Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 10/2015-T
Data da decisão: 2015-06-30   
Valor do pedido: € 3.000,00
Tema: IRS – Mais-valias; reinvestimento do valor de realização
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Decisão Arbitral

 

 

1.               Relatório

 

1.1       A…, contribuinte n.º …, residente na Av. …, n.º … – 5.º Dt, …-… Lisboa, doravante também designado por “Requerente”, apresentou pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto no artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, doravante “RJAT”), sendo a “Requerida”, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT”).

 

1.2       O Requerente pretende a declaração da ilegalidade e correspondente anulação da decisão de (in)deferimento parcial da reclamação graciosa apresentada, na parte que indefere o seu pedido, notificada através do Oficio n.º …, de 19-12-2014,da Exma. Senhora Chefe de Divisão da Direcção de Finanças de Lisboa e a consequente anulação da liquidação correspondente de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e juros compensatórios n.º 2014…., bem como a condenação da AT ao reembolso dos montantes voluntariamente pagos pelo Requerente.

 

1.3       Como fundamento do seu pedido, o Requerente alega em síntese que:

(a)        A 11 de Novembro de 2002, o Requerente adquiriu o imóvel constituído pela fracção autónoma designada pela letra «I», inscrito na matriz da freguesia e concelho de …, sob o artigo n.º .., pelo preço de € 80.000,00.

(b)        A 21 de Janeiro de 2010, o Requerente alienou o referido imóvel por um preço de € 150.000,00.

(c)        Aquando da apresentação da declaração modelo 3 de IRS referente ao ano de 2010, substituída a 31 de Maio de 2011, o Requerente inscreveu no campo 401 do quadro 4 do Anexo G os valores de realização de € 150.000,00 e de aquisição de € 80.000,00

(d)        Inscreveu, ainda, nos campos 505 (valor em dívida do empréstimo à data de alienação do bem) e 506 (valor de realização que pretende reinvestir), do quadro 5 do referido anexo, os montantes de € 34.868,77 e de € 115.131,23, respectivamente.

(e)        A 26 de Junho de 2012, o Requerente adquiriu novo imóvel, designadamente, a fracção “AT” do artigo inscrito na matriz predial urbana sob o n.º …, sito na freguesia de .., concelho de …, pelo valor de € 240.000,00.

(f)         A 17 de Julho de 2014, foi notificado do acto tributário de liquidação referente a IRS, relativo ao exercício de 2010, materializado na nota de liquidação adicional n.º 2014…. e juros compensatórios no montante total de € 11.926,95.

(g)        Discordando integralmente da liquidação em apreço, apresentou reclamação graciosa tentando demonstrar que a liquidação era indevida, face ao reinvestimento total das mais vaias obtidas e devidamente declaradas, pela venda do anterior imóvel.

(h)        A reclamação graciosa foi objecto de deferimento parcial

(i)         A AT considerou, erradamente, como reinvestido o montante de € 108.500 e não o montante indicado pelo Requerente: € 115.131,23.

(j)         O Requerente obteve empréstimo bancário no valor de € 120.000 para aquisição do novo imóvel, tendo solicitado financiamento adicional de € 11.500 que não foi utilizado para financiamento da aquisição do novo imóvel.

(k)        Pode observar-se quer pelo contrato promessa de compra e venda (CPCV), quer pela escritura propriamente dita, que o novo imóvel foi adquirido por €240.000, sendo a sua aquisição concretizada com recurso a financiamento, no valor de € 120.000 e com capitais próprias no valor de € 120.000, tendo sido efectuado um empréstimo complementar de € 11.500, com a indicação de outros fins na escritura, devido às despesas em que iria incorrer com o IMT e impostos do selo além da própria escritura, os quais ascenderam a perto de € 10.500.

(l)         Considera incorrecto o entendimento da AT no sentido de que os empréstimos bancários se destinavam ao mesmo fim, a compra do novo imóvel.

(m)      Tal não corresponde à verdade, porque a própria AT admite que o Requerente  emitiu 3 cheques bancários à vendedora do imóvel objecto de reinvestimento e ao Banco ... no valor total de € 120.000.

(n)        É inegável que o Requente investiu € 120.000 em capital próprio na compra da casa, tendo, portanto, reinvestido quantia superior ao próprio valor de realização do imóvel antigo, tendo tal facto originado escassez de fundos que o obrigaram a recorrer a novo financiamento para poder liquidar o IMT, IS e escritura para aquisição do novo imóvel.

(o)        Se o entendimento da AT é de considerar todo e qualquer empréstimo como sendo crédito habitação/hipotecário, não considerando os empréstimos complementares para outros fins, como sendo necessários para o pagamento de impostos devidos pela aquisição do novo imóvel, jamais uma pessoa conseguirá aplicar todas as mais valias obtidas com a venda da casa, a menos que disponha já de outros meios de financiamento que permitam pagar os impostos relativos à compra da nova casa sem recorrer a um empréstimo bancário.

(p)        Considera portanto que todo o valor de realização obtido com a alienação do imóvel antigo (€150.000 que deduzidos do valor em dívida do empréstimo à data de alienação do bem, montante de €34.868,77, o que perfaz €115.131,23) foi reinvestido na aquisição do imóvel novo, pelo que a reclamação graciosa deverá ser objecto de integral deferimento.

 

1.4        A Autoridade Tributária e Aduaneira contestou alegando em síntese que:

(a)        Uma das condições para a exclusão da incidência e para o que ora importa, os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação devem ser reinvestidos na aquisição de outro imóvel com o mesmo destino.

(b)        No caso em concreto, atenta a factualidade exarada bem como o direito aplicável, resulta que o montante a reinvestir seria de € 115.131,23, valor como tal declarado pelo Requerente na declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2010 (valor de realização deduzido da amortização do empréstimo contraído, ou seja, € 150.000,00 - € 34.868,77).

(c)        Para a aquisição deste novo imóvel, no valor total de € 240.000, o Requerente contraiu os seguintes empréstimos:

                           i.          Empréstimo de € 120.000,00 ao Banco ..., conforme consta do contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca do imóvel adquirido a 26 de Junho de 2012;

                         ii.          Empréstimo para fins múltiplos, também ao Banco ..., no valor de € 11.500,00, conforme contrato de mútuo com hipoteca celebrado na mesma data;

(d)        Sucede que o reinvestimento a que se reporta a alínea a) do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS é tão só e apenas o reinvestimento do produto da alienação e não o investimento através de empréstimo bancário

(e)        Sucede, porém, que a aprova apresentada pelo ora Requerente em sede de reclamação graciosa não permite comprovar que o crédito obtido junto do BPI na importância de € 11.500,00 não tenha sido utilizado na aquisição da nova habitação.

(f)         Antes pelo contrário, da análise aos extractos bancários juntos e ao teor do Contrato de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca apresentados pelo Requerente resulta que o cômputo total do empréstimo concedido se cifra em € 131.500,00, importância a considerar para efeitos da isenção da mais-valia ora em apreciação.

(g)        Concluindo que deve a impugnação arguida pelo Requerente ser julgada improcedente

 

1.5       Uma vez que as Partes não requereram a produção de qualquer prova e não foram suscitadas excepções, foi dispensada a realização da reunião do art. 18.º RJAT. As partes prescindiram das alegações orais ou escritas.

 

1.6       O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, é materialmente competente, o processo não enferma de vícios que o invalidem e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostraram-se legítimas, a Requerente está regularmente representada por Advogado e não foram deduzidas excepções, cumpre, pois, apreciar e decidir.

 

2.         Matéria de Facto

 

2.1.      Factos que se consideram provados

 

(a)        A 11 de Novembro de 2002, o Requerente adquiriu o imóvel constituído pela fracção autónoma designada pela letra «I», inscrito na matriz da freguesia e concelho de …, sob o artigo n.º .., pelo preço de € 80.000,00.

(b)        A 21 de Janeiro de 2010, o Requerente alienou o referido imóvel pelo preço de € 150.000,00.

(c)        Ao valor de €150.000 foi deduzido o valor em dívida do empréstimo à data de alienação do bem, no montante de €34.868,77.

(d)        Aquando da apresentação da declaração modelo 3 de IRS referente ao exercício de 2010, substituída a 31 de Maio de 2011, o Requerente inscreveu no campo 401 do quadro 4 do Anexo G os valores de realização de € 150.000,00 e de aquisição de € 80.000,00

(e)        Inscreveu, ainda, nos campos 505 (valor em dívida do empréstimo à data de alienação do bem) e 506 (valor de realização que pretende reinvestir), do quadro 5 do referido anexo, os montantes de € 34.868,77 e de € 115.131,23, respectivamente.

(f)         A 26 de Junho de 2012, o Requerente adquiriu novo imóvel, designadamente, a fracção “AT” do artigo inscrito na matriz predial urbana sob o n.º …, sito na freguesia de …, concelho de …, pelo valor de € 240.000,00.

(g)        Para a aquisição deste novo imóvel, no valor total de € 240.000, o Requerente contraiu os seguintes empréstimos:

                           i.          Mútuo com hipoteca no valor de € 120.000,00, para aquisição do novo imóvel, celebrado com o Banco ... a 26 de Junho de 2012; e

                         ii.          Mútuo com hipoteca no valor de € 11.500, para fins múltiplos, celebrado com o Banco ... a 26 de Junho de 2012

(h)        Para aquisição deste novo imóvel o Requerente liquidou IMT no valor de € 7.712,81 e IS no valor de € 1.920,00, tendo suportado custos com a Conservatória do Registo Predial de Lisboa no valor € 585.

(i)         O Requerente utilizou recursos próprios, pelo menos, no valor de € 120.000 para efeitos da aquisição do novo imóvel, assim detalhados:

                           i.          € 24.000, com a celebração do CPCV, através de cheque emitido à ordem da vendedora do imóvel;

                         ii.          € 37.646,39, na data da celebração da escritura, através de cheque bancário emitido à ordem do Banco ...; e

                       iii.          € 58.3353,61, na data da celebração da escritura, na data da celebração da escritura, através de cheque bancário à ordem da vendedora do imóvel.

(j)         A efectiva disponibilização dos fundos, na conta bancária do Requerente, associados ao contrato de mútuo, no valor de € 11.500, para fins múltiplos, apenas ocorre no dia 27 de Junho de 2012.

 

2.2       Factos que não se consideram provados e respectiva fundamentação

Não há factos relevantes para a decisão que se consideram não provados.

 

2.3       Fundamentação da matéria de facto provada

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos aos autos, cuja autenticidade e correspondência não foram questionadas.

 

3. Matéria de Direito - Reinvestimento – Empréstimos bancários

 

Nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Código de IRS, constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário.

 

Sendo que, nos termos do n.º 4, alínea a) do referido preceito normativo, o ganho sujeito a IRS, no caso em questão, é constituído “pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso”.

 

Decorre, porém, da alínea a) do n.º 5 do referida norma (na redacção dada pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro), que são excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, se “no prazo de 36 meses contados da data de realização, o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do espaço económico europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal”.

 

No que se refere ao recurso a financiamento para efeitos de aquisição do novo imóvel, a jurisprudência é unanime e clara no sentido da sua não consideração para efeitos do apuramento do valor objecto de reinvestimento.

 

Como se pode ler no Acórdão do STA de 12 de Março de 2003, proferido no âmbito do Processo nº 1721/02, a cuja fundamentação aderimos pela bondade e mestria da respectiva argumentação e que, por isso, se passa a reproduzir, “a lei não aludia, exclusivamente, ao reinvestimento, o que por si já chegava para se concluir que esse reinvestimento era do PRODUTO DA ALIENAÇÃO, com exclusão do empréstimo bancário. Porém, a lei foi mais precisa, para acabar com as dúvidas: o que é reinvestido é O PRODUTO DA ALIENAÇÃO”.
 

No mesmo sentido, faz-se menção ao Acórdão do STA de 24 de Março de 2010, proferido no âmbito do Processo nº 1241/09 ao referir que “Para que aquela mais valia esteja excluída de tributação em sede de IRS, é imprescindível que o sujeito passivo faça prova do produto da alienação ter sido utilizado na aquisição de novo imóvel destinado à sua habitação. A lei exige ser o produto da alienação a ser reinvestido e não quaisquer outras quantias, designadamente as obtidas com recurso ao crédito bancário”.

 

A questão fulcral aqui consiste pois em determinar se a quantia, elegível para efeitos da exclusão de tributação em apreço, que o Requerente auferiu com a venda da sua habitação antiga em 2010 - € 115.131,23 (€ 150.000 líquidos do valor em dívida com o empréstimo existente à data da venda do imóvel) - foi reinvestida em termos a legitimar a exclusão de tributação dos ganhos que obteve com esta venda.

 

Estando assente que para adquirir o imóvel novo o Recorrente recorreu a um empréstimo bancário junto do Banco ... no valor de € 120.000, que expressamente referia como destino a aquisição desse mesmo imóvel, quanto a este financiamento não podem restar duvidas – como, aliás, nem o Requerente contesta - da sua exclusão para efeitos do apuramento do valor objecto de reinvestimento.

 

Já no que se refere ao financiamento adicional celebrado com o mesmo banco, na mesma data e que igualmente inclui uma hipoteca sobre o imóvel, mas cujo destino declarado é “fins múltiplos”, discordamos da AT quando esta refere que “a aprova apresentada pelo ora Requerente em sede de reclamação graciosa não permite comprovar que o crédito obtido junto do BPI na importância de € 11.500,00 não tenha sido utilizado na aquisição da nova habitação”.

 

Elemento decisivo para este efeito, é o facto de este valor só ter sido disponibilizado na conta bancário do Requerente em data posterior à celebração da escritura de compra e venda do imóvel, a 27 de Junho de 2012 (conforme resulta da consulta do extracto bancário do Requerente junto aos autos).

 

Ora, se a escritura foi outorgada a 26 de Junho de 2012 e expressamente refere que o vendedor já recebeu o preço, não poderia o Requerente utilizar o valor deste segundo financiamento – apenas disponibilizado a 27 de Junho de 2012 - para a aquisição do novo imóvel.

 

No dia da celebração da escritura de compra e venda do imóvel, os fundos resultantes do financiamento adicional ainda não estavam disponíveis para utilização pelo Requerente, o que impossibilita a sua utilização para efeitos do pagamento do preço do imóvel.

 

Acresce que da documentação junta aos autos, claramente se identificam 3 pagamentos do Requerente, no valor total de € 120.000, utilizados para efeitos da aquisição do imóvel.

 

É, portanto, inequívoca a convicção deste Tribunal (i) que o Requerente utilizou recursos próprios, pelo menos, no valor de € 115.131,23 para aquisição do novo imóvel, e (ii) que o financiamento adicional no valor de € 11.500 não foi utilizado para pagamento do preço do novo imóvel, porque apenas foi disponibilizado ao Requerente em data posterior à celebração da escritura de compra e venda do imóvel.

 

Conclui-se pelo reconhecimento do reinvestimento do valor de realização no montante declarado pelo Requerente na declaração de IRS, Modelo 3, no valor de € 115. 131,23

 

 

4.         Decisão

 

Em face do exposto, o Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido do Requerente e, assim, anular a decisão de (in)deferimento parcial da reclamação graciosa e, bem assim, a liquidação de IRS e juros compensatórios conexas, com as devidas consequências legais, designadamente a restituição total dos valores liquidados e pagos pelo Requerente.

 

 

5.         Valor do Processo

 

De harmonia com o disposto no art. 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 3.000.

 

6.         Custas

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €612,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 30 de Junho de 2015

 

O Arbitro,

 

André Gonçalves