Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 313/2015-T
Data da decisão: 2016-01-25  IRS  
Valor do pedido: € 4.373,25
Tema: IRS - Mais-valias; encargos e despesas (alínea a) do nº 1 do art. 51º do CIRS)
Versão em PDF

Decisão Arbitral

 

I – Relatório

 

1. No dia 18 de Maio de 2015, A... e B..., casados, residentes na Av..., Lote..., 2º Esq., ..., ...-... ..., com os números de identificação fiscal ... e ..., respectivamente (adiante designados como Requerentes), vêm, nos termos do disposto no artigo 10º do RJAT, requerer a constituição de Tribunal Arbitral para anulação do acto de liquidação de IRS n.º 2014..., referente ao ano de 2013, no valor de € 4.373,25 (quatro mil, trezentos e setenta e três euros e vinte cinco cêntimos), e dos subsequentes actos de indeferimento da reclamação graciosa e da presunção de indeferimento tácito do recurso hierárquico pelos requerentes interposto, contra a Autoridade Tributária a Aduaneira (adiante designada como Requerida). Com o Requerimento foram juntos, para além de duas procurações e comprovativo de pagamento da taxa inicial, dezassete documentos. 

2. No requerimento apresentado o Requerente não designou árbitro tendo sido por decisão do Presidente do Conselho Deontológico, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, designada como árbitro único a signatária, que aceitou o cargo no prazo legalmente estipulado.

3. O tribunal arbitral ficou constituído em 28 de Julho de 2015.

4. A Administração Tributária e Aduaneira (AT ou Requerida) enviou a Resposta e o processo administrativo (PA) em 1 de Outubro de 2015, respectivamente.

5. Tendo os Requerentes respondido, em 19 de Outubro de 2015, à excepção suscitada pela Requerida, o tribunal, com anuência das Partes dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, seguindo-se decurso de prazo para apresentação de alegações escritas sucessivas.

6. As Partes apresentaram as suas alegações em 20 de Novembro e 10 de Dezembro de de 2015, respectivamente, e o tribunal designou o dia 25 de Janeiro de 2016 como data limite para proferir a decisão final.

 

7. O Pedido de Pronúncia

Os Requerentes dizem, em síntese (da nossa responsabilidade):

-          Notificados do acto de liquidação, apresentaram reclamação graciosa que foi apenas parcialmente deferida levando em consideração os custos de escritura e registos no montante de € 829,99, pelo que interpuseram recurso hierárquico da mesma a 14 de Janeiro e, não tendo este sido decidido em 60 dias, vêm apresentar o presente Pedido nos termos do art. 66º, n.º 5 do CPPT e ar.10º, n.º 1, al. a) do RJAT.

-          Por óbito de C..., ocorrido em 17 de Junho de 2009, sucederam-lhe, como herdeiros únicos e universais, a esposa e dois filhos - a Requerente e seu irmão.

-          Por escritura de partilhas, em 10 de Fevereiro de 2011, foi atribuído à ora Requerente a fracção autónoma designada pela Letra D, destinada a habitação e constituída em regime de propriedade horizontal registada sob a Ap. n.º … de 10 de Novembro de 1993, situada na rua ... n.º..., freguesia da..., ..., com valor patrimonial de € 83.932,70, imóvel onerado por dívidas que ascendiam a € 80.825,50.

-          Na partilha foi atribuído ao imóvel o valor de €90.000,00, encontrando-se a fracção onerada com um passivo constituído por: hipotecas no total de €56.829.72 à data da partilha, para garantia de dois mútuos a favor do Banco H..., S.A., um no valor de €27.381,52 e outro de €29.448,20; uma penhora a favor do D..., no montante em execução de 23.995,78€; uma dívida reclamada pela Segurança Social, nesse processo executivo, de €16.320,50.

-          Pela escritura de partilhas foi adjudicado à Requerente o activo cuja verba única era o referido imóvel, e todo o passivo que onerava tal imóvel.

-          Em 11 de Janeiro de 2013, a Requerente vendeu a referida fracção, livre de ónus ou encargos, pelo valor de €90.000,00, à sociedade comercial anónima E..., S.A., pelo que teve que liquidar todos os empréstimos hipotecários que incidiam sobre o imóvel assim como as dívidas ao D... e à Segurança Social. 

-          A liquidação de IRS objecto do Pedido – cuja dívida os requerentes pagaram em 27 de Outubro de 2014 - considerou como valor de aquisição do imóvel o valor de €88.482,87 e como valor de realização €130.020,00, não considerando o passivo com que o imóvel estava onerado.

-          A tributação das mais-valias surge na medida em que da alienação de um determinado bem por um valor superior àquele por que foi adquirido resulta um acréscimo patrimonial na esfera do sujeito passivo alienante mas, no caso em apreço, a Requerente não teve qualquer incremento patrimonial na sua esfera jurídica devido às despesas com o passivo que onerava o imóvel e que teve de assumir.

-          Para efeitos da liquidação do IRS, atenta a finalidade da norma (artigo 51º, al. a) do CIRS), deve-se somar ao valor de aquisição os encargos assumidos pela requerente relativamente aos pagamentos aos bancos com garantias sobre o bem - as despesas efectuadas pela requerente aquando da aquisição do imóvel, devem ser encaixadas na segunda parte da al. a) do artigo 51º do CIRS, entendendo-se que quanto às “despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação”, não é exigível que as obrigações, ónus ou deveres suportados pelo sujeito passivo tenham valorizado o imóvel, bastando que sem a realização dessas despesas a Requerente não tinha conseguido vender o imóvel.

-          Vai neste sentido a Ficha Doutrinária DGCI publicada de acordo com a informação vinculativa proferida no Proc. .../2008, sobre interpretação da expressão “despesas necessárias” constante da alínea a) do artigo 51.º do CIRS.

-          A não se adoptar esta interpretação haverá violação dos princípios da Capacidade Contributiva (artigos 13º, 103º e 104º da CRP, preceitos garantísticos do principio da igualdade e da propriedade privada, da repartição justa dos rendimentos e da progressividade), do Rendimento Líquido, decorrência do princípio da capacidade contributiva na modelação do imposto sobre o rendimento, segundo o qual apenas o montante líquido constitui (verdadeiro) rendimento para o pagamento dos impostos.

-          O legislador procura afastar a tributação de manifestações de riqueza que não correspondem à realidade e em que não houve qualquer incremento patrimonial na esfera do sujeito passivo, sob pena de violação do artigo 4º, n.º 1 da LGT.

-          Como valor de aquisição foi apenas considerado o valor patrimonial de € 88.482,87, mas desconsiderando completamente um valor de passivo.

-          O valor de aquisição a considerar deveria ter sido de €182.426,11, valor muito mais justo e de acordo com a verdade material - correspondente a €90.000,00, valor patrimonial atribuído pela escritura de partilha, mais os €56.829,72, relativos às hipotecas, mais €23.995,78 relativo à penhora do D... e ainda €11.600,61 relativo à divida que onerava o imóvel reclamada pelo Instituto da Segurança Social, IP (estes dois últimos valores, apesar de não fazerem parte do valor patrimonial atribuído pela escritura de partilha, tiveram de ser pagos pela requerente aquando da aquisição do imóvel).

-          Aliás, já no ano de 2011 o imóvel foi tributado em sede de IMI de acordo com o valor de €130.020,00, o que reforça que, independentemente do passivo, o valor patrimonial do imóvel era mais elevado do que aquele que foi considerado como valor de aquisição.

-          O acto impugnado, ao não considerar como parte integrante do valor de aquisição despesas que são indissociáveis à alienação do imóvel padece do vício de violação de lei - do artigo 51º, al. a) do CIRS, do artigo 4º da LGT – e mesmo de inconstitucionalidade por violação dos artigos 13º, 103º e 104º da CRP.

-          A liquidação impugnada já foi paga pelo que, para além da anulação do ato de liquidação impugnado, deve a Requerida ser condenada à integral restituição aos Requerentes do montante pago, no montante global de €4.449,68 e a pagar juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento até efectiva e integral restituição.

 

8. A Resposta

A Requerida responde, em síntese (da nossa responsabilidade):

Como questões prévias, invoca:

-          IIegibilidade do acto de liquidação objecto do Pedido e extemporaneidade do pedido de pronúncia arbitral apresentado em 18 de Maio de 2015, porque os Requerentes vêm impugnar directamente o acto de liquidação relativo ao pagamento IRS de 2013, cuja data limite de pagamento da liquidação terminaria em Novembro de 2014, não fazendo qualquer referência à decisão do recurso hierárquico.

Quanto ao objecto do Pedido, defende a improcedência do mesmo porque:

-          Não assiste razão quanto à tese dos Requerentes de que, na liquidação do IRS e aplicação do disposto na alínea a) do art. 51º do CIRS, devem ser tomados em conta os encargos financeiros em que incorreram para saldar os ónus que impendiam sobre o imóvel recebido em partilha por herança e que vieram, posteriormente, a alienar.

-          É de confirmar a decisão da reclamação graciosa de que «Para efeitos de determinação de mais - valias resultantes da alienação de um imóvel que tenha sido adquirido a título gratuito, estabelece o art. 45º do CIRS que o valor de aquisição a considerar, corresponde ao valor que tiver sido considerado para efeitos de liquidação de imposto de selo, ou não tendo havido liquidação desse imposto (por se aplicar uma isenção) o valor que seria de considerado caso a mesma ocorresse.»

-          A despesa com as hipotecas e penhoras que oneravam o imóvel, não são despesas necessárias inerentes à alienação, previstas na alínea a) do art. 51º do CIRS.

-          Ainda que haja alguma indeterminação no preenchimento do conceito de encargos (artigo 51.º) não é certo afirmar que a interpretação da Requerida viola os princípios da capacidade contributiva e do rendimento liquido (artigos 13°, 103° e 104° da CRP).

-          As despesas necessárias e efectivamente praticadas são as inerentes à aquisição e alienação, sendo assim considerados os encargos notariais e de registo predial, sem os quais a operação não se pode vir a realizar, e que a AT aceitou, tais como despesas que os sujeitos passivos suportaram e apresentaram, relacionadas como o pagamento do IMT, das escrituras e registos.

-          Já os encargos com juros e amortização dos ónus que impendiam sobre o imóvel, os mesmos não têm enquadramento no conceito de valorização do imóvel, pois quer os mesmos existam ou não, o valor do imóvel é o mesmo.

-          No sentido da interpretação feita pela AT de que estão afastadas do âmbito de aplicação do artigo 51º do CIRS as despesas que resultem de pagamentos de hipotecas de dívidas em geral que onerem o imóvel, pronunciou-se já o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 451/2010.

-          Assim, o acto de liquidação de IRS não padece dos vícios indicados pelos Requerentes, nem se verificou qualquer erro por parte dos serviços na aplicação da lei aos factos em causa, não havendo lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, e devendo ser considerada improcedente a pretensão dos Requerentes, com absolvição da Requerida de todos os pedidos.

 

9. Questões a decidir

9.1. Questão prévia e excepção 

Quanto à ilegibilidade do documento referente ao acto de liquidação objecto da apreciação nos autos, considera-se o argumento improcedente porque, embora se confirme a reduzidíssima legibilidade da cópia do documento de cobrança junto aos autos, a Requerida não teve qualquer dificuldade em situar o acto e defender-se, tendo inclusivamente sido junta documentação que confirmava o conteúdo do acto.

 

Quanto à excepção será decidida, a título prévio, na sequência da fixação da factualidade.

 

9.2. Questão objecto do Pedido

A questão fundamental objecto do Pedido consiste em saber se, num caso de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (alínea a) do nº 1 do artigo 10º do CIRS), a determinação de mais-valias sujeitas a IRS ao tomar em conta as despesas e encargos dos bens, nos termos do disposto no art. 51º do CIRS, deve incluir os custos suportados pelos proprietários com a libertação de encargos de hipotecas ou penhoras que recaíam sobre esses bens no momento da sua aquisição, designadamente no caso de partilha de bens adquiridos por sucessão mortis causa.


10. Saneamento

O tribunal arbitral colectivo é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

O processo não padece de qualquer nulidade mostrando-se reunidas as condições para a prolação da decisão arbitral.

 

II Fundamentação

 

11. Factos provados

11.1. Em 11 de Julho de 2009 faleceu C..., deixando como sucessores únicos e universais, sua mulher, F... e dois filhos, G... e A..., esta, Requerente do presente Pedido de pronúncia arbitral (art. 15º do Pedido, art. 24º da Resposta, Doc. 7 a 17 junto com o Pedido, fls. 22 e 23)[1].

11.2. Em escritura realizada em 10 de Fevereiro de 2011, os herdeiros de C... declararam efectuar a “partilha do seguinte bem e responsabilidades que integram a herança indivisa”, indicando como activo a partilhar a fracção autónoma designada por letra D, correspondente ao segundo andar esquerdo, destinado a habitação, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ... nº..., na freguesia da ... Concelho da ..., inscrito na matriz com o n.º ... fracção D, com o valor patrimonial de € 83.932,70, e a que foi atribuído para efeitos de partilha o valor de € 90.000,00. (art. 18º do Pedido, art. 24º, 1. da Resposta Doc. 7 a 17 junto com o Pedido, fls. 25 a 31).  

11.3. No registo predial da fracção autónoma referida no número anterior, constituída propriedade horizontal em 1993, registada na Conservatória de Registo Predial sob o nº ...  - ... e adquirida pelo autor da herança e sua mulher em 14 de Novembro de 1994, constava aquando da partilha o registo em 16 de Fevereiro de 2009, de uma penhora a favor do D...-Banco ..., SA (art. 25º do Pedido, art. 24º. 5. da Resposta, Doc. 7 a 17 junto com o Pedido, fls. 27 e 34).                                                 

11.4. O passivo da herança foi, na escritura de partilha, descrito sob duas verbas correspondentes a duas dívidas, no montante total de € 56.829,22, ao Banco H... (H…), anteriormente sob a firma de Banco I..., SA, (ambas garantidas por hipoteca sobre a fracção autónoma constante da verba um do activo) - a primeira divida (verba um do passivo) no valor de € 27.381,52, derivada de um contrato de mútuo realizado em 1994 para aquisição de habitação permanente, e a outra (verba dois do passivo), no valor de € 29.448,20, de um contrato de mútuo realizado em 2009, de reestruturação de anterior crédito (arts 23º a 26º do Pedido, art. 24º, 5 e 6. da Resposta e Doc. 7 a 17 junto com o Pedido, fls. 27 e 28 e 44 e 45).

11.5. Para efeitos de partilha, o activo foi considerado como tendo o valor de € 90.000,00 e o passivo o valor € 56.829,22, pelo que o valor objecto da partilha foi de € 33.170,28, pertencendo metade desse valor à cônjuge sobreviva, viúva e mãe da Requerente, e sendo a quota hereditária de cada herdeiro calculada em € 5.528,38 (Doc. 7 a 17 junto com o Pedido, fls. 28 e 29).

11.6. Através da escritura de partilha foi adjudicado à filha do de cujus, Requerente nos presentes autos, o imóvel relacionado como activo (11.2) e a responsabilidade de pagar integralmente as dívidas sob verbas um e dois do passivo, o que tendo em conta os valores de activo e passivo referidos no número anterior conduziu ao cálculo de tornas a pagar pela Requerente no valor total de € 27.641,90, sendo € 22.113, 52 à mãe e € 5.528,30, ao irmão, quantias que estes declararam já ter sido pagas (Doc. 7 a 17 junto com o Pedido, fls. 28 e 29).

11.7. Na declaração modelo 1 de IMT entregue em 11 de Fevereiro de 2011, identificando como facto tributário “excesso da quota parte de imóveis em divisões ou partilhas”, relativamente ao prédio inscrito sob o artigo ... fracção D, o valor do contrato é de € 75.000,00 e o valor do prédio € 90.000,00 (PA, fls. 39).            

11.8. Em 11 de Janeiro de 2013, os Requerentes venderam à sociedade comercial anónima E..., S.A. a fracção descrita em 11.2, livre de ónus e encargos, pelo valor de € 90.000,00 (art. 28º do Pedido, art. 24º, 8. da Resposta, documentos 7 a 17 juntos com o Pedido, fls. 39 a 42).

11.9. Em 18 de Maio de 2014, os Requerentes entregaram a declaração modo 3 de IRS referente ao ano de 2013, com anexo G (mais valias), indicando ganhos obtidos com alienação em Janeiro de 2013 do imóvel inscrito sob o artigo ... da freguesia..., tendo sido declarados os seguintes valores:

Valor de Realização    Data de Aquisição            Valor de Aquisição

€ 21 674,34                 2009 – 06                         € 13 485,87

€ 108 345,66               2011 – 02                         € 74 997,00

 

(art. 24º, 10 e 11 da Resposta e PA, fls. 25).

 

11.10. O imóvel referido no número anterior é o referido em 11.2 e 11.5, e a declaração refere-se à venda outorgada em Janeiro de 2013 (11.8), resultando um valor total de alienação de €130.029,00 (€ 21.674,34+€108.345,66), e de aquisição de €80.899,00, este valor resultante da soma das verbas correspondentes à aquisição a título gratuito da quota parte de 16,67% do prédio (€ 13.485,87) em 17 de Junho de 2009, por óbito de C..., e da restante quota parte de 83,33%, (€ 74.997,00) por escritura de partilha em 10 de Fevereiro de 2011 (PA, fls. 23 a 28 e 34).

11.11. Os valores de aquisição do prédio foram apurados da seguinte forma: o primeiro de € 13.485,87, corresponde a 16,67% do valor de VP de € 80.899,00, valor que serviria de base à liquidação de imposto do selo por transmissão gratuita, e o segundo, de € 74.997,00, corresponde a 83,33% de € 90.000,00 (PA, fls. 23 a 28 e 34).

11.12. A liquidação n.º 2014..., referente ao ano de 2013, foi efectuada considerando como valor de aquisição € 88.482,87 (€ 13 485,87 + € 74.997,00) e o valor de realização € 130.020,00 (arts. 32º e 33º do Pedido).

11.13. Os Requerentes foram notificados da liquidação de IRS referida no número anterior, no valor de 4.373,25€ (quatro mil, trezentos e setenta e três euros e vinte cinco cêntimos) – (art. 1º do Pedido e doc. n.º 1 junto com o Pedido).

11.14. Em 19 de Novembro de 2014, os requerentes apresentaram Reclamação graciosa (...) tendo sido notificados por ofício n.º..., datado de 2 de Dezembro de 2014, recebido pelo mandatário dos Requerentes a 5 de Dezembro de 2014, do Projecto de decisão da reclamação graciosa do Chefe de Serviço de Finanças de ... ... e para exercer o direito de audição, o que fizeram a 19 de Dezembro de 2014 (Documentos 2 a 6 juntos com o Pedido, fls. 34 a 39 e 41 a 45, e PA, fls. 29 a 33).

11.15. A Reclamação Graciosa foi objecto de despacho final em 22 de Dezembro de 2014, comunicado aos Requerentes, através do seu mandatário, primeiro referindo por lapso ter sido liminarmente indeferida (ofício n.º...) e, depois (ofício n.º..., recebido em 13-02-2015), informando do despacho proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de ......, que deferiu apenas parcialmente a reclamação graciosa, levando em consideração os custos de escritura e registos no montante de € 829,99 (oitocentos e vinte e nove euros e noventa e nove cêntimos) (art. 5º do Pedido, documentos 2 a 6 juntos com o Pedido, fls. 47 a 60 e PA, fls. 34 a 38).

11.16. Na sequência do deferimento parcial da reclamação graciosa, foi processada nova liquidação, nº2014..., e compensação nº2014..., sendo considerados como valor de aquisição €88.482,87 e como valor de realização €130.020,00, alterando o rendimento colectável de € 48.078,81 para € 47.703,86, o que resultou num acerto de €150,20, liquidação de € 4.223,05 (art. 5º do Pedido, documentos 7 a 17 juntos ao Pedido, fls. 20 a 21).

11.17. Da decisão de indeferimento parcial referida em 11.15., foi apresentado pelos Requerentes, em 15 de Janeiro de 2015, no SF ......, Recurso Hierárquico, que em 18 de Maio de 2015, data da apresentação do presente Pedido, não se encontrava decidido (art. 7º do Pedido, documentos 7 a 17 juntos ao Pedido, fls. 1 a 12 e PA, fls. 41).

11.18. Em 27 de Outubro de 2014 foi efectuado um pagamento através do Multibanco no valor de € 4.449,68 que a AT admite ser da liquidação[2] (art. 105º do Pedido, docs. 6 a 17 juntos ao Pedido, fls. 56, e Resposta, 6.l).

11.19. Em processo de execução que correu no 1º Juízo cível do Tribunal da ..., com o nº .../07, o Instituto de Segurança Social reclamou  contra F..., moradora na Rua..., ..., ...Esq., um crédito no valor total de €16.320,50, por dívidas de contribuições enquanto trabalhadora independente, referentes ao período entre 2002-01 e 2007-07, e respectivos juros de mora (doc. 7 a 17 juntos com o Pedido, fls. 46 a 50).

11.20. Em 12 de Fevereiro de 2015 o agente de execução no processo referido no número anterior certifica que se encontra regularizada a quantia exequenda requerendo o cancelamento da penhora incidente sobre o prédio inscrito sob matriz nº..., e inscrita em 16/02/2009 (doc. 7 a 17 juntos com o Pedido, fls. 53 a 55).

 

12. Factos não provados

Não há factos não provados a considerar como relevantes para a decisão do presente processo.

 

13. Fundamentação dos factos provados e não provados

Os factos foram dados como provados e não provados com base na avaliação feita pelo tribunal das peças processuais entregues pelas Partes e dos documentos juntos aos autos, designadamente o processo administrativo, conforme referência feita relativamente a cada um dos pontos da matéria de facto fixada.

 

14. Aplicação do direito

14.1. A excepção de extemporaneidade

A Requerida suscita a questão da caducidade do pedido por extemporaneidade da sua apresentação, com o fundamento de que os Requerentes vêm impugnar directamente o acto de liquidação relativo ao pagamento IRS de 2013 - cuja data limite de pagamento da liquidação terminaria em Novembro de 2014 - não fazendo qualquer referência à decisão do recurso hierárquico. 

 

Os Requerentes explicitam no Pedido de pronúncia arbitral que, não se conformando com o acto de liquidação de IRS nº 2014..., reclamaram graciosamente tendo obtido deferimento apenas parcial da reclamação. Explicam ainda que interpuseram recurso hierárquico da decisão de indeferimento parcial, pedindo a anulação total do acto de liquidação, e que foi na sequência do decurso do prazo para decisão do este recurso que, invocando expressamente o art. 10º, nº 1, alínea a), do RJAT, apresentaram o presente Pedido de apreciação da legalidade do acto de liquidação, onde defendem estar-se “perante um vício de violação de lei do referido ato de liquidação e dos subsequentes atos de indeferimento da reclamação graciosa e da presunção de indeferimento tácito do recurso hierárquico”.

 

Atenta a situação, considera-se excessiva a ênfase dada pela Requerida ao facto de os Requerentes ao longo do Pedido assacarem os vícios directamente à liquidação de IRS pedindo que a liquidação seja anulada na totalidade e não fazendo qualquer apreciação ao indeferimento da reclamação graciosa, nem do recurso hierárquico.

Decide-se tomar em consideração que os Requerentes explicitam que não houve decisão do recurso hierárquico e que a decisão da reclamação foi de deferimento parcial, e que se encontra subentendido que discordam da reafirmação aí feita da legalidade do acto tributário que então passam a atacar directamente. 

 

Nesta questão, subscrevemos o entendimento de que a competência dos tribunais arbitrais se limita à declaração de ilegalidade de actos de liquidação, abrangendo apenas os actos de indeferimento de actos de segundo grau (reclamações ou recursos hierárquicos) na medida em que comportem a apreciação da legalidade de actos primários [3].

 

Mas o objecto dos Pedidos, nestes casos, é fundamentalmente a legalidade da liquidação, o que confirmará que o mais relevante é que o pedido de pronúncia apresentado, na sequência de indeferimento de reclamação graciosa, vise a legalidade da liquidação entretanto apreciada pelo acto de segundo grau. Requisito que se crê preenchido no presente caso, em que se invoca a ilegalidade de acto tributário por errada interpretação e aplicação do artigo 51º do CIRS, vício que os requerentes invocam ter sido mantido pelo indeferimento (parcial) da reclamação graciosa e não analisado pelo recurso hierárquico.

 

Assim, e tendo em conta o princípio pro actione (artigo 7º do CPTA), considera-se a excepção improcedente, concluindo que o presente Pedido de constituição de Tribunal Arbitral, apresentado em 18 de Maio de 2015, não se mostra intempestivo face ao disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT, pelo que se passa à apreciação da questão substantiva.

 

14.2. A tributação das mais-valias imobiliárias 

Os presentes autos têm por objecto a apreciação da legalidade de uma liquidação de IRS que teve em conta a existência de rendimentos de mais-valias, categoria G, resultantes da alienação da propriedade de um imóvel, fracção de prédio em propriedade horizontal. 

 

As mais-valias abrangidas pelo conceito de acréscimos patrimoniais, categoria G do IRS, são os ganhos obtidos pelas pessoas singulares que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de situações enumeradas casuisticamente no CIRS, tudo nos termos, designadamente, dos artigos 1º, nº 1, 9º e 10º do mesmo Código.

 

Segundo a alínea a) do nº 1 do artigo 10º do CIRS, são abrangidos os ganhos obtidos com a “alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (...)”, situação em que o ganho sujeito a imposto é, segundo o nº 4 do mesmo artigo 10º, “constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição”.

 

O valor de realização será, em princípio, o valor da contra-prestação[4], prevalecendo, todavia, quando superior, o valor por que os bens houverem sido considerados para efeitos de IMT[5].

 

O valor de aquisição, quando a título gratuito, será o que tiver sido considerado para efeitos de imposto de selo sobre as transmissões gratuitas, ou que serviria de base à liquidação desse imposto caso fosse devido (art. 45º, nº 1) e, quando a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as transacções onerosas de imóveis (IMT), ou não havendo lugar à liquidação desse imposto o valor que lhe serviria de base, caso fosse devido, determinado de harmonia com as regras próprias daquele imposto (art. 64º, nº 1 e 2, do CIRS). Sempre que tenham decorrido mais de 24 meses entre a data da aquisição e a da realização o valor de aquisição será corrigido pelo coeficiente de correcção monetária (art. 50º do CIRS).

 

Ao tempo da situação tributária em apreciação nos autos, o artigo 51º do CIRS [6], com a epígrafe “Despesas e encargos”, dispunha o seguinte. «Para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem: a) Os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos, e as despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º; b) As despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à alienação, nas situações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 10.º ».

 

Na redacção inicial do Código, a norma correspondente era o art. 48º, cuja alínea a) previa o acréscimo dos “encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos, e as despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à alienação”.

 

Em comentário e notas ao Código do IRS, [7] em publicação da Administração Tributária ao tempo da Reforma Fiscal de 89/90, dizia-se: “este preceito insere-se na linha preconizada pelo presente modelo de tributação de rendimento, que na sua componente de mais-valias se caracteriza pela consideração dos ganhos reais e efectivos que foram auferidos pelo sujeito passivo”.

 

Comentando ainda o alcance da norma advertia-se que “tais encargos com a valorização dos bens não compreenderão, a título de exemplo, o imposto de sisa e as despesas da escritura suportadas aquando da aquisição”. Na verdade, não se previa então, como referido, os encargos com a aquisição mas apenas com a alienação [8].

 

E na situação dos autos, tendo em conta a lei então vigente e os princípios invocados pelos Requerentes e constitucionalmente consagrados quais as despesas e encargos suportados com os imóveis que deveriam ter sido reconhecidos?

                 

14.3. Doutrina, jurisprudência e evolução legislativa

A redacção de qualquer das duas alíneas do nº 1 art. 51º era susceptível de levantar dúvidas, como refere Xavier de Basto[9], ao recordar a doutrina fixada pela administração tributária em Despacho de 4 de Março de 2004 no sentido de que, quanto aos encargos com a valorização dos prédios realizadas nos últimos cinco anos, “só devem ser considerados aqueles que dizem respeito à valorização do próprio imóvel”, “despesas que, por natureza, trazem ao imóvel um valor adicional, como por exemplo as obras de beneficiação”, e concluindo, nesta lógica, que ”o pagamento de uma indemnização ao inquilino, possibilita que se disponha do imóvel em melhores condições, mas não faz aumentar o seu valor intrínseco, embora o valor do mercado possa vir a ser superior”.

 

O Autor manifesta resistência a aceitar esta doutrina e diz: “não vemos na letra da lei qualquer apoio a restringir a relevância dos encargos com a valorização dos bens comprovadamente realizados nos últimos cinco anos aos encargos com a valorização física ou material, com exclusão de todos os outros”.

 

E, admitindo existência de jurisprudência do TCAS (Acórdão de 25 de Janeiro de 2005, processo nº 297/03[10]) no mesmo sentido da doutrina da Administração, cita a crítica muito viva dessa decisão, efectuada por Manuel Faustino[11] que considerou ter-se cometido uma “injustiça, porque se tributou uma capacidade contributiva inexistente”.

 

Expondo a sua posição, Xavier de Basto, considera designadamente que “a formulação aberta “encargos com a valorização dos bens” parece indiciar que se não quis restringir o alcance da norma e por outro lado, a dedução de encargos – através da adição ao valor de aquisição – é solução que decorre do princípio da tributação do rendimento líquido. «Não prever a dedução de encargos efectivamente suportados que contribuem para a ocorrência do rendimento – neste caso, para a ocorrência do aumento do valor do imóvel que permitiu realizar mais-valia, na sua alienação – é violar um princípio económico e técnico da tributação do rendimento». Critica ainda a tese do aumento do valor intrínseco, observando que a lei não distingue entre “valor intrínseco” e “valor de mercado”, não podendo tal distinção ser operacionalizada por via administrativa[12].

 

Xavier de Basto acrescenta, porém: “É certo que a relevância da indemnização por despejo suscita uma dificuldade e essa pode eventualmente justificar que, em certos casos, não se possa aceitar a sua relevância e acabe por só se considerar como encargos as eventuais despesas com a valorização material ou física dos prédios. Essa dificuldade é a de saber o limite da indemnização que deve ser considerada como encargo de valorização. Como é evidente, terá sempre de existir um limite, não podendo aceitar-se como encargo “indemnizações fixadas por acordo entre as partes para pôr fim ao contrato de arrendamento. Seria abrir a porta a conluios que favoreceriam a fraude”[13].

 

O Acórdão do STA de 21 de Março de 2012, proferido no proc. 587/11, citando as críticas à anterior decisão do TCAS acima mencionada (proc. 297/03), veio reconhecer que “a argumentação não deixa de impressionar”. E apesar de lembrar as outras observações de Xavier de Basto (também acima referidas) sobre as dificuldades resultantes de reconhecimento das indemnizações por despejo, admite que «toda a argumentação exposta e, sobretudo, o facto de o rendimento a tributar como mais-valia dever ser, em princípio, um rendimento líquido, correspondente à capacidade contributiva efectivamente adquirida, devendo, por outro lado, evitar-se a dupla tributação económica (pois que a indemnização percebida pelo inquilino será incidente de IRS) e evitar-se, igualmente, uma interpretação que favoreça a fraude fiscal, aquelas dificuldades parecem não dever obstar, como aponta o MP, a que interpretando extensivamente»[14].

 

Esta questão encontra-se, após a Reforma da tributação das pessoas singulares, aprovada pela Lei nº 82-A/2014, de 31 de Dezembro, expressamente abrangida pela redacção da alínea a) do art. 51º, que dispõe: “Os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, bem como a indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º”.

 

No Anteprojecto[15] apresentado pela Comissão da referida Reforma do IRS, na apresentação das propostas legislativas relativas à categoria G, diz-se: «A par com o que, como já referimos, acontece no âmbito das mais-valias de partes sociais e de outros valores mobiliários, também no caso das mais-valias imobiliárias se regista um regime injustificadamente restritivo ao nível das despesas elegíveis para efeitos da determinação destas mais-valias, pois a lei excluiu a dedutibilidade de gastos efetiva e necessariamente suportados para a respetiva obtenção. Com o objetivo de assegurar uma tributação mais justa, que atenda à real capacidade contributiva, entende-se que deve ser alargado o leque de despesas a considerar na determinação de mais e menos-valias, passando a incluir as indemnizações comprovadamente pagas pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos relativos a bens imóveis. Em contrapartida, prevê-se expressamente que aquelas indemnizações constituam incrementos patrimoniais passíveis de tributação na esfera dos respetivos beneficiários. Propõe-se ainda o alargamento, de cinco para doze anos, do prazo de elegibilidade dos encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados»[16].

 

Quanto, especificamente, aos encargos inerentes à aquisição e alienação (segunda parte da alínea a) do nº 1 do art. 10º), Xavier de Basto, na obra que temos vindo a citar, considerava que também a fórmula “despesas necessárias” tem alguma margem de indeterminação.

 

Referia como, no Despacho de 4 de Março de 2004, a Administração Fiscal reconhecia que vinha considerando “como despesas necessárias e inerentes como o IMT e os encargos notariais e de registo predial por sem elas a operação não se poder realizar”.

 

O Autor admitia que a fórmula da lei incluía certamente os “custos burocráticos” e fiscais da operação «mas já talvez não os “custos da intermediação” efectivamente suportados pelo vendedor, que, hoje em dia, serão em muitos casos, todavia, inevitáveis ou muito difíceis de evitar, sem aumento desproporcionado dos chamados “custos de transacção”»[17].

 

Em Informação Vinculativa (proc …/2008, 2008-07-14 e 2008-08-12) a DGCI veio a admitir, alterando a sua posição anterior,[18] que uma vez preenchidos todos os requisitos necessários para demonstrar de forma inequívoca a conexão do montante pago ao mediador imobiliário com a transacção concreta que originou a mais-valia tributável e estando devidamente documentada a intervenção do respectivo mediador nos termos legais aplicáveis, poderá considerar-se a comissão de intermediação como “despesa necessária” para efeitos da alínea a) do artigo 51.º do CIRS.

 

Mas continua a realçar-se o conjunto de preocupações subjacentes à norma que não se limita à intenção de tributar respeitando a capacidade contributiva como também a evitar esquemas de fraude fiscal [19]

 

14.4. A situação tributária – factualidade e enquadramento jurídico

14.4.1. Conclusões quanto à factualidade

Da factualidade fixada nos autos resulta que a Requerente sucedeu, em 2009, por morte de seu pai na propriedade de quota de herança que integrava o imóvel aqui em causa, sendo-lhe adjudicada a titularidade da propriedade do mesmo em 2011, por partilha, pagando tornas aos restantes sucessores.

 

O autor da herança e sua mulher eram devedores de dois empréstimos ao H..., efectuados um, em 1994, para compra de habitação própria, e outro em 2009, para reestruturação do anterior crédito. Ambos os empréstimos se encontravam garantidos por hipoteca sobre o imóvel transmitido por herança, e foram descritos como passivo da herança. Na escritura de partilhas a Requerente assumiu a responsabilidade do pagamento do passivo, no valor total de € 56.829.72, correspondente à soma das dívidas correspondentes a esses dois empréstimos bancários referidos, e deu tornas pelo valor líquido da herança.

 

Para efeitos de partilha, o activo foi considerado como tendo o valor de € 90.000,00 e o passivo o valor € 56.829,22, pelo que o valor objecto da partilha foi de € 33.170,28, pertencendo metade desse valor à cônjuge sobreviva, viúva e mãe da Requerente, e sendo a quota hereditária de cada herdeiro calculada em € 5.528,38.

 

Em 2013 a ora Requerente e seu marido, alienaram o imóvel pelo valor contratual de €90.000,00. Foi efectuada uma liquidação que considerou como valor de aquisição € 88.482,87 (soma do valor correspondente à quota inicial no valor de VP de € 80.899,00 - que serviria de base à liquidação de imposto do selo por transmissão gratuita - e do valor da quota adquirida por partilha, relativamente ao valor declarado no acto € 90.000,00). Como valor da realização foi considerado o VPT do imóvel no montante de € 130.000,00.

 

Em processo de reclamação graciosa, a AT aceitou a dedução de despesas com escritura e registos no montante de € 829,99, o que conduziu a alteração da liquidação inicialmente notificada e reclamada.

Os Requerentes pretendem a anulação da primeira liquidação, na sua totalidade, invocando que não tiveram qualquer incremento patrimonial na sua esfera jurídica, devido às despesas com o passivo que onerava o imóvel e que tiveram de assumir, sendo-lhes aplicável o artigo 51º, al. a) do CIRS quando dispõe que, para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem as despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação.

Explicitam que não pretendem ser abrangidos pelo conceito “encargos com a valorização dos bens”. Defendem que os pagamentos aos bancos (correspondendo aos encargos assumidos pelos requerentes) que gozavam de garantias sobre o bem imóvel alienado devem ser abrangidos pelo conceito de “encargos/despesas” e tidas em conta no valor de aquisição. Rejeitam uma interpretação restritiva do artigo 51º, al. a) do CIRS, alegando que não é exigível que as obrigações, ónus ou deveres suportados pelo sujeito passivo tenham valorizado o imóvel, bastando que, para que as despesas sejam “necessárias”, sejam inerentes e inseparáveis do bem.

Alegam que a posição da AT no despacho de 4 de Março de 2004, da DGCI, aceitando as despesas com o IMT, encargos notariais e de registo predial, por, sem elas, a operação não se poder vir a realizar”, deve ser aplicada por analogia, às despesas suportadas pelos Requerentes porque sem elas não teriam conseguido vender o imóvel, demonstrando indissociabilidade entre as despesas e a operação de venda.

E concluem que uma interpretação do artigo 51º, al. a) do CIRS que não considere como parte integrante do valor de aquisição despesas que são indissociáveis à alienação do imóvel, será inconstitucional por violadora do Princípio da Capacidade Contributiva e do Princípio do Rendimento Líquido, este último enquanto decorrência do primeiro, e dos preceitos constitucionais n.º 13º, 103º e 104º, assim como do artigo 4º, n.º 1 da LGT, referente à capacidade contributiva.

Defendem que o valor correcto a considerar como valor de aquisição deveria ter sido o de € 170.825.50, correspondente ao valor patrimonial de € 90.000,00, atribuído pela escritura de partilha, acrescido do montante de € 56.829,72, relativo a duas hipotecas sobre o imóvel, e do montante de mais duas dividas garantidas por penhora sobre o imóvel (uma no valor de € 23.995,78, objecto de execução contra os pais da Requerente, e outra no montante de € 16.027,17, dívida da mãe da Requerente por contribuições à Segurança Social, reclamada no mesmo processo de execução). 

 

A AT reiterou o seu entendimento de que despesa com as hipotecas e penhoras que oneravam o imóvel não são despesas necessárias inerentes à alienação pelo que não têm cabimento no disposto no art. 51º, nº 1 do CIRS. As despesas necessárias e efectivamente praticadas que os Requerentes suportaram e apresentaram foram as relacionadas como o pagamento do IMT, das escrituras e registos, e a AT já as considerou. Cita a favor da sua interpretação o Acórdão n.º 451/2010, do Tribunal Constitucional.

 

14.4.2. Conclusões quanto ao direito aplicável

Como já exposto no ponto 14.2. os conceitos utilizados no artigo 51º do CIRS, alínea a), primeira e segunda parte, e alínea b), são conceitos relativamente indeterminados, que têm suscitado algumas dúvidas de interpretação.

 

Referimos, acima, exemplos de alargamento legislativo, maior flexibilização por parte da Administração Fiscal na interpretação dos conceitos e abertura da jurisprudência a críticas da doutrina.

 

Mas observámos, também, que o legislador entendeu efectuar expressamente alterações ao art. 51º do CIRS não deixando a evolução do regime jurídico apenas dependente da interpretação doutrinária e da aplicação pelos tribunais. Foi o caso da admissibilidade, no que respeita aos “encargos com a valorização dos bens”, de inclusão das “indemnizações comprovadamente pagas pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos relativos a bens imóveis”.

 

Será que a previsão da norma – alínea a) do artigo 51º do CIRS – é susceptível de abranger os encargos com libertação de hipotecas e penhoras existentes sobre imóveis, como a situação dos autos? Será admissível, como pretendem os Requerentes, o recurso à analogia?

 

Apesar das críticas a algumas interpretações demasiado restritivas, a norma não poderá permitir, quer quanto à primeira parte da alínea a) (“encargos com a valorização dos bens”) quer quanto à segunda parte da mesma alínea (“despesas necessárias inerentes à aquisição ou alienação”), uma interpretação que contrarie a ratio do conjunto das normas relativas a esta matéria. 

 

Porque muito semelhante ao presente caso, citaremos o entendimento adoptado pelo TCAS no Acórdão de 14 de Abril de 2015, no processo 06824/13[20]. Estava em causa uma situação em que, por partilhas por divórcio, o ex-marido ficara proprietário do imóvel, casa de família, e o aliena após pagamento da dívida existente ao banco e libertação da hipoteca que garantia o empréstimo.

 

A Administração Fiscal não considerou relevante para efeitos de apuramento da mais-valias o valor resultante de empréstimo contraído pela aquisição do imóvel alienado. O contribuinte, pelo contrário, considerava que as despesas inerentes ao pagamento efectuado à entidade bancária beneficiária da hipoteca para o respectivo resgate, deveriam ser consideradas como necessárias à alienação do imóvel, por isso, acrescidas ao valor de aquisição.

 

Identificada a questão decidenda como a de «apreciar se andou bem a Juiz a quo ao entender que certas despesas suportadas pelo Recorrente não se enquadram no artigo 51º, nº1, a) do CIRS e, como tal, não podem ser deduzidas ao valor de aquisição do imóvel para efeitos de mais-valias», o TCAS veio a decidir da forma que a seguir se transcreve (sublinhados nossos):

«Importa por isso saber se, as despesas que constam dos autos e trazidas ao probatório, podem ser interpretadas como “as despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação. Na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, na pressuposição (imposta pelo n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, que vale até que se demonstre que não é correcta) de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. (Neste sentido, BAPTISTA MACHADO, Introdução ao direito e ao discurso legitimador, página 182.) No caso em apreço não há elementos que justifiquem que se faça uma interpretação diferente da que resulta imediatamente do texto legal. Ora, do texto legal resulta a expressão despesas “necessárias” e “inerentes” pelo que devem ser interpretadas conforme a necessidade e a inerência da despesa face à alienação do imóvel, pelo que se coloca a questão de saber se tal “assumpção”, com os gastos inerentes, constitui despesa enquadrada naquele normativo, a considerar para efeitos de tributação da mais-valia respectiva. E, aí, a subordinante é, sem dúvida, “a inerência” da despesa à alienação. No critério legal, só as despesas inerentes são necessárias, pelo que só elas são relevantes. Tal critério contém uma ideia de inseparabilidade, uma relação intrínseca - que não meramente extrínseca - com a alienação: para ser considerada relevante, a despesa há-de sê-lo pela sua posição relativamente à alienação, há-de, em suma, ser dela indissociável. De outro modo: a despesa há-de ser integrante da própria alienação. Não se vê, efectivamente, que outro sentido se possa atribuir à expressão “inerentes à alienação”. Não basta, pois, que as despesas sejam conexas à obtenção do rendimento, é necessário que elas dele sejam indissociáveis. Ora, não é a hipótese das despesas em causa, que apenas são conexas à alienação, não são dela inseparáveis. Regressando ao caso concreto, fácil é concluir que as despesas que o Recorrente apresenta relativas à obtenção do distrate da hipoteca, nomeadamente a amortização de capital, os juros, o imposto do selo, os seguros e a provisão para despesas judiciais com referência ao imóvel, são despesas inerentes ao contrato de empréstimo bancário e não despesas inerentes à alienação do imóvel. O facto de o Recorrente ter contratualizado com uma instituição bancária um empréstimo/mútuo com hipoteca para aquisição do imóvel, não pode relevar para efeitos do cálculo da mais-valia. Se assim fosse qualquer sujeito passivo que recorresse ao crédito bancário quando da aquisição de imóveis teria sempre uma mais-valia reduzida na sua alienação, uma vez que descontava todas despesas decorrentes do contrato de mútuo com hipoteca, incluindo a amortização do capital e respectivos juros. Tais despesas podem eventualmente ser tidas em conta mas apenas como deduções à colecta de IRS. Todas as verbas pagas a título de amortização do capital em divida e despesas a ele inerentes não podem obviamente ser consideradas para efeitos da alienação do imóvel uma vez que não estão com ela conexas, mas antes inerentes, ou conexas, com financiamento em si mesmo. Além disso o valor de aquisição em sede de IRS consiste no preço pago pelo imóvel, pelo que se fossem ainda considerados os custos com a amortização do financiamento para aquisição do imóvel estar-se-ia a assistir a uma duplicação do valor de aquisição. Segundo a doutrina mais recente são exemplos de “despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação”, são os registos e as escrituras-públicas – leia-se Rui Duarte Morais in Sobre o IRS, 2ª Edição, pag. 141 e Paula Rosado Pereira in Estudos sobre o IRS, Rendimentos de Capitais e Mais-valias, Cadernos IDEFF, nº 2. Poder-se-á também considerar as despesas de mediação mobiliária, mais concretamente a comissão de intermediação, como despesas necessárias e inerente à venda do imóvel para efeitos no nº 1 alínea a) do art. 51º CIR».

 

O entendimento perfilhado pelo Acórdão transcrito faz, segundo cremos, uma interpretação correcta do artigo 51º, conjugado com as restantes normas referentes à tributação das mais-valias imobiliárias, de acordo com os critérios consagrados de interpretação jurídica. O artigo 10º do CIRS prevê as situações de sujeição tributária e de exclusão, matérias abrangidas pela reserva de lei da Assembleia da República e em que o intérprete deve ter contenção no recurso à analogia (nº 4 do artigo 11º da LGT). Ora, no que respeita a exclusão da tributação em mais-valias dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis, o nº 5 do artigo 10º do CIRS prevê-a apenas para os casos de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as condições previstas nas diferentes alíneas, assim como observado o disposto no nº 6 do mesmo artigo.

 

Exige-se reinvestimento na aquisição, construção ou melhoramento de outro imóvel afecto à mesma finalidade, sendo objectivo claro da lei eliminar os obstáculos fiscais à mudança de habitação em casa própria por parte das famílias [21]. «A não tributação é proporcional ao reinvestimento, ou seja, na medida em que o montante obtido na venda da primitiva habitação (deduzida – sendo o caso – do valor utilizado para o reembolso de empréstimos contraídos para a sua aquisição) tiver sido utilizado na aquisição da nova habitação. Significa isto que se o preço pago pelo novo imóvel for financiado por outras vias (p.ex., por um novo empréstimo bancário), o valor do reinvestimento a considerar será apenas a diferença entre o preço pago e o do empréstimo bancário; se o novo imóvel for de preço inferior ao alienado, haverá apenas um reinvestimento parcial»[22].

 

Daqui se conclui que a dedução de montantes de empréstimos na consideração do cálculo de mais-valias por alienação de imóveis é, mesmo relativamente às situações abrangidas por uma norma de exclusão tributária, regulada de forma muito restritiva[23].

 

De realçar que na Reforma de 2014 se previu uma medida excepcional, justificada desta forma no Relatório que acompanha o anteprojecto: «Relativamente à categoria G, para além do que se deixou já referido no tocante à delimitação entre mais-valias mobiliárias e rendimentos de capitais, assinala-se, quanto às mais-valias imobiliárias, a proposta de uma norma, necessariamente transitória, isentando os ganhos obtidos com a alienação de prédios, afetos a habitação própria, quando o produto da alienação seja utilizado no pagamento ou amortização parcial de empréstimos contraídos para a sua aquisição (...).». (sublinhado nosso)

 

E assim, «Tendo presente a atual conjuntura em que um número significativo de contribuintes, em situação de estrangulamento financeiro, se vê obrigado a proceder à alienação da sua habitação própria e permanente para solver compromissos financeiros associados aos empréstimos contraídos com a respetiva aquisição e em que, consequentemente, o produto das venda é exclusivamente utilizado para esse efeito (não havendo, pois, aquisição de nova habitação e, portanto, reinvestimento) (...)» (sublinhado nosso), a Comissão propôs um alargamento, concretizado através de uma norma transitória do diploma que aprovou as alterações ao CIRS, o art. 11º da Lei nº 82-E/2014, de 31 Dezembro“[24].

 

Tudo visto, este tribunal considera que na situação objecto dos autos não há lugar a exclusão de tributação relativamente às importâncias pagas para libertar o imóvel das duas hipotecas que garantiam empréstimos obtidos pelos pais da Requerente – o primeiro com a finalidade de aqueles adquirirem casa própria e o segundo concedido num processo de reestruturação de dívida - ainda que as dívidas constassem do passivo da herança e tivessem sido assumidas pela Requerente.

 

E quanto às dívidas de seus pais que deram origem a penhoras sobre o imóvel nem têm qualquer conexão com o imóvel nem a sua obrigação de pagamento foi assumida pela Requerente.


De realçar ainda que nem a interpretação da lei nem a própria lei interpretada são susceptíveis de fundamentar a imputação de inconstitucionalidade. Desse ponto de vista, considera-se correcta e adequada a menção (feita pela Requerida) do Acórdão nº 451/2010, do Tribunal Constitucional, numa situação em que estando em causa a aplicação da alínea b) do art.º 51.º do CIRS[25], se invocava no recurso que «sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, haverá que relevar a esse título toda a despesa que se assuma como conditio sine qua non – indissociável, portanto – do rendimento concretamente obtido, porque traduzida numa despesa necessária para a existência do próprio rendimento sujeito a imposto na expressão quantitativa que aquela lhe faz acrescer, e não apenas como despesa inerente ao acto de alienação, independentemente, qua tale, dos custos que determinam a existência da própria mais-valia », o Tribunal Constitucional veio a  decidir:

«Relativamente à norma que é objecto do presente recurso não se vê como possa ser considerada constitucionalmente inadmissível. Partindo do conceito de mais-valias legalmente estabelecido, nos termos do qual constituem mais-valias os ganhos obtidos que resultem de alienação ou cessão onerosas de certos direitos, valores ou bens (artigo 10.º, n.º 1, do CIRS), o artigo 51.º, alínea b), do CIRS prevê a dedução de despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à alienação, em cumprimento de “um princípio geral da tributação do rendimento, que impõe que só devam ser sujeitos a imposto os rendimentos líquidos” (Xavier de Basto, IRS. Incidência real e determinação dos rendimentos líquidos, Coimbra Editora, 2007, p. 460). Ou seja, são sujeitos a imposto os ganhos obtidos  (os ganhos líquidos) com a alienação onerosa de direitos, valores ou bens anteriormente adquiridos. Não sendo constitucionalmente exigível um critério normativo que permita a dedução de uma despesa que seja de “considerar materialmente necessária à concreta alienação pelo valor estipulado”. Por exemplo, o valor da amortização de conta caucionada garantida por partes sociais objecto da alienação. É até de concluir, como bem conclui o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra (fl. 39 dos presentes autos) que “o legislador foi aqui particularmente restritivo porque a admissibilidade de dedução de despesas cujas obrigações resultam de negociações bilaterais mais ou menos complexas, seria de difícil fiscalização, tratando-se de rendimentos desta categoria [categoria G], e abriria as portas a conluios que favoreceriam a fraude fiscal. Conluios que poderiam passar, por exemplo, pela emissão de declarações que elegeriam determinada despesa como necessária por razões estritamente fiscais”. Reiterando o já dito no Acórdão deste Tribunal n.º 162/2004, é de assinalar que “um sistema que não permita o controlo dos rendimentos e da evasão fiscal, na medida aproximada à realidade existente, conduz em linha recta à distorção, na prática, do princípio da capacidade contributiva e da tributação segundo o rendimento real».

 

Concluindo, não procede a argumentação de que a liquidação de IRS referente ao ano de 2013 padece de violação de lei nem de princípios constitucionalmente consagrados  porque, ao contrário do defendido pelos Requerentes, os pagamentos efectuados para distratar as hipotecas incidentes sobre o imóvel alienado não são abrangidos pelo conceito despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, previsto no artigo 51º, al. a) do CIRS.

 

Porque o acto tributário não padece das ilegalidades e inconstitucionalidades que lhe são imputadas pelos Requerentes, nem foram cometidos pela Requerida os erros invocados, também não há lugar a pagamento de juros indemnizatórios[26].

 

 

15. Decisão

Com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:

a)      Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade da liquidação de IRS relativa ao ano de 2013 (n.º 2014...) assim como dos subsequentes actos de indeferimento (parcial) expresso da reclamação graciosa e de indeferimento tácito de recurso hierárquico.

b)      Condenar os Requerentes em custas.

 

16. Valor do processo

De harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 315.º do CPC, na alínea a) do n.º1 do artigo 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 4.373,25 (quatro mil, trezentos e setenta e três euros e vinte cinco cêntimos),

 

17.Custas

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 12º e no n.º 4 do artigo 22.º do RJAT e do n.º 4 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 612,00 (seiscentos e doze euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pelos Requerentes.

Notifique-se.

 

Lisboa, de 25 de Janeiro de 2016.

 

A Árbitro

 

 

(Maria Manuela Roseiro)



[1] Os Requerentes mencionam uma numeração de documentos cuja individualização não se visiona que se citará o número de folha, atendendo à menção no envio e à visualização digital.

[2] Este valor não coincide com o valor da liquidação objecto de reclamação nem com a derivada da reclamação (na altura ainda não decidida) mas a AT não contesta o facto e admite expressamente ter sido efectuado o pagamento. Por outro lado, tendo o acto de liquidação sido alterado pela decisão da reclamação graciosa fica a dúvida, não esclarecida, sobre a fundamentação do quantitativo da importância paga. Considerou-se, contudo, que atenta a questão decidenda e interpretação de direito que vem a ser acolhida no sentido da admissibilidade do PPA, esse esclarecimento tornou-se não indispensável.

[3] Jorge Lopes de Sousa, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pp. 120 a 125.

[4] Cf. artigo 44º, nº 1, alínea f) (redacção vigente em 2013, ao tempo da alienação do imóvel).

[5] Cf. nº 2 do art. 44º “Nos casos das alíneas a), b) e f) do número anterior, tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida” (redacção dada pela Lei nº 64-B/2011, de 30/12 ).

[6] Este artigo corresponde ao artigo 48.º na redacção anterior à revisão do articulado efectuada pelo Decreto-Lei nº 198/2001, de 3 de Julho, e manteve-se com esta redacção até à Reforma do CIRS introduzida pela Lei nº 82-E/2014, de 31 de Dezembro.

[7] DGCI em 1990 (2ª edição actualizada), p. 186.

[8] Os encargos com a aquisição só passaram a constar da norma com a redacção introduzida pelo Orçamento de Estado para 1999, aprovado pela lei nº 87-B/98, de 31/12.

[9] IRS, Incidência real e determinação dos rendimentos líquidos, Coimbra Editora, 2007, pp. 460 e ss.

  1. Pronunciando-se sobre uma das questões submetidas a apreciação, num caso de liquidação de mais-valias por alienação de imóvel, o TCAS, tendo em conta o disposto na al. a) do (então) art. 48º do CIRS, considerou: «a quantia paga para obter a resolução do contrato de arrendamento do referido imóvel não podia ter-se como constituindo um encargo para aquele fim visado na norma citada (veja-se que a argumentação dos recorrentes incorpora em si uma contradição: se é certo que decorre do senso comum que o prédio se vendeu mais caro, por causa da desocupação, também é certo que, se tivesse sido vendido por menor montante, por estar arrendado, também o valor de realização para efeitos de mais valias seria menor, neutralizando, portanto, aquela quantia paga a título de indemnização. De todo o modo, não estamos, dada a mencionada natureza da quantia paga, em presença de encargo com a valorização do bem, nem a mesma se reconduz a qualquer despesa necessária e inerente à respectiva alienação». (ob. cit. pp. 461 e ss.).

[11] Boletim da APECA, 121, 2º trimestre de 2005.

[12] Xavier de Basto observa ainda que vigorando (ao tempo) entre nós legislação vinculística de arrendamento, com obstáculos legais à actualização de rendas dos contratos de arrendamento, com bloqueio de rendas, o valor dos prédios se ressente diminuindo o rendimento dos prédios e o respectivo valor (ob. cit. p. 462). 

[13] Assim, acaba a admitir, restritivamente, que as “indemnizações por denúncia do contrato de arrendamento que se contenham nos limites da lei geral de arrendamento, fixadas judicialmente, não levantam esse problema, sendo controlável o seu montante” (ibidem, p. 463). A análise de Ricardo Matos Ferreira, autor citado pelos Requerentes, não refere (in “Sobre a determinação de mais-valias o artigo 51º do Código do IRS”, Maio de 2012, Universidade do Minho, p. 7) estas dificuldades. Reconhecendo um legítimo interesse por parte do proprietário em vender um imóvel sem quaisquer ónus associados, conclui que é de considerar relevantes as indemnizações que respeitem estas circunstâncias, ou seja, que tenham por fim a desoneração do bem, e consequentemente, o aumento do seu valor, decorram de um acordo voluntário ou de decisão litigiosa.

[14] O Relator deste Acórdão do STA (Conselheiro Casimiro Gonçalves) fora também o Relator do Acórdão do TCAS no processo 297/03. O Acórdão agora referido do STA, embora admitindo a hipótese de aceitar “uma interpretação no sentido de que a referida al. a) do art. 51º do CIRS não restringe os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos, às valorizações materiais ou físicas, abrangendo ainda os encargos efectivamente suportados que os valorizem economicamente”, não decidiu, por considerar a factualidade insuficiente, mandando baixar o processo para ampliação da matéria de facto.

[15] “Anteprojecto da Reforma do IRS, uma reforma do IRS orientada para a Simplificação, a Família, a Mobilidade Social”, Julho 2014.

[16] Cf. Anteprojecto cit., ponto 4.1.12.10 (Despesas e encargos), p. 38.

[17] In “IRS, Incidência real e determinação dos rendimentos líquidos”, p. 464.

[18] Definindo o efeito da nova interpretação, diz-se: “O entendimento sancionado é aplicável às situações tributárias que se constituam para o futuro bem como, aquelas que ainda sejam passíveis de decisão por parte da Administração Tributária incluindo-se, nestas últimas quer as situações objecto de um litígio pendente, quer as situações que ainda possam ser objecto de reclamação graciosa ou impugnação judicial, nos termos, respectivamente, dos artigos 70.º e 102.º do CPPT”.

  1. Diz-se na referida informação vinculativa «A expressão “despesas necessárias” constante da alínea a) do artigo 51.º encerra alguma margem de indeterminação, pelo que cabe à DGCI proceder ao seu preenchimento, para o que terá de fazer apelo a, pelo menos três tipos de considerações fundamentais: (i) o rendimento a tributar como mais-valia deve ser, sempre que possível um rendimento líquido, (ii) dever-se-á evitar a dupla tributação económica; e (iii) ter-se-ão de acautelar eventuais esquemas de fraude fiscal».

 

 

[20] Este acórdão é citado pelos Requerentes mas pretendendo erradamente, cremos, encontrar nele uma tese contrária à que o fundamenta.

 

[21] Sobre o IRS, Rui Duarte Morais, Almedina, 2014, 3ª edição, pp. 137 e ss. Há que cumprir os prazos para o reinvestimento (alíneas a) e b)) e ainda outros requisitos, como afectar, num prazo máximo de seis meses, o imóvel a residência efectiva e outras obrigações acessórias.

[22] Rui Duarte Morais, ibidem, p. 138 e ss.

[23] O regime era ainda mais restritivo antes da alteração introduzida pela Lei nº 109-B/2001, de 27 de Dezembro. Era pressuposto da exclusão da tributação em IRS que o produto da alienação obtido na transmissão onerosa de imóvel destinado à habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar fosse reinvestido na aquisição de outro imóvel destinado exclusivamente ao mesmo fim no prazo de 24 meses. O reinvestimento a que se reportava o nº 5 do art. 10º do CIRS, era tão só o reinvestimento do produto da alienação e não o investimento através de empréstimo bancário, pelo que tendo a impugnante, para a aquisição de um novo imóvel, recorrido totalmente a crédito bancário, não podia ver as mais-valias excluídas de tributação. Só com a Lei nº 109-B/2001, de 27 de Dezembro é que os encargos decorrentes da amortização de empréstimo contraído para a aquisição de imóvel passaram a ser contemplados na exclusão da tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente (por todos, Acórdão do STA de 24 de Março de 2010, proc 1241/09).

[24]«Regime especial aplicável às mais-valias imobiliárias 1-A exclusão de tributação prevista no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS é extensível às situações em que o valor de realização seja aplicado na amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel alienado. 2-Nas situações referidas no número anterior em que o valor de realização seja apenas parcialmente aplicado na finalidade aí prevista, a exclusão de tributação abrange somente a parte proporcional dos ganhos correspondentes àquela aplicação. 3-O regime previsto no n.º 1 não é aplicável se, à data da alienação, o sujeito passivo for proprietário de outro imóvel habitacional. 4- O disposto nos números anteriores aplica-se às alienações de imóveis ocorridas nos anos de 2015 a 2020, em que os contratos de empréstimo tenham sido celebrados até 31 de dezembro de 2014».

[25] Segundo esta disposição, na redacção vigente até às alterações introduzidas com a Reforma de 2014, para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto no caso das situações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 10.º, acrescia ao valor de aquisição ”as despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à alienação”. Actualmente, a alínea b) do nº 1 do art. 51º, prevê, também, o acréscimo das “despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação. No caso dos autos está em causa a invocação de despesas relativas à alienação, previstas em qualquer das redacções da alínea b) e da alínea a) do nº 1 do art. 51º, pelo que a citação do Acórdão é inteiramente pertinente.

 

[26] Questão não devidamente esclarecida, por falta de documentação e porque os Requerentes não atacaram de forma suficientemente expressa o acto de indeferimento da reclamação – não cabendo ao tribunal ir mais longe - é a relação entre diferentes montantes referenciados nos autos, correspondentes à liquidação reclamada, liquidação correctiva após reclamação e pagamento efectuado pelos Requerentes. Assim, o valor atribuído ao processo é o correspondente ao indicado como tal no Pedido de Pronúncia Arbitral.