Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 103/2013-T
Data da decisão: 2013-11-25  IRS  
Valor do pedido: € 65.006,71
Tema: Reinvestimento de mais-valias imobiliárias; domicílio fiscal vs. habitação própria e permanente
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Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Fernando Borges Araújo e José Rodrigo de Castro, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral na seguinte

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

  1. …, contribuinte n.º … (Requerente marido) e …, contribuinte n.º… (Requerente mulher), casados, ambos residentes na Rua …, em Lisboa, (em conjunto Requerentes), vêm, ao abrigo do disposto no art.º 10.º do Regime da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante designado por “RJAT” requerer a constituição de Tribunal Arbitral, tendo em vista a declaração de ilegalidade e respetiva anulação da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”), n.º 2012…, relativa ao ano de 2011, notificada aos Requerentes pela Administração Tributária, da que resultou um valor a pagar de €65.006,71 e a consequente anulação e sua restituição, acrescida dos devidos juros indemnizatórios (e de mora se a eles houver lugar).

 

  1. Os Requerentes optaram por não designar árbitro, pelo que o Conselho Deontológico do CAAD procedeu à designação dos seguintes árbitros: Dr. José Pedro Carvalho, Prof. Doutor Fernando Borges de Araújo e Dr. José Rodrigo de Castro, que foram aceites pelas partes – Requerentes e Administração Tributária e Aduaneira.


 

  1. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído no CAAD, no dia 5-7-2013, para apreciar e decidir o objeto do presente processo, conforme consta da respetiva ata.


 

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  1. Sustentam os Requerentes, em síntese, a sua pretensão, no seguinte:

  2. Que em 29-01-2003, a Requerente Mulher adquiriu a fração S do prédio urbano sito na freguesia da …, correspondente ao 4.º andar D. to do prédio inscrito na matriz sob o artigo …, sito na Rua … em Lisboa, pelo valor de € 394.050,34, tendo declarado que a mesma se destinava a habitação própria e permanente (cf. Escritura de aquisição que junta como documento n.º 3).

  3. Até 22 de Julho de 2010, alegam os Requerentes que destinaram efetivamente a dita Fração S à sua habitação própria e permanente, sendo esse o seu domicílio fiscal.

  4. Em 22 de Julho de 2010, a Requerente Mulher adquiriu pelo valor de € 900.000,00 a fração V do mesmo prédio urbano sito na freguesia da …, correspondente ao 6.º andar Esq.º do prédio inscrito na matriz sob o artigo …, sito na Rua …, cf. escritura pública de aquisição que junta como documento n.º 4).

  5. Aquando da aquisição da referida fração V a Requerente Mulher declarou que a mesma se destinava à habitação própria e permanente, cf. Documento n.º 4.

  6. Alegam os Requerentes que, com efeito, a partir do final do ano de 2010 destinaram efetivamente a Fração V à sua habitação própria e permanente (tal como resulta quer das declarações prestadas pelos vizinhos dos Requerentes, que constituem o doc. n.º 5, quer das contas de gás, eletricidade e televisão e outra correspondência, nomeadamente faturas e recibos do colégio dos filhos, remetidas para a Fração V, que se juntam como docs. 6 a 22).

  7. Em 21 de Julho de 2011, a Requerente Mulher procedeu – com o devido consentimento do marido – à alienação da Fração S (anterior habitação permanente correspondente ao 4.º d. to), pelo preço de € 700.000,00, cfr. doc. junto n.º 23.

  8. Uma vez que a alienada Fração S se destinava e foi sempre utilizada como habitação própria e permanente dos Requerentes, estes procederam ao reinvestimento de parte do valor de realização, na importância de € 597.000,00, na aquisição da Fração V, correspondente ao 6.º Esq. do mesmo prédio, que haviam adquirida anteriormente em 22 de Julho de 2010, e também destinada à habitação própria e permanente dos Requerentes.

  9. Deste modo, os Requerentes, na declaração de IRS respeitante ao ano de 2011, declararam o reinvestimento parcial de € 597.000,00 do valor de realização de € 700.000,00 da fração S anteriormente alienada, na Fração V, fazendo constar dos campos 506 – Valor de realização que pretende reinvestir (sem recurso ao crédito) e 507 – Valor reinvestido nos 24 meses anteriores à data da alienação (sem recurso ao crédito), do quadro 5 do Anexo G da declaração de IRS de 2011, cfr. doc. n.º 24.

  10. A Administração Tributária – AT, em consequência do declarado, procedeu à notificação do Requerente Marido, em 15 de Novembro de 2012, para apresentar junto do Serviço de Finanças de Lisboa-… a declaração de IRS de 2011 e respetivos documentos comprovativos, uma vez que foi detetado pela AT, relativamente à declaração de IRS de 2011, a seguinte situação: “Residência de titular diferente do imóvel objeto de reinvestimento e/ou comprovação dos valores de empréstimos ou de valores de reinvestimentos declarados” (cf. Doc. n,º 25).

  11. Em 26 de Novembro de 2012, na sequência da referida notificação, o Requerente Marido apresentou junto do referido Serviço de Finanças todos os documentos solicitados, prestando ainda alguns esclarecimentos.

  12. Nessa mesma data de 26 de Novembro de 2012, o Requerente Marido foi notificado da intenção da AT proceder a uma correção ao valor constante do campo 507 do quadro 5 do Anexo G da declaração de IRS de 2011, no montante de € 597.000,00 (ou seja, proceder a uma desconsideração do reinvestimento declarado), cf. Doc. n.º 26.

  13. Mais alegam que de acordo com a informação transmitida pela AT ao Requerente Marido, o reinvestimento em causa não poderia ser aceite uma vez que os Requerentes não procederam à alteração do seu domicílio fiscal para a nova morada (i.é. para o imóvel objeto de reinvestimento).

  14. No entanto, alegam que uma vez que – tal como resulta da documentação junta – desde o final do ano de 2010 os Requerentes destinam efetivamente a Fração V à sua habitação própria e permanente, os Requerentes entendem poderem beneficiar do regime previsto no artigo 10.º, n.º 5 do Código do IRS.

  15. Assim, por discordarem da correção projetada pela AT, os Requerentes exerceram o seu direito de audição prévia, contestando a legalidade da mesma face ao disposto no n.º 5 do art.º 10.º do Código do IRS, cf. Doc. n.º 27.

  16. A AT, desconsiderando em absoluto os argumentos dos Requerentes expostos no requerimento de exercício do direito de audição prévia, notificou os Requerentes da decisão de proceder a uma correção à matéria coletável do IRS de 2011, no valor de €587.000,00, cf. Doc. n.º 28.

  17. Na sequência desta decisão da AT, foram os Requerentes notificados da liquidação adicional de IRS n.º 2012…, relativa ao ano de 2011, da qual resultou um valor de liquidação adicional de IRS a pagar de € 65.006,71 e cujo prazo de pagamento voluntário terminaria em 4 de Fevereiro de 2013, cf. Doc. n.º 1.

  18. Os Requerentes, em 1 de Fevereiro de 2013 (dentro do respetivo prazo de pagamento voluntário), procederam ao pagamento do montante liquidado, embora reputando ilegal a liquidação adicional notificado, do montante de € 65.006,71, cf. Doc. n.º 2.

  19. Mais referem que apesar de entenderem que o domicílio fiscal é absolutamente irrelevante para efeitos de aplicação do regime do reinvestimento do valor da realização – já que o que exige o art.º 10.º, n.º 5 do Código do IRS é a afetação de imóvel à habitação própria e permanente – os Requerentes verificaram, no âmbito do procedimento da AT que, de facto e por mero lapso (que reconhecem e assumem), não haviam procedido anteriormente à comunicação da AT da alteração do seu domicílio fiscal, do 4.º andar direito para o 6.º andar esquerdo do mesmo prédio.

  20. Porém, em 16 de janeiro de 2013 os Requerentes apresentaram junto da Direção de Serviços do Registo de Contribuintes os respetivos requerimentos solicitando a alteração do domicílio fiscal para a fração V, com efeitos a partir de 1 de Dezembro de 2010, cf. Docs. 29 e 30.

  21. Documentos cujo destino, até à presente data e volvidos cerca de três meses e meio, os Requerentes ainda não foram notificados de qualquer resposta ou decisão da AT.

  22. E é em razão de todos os factos descritos que os Requerentes não podem conformar-se com a correção levada a cabo pela AT, materializada na liquidação em referência, e em consequência com a referida liquidação, por expressa violação do disposto no n.º 5 do art.º 10.º do Código do IRS, bem como do princípio da legalidade previsto nos art.ºs 103.º. n.º 2 e 165.º, nº 1, al. i) da CRP e art.º 8.º da LGT e ainda do princípio da proporcionalidade constitucionalmente consagrado e plasmado no art.º 46.º do Código de Procedimento e Processo Tributário.

  23. E isto porque a aplicação da exclusão tributária de mais-valias em caso de reinvestimento, a lei é absolutamente clara em exigir simplesmente – e sem prejuízo das restantes condições previstas no n.º 5 do art.º 10.º do Código do IRS, cuja verificação no caso sub judice é também de tal forma óbvia que jamais foi posta em causa pela AT – que o imóvel se destine à habitação própria e permanente.

  24. A AT entende, no entanto – numa interpretação desfasada da própria letra da lei – que o que a lei exige é que o domicílio fiscal do sujeito passivo corresponda à morada do imóvel em causa.

  25. E referem os Requerentes que desde logo, e sem prejuízo da ilegalidade de tal entendimento que se o domicílio fiscal dos Requerentes não foi ainda alterado com efeitos a 1 de Dezembro de 2010, tal se deve, neste momento, apenas e somente à inércia da AT.

  26. E isto porque até à data, decorridos três meses e meio após o pedido de alteração do domicílio fiscal com efeitos a 1 de Dezembro de 2010, a AT se limitou a não apreciar os requerimentos apresentados pelos Requerentes.

  27. E esta inércia nunca poderia ser relevada em desfavor destes, sob pena de subversão das mais elementares regras em matéria de garantia dos contribuintes e dos próprios princípios da proporcionalidade e da justiça.

  28. Alegam ainda os Requerentes que o que a AT deveria ter feito – como lhe cabia ao abrigo dos princípios da boa fé e da colaboração entre a administração e os contribuintes, previsto no art.º 59.º da LGT e 49.º do CPPT e do próprio art.º 19.º, n.º 1 da LGT – era ter alterado oficiosamente o domicílio fiscal dos Requerentes logo após a apresentação do requerimento de audição prévia que constitui o doc. n.º 27, data em que ficou amplamente demonstrado que, desde dezembro de 2010, os Requerentes residiam efetivamente na fração V e não na fração S.

  29. E remetem os Requerentes para a decisão proferida no proc. 80/2012-T, pelo Tribunal Arbitral, (embora sem que o Requerente aí tenha logrado provar que efetivamente residia e tinha a sua habitação própria e permanente no imóvel em causa), se afirma que “ O domicílio fiscal dos contribuintes pode e deve ser retificado oficiosamente com base nos elementos que estavam ao dispor da administração tributária em observância do disposto no n.º 6 (atual n.º 8) do referido normativo (i.é. o art.º 19.º da LGT), porque se trata exatamente disso: de um poder-dever, destinado antes de mais a proteger a verdade tributária em concretização também do dito princípio da colaboração consagrado no art.º 59.º da LGT. “

  30. E no mesmo sentido vide Acórdão do tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 7 de Abril de 2011, no âmbito do proc. 0455/11.

  31. Mais referiram, a título de exemplo, o caso dos unidos de facto em que a AT tem vindo a entender que é necessário que ambos tenham procedido à alteração do domicílio fiscal para que possam beneficiar do regime de tributação dos sujeitos passivos casados, tendo esta posição sido já declarada ilegal pelos Tribunais superiores que consideram poderem os sujeitos passivos optar por aquele regime de tributação, independentemente de procederem à alteração do domicílio fiscal, desde que consigam comprovar a verificação dos pressupostos da união de facto (vide, inter alia, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 7 de abril de 2011, proferido no proc. N.º 04550/11).

  32. Referem ainda que como bem refere ALBERTO XAVIER o “conceito de domicílio fiscal estatuído no disposto no artigo 19.º da LGT, nomeadamente no seu n.º 1 é um domicílio especial que se refere a um lugar determinado para o exercício de direitos e o cumprimento dos deveres previstos nas normas tributárias” (in Manual de Direito Fiscal, I, pág. 393).

  33. E concluem que é pois evidente que o conceito de “habitação própria e permanente” não correspondente e não se confunde com o conceito de “domicílio fiscal”, tratando-se antes de realidades diferentes e com finalidades…

  34. Mais realçam os Requerentes que a AT, ao interpretar o art.º 10.º, n.º 5, do Código do IRS como exigindo que um sujeito de IRS tenha o seu domicílio fiscal na sua habitação própria e permanente como condição para beneficiar do regime de reinvestimento aí previsto, está claramente a violar o disposto no art.º 9.º, n.º 2, do Código Civil, aplicável ex vi art.º 11.º, n.º 1 da LGT, nos termos do qual “Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”.

  35. Daí, realçam os Requerentes, a circunstância de o Código do IRS ser omisso quanto à necessidade de o sujeito passivo ter o seu domicílio fiscal na sua habitação própria e permanente apenas pode significar que tal não é efetivamente necessário.

  36. Mais referem os Requerentes que essa correspondência entre domicílio fiscal e habitação própria e permanente poderá ser efetivamente necessária para outros efeitos, mas nesses casos o legislador terá expressamente fixado essa imposição, como é o caso da isenção do IMI prevista no art.º 46.º do EBF, em que o legislador expressamente exigiu, como condição necessária à aplicação daquela isenção, que o sujeito passivo tenha o seu domicílio fiscal na sua habitação própria e permanente.

  37. Com efeito, referem, a considerar-se, como regra geral, que o conceito de domicílio fiscal coincide integralmente com o conceito de habitação própria e permanente do sujeito passivo, sem que tal tenha sido expressamente fixado pelo legislador, o n.º 9 do art.º 46.º teria sido perfeitamente inútil e vazio de conteúdo.

  38. Daí que nos termos do art.º 9.º. n.º 3 do Código Civil, o intérprete da lei deve presumir “que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”, pelo que apenas podemos concluir que o n.º 9 do art.º 46.º do EBF tem efetivamente uma utilidade e um conteúdo normativo autónomos.

  39. Ora, alegam ainda os Requerentes que, como o Código do IRS é completamente omisso nesta matéria, a única conclusão apenas pode ser a de que não é necessário, para efeitos de reinvestimento do valor de realização, que o sujeito passivo tenha o seu domicílio fiscal na sua habitação própria e permanente.

  40. Por isso que os Requerentes apresentaram prova documental e solicitaram prova adicional testemunhal para fazer prova de que o imóvel objeto do reinvestimento se destina efetivamente à habitação própria e permanente.

  41. Dizem ainda os Requerentes que este tem sido entendimento dos Tribunais, citando o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16/1/2013, proferido no proc. 0950/12, onde, embora esta matéria não tenha sido objeto de recurso por parte da Fazenda Pública, que se conformou com a demonstração da efetiva habitação própria e permanente do sujeito, apesar de este não ter procedido à alteração do seu domicílio fiscal – se refere expressamente que o tribunal a quo considerou estarem preenchidos os requisitos do n,º 5 do art.º 10.º do Código de IRS uma vez que “se provou que os recorridos habitavam o prédio”, apesar de não terem alterado o seu domicílio fiscal.

  42. Por tudo isso e contrariamente ao que pretende a AT, o art.º 10.º, n.º 5 do Código do IRS não faz qualquer referência ao conceito de “domicílio fiscal”, mas apenas ao conceito de “habitação própria e permanente”, pelo que, demonstrando-se (como se encontra demonstrado no caso sub judice) que determinado sujeito tem a sua habitação própria e permanente em determinado local, terá forçosamente que se concluir ser essa demonstração suficiente para os efeitos no art.º 10.º, n.º 5 do Código do IRS, não tendo o domicílio fiscal de tal sujeito passivo qualquer relevância para esses efeitos.

  43. Por outro lado, sendo evidente que o art.º 10.º do Código de IRS integra uma norma de incidência, ainda que se pudesse entender que em tal norma existe uma presunção de que a habitação permanente de determinado sujeito passivo de IRS corresponde ao seu domicílio fiscal, a verdade é que essa presunção sempre admitiria prova em contrário, prova essa que, no caso em apreço, foi claramente produzida pelos Requerentes (quer em sede de audição prévia, quer nos presentes autos).

  44. Assim sendo, inexiste norma de incidência fiscal que suporte o entendimento da AT que resultou na correção efetuada e se materializou na liquidação adicional em causa.

  45. E, assim sendo, por preencher a totalidade das condições previstas no n.º 5 do art.º 10.º do CIRS, deveria encontrar-se excluído de tributação em IRS em consequência do reinvestimento de parte do valor de realização da fração S na fração V, na proporção de 85,29% (€ 597.000,00/€700.000,00).

  46. E alegam ainda os Requerentes que atendendo a que as normas de incidência são da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, não cabe pois à AT sujeitar os Requerentes a uma tributação que não se encontre prevista na lei, encontrando-se-lhe vedada qualquer possibilidade de atuação que não seja conforme com o princípio da legalidade.

  47. Realçam ainda os Requerentes que se o domicílio fiscal dos Requerentes não foi ainda alterado, tal deve-se, não apenas ao atraso dos Requerentes na declaração de alteração, mas sobretudo a uma inércia da AT, que não só não alterou o domicílio oficiosamente, como lhe cabia (já que tinha em seu poder elementos bastantes para o fazer), como não apreciou ainda os requerimentos apresentados há mais de três meses pelos Requerentes.

  48. Os Requerentes invocam, para além do Princípio da Legalidade, ainda a violação do Princípio da Proporcionalidade por a AT pretender que fiquem impedidos de beneficiar do regime de exclusão de tributação por reinvestimento do valor de realização apenas porque os mesmos – por mero lapso – não comunicaram em tempo a sua alteração de domicílio fiscal.

  49. Termos em que solicitam que seja anulada a liquidação em crise n.º 2012…, relativa ao ano de 2011, por ilegal e inconstitucional, sejam reembolsados do montante de € 65.006,71 indevidamente pagos e sejam pagos aos Requerentes juros indemnizatórios, nos termos dos art.ºs 43.º da LGT e 61.º do CPPT, bem como juros de mora a que houver lugar.


 

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  1. RESPONDE A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, em síntese, nos seguintes termos, aliás coincidentes com os factos declarados pelos Requerentes:

  2. Em 29 de Janeiro de 2003, a Requerente …, contribuinte n.º …, doravante designada pela AT como sujeito passivo B, adquiriu a fração S do prédio urbano sito na freguesia da …, inscrito na respetiva matriz sob o artigo …, correspondente ao 4.º andar Direito do n.º 33 da Rua …, em Lisboa, pelo valor de € 394.050,34.

  3. Em 22 de Julho de 2010, o sujeito passivo B adquiriu por € 900.000,00, a fração V do prédio urbano sito na freguesia da …, inscrito na respetiva matriz sob o artigo …, correspondente ao 6.º andar Esquerdo do n.º 33 da Rua …, em Lisboa.

  4. Em 21 de Julho de 2011, o sujeito passivo B procedeu à alienação da fração S pelo valor € 700.000,00.

  5. Na declaração modelo 3 de IRS do ano de 2011, os requerentes declararam o reinvestimento de parte do valor de realização da fração S (€597.000,00) na aquisição da fração V, fazendo constar dos campos 506 – valor de realização que pretende reinvestir (sem recurso ao crédito) e 507 – Valor reinvestido nos 24 meses anteriores à data da alienação sem recurso ao crédito), do quadro 5 do anexo G da declaração, o valor de € 597.000,00.

  6. Em 15 de Novembro de 2012, o requerente …, contribuinte n.º …, doravante designado por sujeito passivo A foi notificado para apresentar junto do Serviço de Finanças de Lisboa - …, a declaração modelo 3 de IRS do ano de 2011 e respetivos documentos comprovativos, uma vez que tinha sido detetada a seguinte situação: “Residência de titular diferente do imóvel objeto de reinvestimento e/ou comprovação dos valores de empréstimos ou de valores de reinvestimentos declarados.”

  7. Em 26 de Novembro de 2012, o sujeito passivo A apresentou-se junto do referido Serviço de Finanças com os documentos solicitados, tendo sido, nessa mesma data, notificado da intenção da AT proceder à correção ao valor constante do campo 507 do quadro 5 do anexo 5 do anexo G da declaração de IRS do ano de 2011, no montante de € 597.000,00.

  8. Em 5 de Dezembro de 2012, os requerentes exerceram o direito de audição prévia, alegando que, “embora – por mero lapso, que desde já reconhecem – os Requerentes não tenham procedido anteriormente à comunicação da alteração do seu domicílio fiscal, resulta claro dos elementos de prova juntos que, desde o terceiro trimestre do ano de 2010, os Requerentes destinam a habitação própria e permanente a fração V.”

  9. Em 19 de Dezembro de 2012, pelo ofício n.º …, do Serviço de Finanças de Lisboa - …, os requerentes foram notificados de que a declaração modelo 3 do ano de 2011 iria ser corrigida oficiosamente, porquanto, os Requerentes não procederam à alteração do seu domicílio fiscal para o imóvel objeto de reinvestimento.

  10. Na sequência desta decisão, foram notificados da liquidação adicional de IRS n.º 2012…, relativa ao ano de 2011, da qual resultou um valor a pagar de € 65.006,71, cujo pagamento foi efetuado em 1 de Fevereiro de 2013.

  11. A Requerida refere que “De acordo com o Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes, o domicílio fiscal dos requerentes era em 31/12/2010 o seguinte: “Rua …, n.º 33 – d.º Direito, … Lisboa (fração S do artigo …).”

  12. Alegam os Requerentes “que desde o final do ano de 2010 residem e têm a sua habitação própria e permanente na fração V, isto é, na fração em que reinvestiram de fato parte do valor de realização decorrente da alienação da fração S, pelo que não podem deixar de beneficiar da exclusão tributária prevista na alínea b) do n.º 10 do artigo 5.º do Código do IRS.”

  13. Mais “aduzem os Requerentes que a AT entendeu, numa interpretação absolutamente desfasada da própria letra da lei, que o que a lei exige é que o domicílio fiscal do sujeito passivo corresponda à morada do imóvel em causa.”

  14. Discordam os Requerentes desse entendimento da AT, porquanto, contrariamente ao que a AT pretende, o artigo 10.º, n.º 5 do Código do IRS não faz qualquer referência ao conceito de “domicílio fiscal”, mas apenas ao conceito de habitação própria e permanente, tendo forçosamente que se concluir ser essa demonstração suficiente para os efeitos previstos no artigo 10.º, n.º 5 do IRS, não tendo o domicílio fiscal de tal sujeito passivo qualquer relevância para esses efeitos.”

  15. Pode concluir-se do pedido arbitral dos Requerentes “que o objeto dos presentes autos consiste na questão de saber se o domicílio fiscal declarado pelo sujeito passivo perante a AT constitui um requisito legal imprescindível para que o contribuinte possa beneficiar da exclusão de tributação por reinvestimento do valor de realização de habitação própria e permanente, prevista no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS.”

  16. Assim, a vexatio quaestio que a título principal se coloca incide sobre a interpretação que os Requerentes fazem da lei fiscal, a qual, salvo o devido respeito, constitui uma errónea interpretação das normas legais subsumíveis ao caso.

  17. E face ao que decorre do texto das normas citadas, quer o imóvel alienado quer o imóvel adquirido (anterior ou posteriormente), no qual se concretizou o reinvestimento, devem ser afetos ao mesmo destino: a habitação própria e permanente do sujeito passivo.

  18. No caso em apreço, demonstrou-se, por consulta ao “Sistema de Gestão e Registo dos Contribuintes” que o domicílio fiscal declarado pelos Requerentes à AT foi: De 29/01/2003 até à presente data: Rua …, n.º 33 – 4.º Direito, … Lisboa (fração S do prédio …) - Fls. 63 junto aos autos.”

  19. Donde conclui a Requerida que os elementos documentais juntos aos autos são claramente demonstrativos de que, à data de 01/12/2010, o domicílio fiscal dos Requerentes era a Rua …, n,º 33 – 4.º Direito.

  20. Assim a questão decidenda reside em saber de que forma a lei fiscal define os conceitos de habitação própria e permanente e de domicílio fiscal e em que medida faz depender um do outro. Isto porque a requerente faz uma errónea interpretação das normas legais subsumíveis ao caso.

  21. E a Requerida remete para o que estabelece o n.º 1 do artigo 11.º da LGT quanto aos princípios gerais de interpretação e aplicação da lei e cita ainda o n.º 1 do art.º 9.º do Código Civil (C.C.) sobre a forma correta de interpretação da lei, pelo que o intérprete “não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento de legislador, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as circunstâncias do tempo em que é aplicada.”

  22. Pelo que o intérprete não deve fazer uma interpretação estritamente literal das normas jurídicas, mas proceder ao apuramento daquele que foi o pensamento do legislador, atendendo para esse efeito aos demais elementos interpretativos, para além do elemento literal, a saber: o elemento lógico, o elemento sistemático e o elemento teleológico.

  23. E o que os Requerentes fazem é uma interpretação estritamente literal quando alegam que a circunstância de o CIRS ser omisso quanto à necessidade de o sujeito passivo ter o seu domicílio fiscal na sua habitação própria e permanente apenas pode significar que tal não é efetivamente necessário.

  24. A Requerida alega que “o facto de não se encontrar expressamente consagrado no artigo 10.º do CIRS que se considera existir afetação a habitação própria e permanente do sujeito passivo, do imóvel onde este fixar o seu domicílio fiscal, não significa que tal não resulte da globalidade das normas fiscais aplicáveis quando interpretadas de acordo com os vários elementos de hermenêutica jurídica.”

  25. E a AT vem reforçar os seus argumentos em obediência ao elemento sistemático, nos termos do qual devem analisar-se as leis de acordo com o Direito na sua totalidade (sistema jurídico), confrontando-as com outras normas, princípios e valores prestigiados pelo Estado, importando ter em consideração o que dispõe, a respeito da matéria controvertida, o art.º 19.º da LGT, que cita.

  26. E conclui este aspeto, referindo que a “comunicação do domicílio fiscal é obrigatória e só com esta o domicílio fiscal declarado pelo sujeito passivo goza de eficácia perante a AT.”

  27. E cita a Requerida, a respeito do art.º 19.º da LGT, o que é referido por Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, em comentário à LGT, 4.ª edição, 2012, pp 198 e 199: “A regra geral quanto ao domicílio fiscal do sujeito passivo encontra-se no n.º 1 do artigo 19.º da LGT: para as pessoas singulares é o local da residência habitual (…).

  28. E acrescenta a AT que, por sua vez, ”o n.º 2 do artigo 19.º declara obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária, sendo ineficaz para efeitos fiscais – enquanto não for comunicada à administração tributária (n.3).”

  29. E reforçam os seus argumentos realçando que a” a aplicação da LGT à relação jurídica tributária em causa nos presentes autos arbitrais, é absolutamente peremptória.”


 

  1. E voltando a AT a citar os mesmos autores da LGT acima referidos e o seu comentário agora a p.p. 61: “A Lei Geral Tributária, aplicando-se às relações tributárias, compreende que todos os direitos e obrigações, em sentido lato, decorrentes destas, quer do lado do sujeito passivo quer do lado do sujeito ativo, sempre nos termos do artigo 30.º (…) que nesta matéria (…) integra na relação jurídica tributária o crédito e a dívida tributários (…) o direito a prestações acessórias de qualquer natureza, e o correspondente dever ou sujeição.

  2. E referem ainda que não sendo a LGT uma lei de valor reforçado, não tendo, portanto, primazia em relação à legislação ordinária, contudo “foi intenção do legislador da LGT que fosse uma lei de ‘cúpula’ do sistema tributário, fixando os seus princípios estruturantes e fundamentantes em matéria axiológica.”

  3. E a Requerida vem reforçar a sua argumentação referindo que “isto significa que as normas da LGT devem ser (…) ‘lidas’ antes das normas referidas nas alíneas b), c), e d) [do art.º 2.º da LGT],” conforme referem aqueles mesmos autores da LGT a pp 64 e 65.

  4. E conclui que “assim sendo, é inequívoco que o disposto no artigo 19.º da LGT a respeito do domicílio fiscal é plenamente aplicável ao caso em apreciação.”

  5. E remete também a Requerida para o art.º 43.º do CPPT, com base no disposto no art.º 2.º da LGT, para referir a hierarquia da LGT em relação ao CPPT, aos demais códigos fiscais e leis tributárias, incluindo a lei geral sobre infrações tributárias e o Estatuto dos Benefícios Fiscais.

  6. E assim sendo, argumenta a Requerida que “em termos de obrigatoriedade de participação de domicílio, o artigo 43.º do CPPT estipula que os interessados que intervenham ou possam intervir em qualquer procedimento ou processos nos serviços da administração tributária ou nos tribunais tributários comunicam, no prazo de 15 dias qualquer alteração de domicílio.”

  7. E remete ainda a AT, invocando de novo o elemento sistemático, para o disposto no n.º 7 do artigo 42.º do EBF, que considera “ter havido afetação dos prédios (…) à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, se aí se fixar o respetivo domicílio fiscal.”

  8. E a AT expressa o seu desacordo com os Requerentes quanto ao que estes alegam relativamente às diferenças entre o que consta do EBF ao “estabelecer expressamente que a habitação própria e permanente do sujeito passivo se considera fixada no domicílio fiscal declarado à AT e o que é referido no artigo 10.º do CIRS que não estabelece, de modo expresso, idêntica condição… “

  9. E a AT reafirma que “conjugando o disposto no artigo 19.º da LGT, com o artigo 43.º do CPPT e com o artigo 42.º do EBF, resulta manifesto que, do ponto de vista fiscal, os conceitos de habitação própria e permanente e de domicílio fiscal devem coincidir entre si, sendo que o domicílio fiscal declarado perante a AT é um requisito legal imprescindível para que o contribuinte possa beneficiar da exclusão de tributação por reinvestimento do valor de realização da habitação própria e permanente.

  10. E argumenta ainda a AT que “atendendo ao fim social da lei, ou seja à finalidade que o legislador teve em vista na elaboração da lei, não podemos olvidar que o dever de comunicação do domicílio fiscal tem subjacente uma clara finalidade de certeza e segurança jurídicas.”

  11. E em reforço da sua tese, a AT cita António Lima Guerreiro, in Lei Geral Tributária Anotada, Editora Rei dos Livros, 2000, pp 119: “O dever de comunicação do efetivo domicílio fiscal – entendido não como qualquer escolha arbitrária mas o verdadeiro centro da atividade do contribuinte – e a possibilidade de a Administração Tributária proceder à sua confirmação efetiva assumem hoje particular relevância em virtude, não apenas da particular complexidade de que hoje se reveste o controlo das obrigações tributárias resultante, em parte da extrema mobilidade dos elementos dos factos tributários, mas também de da sua prova depender, por vezes, o acesso dos cidadãos a vantagens de natureza fiscal (…)”.

  12. Assim, realça a AT que “a interpretação defendida pelos Requerentes vai contra o espírito do legislador, fazendo uma interpretação contra legem das normas fiscais aplicáveis ao caso.”

  13. A aceitar-se a interpretação dos Requerentes, “muito mal andaria a Administração Tributária, do ponto de vista da certeza e segurança jurídicas, na medida em que abriria a possibilidade de um mesmo sujeito passivo declarar determinado imóvel como sendo o seu domicílio fiscal, para efeitos do gozo da isenção de IMI para habitação própria e permanente e de outro para efeitos da exclusão tributária por reinvestimento de mais-valias (ou de muitas outras vantagens fiscais dependentes do local de fixação da habitação própria e permanente), na medida em que, para provar o local da habitação própria e permanente e beneficiar dessas vantagens fiscais, bastaria apresentar correspondência endereçada à morada do imóvel em causa.”

  14. E continua referindo a Requerida que “só a obrigatoriedade de comunicação do domicílio fiscal como requisito formal à operacionalização da exclusão de tributação por reinvestimento de mais-valias para habitação própria e permanente se coaduna com uma interpretação sistemática das leis fiscais, bem como, com a finalidade subjacente ao espírito do legislador na consagração do regime jurídico em causa, que é, sem dúvida, a segurança e certeza jurídicas.”

  15. E em reforço da sua tese cita a Decisão proferida pelo Tribunal Arbitral constituído no âmbito do Processo n.º 80/2012T (artigos 129 a 134 que junta à sua Resposta), dos quais se relevam os artigos 133 e 134, que referem expressamente o seguinte:

  16. 133 – No mesmo sentido, o sujeito passivo poderia gozar dos benefícios fiscais inerentes ao seu domicílio fiscal e habitação própria e permanente de um imóvel, e simultaneamente usufruir do benefício do art.º 10.º, n.º num outro imóvel.

  17. 134 – Por motivos de segurança e certeza jurídicas, há a obrigatoriedade de comunicação do domicílio fiscal como requisito, para produzir efeitos, e subsequentemente como requisito para a exclusão de tributação por reinvestimento nos termos do art.º 10.º n.º 5 do CIRS.”

  18. E mais refere a Requerida que “os Requerentes podem invocar que foi por mero lapso que não procederam à alteração do seu domicílio fiscal para a fração V.”

  19. Mas continua referindo a Requerida que “porém, a verdade dos factos desmente tais alegações, porquanto, tal como resulta do PA junto aos autos (a fls. 62 do PA), os Requerentes apresentaram em 2003 pedido de isenção de Contribuição Autárquica/Imposto Municipal sobre Imóveis para o imóvel sito na Rua …, n.º 33 – 4.º Direito, … Lisboa (fração S do artigo …), com o fundamento no facto deste constituir sua habitação própria e permanente. Tal pedido foi deferido e a isenção atribuída aos Requerentes que dela beneficiaram durante 10 anos, desde 2003 e até ao fim de 2012.”

  20. Diz a Requerida: “Ou seja, vêm agora os Requerentes alegar que desde o 4.º trimestre de 2010 a sua habitação própria e permanente era a fração V (do artigo …), porém, estava nessa data a usufruir de isenção de CA/IMI, precisamente por deterem a sua habitação própria e permanente na fração S (do mesmo artigo …).”

  21. E releva ainda a Requerida que “são os próprios Requerentes que alegam no artigo 41 do pedido de pronúncia arbitral que para efeitos do artigo 46.º do EBF, o legislador exige que o domicílio fiscal declarado à AT coincida com a habitação própria e permanente dos sujeitos passivos que beneficiem da isenção em causa.

  22. E conclui a Requerida que “face ao exposto, não restam dúvidas de que a habitação própria e permanente dos Requerentes entre 2010 e 2012 (datas relevantes para os presentes autos) era o imóvel sito na Rua …, n.º 33 – 4.º Direito, … Lisboa (fração S do artigo …). Eles próprios o declararam para efeitos de isenção de IMI e dela gozaram livre e conscientemente durante 10 anos.

  23. E em consequência a Requerida afirma que “impõem-se pelo menos duas questões: qual era, afinal, a habitação própria e permanente dos Requerentes, a da fração S (onde os Requerentes expressamente declaram ter a sua habitação própria e permanente para efeitos de isenção de IMI) ou a fração V e como poderá a AT, perante situações desta natureza, gozar das necessárias segurança e certeza jurídicas, senão mediante a exigência de um requisito formal, como é a obrigação de comunicação do domicílio fiscal.

  24. Quanto às Alegações dos Requerentes de que a AT deveria ter alterado oficiosamente o seu domicílio fiscal logo após a apresentação do requerimento de audição prévia, ao abrigo dos princípios de boa fé e colaboração entre a administração tributária e os contribuintes e de que o seu domicílio fiscal só não foi alterado com efeitos a partir de 1 de Dezembro de 2010, por inércia da AT, que ainda não apreciou os requerimentos apresentados nesse sentido, responde a Requerida que estas alegações “não podem, de todo, proceder, porquanto não decorre nem do artigo 59.º da LGT, nem do n.º 8 do art.º 19.º da LGT, que cabe à administração tributária proceder a diligências para conhecer qualquer novo domicílio fiscal dos contribuintes, nomeadamente em caso de audição prévia…”

  25. E a Requerida esclarece que “o n.º 8 do artigo 19.º da LGT confere à AT a faculdade de, possuindo elementos seguros quanto à alteração de moradas dos sujeitos passivos, promover oficiosamente a alteração do domicílio fiscal desses mesmos contribuintes.”

  26. E acrescenta que “não lhe competirá, decerto, alterar oficiosamente domicílios fiscais, com efeitos retroativos, com a finalidade desses mesmos contribuintes poderem usufruir de uma exclusão de tributação.”

  27. E a Requerida esclarece ainda que a legislação existente sobre o número fiscal de contribuinte e seus elementos, designadamente a Portaria n.º 271/99, de 13/4, que aprova os respetivos modelos de impressos aprovados por Despacho do Ministro das Finanças, permite também a alteração oral dos dados dos contribuintes junto dos Serviços de Finanças.

  28. E os Requerentes não lograram efetuar tal comunicação, nos termos previstos pela lei, porquanto não procederam à comunicação prevista no n.º 2 da referida Portaria, nem através do impresso de alteração aprovado pelo Decreto-lei n.º 463/79, de 30/11, nem mesmo através do portal das finanças, que permite a prestação de serviços mais rápidos, cómodos e eficazes para os contribuintes.

  29. E a Requerida pretende contrariar veementemente as alegações proferidas pelos Requerentes no artigo 31.º do Pedido de Pronúncia Arbitral, em que é citada a douta decisão do Tribunal arbitral no Processo 80/2012T, “como sendo favorável aqui aos Requerentes, quando a mesmo é precisamente desfavorável à posição sufragada pelos Requerentes nestes autos de pronúncia arbitral.”

  30. E a Requerida diz ainda que os Requerentes “faltam à verdade quando alegam que a decisão considerou procedente a pretensão da aí Requerente por diferentemente do que sucede nos presentes autos, não ter aí o Requerente logrado fazer prova de que efetivamente residia e tinha a sua habitação própria e permanente no imóvel em causa.”

  31. E reafirma a Requerida que “não há uma única linha em toda a decisão que se pronuncie sobre a prova efetuada (ou não) pela Requerente da sua habitação própria e permanente, ao invés, toda a decisão, ao longo dos seus 138 pontos, se fundamenta na procedência da posição sufragada pela AT de que deve entender-se, para efeitos fiscais, que o domicílio fiscal e a habitação própria e permanente devem coincidir, para que se possa beneficiar da exclusão do art.º 10.º, n.º 5.”

  32. Sobre a violação do Princípio da Legalidade, a Requerida contesta o invocado pelos Requerentes de que inexiste norma de incidência fiscal que suporte o entendimento da AT que resultou na correção efetuada e se materializou na liquidação adicional de IRS, considerando-a ilegal por contrária à letra da lei (art.º 10.º, nº 5 do CIRS), como também inconstitucional por violação do princípio da legalidade (artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP e 8.º da LGT).

  33. E a contestação da Requerida a estas invocadas violações da lei e da CRP, diz a Requerida que “com efeito, e tal como supra se demonstrou à saciedade, o facto de não existir afetação a habitação própria e permanente do sujeito passivo, do imóvel onde este fixar o seu domicílio fiscal, não significa que tal não resulte da globalidade das normas fiscais aplicáveis quando interpretadas de acordo com os vários elementos de hermenêutica jurídica.”

  34. E refere a este respeito que “atendendo ao elemento sistemático, isto é, analisando as leis de acordo com o sistema jurídico-fiscal na sua totalidade e confrontando-as umas com as outras, conjugando o disposto no artigo 19.º da LGT com o artigo 43.º do CPPT e com o artigo 42.º do EBF, resulta manifesto que, do ponto de vista fiscal devem coincidir entre si, sendo que o domicílio fiscal declarado perante a AT é um requisito legal imprescindível para que o contribuinte possa beneficiar da exclusão de tributação por reinvestimento do valor de realização da habitação própria e permanente.”

  35. E reforça que “a favor de tal coincidência milita também o elemento teleológico das normas em causa, porquanto, atendendo este ao fim social, ou seja, à finalidade que o legislador teve em vista na elaboração da lei, não podemos olvidar que o dever de comunicação do domicílio fiscal tem subjacente uma clara finalidade de certeza e segurança jurídicas.”

  36. Finalmente, quanto à alegada violação do Princípio da Proporcionalidade pelos Requerentes, a Requerida responde que improcedem as alegações dos Requerentes, desde logo por que “o princípio da proporcionalidade é (a par do princípio da não retroatividade) um corolário do princípio, mais amplo, da segurança jurídica ou da proteção da confiança.”

  37. E a Requerida cita Brás Carlos in IMPOSTOS Teoria geral, Almedina, outubro 2007, pp 128 e 129, onde se realça, em síntese, que nos termos deste princípio o legislador e a administração tributária estão sujeitos à proibição do excesso. E que a proporcionalidade respeita à comparação entre os fins públicos prosseguidos com o imposto e os custos privados necessários para o conseguir.

  38. E a Requerida conclui que “no caso em apreço, não existe qualquer violação do princípio da proporcionalidade no quadro legal aplicável, porquanto fazer depender a aplicação do regime de exclusão de tributação das mais-valias por reinvestimento em habitação própria e permanente, da comunicação da alteração do domicílio fiscal junto da AT não revela qualquer excesso entre os fins públicos prosseguidos com o imposto e os custos privados necessários para os conseguir, nem tão pouco entre os fins públicos prosseguidos e outros princípios, como o da igualdade.”

  39. E termina a Requerida por afirmar que “bem pelo contrário, o fim prosseguido é precisamente garantir a segurança jurídica e promover a igualdade entre sujeitos passivos e não a desigualdade entre sujeitos passivos cumpridores e incumpridores.”


 

***


 

  1. Em 29 de Outubro de 2013 foi realizada no CAAD a Reunião do art.º 18.º do RJAT, seguida da inquirição das testemunhas arroladas pelos Requerentes e de alegações orais, donde resultou, em síntese que:

  2. Pela testemunha …, contribuinte n.º …, residente na Rua …, n.º 33 – 3.º Dt.º, … Lisboa, depois de prestar juramento, foi dito que não tem qualquer grau de parentesco com os Requerentes ou com as Representantes da AT, que conhece de há muitos anos por viver no mesmo prédio e tem ideia que foi no final do ano de 2010 que se mudaram do 4 Dt.º para o 6.º Esq.º, por estarem contentes por ali passarem já o Natal.


 

Mais referiu que tem ideia pelas conversas entre os filhos de ambos os lados e pelas obras realizadas, que praticamente coincidiram a compra do 6.º Esq. com a venda do 4.º Dt.º

  1. Pela testemunha …, contribuinte n.º …, residente na Rua …, n.º 33 – 7.º Dt.º, … Lisboa, depois de prestar juramento, foi dito que não tem qualquer grau de parentesco com os Requerentes ou com as Representantes da AT, que conhece de há alguns anos por morar no mesmo prédio, soube da compra do 6.º Esq.º porque os anteriores proprietários perguntaram a todos os moradores se estavam interessados na referida habitação, visto que iam vendê-la por pretenderem ir residir para o Brasil e sabe que foram os Requerentes que acabaram por adquiri-la.

Tem ideia da altura em que os Requerentes fizeram a mudança, em 2010, porque foi nessa data que partiu um pulso e também porque se lembra que na mesma data viu os móveis subirem do 4.º Dt.º para o 6.º Esq.º. Mais referiu que o 4.º Dt.º onde inicialmente moravam não foi posto à venda porque iria residir para lá a sogra dos requerentes.


 

Quanto às alegações orais foi, em síntese, referido o seguinte:

  1. Tendo usado da palavra o mandatário dos Requerentes foi referido que tudo o que está em causa é a mudança dos Requerentes do 4.º Dt.º para o 6.º Esq.º antes do final do ano de 2010, que se mostrou comprovada pelas declarações das testemunhas ouvidas e pelos documentos juntos ao processo.

Mais referiu que a não entrega às Finanças da declaração de mudança de domicílio fiscal só não feita por mero lapso e só o fizeram em 2013 com efeitos retroativos a 2010.

Quanto ao Direito aplicável e em particular à aplicação do Regime de exclusão tributária das mais-valias realçou que quando a lei refere habitação própria e permanente se refere a um critério material e não a critério formal. Para além do mais a lei é omissa quanto à necessidade de alterar o domicílio fiscal. E isto é tanto mais válido quando há outros benefícios em que a lei exige a alteração do domicílio fiscal – o que não é o caso da exclusão tributária em causa.

A lei, por ser omissa, podia trazer dúvidas e, assim sendo, deve atender-se ao princípio da substância económica.


 

  1. Nas alegações da Representante da Autoridade Tributária foi referido que a questão é, de facto, a de saber se a comunicação do domicílio fiscal é um requisito essencial ou formal.

E afirma que é essencial, conforme art.º 10.º do Código do IRS, embora o não faça de forma expressa.

Realçou que a interpretação literal não é a única forma de interpretar as leis, mas deve também atender-se à interpretação sistemática das várias normas em causa, designadamente o art.º 19.º da LGT, conjugado com o art.º 10.º do CIRS.

Entende ainda que o facto de o art.º 42.º do EBF expressar a necessidade de mudança de domicílio fiscal, parece levar a que existe uma interligação de todas as normas em causa.

Quanto à invocação do princípio da substância sob a forma invocada pelo Senhor Mandatário dos Requerentes constitui uma alegação adicional que implica que a AT deva pronunciar-se sobre ela, sob pena de não ter qualquer validade.

Lembrou ainda que os Requerentes reconhecem ter havido mero lapso na falta de comunicação do novo domicílio fiscal.

Realçou, ainda, que os Requerentes estavam a beneficiar da isenção de IMI relativamente à fração S alienada, o que continuou a verificar-se até 2013, data em que apresentaram a alteração de domicílio fiscal.

A vingar a tese dos Requerentes – de que não é um requisito essencial a alteração de domicílio fiscal – poderão resultar indevidamente dois benefícios.

Realçou, finalmente, que existe Jurisprudência firmada no sentido de que a residência própria e permanente é o domicílio fiscal.

 

Tudo visto, cumpre proferir

 

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

  1. Em 29 de Janeiro de 2003, a requerente …, NIF …, adquiriu a fracção S do prédio urbano sito na freguesia da …, inscrito na respectiva matriz sob o artigo …, correspondente ao 4º andar Direito do nº 33 da Rua …, em Lisboa, pelo valor de €394.050,34, tendo declarado na correspondente escritura pública que a mesma se destinava a habitação própria e permanente.

  2. Até ao final do ano de 2010 os requerentes destinaram efetivamente a Fração S à sua habitação própria e permanente.

  3. Em 22 de Julho de 2010, a requerente adquiriu, por €900.000,00, a fracção V do prédio urbano sito na freguesia da …, inscrito na respectiva matriz sob o artigo …, correspondente ao 6º andar Esquerdo do nº 33 da Rua …, em Lisboa.

  4. Aquando da referida aquisição (da Fração V) a requerente Mulher declarou, na correspondente escritura pública, que a mesma se destinava a habitação própria e permanente.

  5. Em 21 de Julho de 2011, o sujeito passivo B, procedeu à alienação da fracção S, pelo valor de €700.000,00.

  6. Na declaração modelo 3 de IRS do ano de 2011, os requerentes declararam o reinvestimento de parte do valor de realização da fracção S (€597.000,00) na aquisição da fracção V, fazendo constar dos campos 506 – valor de realização que pretende reinvestir (sem recurso ao crédito) e 507 – Valor reinvestido nos 24 meses anteriores à data da alienação (sem recurso ao crédito), do quadro 5, do anexo G, da declaração, o valor de €597.000,00.

  7. Em 15 de Novembro de 2012, o requerente …, NIF …, foi notificado para apresentar junto do Serviço de Finanças de Lisboa …, a declaração modelo 3 de IRS do ano de 2011 e respectivos documentos comprovativos, uma vez que tinha sido detectada a seguinte situação:

“Residência de titular diferente do imóvel objecto de reinvestimento e/ou comprovação dos valores de empréstimos ou de valores de reinvestimentos declarados.”.

  1. Em 26 de Novembro de 2012, o requerente apresentou-se junto do referido Serviço de Finanças com os documentos solicitados, tendo sido, nessa mesma data, notificado da intenção da AT proceder à correcção ao valor constante do campo 507 do quadro 5 do anexo G da declaração de IRS do ano de 2011, no montante de 597 000,00 euros.

  2. Em 5 de Dezembro de 2012, os requerentes exerceram o direito de audição prévia, alegando que “embora – por mero lapso, que desde já reconhecem – os requerentes não tenham procedido anteriormente à comunicação da alteração do seu domicílio fiscal, resulta claro dos elementos de prova juntos que, desde o terceiro trimestre do ano de 2010, os requerentes destinam a habitação própria e permanente a Fracção V.”.

  3. Em 10 de Dezembro de 2012, pelo ofício nº …, do Serviço de Finanças de Lisboa …, os requerentes foram notificados de que a declaração modelo 3 de IRS do ano de 2011 iria ser corrigida oficiosamente, porquanto, os requerentes não procederam à alteração do seu domicílio fiscal para o imóvel objecto de reinvestimento.

  4. Na sequência desta decisão, foram notificados da liquidação adicional de IRS nº 2012…, relativa ao ano de 2011, da qual resultou um valor a pagar de €65.006,71, cujo pagamento foi efectuado em 1 de Fevereiro de 2013.

  5. De acordo com o Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes, o domicílio fiscal dos requerentes era em 31/12/2010:

Rua …, nº 33-4º Direito

… Lisboa (fracção S do artigo …).

  1. A partir do final do ano de 2010 os Requerentes destinaram a Fração V à sua habitação, com exclusão de qualquer outro lugar, domiciliando aí as contas de gás, eletricidade e televisão, bem como faturas e recibos do colégio dos filhos.

 

A.2. Factos dados como não provados

Inexistem.


 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Os factos dados como provados, com excepção daqueles que adiante se discriminam, são pacificamente reconhecidos pelas partes, resultando da documentação junta aos autos.

Os factos dados como provados nos pontos 2 e 13, resultaram da prova testemunhal produzida, que se revelou segura, coerente e credível, sendo certo que, no que diz respeito ao facto referido no ponto 2, apenas estava em causa a data do término da afectação da fração S à habitação própria e permanente dos Requerentes, já que a ATA reconhece tal afectação, questionando apenas que a mesma tenha cessado na ocasião em que acabou por se dar como provado.

Quer a testemunha …, quer a testemunha …, vizinhos de longa data dos requerentes, afirmaram inequivocamente e sem qualquer hesitação que aqueles se mudaram do 4.º para o 6.º andar, do prédio onde todos habitavam à data dos factos, no final do ano de 2010, nos termos melhor discriminados supra, em sede de relatório.

Inexistem factos dados como não provados, porquanto todos os factos com relevo para a boa decisão da causa foram dados como provados.

 

B. DO DIREITO

 

A única questão que se coloca nos presentes autos, é saber se o diferencial entre o preço de aquisição da Fracção S referida na matéria de facto supra, e o seu valor de venda, no ano de 2011, deverá ou não ser integralmente tributado como rendimento em sede de IRS.

Concretamente, está em causa a previsão do artigo 10.º/5/b) do CIRS aplicável, que dispõe que:

“São excluídos de tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes condições:

a) Se, no prazo de 36 meses contados da data de realização, o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do espaço económico europeu, desde que, neste ultimo caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;

b) Se o valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for utilizado no pagamento da aquisição a que se refere a alínea anterior desde que efectuada nos 24 meses anteriores.”.

Em especial, questiona-se nos autos o significado da exigência da afectação da habitação adquirida “a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar”, e a verificação, no caso concreto de tal exigência.

*

Relativamente à questão enunciada, entende a ATA que se deverá entender que o conceito de “a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar” se deverá interpretar como correspondendo ao conceito de domicílio fiscal, definido na LGT, em cujo artigo 19.º/1/a) se pode ler:

“1 - O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário:

a) Para as pessoas singulares, o local da residência habitual;”

Em abono da sua tese, invoca a ATA o elemento sistemático da interpretação que, reportando-se às normas da LGT relativas ao domicílio fiscal e ao regime do Estatuto dos Benefícios Fiscais respeitante à isenção de IMI (artigo 46.º daquele diploma, anterior artigo 42.º), atendível nos termos da alínea b) do artigo 2.º da LGT, imporá a equivalência sustentada entre os referidos conceitos.

No mesmo sentido, ainda no entendimento da ATA, deporão exigências de segurança e certeza jurídicas, designadamente por se proporcionarem situações, como a dos autos, em que os sujeitos passivos possam beneficiar de benefícios análogos relativamente a dois prédios distintos (a isenção do artigo 10.º/5 do CIRS e a do artigo 46.º do EBF).

Conclui, finalmente, a ATA que a posição por si sustentada não acarreta qualquer violação dos princípios da legalidade e da proporcionalidade.

Vejamos se lhe assiste razão.

*

Antes de tudo o mais, entende-se que a redacção do próprio artigo 10.º/5/a) e b) do CIRS é suficientemente clara, não deixando lugar a grandes dúvidas.

Com efeito, e desde logo, se o legislador pretendesse que o requisito para o benefício em causa fosse o estabelecimento do domicílio fiscal no imóvel adquirido, tê-lo-ia dito expressamente, como o fez no EBF.

Concede-se, contudo, que este argumento, isoladamente, pudesse conceder abertura às dúvidas, que no caso a ATA suscita.

Contudo, uma leitura mais atenta da norma em causa, revela um detalhe adicional. O artigo 10.º/5 refere-se “a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar”. Esta alternatividade apenas fará sentido, como se verá de seguida, na perspectiva de que a habitação “a habitação própria e permanente” possa não coincidir com o domicílio fiscal.

Senão vejamos.

O artigo 13.º/6 do CIRS refere que “As pessoas referidas nos números anteriores não podem, simultaneamente, fazer parte de mais de um agregado familiar nem, integrando um agregado familiar, ser consideradas sujeitos passivos autónomos.”. Ou seja, existindo agregado familiar, haverá um domicílio fiscal do próprio agregado familiar, que será o relevante para efeitos de IRS, não podendo, pelo menos para efeitos deste imposto, o agregado familiar ter dois domicílios fiscais.

Neste contexto, a apontada referência do artigo 10.º/5 do CIRS “a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar”, apenas poderá ser compreendida como tendo o sentido de a habitação própria permanente poder divergir do domicílio fiscal.

Com efeito, e concretizando, poderá efectivamente ocorrer (ainda mais nestes tempos de elevada mobilidade geográfica, potenciada pela crise que globalmente se atravessa) que um dos membros a quem incumba a direção de um agregado familiar fixe a sua “habitação própria e permanente” num local distinto da do agregado que integra. Basta pensar, por exemplo, num cônjuge que, por força de dificuldades económicas se veja forçado a largar a casa de morada de família no continente, para ir trabalhar para uma Região Autónoma (ou vice-versa), ou para o território de outro Estado membro da União Europeia ou do espaço económico europeu, onde exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, aí ficando a maior parte do ano, e apenas visitando a família duas vezes por ano. Neste caso, a habitação própria e permanente do cônjuge migrante será distinta do seu agregado, que será a que releva para efeitos de domicílio fiscal, pelo menos em sede de IRS.

Ora, a expressão utilizada no artigo 10.º/5 do CIRS evidencia, justamente, tal divergência. Com efeito a referência a “habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar”, não deixa lugar a dúvidas. O legislador não quis dizer “a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do agregado familiar”, quis dizer “ou do seu”, deixando claro que a habitação própria permanente de um sujeito passivo, que é o que releva para esse artigo, pode ser distinta da “do seu” agregado familiar, quando o domicílio fiscal, para efeitos de IRS, pelo menos, não poderá!

Por outro lado, o próprio n.º 6 do mesmo artigo, sublinhado pela ATA, que refere que “Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando: a) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afete à sua habitação ou do seu agregado familiar até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efetuado;”, depõe no sentido apontado, na medida em que, uma vez mais, e reforça a necessidade de “afetação à habitação”, e não de “fixação do domicílio fiscal”, o que poderia e deveria ser dito, se fosse essa efectivamente essa a intenção do legislador.

Em suma, considera-se assim que resulta, suficientemente e desde logo, do próprio artigo 10.º/5 do CIRS a intenção do legislador de não equiparar os conceitos de “habitação própria e permanente e domicílio fiscal.”.

*

Entendendo-se que a intenção do legislador foi a que se acabou de apontar, poderia, não obstante, detectar-se incoerências sistemáticas, designadamente nas situações indicadas pela ATA, que não abalariam, contudo, que aquela intenção, devidamente expressa, como se viu, fosse colocada em causa.

Não será, contudo e sequer, esse o caso.

Com efeito, e desde logo no que diz respeito ao artigo 19.º/1/a) da LGT, o mesmo não diz que o local da residência habitual é o domicílio fiscal, mas, precisamente, o contrário, ou seja, que o domicílio fiscal é que deve corresponder ao local da residência habitual.

Ou seja, o “domicílio fiscal” é um conceito de direito, que tem o seu substrato fático, na situação da realidade qualificável como “residência habitual”. Dito de outro modo: o que seja, demonstradamente, na realidade, a residência habitual de um sujeito passivo é que determinará o que deva ser o seu domicílio fiscal, e não o contrário, que é o que parece entender a ATA, em que o que de modo formalmente correto conste como “domicílio fiscal” determine o que seja a “residência habitual” de um sujeito passivo.

Em suma: entende-se que a circunstância de determinado local constar como “domicílio fiscal” de um sujeito passivo, não fará com que a sua “residência habitual” seja esse local.

Deste modo, a dissonância entre o que formalmente conste como “domicílio fiscal” de um sujeito passivo, e o que efectivamente seja a sua “residência habitual”, deverá ser resolvida alterando-se o primeiro e fazendo-o coincidir com a segunda, e não o oposto, ou seja, considerar-se que esta corresponde àquele, aplicando-se, na medida em que se verifiquem os respectivos pressupostos, as sanções que no caso caibam aos responsáveis.

No que respeita à discussão em causa nos autos, entende-se ser de notar ainda que a LGT, na matéria que se vem de abordar, refere-se a “residência habitual”, e não a “habitação própria e permanente”, pelo que nem sequer a nível terminológico se verifica uma coerência sistemática que pudesse fundamentar satisfatoriamente uma relação entre a matéria do domicílio fiscal, regulada na LGT, e a matéria da “habitação própria e permanente”, a que se refere o artigo 10.º/5 do CIRS.

***

Relativamente ao regime do artigo 46.º do EBF, entende-se também que o mesmo não oferece suporte suficiente para fundamentar, enquanto dado relevante do elemento sistemático da interpretação, leitura diferente da que foi atrás feita, da norma do artigo 10.º/5 do CIRS.

Efectivamente, consta do número 9 da referida norma do EBF que:

“Para efeitos do disposto no presente artigo, considera-se ter havido afetação dos prédios ou partes de prédios à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar se aí se fixar o respetivo domicílio fiscal.”.

Ora, a norma em causa é perfeitamente clara, no sentido de que o que aí se dispõe está limitado “Para efeitos do disposto no presente artigo”.

Não se refere que seja “para efeitos do presente diploma”, ou, o que poderia colocar mais dificuldades, “para efeitos de benefícios fiscais”. Nem se diz singelamente que “considera-se ter havido afetação dos prédios ou partes de prédios à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar se aí se fixar o respetivo domicílio fiscal.”. Pelo contrário, fez-se questão de limitar o dispositivo da norma ao artigo em causa.

Desta forma, crê-se não ser sustentável o entendimento de que a norma do EBF em questão possa ver o seu âmbito de aplicação, pela via do elemento sistemático da interpretação ou por qualquer outra forma, alargado às situações reguladas pelo artigo 10.º/5 do CIRS.

Na realidade, e pelo contrário, a circunstância de se verificar um paralelismo entre a norma do artigo 46.º/1 do EBF e do referido artigo 10.º/5, apenas confirma que na ausência de um preceito análogo ao do n.º 9 do artigo 46.º do EBF, a referência a “habitação própria e permanente” não exige a identidade desta com o domicílio fiscal. Ou seja: se o legislador sentiu necessidade, face ao n.º 1 do artigo 46.º do EBF, introduzir a norma do n.º 9, é porque entendeu que a redação daquele, sem esta, não exigia a fixação de domicílio fiscal pelo sujeito passivo, no imóvel adquirido.

Ora, conjugada esta circunstância com o facto de a atual redação da norma do EBF em causa (artigo 46.º/9), ter sido introduzida pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, quando o artigo 10.º/5 do CIRS já tinha a sua atual redacção, reforça, uma vez mais e se preciso fosse, a ideia de que, efectivamente, o teor do n.º 9 do artigo 46.º do EBF se limita, como a própria norma o afirma, ao próprio artigo que integra.

*

Em todo o caso, e mesmo que se concluísse que se deveria considerar como “habitação própria e permanente” do sujeito passivo o respectivo domicílio fiscal, sempre tal se haveria de entender como uma mera presunção, ou seja, como a estatuição de um facto desconhecido (o local da “habitação própria e permanente”) a partir de um facto conhecido (o local declarado como domicílio fiscal).

Ora, assim sendo, e não se vislumbrando fundamento para sustentar que a presunção em causa teria natureza de iure et de iuris, a qual aliás não se coadunaria com a possibilidade de a AT conhecer oficiosamente, nestas matérias de residência e domicílio, necessariamente se haveria de conceder que a mesma admitiria prova em contrário.

Neste sentido, de resto, pode conferir-se o Ac. do STA de 23-11-2011, proferido no processo 0590/11, disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário se pode ler:

“II - O facto dos sujeitos passivos não terem comunicado a mudança de domicílio para o prédio relativamente ao qual pediram a isenção de IMI, por si só, não indicia que não têm habitação própria e permanente nesse prédio.

III - A morada em certo lugar, a habitatio, pode demonstrar-se através “factos justificativos” de que o beneficiado fixou no prédio o centro da sua vida pessoal.”.

Efectivamente, não se descortina que interesse teria a própria Administração Tributária em ficar prisioneira de uma tal presunção conexa com o preenchimento, ou falta dele, de deveres declarativos dos contribuintes. Por exemplo, que interesse teria ela (ou o credor de imposto que ela representa) de ver-se exposta ao comportamento de sujeitos passivos que, mantendo a aparência do cumprimento formal dos seus deveres declarativos, na prática dificultassem, com presunções conexas à declaração do domicílio fiscal, o conhecimento oficioso da realidade factual da residência habitual – seja para efeitos de incidência de diversos tributos em especial, não somente o IRS, seja mais amplamente para efeitos de conexão dessa realidade factual com a aplicação dos princípios da capacidade contributiva e da proporcionalidade?

O conhecimento oficioso das circunstâncias relevantes para a determinação do domicílio fiscal, aliás, permite aduzir mais um argumento no caso sub iudice: determinado oficiosamente que o domicílio fiscal não corresponde à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, o que é que se segue: a eliminação do benefício relativo ao IMI, fundamentada na circunstância de a habitação própria e permanente não ser aquela?

Mas a ser assim, ficaria - por absurdo - para sempre consagrada aquela disparidade (bloqueada por uma falha declarativa geradora de presunção inilidível), ou haveria um momento a partir do qual se admitiria, por fim, que a habitação própria e permanente e domicílio fiscal voltassem a ser os mesmos – voltando então a preencher-se, entre outros, os requisitos do benefício fiscal (quiçá, tarde de mais)?

O ponto é especialmente melindroso quando se percebe, como no caso em apreço, que a factualidade do reinvestimento - o dever principal objecto da norma, o dever cuja verificação condiciona a respectiva estatuição - obedeceu aos prazos estabelecidos na lei, sendo que o mesmo não sucedeu apenas com os deveres declarativos acessórios.

Por outras palavras, a materialidade é que contará: se fosse a formalidade, se ela fosse constitutiva, não se poderia admitir o seu conhecimento oficioso – que obviamente só se justificaria porque o legislador reconhece que a AT pode chegar a essa verdade material e lidar com ela apesar da falta de qualquer formalidade, declarativa ou outra, da parte dos sujeitos passivos.

Neste sentido, no caso e face aos factos dados como provados, sempre se concluiria que, tendo em conta a demonstração de que os Requerentes, a partir do final do ano de 2010, fixaram a sua habitação própria e permanente na fracção V, a presunção em causa estaria infirmada.

*

Não se diga, por fim, que a posição que acime se segue, é contrária a qualquer exigência de segurança ou certeza jurídica que no caso caiba acautelar.

Com efeito, não se demonstra ou indicia sequer, que a Administração Fiscal condicione, por qualquer forma, a sua actuação em matéria conexionada com a questão em causa (tributação de mais-valias resultante da alienação de imóveis destinados à habitação própria permanente), com base em expectativas atendíveis fundadas no domicílio fiscal do contribuinte.

Muito pelo contrário, e como se demonstra nos autos, na medida em que prontamente a Administração Fiscal deu conta da disparidade de situações, aquela dispõe de todos os meios necessários a detectar qualquer incongruência que na matéria se verifique de modo a, em conformidade com o que seja a realidade, atuar no sentido de repor a legalidade fiscal, que, no caso, passaria pela revogação dos benefícios fiscais indevidamente auferidos pelos Requerentes, e pela aplicação das sanções legalmente previstas pelas normas relativas às infracções fiscais.

Esse será, precisamente, o procedimento adequado à cabal realização das teleologia própria das normas relevantes in casu.

De facto, se se excluem de tributação os ganhos obtidos na alienação de habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar é porque se reconhece que o valor em causa, o da mobilidade habitacional dos agregados familiares, é um valor extrafiscal superior aos interesses creditícios do titular do imposto, assente na ideia de que o imposto sobre o rendimento não deve constituir-se em entrave agravado àquela mobilidade (agravado porque concorreria com os demais impostos que já incidem sobre a transmissão onerosa de imóveis).

Ora, se a exclusão de tributação assenta nesse reconhecimento da superioridade do valor extrafiscal sobre o fiscal, mais absurdo se torna que pudesse afastar-se esse regime por uma presunção tida por inilidível (se é que o Direito, e em especial o Direito Fiscal admite essa categoria…), o que equivaleria a tributar-se com o escopo, já não de repor a correspondência entre verdade material e formalidade declarativa, mas de punir a violação de um mero dever acessório, especificamente a não-comunicação atempada do domicílio fiscal.

Mas a tributação das mais-valias derivadas da alienação de habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar deverá assentar na não-verificação efectiva dos pressupostos da exclusão da tributação, e não deverá no não-preenchimento de meros deveres declarativos, e menos ainda quando se trate de declarar situações que, como se viu, nem sequer integram o fattispecie normativo.

Entender de outro modo não seria somente confundir o cumprimento de deveres principais (os do preenchimento do tipo legal) com o cumprimento de deveres acessórios (facilitadores da administração da relação tributária): seria, muito mais gravemente, muito mais perigosamente, converter um imposto numa sanção, confundindo a função tributária com a função sancionatória – duas funções que, por terem normalmente o mesmo sujeito activo, devem ser estritamente, constantemente, separadas no contexto do Estado de Direito.

*

Assim, considerando-se que no caso está demonstrada a fixação de habitação própria e permanente pelos Requerentes, no imóvel adquirido, tal como o artigo 10.º/5/b) exige, julga-se ser de proceder o pedido efectuado pelos Requerentes nos autos.

 

 

C. Decisão

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a) Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegal a liquidação adicional de IRS n.º 20125…, relativa ao ano de 2011, de que resultou um saldo global a pagar de €65.006,71, anulando-a;

b) Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante de €2.448.00.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €65.006,71, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €2.448.00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar integralmente pela Requerida, uma vez que o pedido foi integralmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 25 de Novembro de 2013

 

 

 

Os Árbitros

 

 

 

(José Pedro Carvalho)

(Presidente - Relator)

 

 

 

(Fernando Borges Araújo)

 

 

 

(José Rodrigo de Castro)

(vencido nos termos da declaração infra)


 

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, n.º 5, do Código de Processo

Civil, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do Regime de Arbitragem Tributária.

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO DO CO-ÁRBITRO JOSÉ RODRIGO DE CASTRO:

 

Por não concordar, de todo, com o devido respeito, que é muito, com a posição do Ex.mo Presidente e também com a do Ex.mo Co-árbitro neste processo, passo expor a minha posição na presente declaração de voto.

Veja-se, então:

A norma do art.º 10.º, n.º 5 do Código do IRS refere expressamente que:

5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes condições:

  1. Se no prazo de 36 meses contados da data da realização, o valor da realização …. for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel…exclusivamente com o mesmo destino…

  2. Se o valor da realização…for utilizado no pagamento da aquisição a que se refere a línea anterior desde que efetuadas nos 24 meses anteriores;

  3. Para efeitos do disposto na alínea a), o sujeito passivo deverá manifestar a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando, na declaração de rendimentos respeitante ao ano de realização, o valor que tenciona reinvestir;”

A norma do art.º 10.º, n.º 6 do mesmo Código refere o seguinte:

6 – Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando:

  1. Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afete à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efetuado.

  2. …”

Face ao conteúdo das normas referidas, parece poder concluir-se o seguinte:

1.º - Que a exclusão tributária das mais-valias nos termos do artigo 10.º, ou seja, nos casos de reinvestimento total ou parcial, terá sempre que partir da alienação da habitação própria e permanente ou do seu agregado familiar para aquisição de nova habitação própria e permanente (que pode ser adquirida previamente) ou em melhoria de um bem imóvel destinado à habitação própria ou permanente ou à aquisição de terreno para auto-construção e que venha a ser destinado também à habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, cumpridos os demais pressupostos.

2.º - Que o sujeito passivo destine a nova habitação adquirida ou auto-construída à habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, dentro dos prazos legalmente estabelecidos, em regra até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efetuado ou até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização, no caso de auto-construção.

3.ª – O cerne da questão consiste, pois, em saber, o sentido a dar ao conteúdo da expressão habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar ou à mera habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.

Por outro lado, a atual norma do artigo 46.º do EBF, refere o seguinte:

1 – Ficam isentos de imposto municipal sobre imóveis, nos termos do n.º 5, os prédios ou parte dos prédios urbanos habitacionais construídos, ampliados, melhorados ou adquiridos a título oneroso, destinados à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, cujo rendimento….. e que sejam efetivamente afetos a tal fim, no prazo de seis meses após a aquisição ou a conclusão da construção, da ampliação ou dos melhoramentos, salvo por motivo não imputável ao beneficiário….

Para efeitos do disposto no presente artigo, considera-se ter havido afetação dos prédios ou partes dos prédios à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar se aí se fixar o respetivo domicílio fiscal.

Anote-se que a condição da norma não é a comunicação do domicílio, mas tão só a de fixação do domicílio na habitação adquirida.

De relevar que esta norma do n.º 9 do artigo 46.º do EBF foi introduzida pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro (então n.º 6 do artigo 42.º), com entrada em vigor em 1 de janeiro de 2002, posteriormente à entrada em vigor da LGT em 1 de Janeiro de 1999.

E de relevar também que o artigo 19.º da LGT, desde início, consagrou o seguinte acerca de residência e domicílio fiscal:

N.º 1 – O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário:

  1. Para as pessoas singulares, o local da residência habitual;

  2. Para as pessoas coletivas…

N.º 2 – É obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio fiscal do sujeito passivo à administração tributária.

N.º 3 – É ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária.

N.º 4 - …

N.º 5 - …

N.º 6 – A administração tributária poderá retificar oficiosamente o domicílio fiscal dos sujeitos passivos se tal decorrer dos elementos ao seu dispor.”

Posteriormente, este artigo 19.º da LGT sofreu alterações dadas pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, com entrada em vigor em 1-1-2005, mas apenas no que se refere ao n.º 5, relativamente aos sujeitos passivos residentes no estrangeiro.

Pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, com entrada em vigor em 1 de janeiro de 2012, foram introduzidas alterações substanciais a este preceito, que se relevam:

N.º 2 – O domicílio fiscal integra a caixa postal eletrónica, nos termos previstos no serviço público de caixa postal eletrónica.

N.º 3 – É obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária. (anterior n.º 2)

N.º 4 – É ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária. (anterior n.º 3)

N.º 5… (anterior n.º 4)

N.º 6 – (anterior n.º 5)

N.º 7 – (aditado)

N.º 8 – A administração tributária poderá retificar oficiosamente o domicílio fiscal dos sujeitos passivos se tal decorrer dos elementos ao seu dispor. (anterior n.º 6)

N.º 9 – Os sujeitos passivos do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas com sede ou direção efetiva em território português e os estabelecimentos estáveis de sociedades e outras entidades não residentes, bem como os sujeitos passivos residentes enquadrados no regime normal do imposto sobre o valor acrescentado, são obrigados a possuir caixa postal eletrónica, nos termos do n.º 2, e a comunica-la à administração tributária no prazo de 30 dias a contar da data do início da atividade ou da data de início do enquadramento no regime normal do imposto sobre o valor acrescentado, quando o mesmo ocorra por alteração. (aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30/12 e reformulado pela Lei n.º 66-B/2012, de 31/12)

N.º 10 – O Ministro das Finanças regula, por portaria, o regime de obrigatoriedade do domicílio fiscal eletrónico dos sujeitos passivos não referidos no n.º 9. (aditado)

De facto, como se constata, as normas fiscais do art.º 10.º do Código do IRS e a do artigo 46.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais acautelaram de uma forma aparentemente diferente os interesses do Estado quanto, respetivamente, à exclusão tributária em caso de reinvestimento e ao benefício fiscal da isenção de imóveis destinados à habitação do sujeito passivo.

Diga-se que o legislador do EBF e mais precisamente do atual artigo 46.º desde o início de 2002 que procurou precisar que “para efeitos do disposto no presente artigo, considera-se ter havido afetação dos prédios ou partes dos prédios à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar se aí se fixar o respetivo domicílio fiscal.”

Foi uma forma de precisão que pretendendo reforçar a condição da isenção, em meu entender não representará, em substância, coisa diferente do que é exigido no art.º 10.º, n.º 5 e alínea a) do CIRS, que vai no sentido de o sujeito passivo, quando alienar um imóvel destinado à sua habitação própria e permanente, der ao imóvel objeto do reinvestimento o mesmo destino, ou seja, à sua habitação própria e permanente ou do seu agregado familiar.

E a essa data do aditamento do atual n.º 9 do art.º 46.º do EBF, ocorrida em 2002, já se encontrava em vigor a disposição dos n.ºs 2 e 3 do art.º 19.º da LGT, referindo:

N.º 2 – É obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio fiscal do sujeito passivo à administração tributária.

N.º 3 – É ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária.”

Então, qual a razão por que o legislador do EBF introduziu em 2002, no n.º 9 do art.º 46.º, que, para efeitos deste artigo, é condição de isenção para os prédios urbanos destinados à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, “se aí se fixar o respetivo domicílio fiscal”.

Aliás, repare-se que o referido n.º 9 do art.º 46.º do EBF não refere que sujeito passivo deve comunicar o seu domicílio fiscal, mas que o fixe na habitação adquirida para sua residência própria e permanente ou do seu agregado familiar.

O sujeito passivo até poderia fixar na habitação adquirida para o efeito o seu domicílio fiscal, mas se o não comunicar à administração tributária, tal facto é ineficaz, por força do disposto no n.º 3 do artigo 19.º da LGT, quer para efeitos do disposto do art.º 10.º, nº 5 do CIRS, quer para efeitos do art.º 46.º, n.º 9 do EBF.

E nem pode argumentar-se que a comunicação não era exigível porque quer o Código do IRS quer o EBF não contêm norma que obrigue o sujeito passivo a fazê-lo. E não era necessário que neles exista essa norma, porque existe no ordenamento jurídico, norma jurídica supra leis fiscais, que dispõe para todas as situações desta natureza, como bem se expressa no art.º 19.º da LGT.

E nem se me afigura também relevante que numa norma se fale em habitação própria e permanente, conforme art.º 10.º, nº. 5 e noutra em domicílio fiscal, porque ambas têm, em ambas as situações em análise, o mesmo valor, dado que o domicílio fiscal é o local da residência habitual, que o mesmo é dizer da habitação permanente.

Veja-se a redundância que seria se o legislador do art.º 46.º, n.º 9 do EBF dissesse, v.g.: Para efeitos do presente artigo, considera-se que a afetação do imóvel adquirido para habitação própria e permanente ocorre quando o sujeito passivo adquirente aí fixar a sua residência própria e permanente.

O legislador terá tido necessidade de fugir à duplicação desta expressão e de dizer: e aí fixar o seu domicílio fiscal - que é, em substância, a mesma coisa, pois que residência permanente é permanente, não ocasional e, em consequência é a residência habitual – logo, o domicílio fiscal.

Igualmente, no que se refere ao art.º 10.º, n.º do CIRS, de que serve a prova de que o adquirente da nova habitação adquirida por reinvestimento aí fixou a sua residência permanente se não comunicar tal facto à administração fiscal?

Como poderá saber a administração tributária que estes factos – o referido no n.º 9 do art.º 46.º do EBF e o do n.º 5 do art.º 10.º do CIRS, - se o sujeito passivo não os comunicar à administração tributária?

Teria de haver um inspetor para cada contribuinte nestas condições, para acompanhar estes factos, o que, sendo de todo impossível, criou a norma do art.º 19.º da LGT e em particular os seus n.ºs 2 e 3.

Aliás, a falta de comunicação traria necessariamente abusos, como foi, aliás, o caso dos Requerentes, que por ausência de tal comunicação continuaram a beneficiar indevidamente da isenção de IMI até 2013, relativamente à fração S quando em 2010 e dando como provado que assim tenha sido, já haviam transferido a sua residência para a fração V.

Não se me afigura, pois, que a referência na norma do art.º 10.º, n.º 5, quanto à obrigatoriedade de afetar a residência onde se fez o reinvestimento à sua habitação própria e permanente ou do seu agregado familiar, seja uma norma de conteúdo meramente substancial e isso seja suficiente para obtenção da exclusão tributária.

É que, para além disso, sendo a LGT um diploma que regula todos os princípios enformadores de todo o sistema tributário e pese embora não sendo de valor reforçado, as suas disposições legais prevalecem sobre outras da mesma natureza, por força do que se dispõe no n.º 2, em que se refere expressamente que às relações jurídico-tributárias aplica-se, em primeiro lugar, as normas da LGT, em segundo as do CPPT e as dos demais códigos e leis tributárias e o Estatuto dos Benefícios Fiscais, incluindo a lei geral sobre infrações tributárias, depois o CPA e demais legislação administrativa e, por fim, o Código Civil e o Código de Processo Civil.

É claro que a administração tributária poderia, quando do direito de audição e quando do pedido de alteração do domicílio fiscal, promover a verificação da veracidade do que se referiu nessa altura, e requereu em 16 de janeiro de 2013, mas, de facto, apesar do dever de colaboração, a administração tributária não estava obrigada a fazê-lo, muito menos com efeitos retroativos, visto que no caso sub-judice já se havia iniciado em Novembro de 2012 o procedimento tributário de inspeção da situação tributária dos Requerentes.

Eis, em síntese, porque entendo que a administração tributária precisa de ter certeza e segurança jurídicas na aplicação dos benefícios fiscais ou nas exclusões tributárias, que constituem, em qualquer caso, a não arrecadação de dinheiros públicos, e essa certeza só é possível existir quando os contribuintes cumpram com todas as suas obrigações legais, designadamente as acessórias, como não aconteceu neste caso.

Por outro lado, não se reconhece, pelo exposto, qualquer violação do princípio da legalidade e da constitucionalidade e ainda menos o da proporcionalidade.

Eis porque voto vencido a decisão proferida, pese embora a prova testemunhal e documental produzida, que sendo relevante, não são o meio adequado para a AT proceder à cessação dos benefícios que indevidamente continuam a decorrer e da exclusão tributaria pelo reinvestimento.

 

Lisboa, 25 de Novembro de 2013.

 

O Árbitro,

 

(José Rodrigo de Castro)