Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 304/2014-T
Data da decisão: 2014-11-24  Selo  
Valor do pedido: € 118.693,90
Tema: IS – Verba 28.1 TGIS
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 DECISÃO ARBITRAL

 

 

Processo n.º 304/2014-T

 

Requerente: A... -Sociedade Imobiliária, S.A.

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira

Imposto do Selo (“IS”)

 

Os árbitros, Desembargador Manuel Malheiros (árbitro presidente), Dr. Henrique Nogueira Nunes e Dra. Maria Antónia Torres (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Colectivo, constituído em 12 de Junho de 2014, acordam no seguinte:

 

 

       1.    RELATÓRIO

 

1.1. A... - Sociedade Imobiliária, S.A., contribuinte fiscal n.º …, doravante denominada “Requerente”, com sede na Rua …, Lisboa, requereu a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e artigo 10.º, ambos do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (adiante RJAT[1]).

 

1.2. O pedido de pronúncia arbitral tem por objecto a declaração de ilegalidade, e consequente anulação, dos actos tributários de liquidação de IS, no valor total de €118.693,90€, relativos ao ano de 2012, com termo de pagamento em Dezembro de 2013, todos da autoria do Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante a Requerida ou AT) e constantes das notas de liquidação juntas pela Requerente na sua petição inicial, e que aqui se dão por articuladas e reproduzidas, para todos os efeitos legais, as quais respeitam a cinco prédios urbanos propriedade da Requerente, e que não se encontravam em regime de propriedade horizontal, todos sitos em Lisboa, a saber:

(i) Av. …, inscrito na matriz, à data das liquidações, sob o artº …, da freguesia de ... -  notas de liquidação …;

(ii) Av. …, nº …, inscrito na matriz, à data das liquidações, sob o artº …da freguesia de … - notas de liquidação …;

(iii) Av. …nº 5, inscrito na matriz, à data das liquidações, sob o artº … da freguesia …- notas de liquidação …;

(iv) Rua …, inscrito na matriz, à data das liquidações, sob o artº … da freguesia de …- notas de liquidação …;

(v) Rua …, …inscrito na matriz, à data das liquidações, sob o artº … da freguesia de ... - notas de liquidação …;

Mais requere a Requerente a  condenação da Requerida à restituição das quantias indevidamente pagas.

Requere finalmente a Requerente “que seja expressamente declarada a existência de erro dos serviços e reconhecido à impugnante direito a juros indemnizatórios sobre todas as quantias impugnadas que a reclamante venha, eventualmente, a pagar até ao termo do pleito”  

1.3. A fundamentar o seu pedido alega a Requerente que as liquidações de Imposto de Selo objecto da sua petição inicial são ilegais por violação da norma de incidência da verba 28 da TGIS. Considera a Requerente que, estando os prédios, como estão a essa data, divididos em propriedade vertical, não pode a AT, como fez, somar os valores patrimoniais dos andares e divisões susceptíveis de utilização independente, sendo que nenhum desses andares ou divisões, por si só, tem um VPT igual ou superior a 1 000 000,00 de euros. E que a norma de incidência, na interpretação levada à prática pela AT, é inconstitucional por violação do princípio da igualdade. Alega, ainda, a Requerente a violação do dever de fundamentação e audiência prévia relativamente às liquidações ora postas em crise.

 

1.4. A AT defende que o pedido de declaração de ilegalidade, e consequente anulação das liquidações controvertidas, deveria ser julgado improcedente, dado que propugna no sentido de que muito embora a liquidação de IS, nas condições previstas na verba 28 da TGIS, se processe de acordo com as regras do CIMI, a verdade é que o legislador ressalva os aspectos que careçam das devidas adaptações.

Entende a AT que tal é o caso dos prédios em propriedade total, ainda que com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, pois muito embora o IMI seja liquidado relativamente a cada parte susceptível de utilização independente, para efeitos de IS releva o prédio na sua totalidade, pois as divisões susceptíveis de utilização independente não são havidas como prédio, mas apenas como fracções autónomas no regime de propriedade horizontal, conforme artigo 2º-4 do CIMI.

Propugnando assim pela legalidade dos actos tributários porque configuram uma correcta aplicação da lei aos factos.

 

1.5. Foi acordada pelas partes a dispensa de alegações e da reunião do tribunal arbitral prevista no artigo 18º do RJAT.

 

 

       2.    SANEAMENTO

      

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, em conformidade com o artigo 2.º do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março). 

 

Não foram identificadas nulidades no processo.

Foi identificada uma questão prévia a decidir pelo Tribunal, relativa à cumulação de pedidos.

 

       3.    MATÉRIA DE FACTO

 

Com relevância para a decisão de mérito, o Tribunal considera  provada a seguinte factualidade:

 

1) A Requerente era proprietária, à data de 31/12/2012, dos prédio urbanos objecto das liquidações em causa nos autos, todos em regime de “propriedade total” (i.e., não sujeitos ao regime de propriedade horizontal) e todos com Valor Patrimonial Tributário (VPT) determinado de acordo com o Código do IMI e a que foi atribuído um VPT global superior a 1.000.000,00€, correspondente à soma dos VPT parciais de cada “andar ou divisão com utilização independente”, a seguir melhor identificados:

(i) Prédio sito na Av. …, inscrito na matriz, à data das liquidações, sob o artº ... da freguesia de ... - (cfr. Documento n.º 77, junto pela Requerente com a sua petição inicial).

ii) Prédio sito na Av. ..., nº 8 a 8-A, inscrito na matriz, à data das liquidações, sob o artº ... da freguesia de ... (ex-artº … da extinta freguesia de …, embora na caderneta predial anexa surja, por lapso material, a menção ao artº … da extinta freguesia de S. ...)  - (cfr. Documento n.º 78, junto pela Requerente com a sua petição inicial).

(iii) Prédio sito na Av. ... nº 5, inscrito na matriz, à data das liquidações, sob o artº ... da freguesia de ... (ex-artº … da extinta freguesia de …, embora na caderneta predial anexa surja, por lapso material, a menção ao artº …da extinta freguesia de S. ...) - (cfr. Documento n.º 79, junto pela Requerente com a sua petição inicial).

(iv) Prédio sito na …, inscrito na matriz, à data das liquidações, sob o artº ... da freguesia de ... (ex-artº ... da extinta freguesia de S. ..., embora na caderneta predial anexa surja, por lapso material, a menção aos arts. ... da extinta freguesia de S. ... e ... da extinta freguesia de S. ...) - (cfr. Documento n.º 80, junto pela Requerente com a sua petição inicial).

(v) Prédio sito na Rua ..., , inscrito na matriz, à data das liquidações, sob o artº ... da freguesia de ... (ex-artº ... da extinta freguesia de N. ..., embora na caderneta predial anexa surja, por lapso material, a menção ao artº 2113 da extinta freguesia do ...) - (cfr. Documento n.º 81, junto pela Requerente com a sua petição inicial).

 

2) Em conformidade com o teor das cadernetas prediais juntas pela Requerente, nenhum dos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, a que foi atribuído um VPT autónomo pela Requerida, e independentemente do seu destino - habitacional ou outro -, tem um VPT que exceda o valor de um milhão de Euros (cfr. Documento n.ºs 77 a 81, juntos pela Requerente com a sua petição inicial).

 

3) A Requerente foi notificada de um conjunto de liquidações de Imposto do Selo respeitantes a cinco imóveis em causa nos autos, no valor total de 118.693,90 €, que seguidamente se elencam:

(i) Av. das ..., nº 51 a 51-D, inscrito na matriz, à data das liquidações, sob o artº ... da freguesia de ... - notas de liquidação … – cfr. Docs. 1 a 26, juntos pela Requerente com a sua petição inicial;

(ii) Av. ..., nº 8 a 8-A, inscrito matriz, à data das liquidações, sob o artº ... da freguesia de ... - notas de liquidação …– cfr- Docs. 27 a 40, juntos pela Requerente com a sua petição inicial;

(iii) Av. ... nº 5, inscrito na  matriz, à data das liquidações, sob o artº ... da freguesia de ... - notas de liquidação …– cfr. Docs. 41 a 51, juntos pela Requerente com a sua petição inicial;

(iv) Rua ... ... nº, inscrito na matriz, à data das liquidações, sob o artº ... da freguesia de ... - notas de liquidação …– cfr. Docs. 52 a 62, juntos pela Requerente com a sua petição inicial;

(v) Rua ..., , inscrito na matriz, à data das liquidações, sob o artº ... da freguesia de ... - notas de liquidação …– cfr. Docs. 63 a 76, juntos pela Requerente com a sua petição inicial.

 

Factos não provados

Não se constataram factos essenciais, com relevo para a apreciação do mérito da causa, que não se tenham provado.

 

Fundamentação da Matéria de Facto

A convicção sobre os factos dados como provados fundou-se na extensa prova documental junta pela Requerente, cuja autenticidade e correspondência à realidade não foram questionadas pela Requerida.

 

4. “THEMA DECIDENDUM”

 

A questão essencial (i) a decidir nos autos é a de determinar, com referência a prédios não constituídos em regime de propriedade horizontal, integrados por diversos andares e divisões com utilização independente, das quais algumas com afectação habitacional, qual o Valor Patrimonial Tributário relevante, aferindo do critério de incidência do imposto correcto face à lei, de modo a determinar se este deve ser aferido pelo somatório do valor patrimonial tributário atribuído às diferentes partes ou andares (VPT global) ou, antes, se deve ser atribuído a cada uma das partes ou andares habitacionais.

 

Adicionalmente vem a Requerente (ii) invocar a inconstitucionalidade do regime transitório aprovado pelo artigo 6.º, n.º 1 da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro, por violação de um conjunto significativo de princípios constitucionais que expressamente invoca e a (iii) a violação do dever de fundamentação e audiência prévia relativamente às liquidações ora postas em crise.

 

Vem, igualmente, peticionar o pagamento de juros indemnizatórios.

 

5. QUESTÃO PRÉVIA – DA CUMULAÇÃO DE PEDIDOS

 

Antes de decidir sobre a questão principal, tem este Tribunal Arbitral uma questão prévia para julgar, relativa à cumulação de pedidos.

 

Peticiona a Requerente pelo pedido de declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo em causa nos autos em regime de cumulação, considerando, refere, que se trata de várias liquidações respeitantes ao mesmo imposto e prédios, pertencentes ao mesmo sujeito passivo, sendo que a procedência dos pedidos decorre da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

 

Assiste razão à Requerente, pois, considerada a identidade do facto tributário, do tribunal competente para a decisão e dos fundamentos de facto e de direito invocados, nada obsta, face ao disposto nos artigos 104.º do CPPT e 3.º do RJAT, de atender à pretendida cumulação de pedidos.

 

6. DO DIREITO

 

Conforme supra identificado, a primeira questão decidenda e central ao caso sub judice prende-se com a determinação de saber se o valor patrimonial relevante para efeitos de apuramento da aplicabilidade da Verba 28 da TGIS, quando esteja em causa um prédio não constituído em propriedade horizontal, é o de cada unidade autonomamente considerada ou o somatório do valor patrimonial tributário atribuído a cada uma dessas unidades.

 

A questão coloca-se em virtude da tributação em sede de imposto de selo da propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz seja igual ou superior a € 1 000 000, sendo o imposto devido, à taxa de 1% sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI, por prédio com afectação habitacional.

Por isso, importa determinar se, quando esteja em causa um prédio não constituído em propriedade horizontal, o conceito de “prédio com afectação habitacional” deve ser interpretado como correspondendo a cada unidade autonomamente considerada e incidir sobre o respectivo valor patrimonial ou se deve corresponder à totalidade das unidades autónomas, devendo consequentemente incidir sobre o somatório do valor patrimonial tributário atribuído a cada uma dessas unidades.

 

Não oferecendo o Código de IS, nem a respectiva Tabela Geral, nem a Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro (que aprovou a verba de TGIS em apreciação) uma definição legal de “prédio com afectação habitacional”, importa aferir da correcta interpretação desta expressão, presumindo-se que o legislador soube exprimir da forma mais adequada o seu pensamento (cf. artigo 9.º, n.º 3, parte final, do Código Civil), na sua integração sistemática com as normas constantes do Código do IMI e, bem assim, no espírito da lei.

 

A Verba 28 da TGIS em apreciação foi aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro com a seguinte redacção:

“28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 — sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 — Por prédio com afetação habitacional — 1 %;

28.2 — Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças — 7,5 %.”

(Itálico nosso)

 

A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro entrou em vigor no dia 30 de Outubro de 2012, em conformidade com o seu artigo 7.º, n.º 1  que determinou a sua entrada “em vigor no dia seguinte ao da sua publicação”.

 

Foram, ainda, determinadas pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro as seguintes regras transitórias por referência à liquidação do imposto do selo previsto na Verba n.º 28 da TGIS, com relevo para a presente decisão:

1. O facto tributário verifica -se no dia 31 de Outubro de 2012;

2.           O sujeito passivo do imposto é o mencionado no n.º 4 do artigo 2.º do Código do Imposto do Selo em 31 de outubro de 2012;

3.           O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do IMI por referência ao ano de 2011;

4.           A liquidação do imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira deve ser efectuada até ao final do mês de Novembro de 2012;

5. O imposto deverá ser pago, numa única prestação, pelos sujeitos passivos até ao dia 20 de Dezembro de 2012;

6. As taxas aplicáveis são as seguintes:

i) Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %;

ii) Prédios com afetação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %;

iii) Prédios urbanos quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças: 7,5 %.

7. A não entrega, total ou parcial, no prazo indicado, das quantias liquidadas a título de imposto do selo constitui infracção tributária, punida nos termos da lei.

 

Sucede, no entanto, que nem o Código de Imposto de Selo, nem a Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro concretizam o conceito de “prédio urbano com afectação habitacional”, pelo que em conformidade com o artigo 67.º do Código do Imposto do Selo, a interpretação deste conceito deve ser procurada no Código do IMI.

 

Com efeito, resulta do artigo 67.º do Código do Imposto de Selo que “Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI” - (Redacção dada pelo artigo 3.º da Lei n.º 55-A/2012 de 29 de Outubro.).

 

No Código do IMI, o conceito de prédio encontra-se definido no seu artigo 2.º, do qual resulta que “Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico (…), esclarecendo-se no n.º 4 desta disposição legal que “Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio”.

 

Da leitura isolada desta disposição legal podíamos ser levados, numa interpretação algo enviesada, a entender que em sede de IMI, as fracções autónomas, no regime de propriedade horizontal, teriam um tratamento distinto das partes de um prédio susceptíveis de utilização independente.

 

Sucede, porém, que uma análise mais atenta do regime permite concluir precisamente o contrário.

 

Como foi sublinhado pelo Provedor de Justiça ao Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, em ofício datado de 2 de Abril de 2013, “a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por partes susceptíveis de utilização independente, obedece às mesmas regras da inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o IMI respectivo, bem como o novo Imposto do Selo, liquidados individualmente em relação a cada uma das partes”.

(Itálico nosso)

 

Com efeito, o Código do IMI prevê que “a avaliação de cada uma das partes susceptíveis de utilização independente seja avaliada em separado e, mais ainda, que cada uma dessas partes seja inscrita de forma autonomizada nas matrizes prediais. Essa autonomização, embora integrada no mesmo número de inscrição matricial, abrange também o valor patrimonial tributário, prevendo a Lei que cada uma dessas partes tenha o seu próprio valor.” (PIRES, José Maria Fernandes Pires – Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 2012, pág. 88 e 89).

 

Dispõe neste sentido o artigo 12.º, nº 3 do Código do IMI, ao determinar que “cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial a qual discrimina igualmente o respectivo valor patrimonial tributário.”

 

De acordo com o artigo 119.º do Código do IMI “Os serviços da Direcção-Geral dos Impostos enviam a cada sujeito passivo, até ao fim do mês anterior ao do pagamento, o competente documento de cobrança, com discriminação dos prédios, suas partes susceptíveis de utilização independente, respectivo valor patrimonial tributário e da colecta imputada a cada município da localização dos prédios.”.

 

Em suma, para efeitos de tributação em sede de IMI, cada unidade independente, mesmo que integrando um mesmo prédio, é considerada separadamente, sendo-lhe atribuído um valor patrimonial próprio e sendo tributada autonomamente.

 

Assim, não se pode deixar de acompanhar o entendimento sufragado na Decisão Arbitral proferida no Processo n.º 50/2013, de acordo com a qual “se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, claramente estabeleceu o critério, que tem de ser único e inequívoco, para a definição da regra de incidência do novo imposto. Assim, só haveria lugar a incidência do novo imposto de selo se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a € 1.000.000,00.”.

(Itálico nosso)

 

Mas, mais, é este tratamento separado de cada unidade susceptível de utilização independente que permite que, na aplicação do coeficiente de afectação (cf. artigo 41.º do Código do IMI), se atenda aos diferentes fins de cada unidade, que compõem um único prédio.

 

Releva para este efeito, a utilização efectiva de cada uma das partes susceptíveis de utilização independente, independentemente de o prédio estar classificado para habitação, nos termos do artigo 6.º do Código do IMI e, independentemente de estar em causa uma fracção autónoma ou apenas uma unidade susceptível de utilização independente.

 

Aliás, de acordo com esta lógica do sistema, um prédio urbano classificado como habitacional pode ser composto por várias unidades independentes, em que uma ou mais pode ter uma afectação não habitacional, de acordo com o artigo 41.º do Código do IMI.

 

Assim se verificará, por exemplo, se num prédio em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, licenciado para habitação, uma das suas unidades independentes for usada para comércio ou serviços, o que até sucede com um dos prédios em causa nos autos.

 

Nesta hipótese, as unidades em questão não terão afectação habitacional.

 

Desta análise pode-se concluir que o conceito de “prédio com afectação habitacional”, utilizado na Verba 28 da TGIS, abrange cada uma das unidades autónomas, com utilização independente, dos prédios em propriedade total, com unidades susceptíveis de utilização independente, que tenham essa afectação.

 

 Em face do exposto, não se pode acompanhar o entendimento da Requerida, que redundaria, para além do mais numa violação do princípio da igualdade, da justiça fiscal e da capacidade contributiva, constitucionalmente consagrados.

 

Como referido na decisão proferida no processo 132/2013-T deste CAAD:

(…) nos trabalhos relativos à discussão da proposta de lei n.º 96/XII na Assembleia da República (…) justificou-se tal medida, apelidada de "taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor", com a necessidade de cumprir com os princípios da equidade social e da justiça fiscal, onerando mais significativamente os titulares de propriedades com elevado valor destinadas a habitação, e, nessa medida, fazendo incidir a nova "taxa especial" sobre as "casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros."

(Itálico nosso)

 

Pressupõe-se, assim, uma capacidade contributiva (muito) acima da média que justifica um esforço contributivo “especial” para aqueles que tenham um “casa” ou “prédio” cujo valor seja pelo menos de um milhão de euros.

A intenção do legislador parece, pois, indiciar que o escopo da norma de incidência é tributar realidades independentes, individualizadas e não resultantes de uma agregação ou soma, ainda que jurídica.

 

Ou seja, não se retira desta medida que o legislador visasse a tributação de prédios cujas unidades susceptíveis de utilização independente não alcançassem individualmente aquele valor.

 

Em face do exposto e em virtude de nenhuma das unidades independentes que integram os prédios do Requerente terem um valor patrimonial superior a € 1 000 000, as liquidações em apreciação enfermam de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito, que justifica a declaração da sua ilegalidade e a correspondente anulação dos actos tributários ora em apreciação.

 

Porquanto é entendimento deste Tribunal  que o valor patrimonial tributário relevante para efeitos de incidência do Imposto do Selo nos casos de prédios constituídos em regime de propriedade total, compostos por várias divisões com utilização independente, dos quais alguns com afectação habitacional é o valor patrimonial tributário de cada uma das divisões do prédio e não, como defendido pela Requerida, o valor patrimonial tributário global do prédio, correspondente à soma de todos os valores patrimoniais tributários das divisões que o compõem.

 

Refira-se, aliás, que a matéria em análise foi já objecto de extensa jurisprudência arbitral tributária. Referimo-nos designadamente, sem preocupações de exaustividade, às decisões proferidas nos processos seguintes: 50/2013, 132/2013, 181/2013, 183/2013 e 30/2014.

 

Relativamente aos restantes vícios imputados pela Requerente e em face da declaração de ilegalidade das liquidações que são objecto do presente processo, por vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito, fica prejudicado o conhecimento dos mesmos invocados a título subsidiário.

 

Com efeito, nos termos do disposto no artigo 124.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, torna-se desnecessário conhecer dos restantes.

 

Do pedido de juros indemnizatórios

 

A Requerente peticiona a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, previstos nos artigos 43.º da Lei Geral Tributária e 61.º do Código do Procedimento e Processo Tributário.

 

Diga-se, desde já, que em tese assiste razão à Requerente.

 

É claro nos autos que a ilegalidade dos actos de liquidação de imposto impugnados é directamente imputável à Requerida, que, por sua iniciativa, os praticou sem suporte legal, padecendo de uma errada interpretação (e, logo, aplicação) das normas jurídicas ao caso concreto.

 

Consequentemente a Requerente tem direito ao recebimento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT.

 

Os juros indemnizatórios deverão ser pagos desde a data em que a Requerente venha a efectuar o respectivo pagamento do imposto de selo em causa nos autos até ao integral reembolso do montante pago, à taxa legal. Isto porque a Recorrente não procedeu, até à data de dedução do presente pedido de pronúncia arbitral, ao pagamento das quantias liquidadas e impugnadas, tendo requerido, segundo o que afirma expressamente, no Serviço de Finanças de Lisboa 10, a suspensão de um conjunto de processos de execução fiscal respeitantes, segundo diz, às liquidações em crise nos autos, mediante a indicação de bens à penhora.

 

Considerando que a Requerente refere não ter procedido ao pagamento das quantias indevidamente liquidadas a título de imposto do selo, em causa nos presentes autos, tendo requerido a suspensão dos respectivos processos de execução fiscal mediante a indicação de bens à penhora, o direito a receber juros indemnizatórios ficará condicionado pelo efectivo pagamento das liquidações de imposto do selo identificadas nos autos, devendo, neste caso, a Requerente apresentar junto da Requerida os respectivos comprovativos de pagamento do imposto.

 

Termos em que, o Tribunal Arbitral considera que procede o pedido da Requerente, embora condicionado à condição imediatamente supra referida.

 

7. DECISÃO

 

Em face do supra exposto, decide-se:

1)        Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação, com todos os efeitos legais, dos actos de liquidação de imposto do selo melhor identificados nos autos, no valor total de Euros 118.693,90 (cento e dezoito mil, seiscentos e noventa e três euros e noventa cêntimos;

 

 

2)        Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios peticionado pela Requerente, mas condicionando o mesmo à prova a apresentar pela Requerente junto da Requerida do efectivo pagamento das liquidações de imposto do selo em crise nos autos.

 

* * *

 

Fixa-se o valor do processo em Euros 118.693,90 (cento e dezoito mil, seiscentos e noventa e três euros e noventa cêntimos), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º do CPC. 

 

O montante das custas é fixado em Euros 3.060,00 (três mil e sessenta euros) ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 24 de Novembro de 2014

 

Os Árbitros

 

O Árbitro Presidente

(Manuel Macaísta Malheiros)

 

A Árbitro Vogal

(Maria Antónia Torres)

 

 

O Árbitro Vogal

(Henrique Nogueira Nunes)

 

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

A redacção da presente decisão arbitral rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 

 

 

 

 



[1] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.