esta afectação que constava da proposta e que expressava essa opção legislativa.

Assim, tendo sido suprida essa alusão à afectação dos imóveis, não há suporte legal para concluir que os prédios habitacionais e os terrenos para construção afectos à actividade das pessoas colectivas não relevem para a incidência do AIMI.

 

"Na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizados, e designadamente ao seu significado técnico - jurídico, no suposto (nem sempre exacto) de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento. [3]

 

*****

Relativamente às questões de inconstitucionalidade suscitadas pela Requerente, vem a mesma pugnar que a tributação aqui em discussão, constitui uma violação dos princípios da capacidade contributiva, da igualdade e da proporcionalidade.

 

O juízo que este tribunal subscreve quanto às questões de inconstitucionalidade, não diverge do juízo negativo que sobre as mesmas se têm vindo a pronunciar, entre outras e ainda que a título exemplificativo, as decisões arbitrais proferidas no âmbito do CAAD, nos processos nºs 664/2017-T, 676/2017-T, 678/2017-T, 690/2017-T e 6/ 2018-T, não se vislumbrando razões para das mesmas divergir, e que se reconduzem, nomeadamente ao que vem consignado do âmbito do processo nºs 664/2017-T, (retomado no processo nº 676/2017-T);

" (...) o Tribunal Constitucional tem sublinhado, um dos objectivos essenciais constitucionalmente definidos do sistema fiscal, a par da satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas, é o da repartição justa dos rendimentos e da riqueza como se depreende do artigo 103º, nº 1 do Constituição.

É esta vinculação do sistema fiscal à ideia de justiça social e à diminuição da desigualdade social dos rendimentos e da riqueza que exige que o mesmo seja progressivo. Essa exigência está expressamente consagrada no âmbito da tributação do rendimento pessoal de acordo com o nº1 do artigo 140º, o imposto sobre  rendimento pessoal visa "a diminuição das desigualdades e será único e progressivo tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar"

A progressividade fiscal requer que a relação entre o imposto pago e o nível de rendimento seja mais proporcional, o que só pode alcançar-se aplicando aos contribuintes com maiores rendimentos uma taxa de imposto superior. Por outras palavras, há progressividade quando o valor do imposto aumenta em proporção superioe ao incremento da matéria colectável.

Consequentemente, a Constituição exige uma progressividade intrínseca de contribuir para uma diminuição da desigualdade de rendimentos (sobre todos estes aspectos, veja-se o acórdão do Tribunal Constitucional nº 187/213, nºs 97,98 e 99).

A progressividade do sistema fiscal constitui também uma exigência do princípio da igualdade material.

Conforme refere Casalta Nabais, o princípio da igualdade fiscal tem ínsita sobretudo "a ideia de generalidade ou universalidade, nos termos da qual todos os cidadãos se encontram  adstritos ao cumprimento do dever de pagar impostos, e da uniformidade, a exigir que semelhante dever seja aferido por um mesmo critério - o critério da capacidade contributiva. Este implica assim igual imposto para os que dispões, de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)" (Direito Fiscal, 5ª edição, Coimbra, 2009, págs. 151-152.

Configurando-se o princípio da igualdade fiscal como uma igualdade material, o princípio da capacidade contributiva- segundo o mesmo autor - enquanto tertium comparationis da igualdade no domínico dos impostos, não carece dum específico e directo preceito constitucional. O seu fundamento constitucional é o princípio da igualdade articulado com os demais princípios e preceitos da respectiva "constituição fiscal" e, em especial, aqueles que decorrem já dos princípios estruturantes do sistema fiscal que constam dos artigos 103º 3 104º da Constituição (ob.cit., pág. 152.

Como pressuposto e critério da tributação, o principio da capacidade contributiva- dentro da mesma linha de entendimento- "afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na selecção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objecto e matéria colectável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respectivo imposto" (ob. cit., pág.154).

Também o Tribunal Constitucional, mais recentemente, tem analisado o princípio fiscal sob o prisma da capacidade contributiva, como se pode constatar designadamente no acórdão nº 142/2004, onde se consigna que "[o] princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de uniformidade - o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério - preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação".

O reconhecimento do princípio da capacidade contributiva como critério destinado a aferir da inadmissibilidade constitucional de certa ou certas soluções adoptadas pelo legislador fiscal, tem conduzido também à ideia, expressa por exemplo no acórdão do Tribunal Constitucional nº 348/97, de que a tributação conforme o princípio da capacidade contributiva implicará " a  existência e a manutenção de uma efectiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico selecionado para objecto do imposto, exigindo-se, por isso, um mínimo de coerência lógica das diversas considerações de política legislativa relacionadas com a racionalização do sistema.

Em suma, o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas; uma primeira está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem exceção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbitrio, novedar a introdução de discriminações entre contribuintes que seja, desprovidas de fundamento racional (cfr.acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 306/2010 e 695/2014)"

 

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Conforme se deu já nota, a Requerente na sua argumentação visa assimilar o regime do imposto ora em causa ao da pretérita verba 28.1 da TGIS sustentando que o AIMI revoga e substitui a verba em causa, convocando fundamentalmente, jurisprudência arbitral, bem como do Tribunal Constitucional.

Se efectivamente a LOE 2017, procede à revogação da verba 28.1.   a verdade é que os regimes em causa não obstante apresentarem algum paralelismo, revelam divergências entre si cuja detalhe aqui não caberá apreciar.

Valerá já, todavia, convocar a recente jurisprudência constitucional produzida a respeito da verba 28.1 da TGIS, com referência à inconstitucionalidade da mesma, por alegada violação dos princípios da igualdade, capacidade contributiva e proporcionalidade.

A respeito, deverá ter-se em consideração a decisão proferida no acórdão nº 378/2018, de 4 de Julho de 2018 do Plenário do Tribunal Constitucional, proferido no âmbito do processo nº 156/2016, que decidiu "não julgar inconstitucional a norma constante Verba 28.1. da Tabela Geral do Imposto do Selo, aprovada pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, e alterada pela Lei nº 83-C/2013, de 31 de dezembro, na parte em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a € 1.000.000,00".

Decisão, de resto já secundada, pelo menos por duas outras decisões igualmente proferidas pelo Tribunal Constitucional no âmbito dos acórdãos nºs 443/2018 e 485/2018 de respectivamente, 2 e 4 de Outubro de 2018.

 

III- DECISÃO

Em face do que vem de se expor, decide este Tribunal Arbitral Singular em:

 

a. julgar improcedente o pedido arbitral formulado pela Requerente, absolvendo-se do mesmo a Requerida,

b. manter da ordem jurídica os actos tributários objecto do presente processo,

c. condenar a Requerente no pagamento das custas processuais.

 

IV- VALOR DO PROCESSO

De conformidade ao estatuído nos artigos 296º, nº1 e 2 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 47/2013, de 26 de Junho, 97º-A, nº 1, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributária, e artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 611,70 € (seiscentos e onze euros e setenta cêntimos).

 

V- CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12º, nº 2, 22º, nº 4 do RJAT e artigos 2º e 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e Tabela I a este anexa, fixa-se o montante de custas em 306,00 € (trezentos e seis euros).

 

NOTIQUE-SE

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º, 1, alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco, e revisto pelo árbitro.

 

NOTIFICAÇÃO AO MINISTÉRIO PÚBLICO

A Requerida requereu, por apelo ao disposto no artigo 280º, nº 3 da CRP e no artigo 72º, nº 3 da Lei do Tribunal Constitucional, a notificação desta decisão arbitral ao Ministério Público.

Uma vez que o Ministério Público não tem representação perante os tribunais arbitrais que funcionam junto do CAAD (artigo 4º, nº 1 do Estatuo do Ministério Público) comunique-se esta decisão à Procuradoria- Geral da República, para os devidos efeitos.

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º, 1, alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco, e revisto pelo árbitro.

 

[A redacção da presente decisão rege-se pela grafia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que respeita às transcrições efectuadas]

 

Vinte e oito de Dezembro de dois mil e dezoito

 

O árbitro

 

(José Coutinho Pires)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] A Requerida, certamente por lapso, pugna em sede de pedido pela procedente de excepção peremptória de intempestividade, sendo que a mesma não é invocada no seu articulado de resposta.

[2] Segue-se de perto o sentido da decisão arbitral prolatada no âmbito do processo nº 696/2017-T, que correu termos no CAAD, em que interviemos.

[3] Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, pág. 182