Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 303/2022-T
Data da decisão: 2022-12-05  IRC  
Valor do pedido: € 230.324,36
Tema: IRC - Sociedade estrangeira - direção efetiva /estabelecimento estável em Portugal.
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SUMÁRIO:

- Só pode ser considerada como tendo sede efetiva em Portugal uma sociedade de direito estrangeiro com sede estatutária noutro país relativamente à qual sejam provados factos demonstrativos de estar situado no nosso país o seu central management and control.

 

- O preenchimento do conceito de estabelecimento estável em Portugal implica (i) a prova do exercício de uma atividade comercial, industrial ou agrícola; (ii) a prova da existência, no nosso país, de uma instalação fixa a partir da qual seja exercida de uma atividade dessa natureza.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

A..., LLC, sociedade de direito americano, NIPC..., com domicílio fiscal em Portugal na ..., n.º ..., ..., em ..., veio, nos termos legais, requerer a constituição de tribunal arbitral, sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

I - RELATÓRIO

 

  1. O pedido

A Requerente peticiona a anulação total da liquidação de IRC n.º 2021..., referente ao exercício de 2018, e a anulação parcial da liquidação de IRC n.º 2021..., referente ao exercício de 2019, a qual deve ser substituída por outra que tenha em consideração apenas 50% da mais-valia obtida.

 

 

B) O litígio

 

A Requerente insurge-se quanto ao seu enquadramento, feito pela Requerida, como não residente sem estabelecimento estável, do qual decorreu a tributação das mais valias-imobiliárias por si obtidas, na sua totalidade, por aplicação da taxa prevista no artigo 87º, n.º 4, do CIRC.

 

Sustenta, em suma, que:

 

- deve ser qualificada como residente fiscal em Portugal, ao abrigo do disposto no art. 4º, n.º 1, do CIRC, por, não obstante a sua sede estatutária ser nos Estados Unidos, a sua sede efetiva sempre ter estado localizada em Portugal. Pelo que entende que os ganhos em causa (mais valias-imobiliárias) devem ser tributados segundo as regras do CIRC aplicáveis a residentes;

 

- caso não seja qualificada como residente, deveria ser considerada como tendo   estabelecimento estável em Portugal, ao qual tais ganhos deveriam ser imputados, o que conduziria, igualmente, à tributação em IRC segundo as regras aplicáveis aos residentes;

 

- a aplicação de regras distintas de tributação às entidades não residentes constitui violação do princípio da livre circulação de capitais e do princípio da igualdade;

 

- por ter aplicado parte do produto da venda dos imóveis em causa na aquisição de capital social da sociedade comercial B... Lda, considera beneficiar do disposto no artigo 48º do CIRC (exclusão de tributação das mais-valias em caso de reinvestimento);

 

- face ao disposto no artigo 43º, n.º 2, al. b), do CIRS, o valor correspondente aos rendimentos qualificados como mais-valia deveria ter sido considerado, relativamente a 2029, em 50%;

 

- uma vez que a AT lhe exigiu o pagamento da derrama municipal, no montante de 2.301,80€, tal é demonstrativo de que foi considerada como entidade residente, ou não residente com estabelecimento estável, pois que este imposto só é devido por entidades com tais enquadramentos fiscais.

 

Na sua resposta a AT sustenta a legalidade das liquidações em causa, com argumentos que, oportunamente, se analisarão.

 

C) Tramitação processual

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 04/05/2022.

Os árbitros que constituem este Tribunal foram designados, nos termos legais, pelo CAAD, aceitaram tempestivamente as nomeações, as quais não foram objeto de impugnação.

O tribunal arbitral ficou constituído em 12/07/2022.

A Requerida apresentou resposta e juntou o PA. Por despacho arbitral de 09/11/2022 foi decidido dispensar, por falta de objeto, a reunião a que se refere o art. 18º do RJAT e prescindir da produção de alegações. Nenhuma das partes se opôs a tal despacho.

 

II - SANEAMENTO

 

O processo mão enferma de nulidades ou irregularidades.

Não foram alegadas exceções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

III – PROVA

 

  1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. As liquidações em causa decorreram de atos inspetivos promovidos pela Requerida;

 

  1. A Requerente, em 02-07-2007, adquiriu um imóvel sito em Sintra, melhor identificado no RIT, pelo valor de 600.000,00€, o qual alienou, em 09-11-2018, pelo valor de 1.200.000,00€;

 

  1. A Requerente adquiriu, em 27-06-2008, um imóvel em Lisboa, melhor identificado no RIT, pelo valor de 320.000,00€, o qual alienou em 10-09-2019 pelo valor de 850.000,00€;

 

  1. Segundo os estatutos da Requerente, são seus Diretores C... e D...;

 

  1. Os quais, em 10 de agosto de 2007, residiam há dois meses em Portugal;

 

  1. C... outorgou, em nome da Requerente e na qualidade de procurador, as escrituras relativas às aquisições e vendas de imóveis referidas em b) e c);

 

  1. A Requerente figura no cadastro da AT como entidade não residente sem estabelecimento estável, com sede nos Estados Unidos da América, no estado do Wyoming, sendo seu representante fiscal em Portugal C...;

 

  1. Relativamente a 2018 e a 2019, a Requerente apresentou as declarações de rendimentos (Modelo 22) nas quais indicou ser não residente com estabelecimento estável, o mesmo fazendo constar das declarações anuais de Informação Contabilística e Fiscal (IES);

 

  1. Em resposta às solicitações da AT para comprovar a existência de um estabelecimento estável em Portugal, a Requerente remeteu o documento a que se refere o ponto seguinte;

 

  1. Em 23/02/2018, a Requerente solicitou junto do Registo Nacional de Pessoal Coletivas a sua inscrição como “Entidade Equiparada Estrangeira”;

 

  1. A Requerente reinvestiu parte do valor realizado com as vendas de imóveis referidas em b) e c) na aquisição do capital social da sociedade comercial B..., Lda;

 

  • A Requerente pagou, a título de derrama municipal, a quantia de quantia de 2.563,13 euros;

 

  1. A Requerente nunca exerceu qualquer atividade nem possui bens no país onde se localiza a sua sede estatutária.

 

 

O dado como provado em e) corresponde ao teor dos “atestados de residência” juntos ao requerimento inicial.

O dado como provado em k) considera-se aceite por consenso, dada a posição assumida pela Requerida nos nºs 129º e ss da sua resposta.

O dado como provado em m) resulta de declaração notarial do organizer da Requerente, que o tribunal entendeu não ter razão para duvidar da sua correspondência à verdade.

A prova dos demais factos resulta da documentação junta aos autos e do constante do RIT.

 

 

  1. Factos não provados,

 

Relativamente à factualidade alegada pela Requerente com interesse para a decisão da causa, não foi produzida qualquer prova de que, nos anos a que respeitam as liquidações impugnadas (2018 e 2019), esta tenha exercido em Portugal uma qualquer atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola (incluindo prestações de serviços) ou que possuísse instalação fixa para desenvolver tal tipo de atividades.

Os documentos juntos pela Requerente com os nº 7 a 12 reportam-se a factos ocorridos anteriormente a 2018 e 2019.

Nas notas demonstrativas da liquidação de IRC relativas aos exercícios de 2018 e 2019 não consta a obtenção de quaisquer outros rendimentos para além dos resultantes das alienações de imóveis referida em b) e c) dos factos provados, ao que a Requerente nada objetou.

Não foi produzida qualquer prova relativamente à afirmação de que Portugal tenha sido o “local onde sempre foram tomadas, na sua substância, as decisões chave [da Requerente], tanto a nível de gestão, como a nível comercial, necessárias ao exercício das atividades da entidade na sua globalidade” (nº 11 do requerimento inicial).

 

IV – O DIREITO

 

  1. A direção efetiva da Requerente

 

A Requerente sustenta ter a sua direção efetiva em Portugal, razão pela qual entende que deveria ser tributada, em IRC, na qualidade de residente.

Para o fundamentar, começa por alegar serem residentes em Portugal os seus sócios/ diretores. Na realidade, como consta de e) dos factos provados, a Requerente apenas fez prova da residência de tais pessoas em Portugal em 2007 e apenas durante um período de dois meses.

Não obstante – até por tal questão resultar irrelevante –, iremos assumir a residência em Portugal de tais pessoas em 2018 e 2019, uma vez que tal alegação, por não ter sido objeto de impugnação, se poderia, eventualmente, considerar como provada por consenso.

A argumentação da Requerente assenta como que num silogismo: se os seus sócios/ administradores residem em Portugal a sua direção efetiva tem, necessariamente, que se ter por localizada no nosso país.

Ora esta identificação entre sede efetiva da sociedade e residência dos administradores ou dos sócios não é perfilhada pela doutrina emanada da OCDE, a qual é subscrita pela melhor doutrina nacional.

 

Transcrevemos, no relevante, os Comentários ao art. 4º do MOCDE[1]:

24. As a result of these considerations, the “place of effective management” has been adopted as the preference criterion for persons other than individuals. The place of effective management is the place where key management and commercial that are necessary for the conduct of the entity’s business as a whole are in substance made. All relevant facts and circumstances must be examined to determine the place of effective management (...)

Competent authorities having to apply such a provision to determine the residence of a legal person for purposes of the Convention would be expected to take account of various factors, such as where the meetings of its board of directors or equivalent body are usually held, where the chief executive officer and other senior executives usually carry on their activities, where the senior day-to-day management of the person is carried on, where the person’s headquarters are located, which country’s laws govern the legal status of the person, where its accounting records are kept, whether determining that the legal person is a resident of one of the Contracting States but not of the other for the purpose of the Convention would carry the risk of an improper use of the provisions of the Convention etc.

 

A residência dos sócios/ administradores apenas pode funcionar como um desses indícios, a par de outros, mas nunca será suficiente, só por si, para permitir determinar o local onde se situa a sede efetiva de uma empresa[2].

 

Segundo Gustavo Courinha, na obra que é referência maior na doutrina nacional sobre o tema[3], em Portugal adota-se o teste do central management e control como aferidor da localização da sede efetiva, em consonância com o preconizado pelos citados comentários ao MOCDE.

 

Ora, a Requerente não alegou, nem ficou provada, qualquer factualidade, nomeadamente a enunciada no texto da OCDE que acabámos de referir, capaz de permitir concluir que, diferentemente do que acontecerá na normalidade dos casos, a sua sede efetiva não corresponde ao local da sua sede estatutária (nem sequer explicou a razão de ser desta pretensa divergência).

Em resumo, cabia à Requerente alegar e provar factos que permitissem concluir que é em Portugal que são tomadas “as decisões–chave necessárias à condução das atividades da entidade, na sua globalidade”.

Exige-se uma prova direta, não bastando uma mera inferência pela negativa, sendo que a inexistência de atividade/ estruturas no país da sede estatutária não permite concluir, sem mais, que a sede efetiva se situe noutro país e, muito menos, em Portugal.

 

Pelo que, independentemente da questão da residência dos seus diretores em Portugal nos anos em causa no presente processo, a pretensão da Requerente de ser considerada efetivamente sedeada em Portugal e, por tal, residente fiscal no nosso país, tem, necessariamente, que improceder por evidente falta de alegação da factualidade necessária a permitir uma tal conclusão.

 

  1. Estabelecimento estável em Portugal

 

Ficou provado que, apesar de no cadastro da AT a Requerente figurar no cadastro da AT como entidade não residente, esta, nas suas declarações de rendimentos relativas aos exercícios em causa, declarou ser uma entidade residente com estabelecimento estável em Portugal.

Porém, como melhor se deixou referido acima, não foi feita prova, quer no procedimento administrativo em resposta às instâncias da AT, quer no presente processo, que tais declarações tivessem correspondência à realidade.

Tendo a AT posto em causa a veracidade das declarações do sujeito passivo, de forma fundamentada, nomeadamente ao alegar a inexistência de quaisquer rendimentos provenientes de uma atividade comercial, industrial ou agrícola e de uma instalação fixa a partir da qual fosse possível a realização de uma atividade dessa natureza no nosso país, competia à Requerente a alegação e prova de factualidade que permitisse ao tribunal concluir pela existência de um estabelecimento estável em Portugal, o que não fez.

A propriedade de dois imóveis situados no nosso país não pode, só por si, ser entendida como originando a existência de um estabelecimento estável, pois para tal seria necessário provar que os mesmos constituíam a “base física” para o exercício de uma atividade empresarial, o que nem sequer foi alegado.

Da obtenção de mais-valias imobiliárias no nosso país não resulta, também, a existência de uma atividade empresarial, pois tais rendimentos, nas circunstâncias em que terão sido obtidos, têm a natureza substancial de windfall gains, rendimentos resultantes da valorização de prédios decorrente de circunstâncias externas (crescimento urbanístico, fenómenos de especulação imobiliária, etc.), ou seja são rendimentos que surgem independentemente de uma atividade empresarial dirigida à sua obtenção.

 

O facto de os diretores da Requerente terem residência em Portugal (o que não ficou provado relativamente aos exercícios em causa) e um deles ter outorgado, em representação da sociedade, os contratos (escrituras) de aquisição e alienação dos prédios em causa também não permitiria configurar a existência de um estabelecimento estável por aplicação do disposto no nº 6 do art. 5.º do CIRC, porquanto: (I) tal norma refere-se a representante com poderes de vincular a empresa (mandatário da sociedade) e não a titulares dos seus órgãos sociais; (ii) subjacente a tal norma estar a prática de atos ou negócios jurídicos integráveis no exercício de uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, tal como resulta do nº 1 de tal artigo, o que, como já demonstrado, não é o caso das aquisições e alienações de imóveis a que procedeu a Requerente.

Ou seja, a factualidade alegada e provada não permite concluir que estejamos perante aquilo que a doutrina designa como estabelecimento estável/agência[4] .

Assim sendo, também por manifesta falta de alegação e prova de factualidade que permita diferente conclusão, não se pode considerar que a requerente tenha tido, nos exercícios em causa, um estabelecimento estável em Portugal e que, por tal razão, devesse ser tributada na condição de residente fiscal no nosso país.

 

  1. Reinvestimento

 

Não podendo a Requerente ser havida, relativamente aos exercícios em causa, como residente em Portugal ou não residente com estabelecimento estável, fica liminarmente excluída a aplicação do disposto no artigo 48º do CIRC, norma de que beneficia apenas os sujeitos passivos cujo rendimento (lucro empresarial) está sujeito, na sua globalidade e universalidade, a tributação no nosso país[5].

 

  1. Violação do princípio da igualdade e da livre circulação de capitais

Não se aceita a afirmação de que a aplicação de regras distintas de tributação às entidades residentes e às não residentes constitui violação dos princípios da igualdade e da livre circulação de capitais.

Em Direito Fiscal, o princípio da igualdade não significa que todos devam ser tributados por aplicação das mesmas regras, mas sim que, como é uso dizer, “se trate igualmente o que é igual e diferentemente o que é diferente”. Ora a situação fiscal dos residentes e não residentes é manifestamente diferente: os primeiros estão sujeitos, no país onde residem, a uma tributação que, em princípio, incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, independentemente do lugar onde foram obtidos (worldwide income); os segundos apenas são tributados em Portugal com base num critério estrito de territorialidade, ou seja, o imposto (no caso, o IRC) apenas incide sobre os rendimentos com fonte em Portugal.

Assim se compreende que, até por razões evidentes de praticabilidade, a tributação dos não residentes sem estabelecimento aconteça em regra por retenção na fonte, sendo a exceção mais relevante precisamente a das mais-valias imobiliárias.

 

A violação do princípio da livre circulação de capitais (que a jurisprudência do TJUE considera aplicável relativamente a países terceiros) não pode ser entendida como consequência necessária da diferenciação fiscal entre residentes e não residentes. A invocação de tal princípio implicaria a alegação de factos de onde se possa concluir pela existência de uma discriminação injustificada, o que não foi feito no presente caso.

 

Não se pode aceitar, também, o entendimento da Requerente de que as mais-valias imobiliárias que obteve só deveriam ser consideradas em 50%. Em IRC este tipo de rendimentos é considerado na sua totalidade, quer estejam em causa residentes ou não residentes.

A jurisprudência citada pela requerente, nomeadamente o ac. do STA de 09-12-2020, proc. n.º 075/20, refere-se a normas do CIRS que, relativamente a pessoas físicas residentes, mandam considerar, no cálculo da matéria coletável deste imposto, apenas 50% do ganho obtido e, relativamente às pessoas físicas não residentes, a sua totalidade.

Tal nada tem a ver com a situação da Requerente pois que esta, independentemente de dever ser havida como residente ou não residente, enquanto pessoa jurídica, está sujeita a IRC e não a IRS.

A remissão para as normas do CIRS operada pelo art. 3º, nº 1, al. d), do CIRC[6] cinge-se à delimitação da matéria coletável: as sociedades não residentes sem estabelecimento estável apenas são sujeitas a imposto, no nosso país, pelos rendimentos que o CIRS considera tributáveis e não pelo seu rendimento global (lucro), como sucede relativamente à generalidade dos sujeitos passivos de IRC. Tal remissão é apenas para as regras de incidência, strito sensu, do IRS e não, também, para as regras deste código relativas à quantificação da matéria coletável de cada uma das categorias.

 

  1. Derrama Municipal

A questão do pagamento pela Requerente da quantia de 2.563,13 euros a título de derrama municipal, encontra-se devidamente esclarecida, quer no RIT, quer na resposta da Requerida.

Tendo a Requerente, nas suas declarações de rendimentos (Mod. 22), feito constar que era uma entidade residente com estabelecimento estável estaria sujeita a tal tributo, pelo que, não tendo sido feita a respetiva autoliquidação, a AT procedeu à correspondente liquidação oficiosa. Porém, tendo-se constatado posteriormente, em sede de ação inspetiva, que tais declarações não correspondiam à verdade, esse montante terá sido considerado, aquando na emissão das liquidações adicionais de IRC e correspondentes “acertos de contas”, a crédito do sujeito passivo.

A Requerente não põe em causa tal acerto de contas, antes se limitando a firmar que a exigência do pagamento da derrama municipal correspondeu à aceitação pela Requerida da invocada qualidade de entidade não residente com estabelecimento estável.

Ora, a realidade no nosso sistema fiscal é a de que as declarações dos sujeitos passivos gozam de presunção de verdade. Tendo a Requerente declarado ser um não residente com estabelecimento estável e não tendo autoliquidado a derrama municipal, incumbia à AT proceder oficiosamente a liquidação de tal tributo.

Quando em momento posterior em sede de ação inspetiva a Requerida constatou que tal declaração não correspondia à realidade e que a Requerente deveria ser tributada por aplicação das regras de IRC relativas aos não residentes sem estabelecimento estável, competia-lhe anular oficiosamente a liquidação da derrama e proceder à compensação de tal crédito na dívida de IRC oficiosamente apurada, o que terá feito. Nada há, pois, a reprovar à atuação da Requerida.

O erro da Requerente é pretender que a aceitação, num momento inicial, das suas declarações (o processamento de liquidações de imposto com base no que nelas é declarado) corresponde ao reconhecimento (definitivo?) da verdade delas constante. Tal não é, porém, a realidade do nosso sistema fiscal: a presunção de verdade das declarações dos contribuintes pode ser ilidida pela AT em momento posterior, dentro do prazo de caducidade do direito à liquidação, tal qual sucedeu no presente caso.

 

VI - DECISÃO ARBITRAL

 

Termos em que se conclui pela total improcedência do peticionado.

 

Valor: € 230.324,36

 

Custas arbitrais, no valor de € 4.284,00, a cargo da Requerente dado o seu total decaimento.

 

5 de dezembro de 2022

 

Os árbitros

 

Rui Duarte Morais (relator)

 

David de Oliveira Silva Nunes Fernandes


Paulo Jorge Nogueira da Costa

 



[1] OCDE, Model Tax Convention on Income and on Capital, 2014.

[2] Francisco Sousa da Câmara, “A dupla residência das sociedades à luz das Convenções de Dupla Tributação”, Planeamento e Concorrência Fiscal Internacional, 2003.

[3] A Residência no Direito Fiscal Internacional, 2015, pág. 111 ss.

[4] Sobre este conceito, João Sérgio Ribeiro, «Notas ao conceito de estabelecimento estável na Convenção Modelo da OCDE, Scientia Ivridica, Braga, nº 305, (2006), pág. 75 ss.

[5] O disposto em tal norma sempre resultaria inaplicável porquanto o reinvestimento que a Requerente alega ter efetuado (aquisição de participações sociais) consubstancia um investimento financeiro, ou seja, não constitui um reinvestimento concretizado na aquisição, produção ou construção de ativos fixos tangíveis, de ativos intangíveis ou, de ativos biológicos não consumíveis, como exige o art. 48º do CIRC.

[6] Art. 3º CIRC:

1 — O IRC incide sobre:

[d)] Os rendimentos das diversas categorias, consideradas para efeitos de IRS e, bem assim, os incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito por entidades mencionadas na alínea c) do n.º 1 do artigo anterior que não possuam estabelecimento estável ou que, possuindo-o, não lhe sejam imputáveis.