Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 304/2013-T
Data da decisão: 2015-02-09  IRC  
Valor do pedido: € 29.458,56
Tema: IRC - tempestividade do pedido; dedutibilidade das tributações autónomas
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Decisão Arbitral

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 304/2013 – T

Tema: Dedutibilidade das tributações autónomas

 

 

I.         RELATÓRIO

1.            Banco A, SA, (adiante designada Requerente), pessoa coletiva n.º …, com sede …, requereu, em 24 de Dezembro de 2013, a constituição de tribunal arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º. n.º 1, al. a) e 10.º, n.º 1, al. a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (adiante, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária ou RJAT) e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, tendo em vista a declaração de ilegalidade parcial dos atos de autoliquidação do IRC do período de 2010, na parte correspondente à não relevação fiscal dos encargos com tributações autónomas que corresponde a um imposto indevidamente liquidado no montante total de € 29.458.56.

 

2.            Em 30 de Maio de 2013, a Requerente apresentou reclamação graciosa dos referidos acto de autoliquidação.

 

3.            Por terem decorrido mais de quatro meses desde a apresentação do pedido de revisão oficiosa, presumiu a Requerente o indeferimento tácito, nos termos do n.º 1 do artigo 57.º da Lei Geral Tributária, e solicitou, ao abrigo do artigo 10.º, n.º 1, al. a), do RJAT, a constituição do tribunal arbitral.

 

4.            No pedido, a Requerente optou por não designar árbitro.

 

5.            Nos termos do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou como árbitro o ora signatário.

 

6.            No dia 8 de Julho de 2014, foi realizada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo as parte concordado na apresentação de alegações por escrito.

 

7.            O tribunal encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

 

8.            As alegações que sustentam o pedido de pronúncia arbitral da Requerente são em súmula, as seguintes:

 

 

Alegações da Requerente

 

7.1    A Requerente procedeu à entrega das declarações de rendimento modelo 22, referentes ao exercício de 2010.

7.2    Naquela declaração fiscal, a Requerente apurou e declarou os seguintes montantes a título de tributações autónomas:

         i) tributação autónoma sobre encargos com viaturas no montante de € 72.537,95;

         ii) tributação autónoma sobre despesas de representação, que gerou o montante de € 12.941,16;

         iii) tributação autónoma sobre ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador no montante de € 211,02;

         iii) tributação autónoma sobre despesas confidenciais ou não documentadas no montante de € 25.474,23.

 

7.3    No apuramento do lucro tributável, a ora Requerente não procedeu à dedução fiscal destes encargos.

 

7.4 Assim, constitui objecto do presente processo o reconhecimento da dedutibilidade fiscal destas tributações autónomas.

 

7.5 Por efeito da dedutibilidade destas tributações autónomas no apuramento do IRC e Derrama Municipal, o imposto a pagar é reduzido num total de € 29.458.56.

 

7.6    Para sustentar a dedutibilidade das tributações autónomas, a Requerente apresenta os seguintes argumentos:

 

A natureza jurídica da tributação autónoma não se confunde com o imposto sobre o rendimento (IRC) ou lucro da empresa mas que incide sobre a despesa.

 

Desde logo, se atendermos à evolução legislativa, verificamos que as tributações autónomas foram criadas pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90 (diploma diferente do CIRC), com o objectivo de tributar em 10% as despesas não documentadas. Só 10 anos depois, com a Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, é que se optou por incluir a previsão das tributações autónomas no diploma que regula o IRC, sem que, na opinião da Requerente, isso por si só mudasse um milímetro que fosse da sua natureza: continuava a não ser IRC.

De acordo com a generalidade da doutrina amplamente citada, as tributações autónomas, ao contrário do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, não incidem sobre o seu lucro, mas sim sobre despesas.

 

7.7 Idêntico sentido tem a jurisprudência do Tribunal Constitucional e Supremo Tribunal Administrativo:

No acórdão do STA de 6 de julho de 2011, proferido no processo n.º 0281/11, diz-se: “É que, no caso dos presentes autos não está em causa imposto sobre o rendimento (como sucedia no citado acórdão 399/2010), mas sim tributação autónoma sobre a despesa. Como bem refere a recorrente “as tributações autónomas tributam despesa e não rendimento, são impostos indiretos e não diretos, que penalizam determinados encargos incorridos pela empresa e apuram-se de forma totalmente independente do IRC e Derrama devidos no exercício, não se relacionando sequer com a obtenção de um resultado positivo. Em boa verdade, as tributações autónomas constantes do Código do IRC poderiam estar inscritas num outro código ou em diploma autónomo” (Conclusão VII das alegações).

 

No mesmo sentido veja-se também os acórdãos do STA, de 14 de junho de 2012, proferido no processo n.º 0757/11, e de 21 de março de 2012, proferido no processo n.º 0830/11.

 

O Tribunal Constitucional nos Acórdãos n.ºs 310/2012, 382/2012 e 617/2012, distingue o IRC da tributação autónoma: “Assim, e no caso do IRC, estamos perante um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento percebido de per si, mas sim o englobamento de todos os rendimentos obtidos num determinado ano, considerando a lei que o facto gerador do imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação (cfr. Artigo 8.º n.º 9 do CIRC). Já o que respeita à tributação autónoma em IRC, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, não se estando perante um facto complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas perante um facto tributário instantâneo.

Acrescenta-se, por fim, o Acórdão do CAAD, proferido no processo n.º 7/2011-T: “Podemos considerar pacífico que a tributação autónoma atinge a despesa do sujeito passivo (contribuinte) e não o seu rendimento. Ao fazer isto, o legislador está a abdicar da regra de tributação do rendimento acréscimo e do rendimento líquido – se a não dedutibilidade das despesas não documentadas é inerente à tributação do rendimento líquido, já a tributação autónoma de tais despesas não observa essa regra e tem finalidades diversas da tributação do rendimento acréscimo” (p 30). “Embora limite a tributação do rendimento acréscimo e do rendimento líquido, e portanto não consista num método direto de tributação (método esse que tem que ser a regra, perante o art.º 104.º n.º 2 da CRP), a tributação da despesa tão-pouco constitui um método indireto de tributação, pois não se está a tributar o rendimento do sujeito passivo que incorre naquelas despesas não documentadas (e outras)” (p 32).

 

7.8 Atentos à sua natureza de imposto sobre a despesa, devemos aplicar às tributações autónomas a regra geral da dedutibilidade dos encargos fiscais prevista no artigo 23.º, n.º 1, alínea f), do CIRC.

 

Com efeito, no resultado apurado pela contabilidade, todo e qualquer imposto é tratado como um gasto que se não distingue de todos os outros gastos para efeitos da sua integração nos cálculos do dito resultado (cfr., no Plano Oficial de Contabilidade – POC – em vigor até 2009, a conta, de custos, 63, inteiramente dedicada aos impostos que não incidem sobre o lucro; e no Sistema de Normalização Contabilística – SNC – em vigor desde 2010, a subconta, de gastos, 681, inteiramente dedicada aos impostos também).

 

O Código do IRC não afasta este tratamento: os impostos suportados por um sujeito passivo de IRC são dedutíveis, na mesma medida e no mesmo plano em que o são a generalidade dos gastos ou encargos – cfr. a alínea f) do n.º 1 artigo 23.º do CIRC.

 

As exceções a esta regra de dedutibilidade estão expressamente previstas nas alíneas a) e c) do n.º 1 do atual artigo 45.º (anterior 42.º) do CIRC. O que se retira, pois, inequivocamente, do CIRC é que sempre que o legislador não quer que certo encargo seja dedutível fiscalmente no apuramento do lucro a sujeitar a IRC, di-lo expressamente: assim sucede com as despesas não documentadas, com a contribuição sobre o sector bancário, com o IRC e outros e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre os lucros, etc.

 

Mais, a inclusão dos encargos fiscais com tributações autónomas na excepção que impede a dedutibilidade fiscal do IRC, equiparando-os para este efeito (inclusão na exceção de indedutibilidade) ao IRC: cfr. a redação do novo artigo 23.º-A  n.º 1 al. a) do código do IRC introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Dezembro, comprova que até 2014 esta data as tributações autónomas eram dedutíveis.

 

Com efeito, em vez de se excecionar (como se fazia até 31.12.2013) “[o] IRC e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre os lucros”, alarga-se com efeitos a partir de 2014 o âmbito desta exceção, passando-se a excecionar um outro imposto também – as tributações autónomas – que, ao contrário daqueles impostos previstos na redação em vigor até 2013, não incide sobre os lucros: “[o] IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre os lucros.”.

 

7.9 Alega ainda a Requerente que a controvérsia doutrinal que existiu sobre a (in)dedutibilidade da derrama municipal e o modo como foi dirimida, confirmam também que com respeito aos encargos fiscais com tributações autónomas não se aplica a exceção, prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º (anteriormente 42.º) do CIRC à regra fiscal da dedutibilidade dos impostos.

 

9.      Por seu turno, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, na qual se defendeu nos seguintes termos:

8.1 Por excepção de intempestividade do pedido

A Requerida alega que a Requerente, em cumprimento do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 10º do Decreto-Lei 10/2011, de 20 de janeiro (doravante RJAT), identifica como ato tributário objeto do pedido de pronúncia arbitral o “ato de autoliquidação de IRC e derrama consequente referente ao exercício de 2010”.

 

Assim sendo, o objeto imediato do pedido é, inquestionavelmente, esse ato de autoliquidação.

 

O pedido formulado reconhece e é absolutamente consentâneo com essa evidência: a Requerente peticiona (unicamente) que o tribunal declare a ilegalidade (parcial) dessa autoliquidação, a sua, consequente, anulação e o reembolso do montante que quantifica e qualifica como tendo sido indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

Ora, foi ultrapassado o prazo legalmente definido para a impugnação de atos de liquidação/autoliquidação em sede arbitral, dado que o artigo 10º do RJAT estabelece, quanto a atos de liquidação/autoliquidação, que o prazo para apresentar o pedido de pronúncia arbitral é de 90 (noventa) dias, remetendo, quanto ao momento do início de contagem, para aquilo que se mostra preceituado no artigo 102º, nºs 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

 

Tendo em atenção as disposições conjugadas dos artigos 104º, n.º 1, alínea b) e 120º n.º 1 do Código do IRC, temos que a data limite de pagamento do imposto em causa nos autos ocorreu em 30.05.2011 (data, no caso, coincidente com o momento de apresentação/submissão do ato de autoliquidação).

 

Assim, conclui-se que o pedido tendente à constituição do tribunal arbitral foi apresentado em 24.11.2013 é intempestivo e o tribunal não pode dele conhecer.

 

8.2  Por impugnação

Em primeiro lugar, a Requerida defende que, mesmo admitindo em tese a dedutibilidade das tributações autónomas, no que concerne as tributações não dedutíveis nunca será de admitir a sua dedutibilidade na medida em que configurariam um encargo fiscal sobre gastos não indispensáveis “para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”, pelo que não se subsumem na al. f) do n.º 1 do artigo 23.º.

 

Relativamente à natureza das tributações autónomas, cumpre referir que nem a jurisprudência nem a doutrina amplamente citada pela Requerente se pronunciam no sentido de que as tributações autónomas não são, pelo menos formalmente, IRC, nem tão-pouco advogam a sua dedutibilidade ao lucro tributável, quer por sua exclusão da al. a) do n.º 1 do art. 45.º do CIRC, quer pela sua inclusão na al. f) do n.º 1 do art. 23.º do CIRC.

 

Com efeito, a jurisprudência do Tribunal Constitucional (acórdãos n.º310/2012, 382/2012 e 617/2012), versa exclusivamente sobre a aplicação das taxas de tributação autónoma, na perspetiva da proibição da retroatividade, cingindo-se à questão das regras de aplicação da lei no tempo, mas nunca alvitrando que se trata de um qualquer “imposto” distinto do IRC, apenas relevando os factos tributários distintos sobre que incidem as respetivas taxas.

 

Por outro lado, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo citada debruça-se sobre a questão da aplicação retroativa da alteração das taxas de tributação autónoma (acórdãos n.º 0281/11 e n.º 0757/11) e sobre o regime da transparência fiscal (diz-se acórdão n.º 0830/11: “Fica, desta forma, evidenciado que as tributações autónomas constituem realidades fiscais completamente diferentes do regime da transparência fiscal quer porque a tributação autónoma não atinge o rendimento, mas sim a despesa enquanto tal, quer porque cada despesa é havida como constituindo facto tributário autónomo”), uma vez mais colocando a tónica na especificidade das tributações autónomas na sua forma de apuramento em relação à tributação do rendimento, sem que em qualquer dos acórdãos se “salte” para a conclusão, como pretende a Requerente, de que aquelas não são IRC e que não é lícito incluí-las na al. a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC.

Por fim, a decisão do coletivo arbitral proferida no processo n.º 7/2011-T debruça-se sobre as tributações autónomas por confronto com a tributação por métodos indiretos, sem lhe retirar as ilações que a Requerente ora preconiza.

 

Ao contrário do que pretende a Requerente, as tributações autónomas não são um qualquer imposto distinto, apesar das diferenças assinaladas pela jurisprudência nos factos sobre que incidem. Como refere Sérgio Vasques (cfr. Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2011, pág. 293, nota 470), o imposto sobre o rendimento contempla, também, elementos de obrigação única, como as taxas liberatórias do IRS ou as taxas de tributação autónoma do IRC.

 

A razão de ser das tributações autónomas contende, por um lado com um incentivo aos contribuintes de reduzirem ao máximo as suas despesas e, por outro, com o propósito de desincentivar o recurso a certo tipo de despesas que são propiciadoras de pagamentos camuflados e, em última análise, reaver algum imposto que, de outra forma, não seria arrecadado. Ora, sendo este o objetivo da tributação autónoma – de reduzir a vantagem fiscal alcançada com a dedução dos custos sobre os quais incide, para além do combate à evasão fiscal -, não poderá ser a mesma, através da dedução ao lucro tributável a título de custo do exercício, constituir fator de redução dessa diminuição de vantagem pretendida e determinada pelo legislador.

 

Alega-se ainda que a alteração introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, que veio acrescentar à al. a) do n.º 1 correspondeu à adopção da sua melhor interpretação, pelo que se tornava, até, desnecessária a sua invocação para decidir a controvérsia concreta evidenciada pelos autos.

 

Não é correto afirmar que a tributação autónoma se alheia, quer da função e natureza do IRC, quer mesmo do apuramento do lucro tributável, dado que as tributações autónomas, pela sua natureza, estão funcionalmente imbricadas no IRC e  porque existe uma norma que faz depender a alíquota da tributação autónoma da circunstância do sujeito passivo apresentar ou não prejuízo fiscal.

 

Quanto aos fins da tributação autónoma, como refere Saldanha Sanches (in “Manual de Direito Fiscal”, 3ª Edição, Coimbra Editora, 2007, pág. 406 a 408): ”Neste tipo de tributação (tributação autónoma), o legislador procura responder à questão reconhecidamente difícil do regime fiscal que se encontra na zona de intersecção da esfera pessoal e da esfera empresarial, de modo a evitar remunerações em espécie mais atraentes por razões exclusivamente fiscais ou a distribuição oculta de lucros. Apresenta a norma uma característica semelhante à que vamos encontrar na sanção legal contra os custos não documentados, com uma subida da taxa quando a situação do sujeito passivo não corresponde a uma situação de normalidade fiscal. Se na declaração do sujeito passivo não há lucro, o custo pode ser objeto de uma valorização negativa: por exemplo temos uma taxa de 15% aplicada quando o sujeito passivo teve prejuízos nos dois últimos exercícios e foi comprada uma viatura ligeira de passageiros por mais de € 40.000,00 (artigo 81.º n.º 4).”

 

Com esta previsão, o sistema mostra a sua natureza dual, com uma taxa agravada de tributação autónoma para certas situações especiais que procura desencorajar, como a aquisição de viaturas para fins empresariais ou viaturas em princípio demasiado dispendiosas quando existam prejuízos.

 

Cria-se aqui, uma espécie de presunção de que estes custos não têm uma causa empresarial e, por isso, são sujeitos a uma tributação autónoma. Em resumo, o custo é dedutível, mas a tributação autónoma reduz a sua vantagem fiscal, uma vez que, a base de incidência não é um rendimento líquido, mas, sim, um custo transformado – excecionalmente – em objeto de tributação.

 

A mesma explicação pode ser encontrada para a tributação autónoma criada para os pagamentos feitos a regiões em regime fiscal privilegiado.

 

Destarte se conclui que as tributações autónomas, para além de não se poderem considerar formalmente um imposto distinto do IRC, também materialmente não têm absoluta autonomia, antes se encontrando, como se demonstrou, funcionalmente ligadas ao apuramento do rendimento real.

 

Em suma, visando as tributações autónomas reduzir a vantagem fiscal alcançada com a dedução ao lucro tributável dos custos sobre os quais incide e ainda combater a evasão fiscal que este tipo de despesas, pela sua natureza, potencia, não poderá ser ela mesma através da sua dedução ao lucro tributável a título de custo do exercício constituir fator de redução dessa diminuição de vantagem pretendida e determinada pelo legislador.

 

Nada mais tendo sido arguido ou requerido, cumpre, agora, proferir decisão.

 

II. FUNDAMENTAÇÃO

MATÉRIA DE FACTO

 

Factos dados como provados:

 

1-      Em 30-05-2010 a Requerente procedeu à autoliquidação de IRC e derrama consequente relativa ao exercício de 2010 mediante apresentação da declaração Modelo 22.

2-      Apresentou, a 30 de Maio de 2012, uma declaração de substituição da declaração modelo 22 entregue.

3-      Na referida autoliquidação de IRC do exercício de 2010, a Requerente procedeu também à autoliquidação de tributações autónomas previstas no artigo 88.º do CIRC, num total de 111.164,36.

4-      A não relevação fiscal dos encargos com tributações autónomas desse mesmo exercício teve um impacto de € 29.548,56 em termos de IRC e derrama suportados.

5-      A Requerente pagou o imposto devido.

6-      Em 30 de Maio de 2013, a Requerente apresentou reclamação graciosa da referida autoliquidação de IRC e derrama, manifestando a pretensão de serem considerados como dedutíveis à matéria colectável os encargos com tributações autónomas de 2010.

7-      Nos termos do disposto no artigo 57.º n.º 5 da LGT, formou-se indeferimento tácito da reclamação graciosa em 30 de Setembro de 2013.

 

A decisão da matéria dos factos provados baseou-se nos documentos juntos ao processo e na não oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira quanto a factos invocados pela Requerente.

 

Não há factos não provados com relevo para a decisão da causa.

 

Questões a apreciar:

A)     Da excepção de intempestividade do pedido

B)     Do Mérito: da dedutibilidade dos montantes pagos a título de tributação autónoma para efeitos de apuramento do lucro tributável.

 

A)    Da excepção de intempestividade do pedido

Vem alegar a Requerida que tendo sido ultrapassado o prazo de impugnação directa do acto de autoliquidação de imposto (ou seja, do acto primário), a “tempestividade” do pedido apenas poderia fundar-se na existência de um qualquer meio de impugnação gracioso do acto de autoliquidação onde tivesse sido prolatada decisão a negar/indeferir, total ou parcialmente, as pretensões aí formuladas pelo sujeito passivo de imposto (naquilo que constituiria um acto de segundo grau). Em concreto, a Requerente impugnou administrativamente o acto de autoliquidação em relação à qual se formou uma presunção de indeferimento. Acontece que, apesar de ter feito alusão e identificado as circunstâncias, a Requerente não fomulou/concretizou ao tribunal qualquer pedido tendente à sua anulação.

 

Na resposta, a Requerente alega que o pedido de intempestividade formulado pela Autoridade Tributária e Aduaneira é inconstitucional, por violar quer o princípio constitucional de acesso aos tribunais para tutela de direitos, previsto nos artigos20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP, quer o princípio constitucional da protecção da confiança (que se retira do artigo 2.º da Constituição – Estado de direito), a interpretação do disposto nos artigos 2º., 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, alínea b), do RJAT, na interpretação, contrária à sua interpretação declarativa, de que para efeitos do prazo de reacção de 90 dias que se abre com o indeferimento expresso da reclamação graciosa, o objecto do processo e a pretensão arbitral não poderiam ser, respectivamente, o acto tributário e o pedido de declaração da sua ilegalidade.

 

Ora, da análise do pedido de pronúncia arbitral não subsistem dúvidas que a Requerente pretende a anulação parcial da autoliquidação do IRC de 2010, com os fundamentos supra descritos.

 

Como refere JORGE LOPES DE SOUSA, “…sendo o fim essencial do processo de impugnação judicial a eliminação jurídica de um acto em matéria tributária, desde que o impugnante o identifique e identifique os vícios que entende o afectam, poderá entender-se que há um pedido implícito de anulação ou declaração de nulidade ou inexistência daquele acto. O essencial será que seja perceptível a intenção do impugnante.[1]

 

Assim, improcede a excepção de intempestividade suscitada pela Requerida.

 

B)    Do Mérito: Da dedutibilidade dos montantes pagos a título de tributação autónoma para efeitos de apuramento do lucro tributável.

 

Cabe, em síntese, verificar se as tributações autónomas sobre os encargos com viaturas, despesas de representação, ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador e despesas confidenciais não documentadas são dedutíveis ao lucro tributável.

Alega a Requerente que, sendo a tributação autónoma um imposto indirecto que incide sobre a despesa, deve ser deduzido ao lucro tributável. Tal conclusão decorre da própria interpretação, a contrario, da al. a) do n.º 1 do artigo 45.º do Código do IRC que estabelece que não são dedutíveis “O IRC e quaisquer outros impostos que, directa ou indirectamente, incidam sobre os lucros”.

Em sentido distinto, argumenta a Requerida que estamos perante um encargo não dedutível, nos termos do artigo 45.º n.º 1 al. a) do Código do IRC.

Para devido enquadramento da questão, é necessário esclarecer a natureza das tributações autónomas e, definido o seu enquadramento, verificar se se enquadra no conjunto de encargos dedutíveis no apuramento do lucro tributável em sede de IRC.

 

  1. Da natureza das tributações autónomas

A compreensão da exacta natureza e funcionamento das tributações autónomas deve, desde logo, atender-se à evolução legislativa desta figura que, como se sabe, tem sido, desde a sua criação, objecto de alterações sucessivas.

a)      Evolução legislativa

A figura da tributação autónoma aparece, pela primeira vez, na Lei n.º 2/88, de 26 de janeiro (Orçamento de Estado para 1998), que dá uma nova redacção ao artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 375/74, e visava a aplicação de uma taxa sobre as despesas confidenciais, nos seguinte termos:

Alteração ao Decreto-Lei n.º 375/74, de 20 de Agosto, na parte relativa ao regime das despesas não documentadas

 O artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 375/74, de 20 de Agosto, passa a ter a seguinte redacção:

 Art. 27.º - 1 - As empresas comerciais ou industriais, e bem assim as empresas com escrita devidamente organizada que se dediquem a explorações agrícolas, silvícolas ou pecuárias, que efectuem despesas confidenciais ou não documentadas ficam sujeitas, para esse tipo de despesas, à taxa de contribuição industrial agravada em 20%.

 2 - A realização das despesas a que se refere o número anterior que ultrapassem 2% da facturação total constitui infracção punida com multa de igual montante.

Com a entrada em vigor do Código do IRC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/88, de 30 de novembro, aquela disposição foi revogada.

No ano seguinte, a tributação autónoma das despesas confidenciais é reintroduzida na nossa ordem jurídica pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de junho:

Art. 4.º As despesas confidenciais ou não documentadas efectuadas no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada ou por sujeitos passivos de IRC não enquadrados nos artigos 8.º e 9.º do respectivo Código são tributadas autonomamente em IRS ou IRC, conforme os casos, a uma taxa de 10% sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC.

Posteriormente, a Lei n.º 39-B/94, de 27 de dezembro, agrava a taxa de tributação para 25%, para além da sua não dedutibilidade. No ano seguinte, a Lei n.º 52-C/96, de 27 de dezembro, aumentou a taxa de tributação autónoma para 30% e aditou o n.º 2 com a seguinte redacção: “A taxa referida no número anterior será elevada para 40% nos casos em que tais despesas sejam efectuadas por sujeitos passivo de IRC, total ou parcialmente isentos, ou que não exerçam, a título principal, actividades de natureza comercial, industrial ou agrícola.”

Com a Lei de Orçamento do Estado para 1999 (lei 87-B/98, de 31 de dezembro), as taxas foram aumentadas para de 30% para 32% e de 40% para 60%.

Em 2000, a lei n.º 3-B/2000, de 4 de abril, alargou o âmbito de aplicação das tributações autónomas às despesas de representação e encargos com viaturas ligeiras de passageiros, nos seguintes termos:

«Artigo 4.º

1 - ...

2 - ...

3 - As despesas de representação e os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros efectuadas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas, ou por sujeitos passivos de IRC não isentos e que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, são tributadas autonomamente em IRS ou IRC, consoante os casos, a uma taxa de 6,4%.

4 - Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, nomeadamente, as reintegrações, rendas ou alugueres, seguros, despesas com manutenção e conservação, combustíveis e o imposto municipal sobre veículos.

5 - Excluem-se do disposto no n.º 3 os encargos relacionados com viaturas afectas à exploração do serviço público de transportes ou destinadas a serem alugadas no exercício da actividade normal do sujeito passivo.

6 - Consideram-se despesas de representação, nomeadamente, os encargos suportados com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades.»

Com a denominada Lei da Reforma Fiscal, Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro, o legislador decidiu revogar o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de junho, e introduzir o artigo 69.º-A[2] ao Código do IRC, com a seguinte redacção:

“1 - As despesas confidenciais ou não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50%, sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º.

2 - A taxa referida no número anterior é elevada para 70% nos casos em que tais despesas sejam efectuadas por sujeitos passivos total ou parcialmente isentos, ou que não exerçam, a título principal, actividades de natureza comercial, industrial ou agrícola.

3 - São tributados autonomamente, a taxa correspondente a 20% da taxa normal mais elevada, as despesas de representação e os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, barcos de recreio, aeronaves de turismo, motos e motociclos, efectuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos e que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.

4 - Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, barcos de recreio, aeronaves de turismo, motos e motociclos, nomeadamente, as reintegrações, rendas ou alugueres, seguros, despesas com manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização.

5 - Excluem-se do disposto no n.º 3 os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, barcos de recreio, aeronaves de turismo, motos e motociclos, afectos à exploração do serviço público de transportes, destinados a serem alugados no exercício da actividade normal do sujeito passivo, bem como as reintegrações relacionadas com viaturas relativamente às quais tenha sido celebrado o acordo previsto no n.º 8 da alínea c) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS.

6 - Consideram-se despesas de representação, nomeadamente, os encargos suportados com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades.

7 - São sujeitas ao regime dos n.os 1 ou 2, consoante os casos, sendo as taxas aplicáveis, respectivamente, 35% ou 55%, as despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, tal como definido nos termos do Código, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado

8 - Excluem-se do disposto no n.º 3 os sujeitos passivos a que seja aplicado o regime previsto no artigo 46.º-A.

Nos anos seguintes, as taxas e base de incidência das despesas com viaturas e despesas de representação foram sucessivamente alteradas pelas Leis n.ºs 109-B/2001, de 27 de Dezembro, 32-B/2002, de 30 de Setembro e 107-B/2003, de 31 de dezembro; A Lei n.º 55-B/2004, de 30 de dezembro sujeita a tributação autónoma as ajudas de custo e despesas com deslocação em viatura própria; O Decreto-Lei n.º 192/2005, de 7 de novembro, aditou os nºs 11 e 12 que sujeitam a tributação autónoma os lucros distribuídos a entidades isentas total ou parcialmente de IRC.

A Lei n.º 64/2008, de 5 de dezembro, alterou a redacção dos n.ºs 3 e 4 que passam a dispor o seguinte:

São tributados autonomamente, excluindo os veículos movidos exclusivamente a energia eléctrica:

a) À taxa de 10%, os encargos dedutíveis relativos a despesas de representação e os relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, motos ou motociclos, efectuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos subjectivamente e que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola; [Redacção dada pela Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro]

b) À taxa de 5%, os encargos dedutíveis, suportados pelos sujeitos passivos mencionados no número anterior, respeitantes a viaturas ligeiras de passageiros ou mistas cujos níveis homologados de emissão de CO2 sejam inferiores a 120g/km, no caso de serem movidos a gasolina, e inferiores a 90g/km, no caso de serem movidos a gasóleo, desde que, em ambos os casos, tenha sido emitido certificado de conformidade. [Redacção dada pela Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro]

4 - São tributados autonomamente, à taxa de 20%, os encargos dedutíveis, suportados pelos sujeitos passivos mencionados no número anterior, respeitantes a viaturas ligeiras de passageiros ou mistas cujo custo de aquisição seja superior a € 40.000, quando os sujeitos passivos apresentem prejuízos fiscais nos dois exercícios anteriores àquele a que os referidos encargos digam respeito.

A Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, alterou o n.º 4, eliminando a referência ao custo de aquisição superior a € 40.000,00 e passando a indicar o custo de aquisição superior ao montante fixado na al. e) do n.º 1 do artigo 34.º do Código do IRC.

A evolução do regime[3]das tributações autónomas até 2010 permite-nos, desde já, algumas conclusões.

Na origem, o regime de tributações autónomas visava apenas as despesas confidenciais que, pela sua natureza, são despesas não dedutíveis em sede de IRC.

Posteriormente, as tributações autónomas passaram a incidir sobre encargos dedutíveis ou parcialmente dedutíveis, como é o caso das viaturas ligeiras de passageiros ou das ajudas de custo.

Por último, verifica-se um aumento significativo quer dos encargos susceptíveis de sujeição a tributação autónoma quer das taxas aplicáveis. O caso das viaturas é paradigmático: o tipo de despesa é o mesmo mas as taxas e base de incidência apresentam variações sucessivas e, sublinhe-se, relevantes. Por mais que os objectivos das normas se mantenham desde a sua origem é inegável a intenção de aumento da receita. Como refere CASALTA NABAIS[4], “com o andar do tempo, a função dessas tributações autónomas que, entretanto se diversificaram extraordinariamente e aumentaram de valor, alterou-se progressivamente passando a ser progressivamente a de obter (mais) receitas fiscais.

Descrito o regime substantivo das tributações autónomas a que a Requerente foi sujeita, é chegado o momento de aferir se estamos perante um imposto diferente do IRC; se se trata de imposto directo ou indirecto ou até de uma norma anti-abuso.

Analisemos o que pensa a doutrina e a jurisprudência sobre a questão.

 

b)     A natureza das tributações autónomas na jurisprudência e doutrina

A descrição do pensamento e evolução dos nossos tribunais superiores sobre as tributações autónomas já foi tratada, com mestria e eloquência, no Acórdão do CAAD, de 20 de setembro de 2012, Proc. n.º 7/2011, nos seguintes termos:

24. O acórdão da 2.ª Secção do STA de 21 de Março de 2012 (2.ª secção, processo 830/11, de 21.3.2012, Relatora Conselheira Fernanda Maçãs) sobre tributação de despesas confidenciais e sua relação com o regime de transparência fiscal e leis interpretativas, vem dizer-nos que “as tributações autónomas, embora formalmente inseridas no Código do IRC, sempre tiveram um tratamento próprio, uma vez que não incidem sobre o rendimento, cuja formação se vai dando ao longo do ano, mas antes sobre certas despesas avulsas que representam factos tributários autónomos sujeitos a taxas diferentes das de IRC”. Este acórdão foi proferido a propósito do art.º 12.º do CIRC, na redação que vigorava à data da prática dos factos: “as sociedades e outras entidades a que, nos termos do artigo 5.º, seja aplicável o regime da transparência fiscal, não são tributadas em IRC”. Mas desta não tributação em IRC das entidades que beneficiam do regime de transparência fiscal, são excluídas as tributações autónomas, como é o caso das despesas confidenciais.

25. É reconhecido pela jurisprudência do STA (2.ª secção, processo 830/11, de 21.3.2012, Relatora Conselheira Fernanda Maçãs) que sob a designação de tributações autónomas se escondem realidades muito diversas, incluindo, nos termos do n.º 1 do (então) art.º 81.º do CIRC, as despesas confidenciais ou não documentadas, que são tributadas autonomamente, à taxa de 50%, que será elevada para 70%, nos casos de despesas efectuadas por sujeitos passivos total ou parcialmente isentos, ou que não exerçam, a título principal, actividades de natureza comercial, industrial ou agrícola (n.º 2 do [então] art.º 81.º) e que não são consideradas como custo no cálculo do rendimento tributável em IRC (já as despesas de representação e as relacionadas com viaturas ligeiras, nos termos do disposto no (então) art. 81.º n.º 3 do CIRC os seus custos são fiscalmente aceites ainda que dentro de certos limites).

26. Também o Tribunal Constitucional se pronunciou sobre as diversas realidades abrangidas pela tributação autónoma. No acórdão n.º 18/116, diz-nos o Tribunal Constitucional: “No entanto, o artigo 81.º do mesmo Código, considerando a redacção anterior à Lei n.º 64/2008, estabelecia taxas de tributação autónoma, visando designadamente, por um lado, na situação prevista nos n.ºs 1 e 2, as despesas não documentadas, que são tributadas à taxa de 50 % (sem prejuízo da sua não consideração como custo nos termos do artigo 23.º), e, por outro lado, nas situações previstas nos n.ºs 3 e 4, os encargos dedutíveis como custos, que eram tributados a 5%, em geral, e a 15% quando se tratasse de despesas relativas a viaturas ligeiras ou mistas cujo custo de aquisição seja superior a € 40 000, quando suportados por sujeitos passivos que apresentem prejuízos fiscais nos dois exercícios anteriores.” Para o Tribunal Constitucional, o regime tem uma finalidade “penalizadora” e de “desmotivar práticas” que podem “envolver situações de ilicitude penal ou de menor transparência fiscal”.

27. Podemos afirmar que a penalização aparece assim associada a uma finalidade antiabuso, sendo que o abuso não pode ser elidido (isto é, não pode ser demonstrado que o beneficiário das despesas não documentadas declarou esses rendimentos para efeitos fiscais). Assim, continua o Tribunal no mesmo acórdão: “No caso dos ns. 1 e 2, estamos perante despesas que são incluídas na contabilidade da empresa, e podem ter sido relevantes para a formação do rendimento, mas não estão documentadas e não podem ser consideradas como custos, e que, por isso, são penalizadas com uma tributação de 50%. A lógica fiscal do regime assenta na existência de um presumível prejuízo para a Fazenda Pública, por não ser possível comprovar, por falta de documentação, se houve lugar ao pagamento do IVA ou de outros tributos que fossem devidos em relação às transacções efectuadas, ou se foram declarados para efeitos de incidência do imposto sobre o rendimento os proventos que terceiros tenham vindo a auferir através das relações comerciais mantidas com o sujeito passivo do imposto. Para além disso, a tributação autónoma, não incidindo directamente sobre um lucro, terá ínsita a ideia de desmotivar uma prática que, para além de afectar a igualdade na repartição de encargos públicos, poderá envolver situações de ilicitude penal ou de menor transparência fiscal.”

28. O Tribunal Constitucional, no citado acórdão n.º 18/11, diz-nos ainda que os outros factos sujeitos a tributação autónoma, correspondem a “encargos comprovadamente indispensáveis à realização dos proveitos” e que por isso a proibição da aplicação retroativa da lei nova não se aplica, pois tais encargos teriam sido incorridos independentemente do regime fiscal aplicável: isto significa que a tributação autónoma também recai sobre encargos que correspondem ao núcleo do conceito de rendimento real, rendimento líquido e cumprimento de obrigações contabilísticas. Este argumento do Tribunal Constitucional, a propósito da aplicação retroativa da lei fiscal às tributações autónomas (e esta matéria da aplicação da lei no tempo não cabe no objeto desta decisão), interessa-nos para salientar que o Tribunal reconhece que este regime constitui uma limitação à tributação do rendimento real (a qual é garantida pelo art.º 104.º n.º 2 da CRP).

29. Mais do que isso, o acórdão n.º 18/11 do Tribunal Constitucional vem dizer que as tributações autónomas pretendem desincentivar a dedução de despesas a que as empresas têm direito, mas que afetam a receita fiscal. Este último argumento é um argumento interpretativo ilegítimo no Direito Fiscal. Todas as normas fiscais em sentido estrito têm como objetivo a obtenção de receitas, e este objetivo não pode autojustificar-se, pois ele próprio é limitado pelos princípios constitucionais fiscais basilares dos Estados de Direito: princípio da capacidade contributiva e tributação do rendimento real como regra.

30. Mas a verdade é que nos diz o Tribunal Constitucional o seguinte:

“Por sua vez, os ns. 3 e 4 do artigo 81.º referem-se a encargos dedutíveis como custos para efeitos de IRC, isto é, a encargos que comprovadamente foram indispensáveis à realização dos proveitos, à luz do que estabelece o artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, sendo a tributação prevista nesses preceitos explicada por uma intenção legislativa de incentivar as empresas a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afectem negativamente a receita fiscal.

A nova redacção dada aos n.ºs 3 e 4 do artigo 81.º pela Lei n.º 60/2008 veio reforçar esta perspectiva, diferenciando diversas situações possíveis, que são tributadas, consoante os casos, à taxa de 5%, 10% ou 20%, com o que se pretende não só desincentivar a realização de despesa como estimular as empresas a optarem por soluções que sejam mais vantajosas do ponto de vista do interesse público. Assim se compreende a exclusão da tributação em relação à aquisição de veículos exclusivamente movidos a energia eléctrica, como consta da 2.ª parte do corpo do n.º 3, e a previsão de um tratamento mais favorável para encargos suportados com a aquisição de veículos menos poluentes (alínea b) do n.º 3), e um tratamento mais gravoso para as despesas mais avultadas, a que se refere o n.º 4 deste artigo 81.º.

Neste contexto, estando em causa encargos que, por natureza, são indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos que estão sujeitos a imposto, não é aceitável a alegação de que o impugnante teria incorrido em despesas, na perspectiva da continuidade do regime legal anteriormente existente, que já não efectuaria caso pudesse contar entretanto com um agravamento da taxa de tributação.”

31. Em sentido diferente, em voto de vencido, o Conselheiro Vítor Gomes vem defender que a aplicação retroativa da tributação autónoma mais gravosa configurava um caso de retroatividade proibida pelo n.º 3 do artigo 103.º da CRP, porque “[e]mbora formalmente inserida no CIRC e o montante que permita arrecadar seja liquidado no seu âmbito e a título de IRC, a norma em causa respeita a uma imposição fiscal que é materialmente distinta da tributação nesta cédula (…). Com efeito, estamos perante uma tributação autónoma, como diz a própria letra do preceito. E isso faz toda a diferença. Não se trata de tributar um rendimento no fim do período tributário, mas determinado tipo de despesas em si mesmas, pelas compreensíveis razões de política fiscal que o acórdão aponta. A manifestação de riqueza sobre que vai incidir essa parcela da tributação (o facto revelador de capacidade tributária que se pretende alcançar) é a simples realização dessa despesa, num determinado momento. Cada despesa é, para este efeito, um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, venha ou não a ter rendimento tributável em IRC no fim do período. Deste modo, o agravamento da taxa vai agravar a situação do sujeito passivo num momento em que o facto gerador é coisa do passado (as despesas de representação foram pagas ao seu beneficiários, os encargos com viaturas ligeiras foram suportados ou contraídos, etc.). É certo que esta parcela de imposto só vem a ser liquidada num momento posterior e conjuntamente com o IRC. Porém, a determinação do valor global da matéria colectável sujeita à incidência das taxas de tributação autónoma no fim do período tributário é o mero somatório das diversas despesas dessa natureza, a que se aplica a taxa agora agravada. Essa operação de apuramento do montante tributável a este título não espelha um facto tributário de formação sucessiva, mas a mera agregação dos valores sobre que incide a alíquota do imposto. (…) O facto gerador de imposto em IRC determina-se por relação ao fim do período de tributação (n.º 9 do artigo 8.º do CIRC), mas a tributação autónoma agora em causa não comunga desse pressuposto, porque não atinge o rendimento (artigo 1.º do CIRC) mas a despesa enquanto tal.”

32. No mesmo sentido deste voto de vencido, diz-nos o STA, no citado processo n.º 830/11, acórdão de 21.3.2012: a tributação autónoma, “pese embora tratar-se de uma forma de tributação prevista no CIRC, nada tem a ver com a tributação do rendimento, mas sim com a tributação de certas despesas, que o legislador entendeu, pelas razões atrás apontadas fazê-lo de forma autónoma.

A tributação autónoma não atinge o rendimento, mas sim a despesa enquanto tal, quer porque cada despesa é havida como constituindo facto tributário autónomo sujeito a taxas diferentes das de IRC. E não obstante as despesas confidenciais só virem a ser tributadas conjuntamente com o IRC, a verdade, porém, é que a matéria colectável sujeita à incidência das taxas de tributação autónoma é o mero somatório das diversas parcelas de despesa”.

E continua o STA: “No fundo, o legislador terá criado as taxas de tributação autónomas com vista a penalizar a realização de determinadas despesas, uma vez que não se sabendo quem é o respectivo beneficiário, impõe-se a necessidade de evitar que as mesmas constituam remunerações a pessoas cuja identidade se desconhece. Se assim não fosse, estaríamos a aceitar como custo este tipo de despesas, sem que pudesse haver, dada a sua natureza confidencial, a tributação dos rendimentos auferidos por parte dos seus beneficiários, quer em sede de IRS quer em sede de IRC.”

33. Em recente acórdão (n.º 310/12, de 20 de junho, Relator Conselheiro João Cura Mariano), o Tribunal Constitucional vem reformular a doutrina do acórdão n.º 18/11, aproximando-se do então voto de vencido do Conselheiro Vítor Gomes e do acórdão do STA n.º 830/11, todos citados nos parágrafos anteriores.

“Contrariamente ao que acontece na tributação dos rendimentos em sede de IRS e IRC, em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere), no caso tributa-se cada despesa efetuada, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar diretamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e por isso, passível de tributação.

Assim, e no caso do IRC, estamos perante um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento percebido de per si, mas sim o englobamento de todos os rendimentos obtidos num determinado ano, considerando a lei que o facto gerador do imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação (cfr. artigo 8.º,n.º 9, do CIRC).

Já no que respeita à tributação autónoma em IRC, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, não se estando perante um facto complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas perante um facto tributário instantâneo.

Esta característica da tributação autónoma remete-nos, assim, para a distinção entre impostos periódicos (cujo facto gerador se produz de modo sucessivo, pelo decurso de um determinado período de tempo, em regra anual, e tende a repetir-se no tempo, gerando para o contribuinte a obrigação de pagar imposto com caráter regular) e impostos de obrigação única (cujo facto gerador se produz de modo instantâneo, surge isolado no tempo, gerando sobre o contribuinte uma obrigação de pagamento com caráter avulso).

Na tributação autónoma, o facto tributário que dá origem ao imposto, é instantâneo: esgota-se no ato de realização de determinada despesa que está sujeita a tributação (embora, o apuramento do montante de imposto, resultante da aplicação das diversas taxas de tributação aos diversos atos de realização de despesa considerados, se venha a efetuar no fim de um determinado período tributário). Mas o facto de a liquidação do imposto ser efetuada no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto periódico, de formação sucessiva ou de caráter duradouro. Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação autónoma, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efetuadas na determinação da taxa.”

34. É sabido que a tributação autónoma não é equivalente à indedutibilidade de custo das despesas não documentadas e por isso esta última não postula a primeira, como decorre dos princípios elementares da tributação do rendimento acréscimo (rendimento líquido) segundo a contabilidade organizada.”

A generalidade da doutrina não se afasta substancialmente do entendimento dos tribunais. Como refere RUI MORAIS, “está em causa uma tributação que incide sobre certas despesas dos sujeitos passivos, as quais são havidas com constituindo factos tributários. É difícil descortinar a natureza desta forma de tributação e, mais ainda, a razão pela qual aparece prevista nos códigos dos impostos sobre o rendimento.” (RUI DUARTE MORAIS, Apontamentos ao IRC, Almedina, 2009, pp. 202-203).

No mesmo sentido, JOSÉ ALBERTO PINHEIRO PINTO afirma que “não se trata propriamente de IRC – que visa tributar o rendimento das pessoas colectivas e não despesa por elas efectuadas -, mas da substituição de uma tributação de rendimentos “implícitos” de pessoas singulares, que se considera não exequível directamente”. Também CASALTA NABAIS considera que se “trata de uma tributação sobre a despesa e não sobre o rendimento” (CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 6.ª Ed., p. 614).

Em suma, a jurisprudência dos tribunais superiores e a doutrina consideram que as tributações autónomas são factos tributários autónomos que incidem sobre a despesa. Assim, apesar de inseridas formalmente no Código do IRC, dizem respeito a uma tributação distinta do imposto sobre o rendimento.

Em boa verdade, poderíamos até ficcionar a revogação do Código do IRC e a publicação de um diploma que tribute os gastos contabilísticos, como acontece com os encargos com as viaturas previstas no actual n.º 3 do artigo 88.º, ou, como vimos, a tributação das despesas confidenciais (que não são dedutíveis em sede de IRC, nos termos da ora al. b) do n.º 1 do artigo 23.º-A).

Aliás, neste contexto, a eventual dedutibilidade das tributações autónomas não é incompatível com a existência de normas que dependem da existência de prejuízos fiscais, como a prevista no n.º 9 do artigo 88.º do CIRC, em vigor à data. No apuramento do lucro tributável, a verificação do prejuízo fiscal, acarreta o aumento dos encargos dedutíveis (maior prejuízo fiscal) e concomitantemente da tributação autónoma a pagar. Aliás, a “conclusão absurda da existência de situações em que o sujeito passivo viesse a ficar mais prejudicado pelo facto de ter mais encargos dedutíveis[5]” verifica-se independentemente da dedutibilidade das tributações autónomas. Com efeito, sendo, por exemplo, o encargo com viaturas dedutível, o facto de ter mais viaturas, vai prejudica-lo no sentido de maior pagamento de tributação autónoma.

Mais, os objectivos destas normas não visam assegurar a verdade fiscal do sujeito passivo que suporta o imposto sobre o rendimento e as tributações autónomas. Tal regularidade fiscal seria assegurada pelas regras de não dedução daquelas despesas, nos termos do artigo 45.º do Código do IRC (ora 23.º-A). As tributações autónomas visam tributar as vantagens fiscais que terceiros poderiam obter, aproximando-nos, assim, da figura da responsabilidade por substituição tributária de que nos fala o já citado Acórdão do CAAD de 20 de Setembro de 2012, Proc. n.º 7/2011.

Em conclusão, não há qualquer ligação umbilical entre o Código do IRC e as tributações autónomas.

 

c)      Constituem as tributações autónomas normas anti-abuso específicas?

Sem prejuízo do já exposto, podemos ainda questionar se, atendendo aos seus fins, as tributações autónomas são normas anti-abuso específicas ilidíveis, nos termos do artigo 73.º da LGT?[6]

As cláusulas anti-abuso específicas visam combater a evasão fiscal em comportamentos ou práticas específicas, em situações de risco, através da criação de normas que criam presunções ilidíveis ou inilidíveis, inversões do ónus da prova, desconsideração de certos custos. (SALDANHA SANCHES, Os Limites do Planeamento Fiscal, Coimbra Editora, 2006, p. 199). Há, portanto, um conceito abrangente de normas anti-abuso específicas que tanto operam contra o risco de elisão fiscal como contra a própria fraude fiscal.

No caso, é aceite pela generalidade da doutrina e jurisprudência que as tributações autónomas visam prevenir práticas abusivas de remuneração de trabalhadores, gerentes e sócios/accionistas da sociedade. Como refere SALDANHA SANCHES, “Neste tipo de tributação, o legislador procura responder à questão reconhecidamente difícil do regime fiscal de despesas que se encontram na zona de intersecção da esfera pessoal e da esfera empresarial, de modo a evitar remunerações em espécie mais atraentes por razões exclusivamente fiscais ou a distribuição oculta de lucros. Apresenta a norma uma característica semelhante à que vamos encontrar na sanção legal contra custos não documentados, com uma subida de taxa quando a situação do sujeito passivo não corresponde a uma situação de normalidade fiscal.” (SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, 3.ª Ed., Coimbra Editora, 2007, p. 406). “Trata-se de uma tributação que se explica pela necessidade de prevenir e evitar que, através dessas despesas, as empresa procedam à distribuição camuflada de lucros, sobretudo de dividendos que, assim, ficariam sujeitos ao IRC enquanto lucros da sociedade, bem como combater a fraude e evasão fiscais que tais despesas ocasionam…”(CASALTA NABAIS, Idem, p. 614).

Atentos ao teor do artigo 88.º do Código do IRC, podemos concluir que se trata de uma norma anti-abuso de natureza inilidível. Com efeito, dos preceitos legais não resulta que ao contribuinte seja admitida a prova da integral empresarialidade das despesas ou de uma prática que não teve como principal objectivo a obtenção de uma vantagem fiscal. São normas que funcionam sem qualquer intervenção administrativa em que a lei, de forma clara e imperativa, estabelece os efeitos de determinados factos ou actos praticados pelo sujeito passivo.[7]

 

  1. Da dedutibilidade em sede de IRC das tributações autónomas

Definida a natureza das tributações autónomas, compete verificar se, atentos às regras de determinação do lucro tributável previstas no Código do IRC, as tributações autónomas são um encargo dedutível.

 

a)      Os gastos dedutíveis no Código do IRC

Nos termos do n.º 1 do artigo 17.º do CIRC, o lucro tributável corresponde à soma algébrica do resultado liquido do período, com as variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos, nos termos do Código (artigo 17.º do Código do IRC).

Na definição das regras de apuramento do lucro tributável, o legislador foi especialmente cauteloso com a definição dos gastos que podem ser deduzidos fiscalmente.

Desde logo, o artigo 23.º (na redacção em vigor à data) apenas aceita como gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

Ou seja, in casu, as tributações autónomas só podem ser deduzidas, se os respectivos gastos fiscais também forem dedutíveis. De outro modo, estamos perante um gasto que não é indispensável para a obtenção dos proveitos.

Mais, no artigo 45.º sistematiza-se um conjunto de limitações de origens e razões divergentes – seja pela própria configuração do imposto ou pela verificação de práticas frequentes ou abusivas que distorcem os resultados e que, deste modo, se pretendem evitar.

Desde logo, estabelece a al. a) do n.º 1 do artigo 45.º que não é dedutível o IRC e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros. Ou seja, o IRC não é dedutível o que parece lógico: o imposto a pagar não deve ser deduzido ao mesmo imposto.

A questão será saber se constituirão as tributações autónomas um imposto que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros. Face ao supra exposto sobre a natureza das tributações autónomas, a resposta é negativa.

Assim, podemos afirmar que numa interpretação literal da al. a) do n.º 1 do artigo 45.º, não há qualquer impedimento a que as tributações autónomas sejam dedutíveis ao lucro tributável.

A lei não se restringe, contudo, apenas à letra da lei. 

É isso mesmo o que se afirma no artigo 11º nº 1 da Lei Geral Tributária: “Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”.         

Para tal, devemos recorrer a outros elementos disponíveis de interpretação jurídica, como sejam os elementos extraliterais: o histórico, o sistemático e o teleológico, para os quais aponta o art. 9º do Código Civil.

Em termos sistemáticos, as regras constitucionais e o próprio princípio do rendimento acréscimo parecem exigir que a tributação autónoma deva ser tributada, sob pena de violação do princípio de tributação do rendimento real. Com efeito, a não dedutibilidade de um gasto efectivo do sujeito passivo deve estar devidamente sustentada por objectivos fiscais fundamentais que legitimem uma derrogação ao princípio de tributação do rendimento real.

Para aferir tais objectivos, é necessário atender aos fins que sustentaram a criação do regime de tributações autónomas.

Lembramos, assim, o argumento apresentado pela Recorrida: “visando a tributação autónoma reduzir a vantagem fiscal alcançada com a dedução ao lucro tributável dos custos sobre os quais incide e ainda combater a evasão fiscal que este tipo de despesas, pela sua natureza, potencia, não poderá ela mesma, através da dedução ao lucro tributável a título de custo do exercício, constituir factor de redução dessa diminuição de vantagem pretendida e determinada pelo legislador.”

Salvo melhor opinião, a dedução ao lucro tributável não põe em causa os objectivos e fins das tributações autónomas e constitui, no caso concreto o garante do respeito pelo princípio da capacidade contributiva. Vejamos.

A título prévio, há que atender a que, pela sua natureza intrínseca, qualquer dedução de imposto ao lucro tributável, reduz a carga fiscal a suportar pelo contribuinte. A dedução dos impostos sobre o património ou do imposto do selo reduz a taxa efectiva de imposto do sujeito passivo. Tal não constitui qualquer menorização ou violação dos objectivos e fins do imposto deduzido mas apenas a operacionalização da dedução dos gastos suportados para apuramento do lucro tributável.

Assumindo esta premissa, é inegável que a dedução das tributações autónomas reduz a tributação efectiva da empresa mas porá em causa os fins de combate à evasão fiscal e vantagem fiscal indevida de terceiros? Não o cremos e, diga-se, a Requerida também não o alega.

Em primeiro lugar, a dedução das tributações autónomas não anula a carga tributária suportada pelo contribuinte: o imposto devido a título de tributações autónomas será sempre claramente superior à eventual redução de IRC obtida com a sua dedução.

Em segundo lugar, no caso concreto, não ficou demonstrado que a eventual dedução ponha em causa os fins de combate à evasão fiscal e antiabuso da norma. Como vimos, as inúmeras alterações ao regime permitem concluir que as tributações autónomas não visam apenas combater a evasão fiscal mas configuram um mecanismo de substituição tributária ou até recolher mais receitas fiscais.

 Este último objectivo não é, naturalmente, motivo legítimo para fundamentar a derrogação do princípio de tributação do rendimento real.

Em terceiro lugar, constituindo as tributações autónomas um regime excepcional no enquadramento constitucional de tributação do rendimento, devem ser objecto de uma interpretação restritiva e enquadrar-se no conjunto das normas fiscais previstas na nossa ordem jurídica, nomeadamente quanto ao apuramento do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC que exercem a título principal uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.

Por último, a desconsideração fiscal, na sede do sujeito passivo de IRC, de um encargo fiscal que visou, essencialmente, penalizar os eventuais benefícios obtidos por terceiros, constituiria uma clara violação dos princípios da justiça e proporcionalidade.

Assim, devem as despesas com tributações autónomas relativas a encargos dedutíveis em sede de IRC ser deduzidas ao lucro tributável, nos termos do artigo 17.º e 23.º do Código do IRC, nomeadamente os encargos com viaturas, despesas de representação, ajudas de custos e compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador.

Quanto ao pedido de juros indemnizatórios, sendo claro o reconhecimento da ilegalidade do ato tributário, esta (ilegalidade) é, naturalmente, imputável à Administração Tributária após o indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada.

 

Tem assim a requerente direito ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43º-1, da LGT e 61º, do CPPT, na parte correspondente ao acto tributário declarado ilegal.

 

***

III. DECISÃO:

A matéria de facto é a que esta transcrita supra.

 

O tribunal é competente e as partes são legítimas.

 

Em face do exposto, decide-se:

 

- Não julgar procedente a excepção de intempestividade do pedido;

 

- Julgar parcialmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade parcial e consequente anulação parcial do ato de autoliquidação relativo ao ano de 2010, na medida correspondente à não relevação das despesas com tributações autónomas relativas a encargos dedutíveis em sede de IRC, a que corresponde o valor de € 22.707,88 de IRC e Derrama Municipal indevidos.

 

- Condenar a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios, contados a partir do dia 30 de Setembro de 2013, data do indeferimento tácito da reclamação graciosa.

 

Fixa-se ao processo o valor de € 29.458,56 (valor indicado e não contestado), e o valor da correspondente taxa de arbitragem em € 1.530,00, nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira e da Requerente, na proporção do decaimento.

 

Notifique.

 

Lisboa, 9 de Fevereiro de 2015

 

 

(Amândio Silva)

 

 



[1] JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e Processo Tributário, Vol. 1, 2006, p. 782.

[2] Por força da renumeração do Código, este artigo passou a artigo 91.º, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 31 de Julho e artigo 88.º com a reforma do Código do IRC, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho.

[3] Acrescentaríamos ainda que o artigo 88.º viria ainda a ser alterado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro e pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro.

[4] CASALTA NABAIS, “Investir e Tributar: uma relação simbiótica? In Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Alberto Xavier, Vol. I, Almedina, 2013, p. 761.

[5] Acórdão do CAAD, de 27 de Junho de 2014, Proc. n.º 59/2014.

[6] Neste sentido, decidiu o douto Acórdão do CAAD, de 24 de Fevereiro de 2014, Proc. n.º 209/2013-T.

[7] Em sentido idêntico operam as regras de limitação dos gastos com a transmissão onerosa de partes de capital previstas nos n.ºs 3 a 5 do artigo 23.º do Código do IRC (na versão anterior à Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro).