Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 10/2012-T
Data da decisão: 2012-09-05  IRC  
Valor do pedido: € 1.114.822,19
Tema: Dedutibilidade de gastos com royalties, ónus da prova, marcas
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Processo arbitral n.º 10/2012-T

 

       Acordam, nestes autos, os juízes-árbitros, Juiz Conselheiro Benjamim Silva Rodrigues, na qualidade de presidente, Prof. Doutor João Sérgio Ribeiro e Prof. Doutora Luísa Anacoreta, na qualidade de adjuntos:

 

1.    RELATÓRIO

 

       1.1.  …, Pessoa Colectiva nº…, com sede na Rua do …, doravante “Requerente”, apresentou pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto nos artigos 10º e 30º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, doravante “RJAT”), sendo a Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT”).

 

       A Requerente pretende a anulação do acto de liquidação adicional do IRC e juros compensatórios emitido sob o número …, de 20 de Novembro de 2006, referente ao ano 2002, do qual resultou, após compensação, o valor a pagar de € 1 114 822,19. A Requerente pede, igualmente, a anulação do acto de indeferimento da Reclamação Graciosa do referido acto tributário, apresentada em 20 de Abril de 2007, e indeferida por Despacho do Director de Finanças do … de 11 de Outubro de 2007.

 

       Como primeira questão a decidir a Requerente sustenta a ilegalidade do acto de liquidação adicional pelo facto de não ter sido emitido, pela AT, um acto correctivo, definitivo e executório sobre a sociedade, por si dominada, …, S.A. (doravante “…”). Na verdade, esta sociedade integra o grupo de sociedades encabeçado pela Requerente e que é tributado ao abrigo do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades, previsto no actual artigo 69º e seguintes do Código do IRC (RETGS) e as correcções ao resultado fiscal que estão na origem do acto de liquidação adicional em apreço referem-se a gastos suportados pela sociedade dominada. A ausência de notificação do acto de liquidação, a esta sociedade, ainda que notificado à sociedade mãe, à qual cabe a liquidação e pagamento de IRC, e a conduta que considera violadora do direito de defesa são, sustenta a Requerente, motivos de ilegalidade do acto nos termos do artigo 99º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

 

       Como segunda questão sustenta a Requerente que a desconsideração como custo fiscalmente dedutível, por aplicação do disposto no (então) artigo 59º do Código do IRC, dos royalties pagos às sociedade … (doravante “…”), com sede nas Ilhas …, e à sociedade …, S.A. (doravante “…”), com sede na Zona Franca da Madeira, pela referida sociedade ..., enferma de erro de direito e de facto.

 

       Alega a Requerente, em resumo, que:

-          a sociedade ... não pagou royalties à ... relativos a marcas comercializadas em Portugal indicadas pela Administração Fiscal como não estando registadas em Portugal;

-          as marcas comercializadas pela ... sobre as quais foram pagos royalties à sociedade ... encontram-se devidamente registadas, em nome desta sociedade, em cada um dos países onde as mesmas são vendidas;

-          os documentos apresentados, aquando do registo das marcas junto do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), destinaram-se, apenas, a permitir o registo das marcas em Portugal em nome da ..., não consubstanciando efectivas transmissões de titularidade das marcas àquela data;

-          os registos internacionais muito anteriores ao registo em Portugal evidenciam que a titularidade das marcas era já da ... à data do registo em Portugal;

-          quanto a marcas que não são da titularidade da ..., esta celebrou contrato de sub-licenciamento com o titular daquelas;

-          os pagamentos de royalties efectivaram-se com recurso a intermediário financeiro independente;

-          os royalties não são de montante exagerado;

-          os royalties facturados pela sociedade ... (marca “…”) foram pagos e encontram-se correctamente contabilizados;

-          os royalties são indispensáveis ao exercício da actividade da ... e correspondem a operações efectivamente realizadas.

 

       Conclui a Requerente pelo pedido de anulação dos actos tributários, por vício de violação de lei e por liquidação em excesso da importância de € 1 114 822,19, bem como pelo pagamento de indemnização por prestação indevida de garantia bancária.

 

       1.2. A Requerente optou por não designar árbitro. Nos termos da al. a) do n.º 2, do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou o colectivo de árbitros composto por Juiz Conselheiro Benjamim Silva Rodrigues, na qualidade de árbitro presidente, Prof. Doutor João Sérgio Ribeiro e Prof. Doutora Luísa Anacoreta, estes na qualidade de árbitros-adjuntos.

 

       O Tribunal Arbitral foi constituído no CAAD, em 29 de Março de 2012, conforme acta de constituição do Tribunal Arbitral colectivo.

 

       A Requerente juntou documentos, nomeadamente traduções para a língua oficial portuguesa, solicitados pela Requerida.

 

       1.3. A Requerida apresentou Resposta.

 

       Na sua Resposta, a Requerida sustenta, quanto à primeira questão, que, por ser a sociedade mãe de um grupo de empresas tributadas pelo RETGS, é a Requerente quem é o sujeito passivo de facto do IRC em causa. Assim, só a ela é reconhecida legitimidade para reagir contra o acto tributário. Explicita a Requerida que a declaração de rendimentos da sociedade dominada não é liquidável, pois apenas é emitida uma única liquidação cuja destinatária é a sociedade dominante e que, por essa razão, não se pode falar na restrição de direitos de defesa da dominada dada a ausência de objecto sobre o qual possa reagir.

 

       Quanto à questão da legalidade das correcções ao lucro fiscal pela não aceitação de gastos com determinados royalties, começa a Requerida por acentuar a importância do registo de marcas para protecção do respectivo titular, evidenciando que “de modo algum se pode afirmar que o titular de uma marca não registada tem um direito análogo àquele que detém uma marca registada”. De seguida, a Requerida sublinha a importância da análise à “razão pela qual a … é, supostamente, a titular das marcas”, reforçando a ideia de que a Requerente deveria justificar o porquê da sede da ... estar  num paraíso fiscal, até porque o que está em causa são “marcas portuguesas, algumas das quais bastante antigas”. Alega a Requerida que não é prática comum no sector do Vinho …, no qual se insere a Requerente e as empresas que constituem o grupo empresarial por si dominado, pagar royalties pela utilização de marcas, e muito menos de montantes “avultadíssimos” como os suportados pela ... . Considera, ainda, incomum marcas de Vinho … não se encontrarem registadas em Portugal, ou encontrarem-se caducas, ou ainda registadas apenas em países estrangeiros.

       Afirma ainda a Requerida que as marcas em causa deveriam estar registadas em todos os países onde são comercializadas, facto que não é observável.

       A Requerida na sua Resposta põe, ainda, em causa o objecto e papel (que alega como estar “longe de ser transparente”) da sociedade que foi usada como intermediária financeira no pagamento dos royalties.

       Quanto à normalidade do valor dos royalties pagos, a Requerida questiona a forma como foi calculado o preço normal de mercado que serviu de base à Requerente para justificar a conformidade dos montantes.

       Sustenta igualmente a Requerida que no caso concreto dos royalties relativos à marca ..., a argumentação da Requerente é apta a proceder, uma vez que os mesmos foram correctamente contabilizados em 2002 (ainda que pagos apenas em 2006).

       Quanto ao pedido de indemnização por prestação de garantia indevida, a Requerida defende na sua resposta que apenas no que tange aos royalties da marca ... é que deve o pedido seguir procedência.

 

       Perante dúvidas suscitadas pela Requerida na sua Resposta quanto a alguns documentos juntos ao processo, a Requerente juntou atempadamente documentos rectificativos, nomeadamente traduções e outros.

 

       1.4. Em 17 de Março de 2012, realizou-se a primeira reunião do Tribunal Arbitral, nos termos e com os objectivos previstos no artigo 18.º do RJAT. Não foram suscitadas excepções. O Tribunal determinou a produção da prova testemunhal oferecida pela Requerente e pela Requerida sobre a matéria da causa. No início da audiência, o Tribunal solicitou às partes a indicação de produção de prova da matéria da causa a provar através dessa prova.

 

       1.5. Em 19 de Junho de 2012, foram ouvidas testemunhas apresentadas quer pela Requerente, quer pela Requerida, tendo os seus depoimentos sido registados em suporte audiovisual.

 

       1.6. Produzia a prova testemunhal, deram-se as alegações orais, tendo-se concedido às partes a possibilidade de apresentarem também alegações escritas, faculdades que estas exerceram.

 

2.    SANEAMENTO

      

       O Tribunal é competente.

 

       As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas. Não se verificam nulidades e questões prévias que atinjam todo o processo.

      

 

3.    OBJECTO DA PRONÚNCIA DO TRIBUNAL

 

Vêm colocadas ao Tribunal três questões, nos termos já atrás descritos:

 

1.      A falta de notificação do acto de liquidação adicional do IRC, às sociedades dominadas, afecta a sua validade, relativamente à sociedade dominante?

2.      Os royalties pagos pela... à ... e ... devem ser tidos como gastos dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável da sociedade ..., nos termos do artigo 59º do CIRC?

3.      A Requerente tem direito a ser indemnizada pela prestação de garantia bancária, efectuada para suspender a execução fiscal instaurada para cobrança do imposto impugnado?

 

 

4.    FUNDAMENTAÇÃO

 

       Para o Tribunal se poder pronunciar quanto ao mérito das questões formuladas impõe-se, antes de mais, julgar a factualidade juridicamente relevante para cada uma delas.

 

 

 

 

 

4.1. DE FACTO

 

       Consideram-se como provados os seguintes factos com relevância para a decisão, com base na prova documental junta aos autos e depoimentos prestados.

 

 

       1) A sociedade …, S.A. detém 100% da sociedade ... e optou pela aplicação do RETGS (doc. 8).

 

 

       2) A sociedade ... sucedeu, em processo de fusão e incorporação, nas posições que detinham as sociedades ..., …, …, mediante a transferência global do património da sociedade …, S.A. para a sociedade .... (doc. 34).

 

 

       3) A sociedade ... foi objecto de inspecção tributária, com exercício do direito de audição, na sequência da qual foi elaborado relatório por parte da AT, datado de 17 de Agosto de 2006, nos termos constantes do doc. n.º 8, junto aos autos.

 

 

       4) Em 15 de Novembro de 2006, foi enviado à sociedade …, S.A., relatório, nos termos constantes do doc. n.º 6, das correcções ao lucro tributável efectuadas em consequência das conclusões do relatório da inspecção tributária previamente enviado à sociedade ..., acabado de referir (doc. 6).

 

 

       5) Com base nos relatórios referidos nas duas alíneas imediatamente antecedentes foi acrescida à matéria colectável da Requerente, enquanto sociedade dominante, o montante de € 1 606 623,75 (docs. 6 e 8).

 

 

       6) Do relatório de inspecção enviado à sociedade ... consta uma alteração ao lucro fiscal decorrente da não consideração como custo fiscal de uma amortização de goodwill, tendo esta situação sido resolvida pela Requerente através do envio de declaração de substituição, não sendo o imposto correspondente a essa parte do lucro tributável impugnado pela Requerente (docs. 7, 8 e petição inicial).

 

 

       7) A correcção ao lucro tributável da Requerente, no montante de € 1 606 623,75, fundamenta-se na não consideração, ao abrigo do artigo 59º do CIRC, como gastos fiscalmente dedutíveis dos seguintes royalties, todos suportados na esfera da sociedade ...:

·           relativos a marcas diversas, contabilizados a favor da sociedade ..., no montante de € 1 361 210,71;

·           relativos à marca … no valor de € 104 979,79;

·           relativos à marca ..., contabilizados a favor da sociedade ..., no montante de € 140 433,45 (doc. 8 e petição inicial).

 

 

       8) A desconsideração, por parte da AT, dos royalties pagos resultou quer em acréscimo da matéria colectável, quer em acréscimo de tributação autónoma (doc. 6.).

 

 

       9) Como fundamento da desconsideração dos royalties pagos pela sociedade ..., a AT apresenta, no referido relatório, os seguintes factos e a conclusão ponderativa (doc. 8):

·           a sociedade ..., alegadamente titular da grande maioria das marcas, tem sede num paraíso fiscal;

·           algumas das marcas não estão registadas no INPI;

·           algumas das marcas foram transmitidas para a ... por um valor médio por marca de 2 mil escudos (actualmente cerca de € 10);

·           não foram apresentados documentos de transmissão das marcas para a ...;

·           o beneficiário das transferências financeiras para pagamento dos royalties é a sociedade …, Limited – T0360 (doravante meramente “…”), com sede no mesmo paraíso fiscal;

·           relativamente à marca ..., registada no INPI em nome da sociedade …, Lda., com sede na Zona Franca da Madeira, apenas foram identificados documentos que permitem verificar que foram contabilizados como custo do exercício;

·           relativamente à marca ..., registada no INPI em nome da Requerente, foram contabilizados royalties a favor da ..., royalties esses que não se encontram pagos;

·           os montantes contabilizados e/ou pagos a título de royalties são de montante exagerado.

 

10) Ao tempo do exercício tributado, no  INPI (doc. 8):

·         as marcas …, …, …, encontravam-se registadas em nome da ...;

·         a marca … encontrava-se registada em nome da …;

·         as marcas …, … não se encontravam, aí, registadas;

·         a marca … encontrava-se registada em nome da ...

·         a marca … encontrava-se registada em nome da sociedade …;

·         a marca … encontrava-se caducada;

·         a marca … encontrava-se registada em nome da …;

·         a marca ... encontrava-se registada no INPI em nome da sociedade …, Lda;

·         as marcas da família ... encontravam-se registadas em nome da …, S.A..

 

 

       11) As marcas comercializadas em Portugal e sobre as quais foram pagos royalties à ... encontram-se registadas em nome da mesma ... (doc. 10).

 

 

 

       12) As marcas comercializadas pela ... encontram-se registadas em nome da ... nos diversos países onde foram comercializadas e por cujo comércio foram pagos royalties (doc. 10, 11 e 17 e consulta do Tribunal a sites de organismos oficiais de registo de marcas).

 

 

       13) A marca … era, em 1990, detida pela sociedade …, com sede em …; em 1992 foi transmitida para a sociedade …, também com sede em …; em 1994 foi novamente transmitida, desta vez para a ... (doc. 19).

 

 

       14) As marcas da família … foram transmitidas, em 1976, pela sociedade …para a  sociedade … Limited (docs. 23 e 24).

 

 

       15) As marcas da família ...’s foram transmitidas pela ..., S.A. para a sociedade …, que posteriormente as transmitiu à ... (doc. 29).

 

 

       16) As marcas da família ...’s são da titularidade da ... desde, pelo menos, 1982 (doc. 27).

 

 

       17) As marcas …, ..., …, ..., … e ... logo eram da propriedade da ..., pelo menos, em 1982 (doc. 28).

 

 

       18) As marcas … e … são da titularidade da ..., pelo menos, desde 1993 (doc. 33).

 

 

       19) Os royalties relativos à marca ... foram pagos à sociedade ... em 28 de Setembro de 2006, através de transferência bancária (doc. 35).

 

 

       20) Entre a ... e a ... foi celebrado um contrato de sub-licenciamento para exploração, pela primeira sociedade, da marca ..., tendo a contraente ... contratado com base num anterior contrato de licenciamento para exploração de tal marca, celebrado entre si e a proprietária da marca, a sociedade …, Lda. (doc. 37).

 

 

       21) A sociedade ... é uma sociedade de gestão e intermediação de investimentos, sedeada nas Ilhas … e pertencente ao grupo do … (doc. 38 e a consulta pelo Tribunal ao site constante do documento).

 

 

       22) A sociedade ... agiu como intermediário financeiro da ..., no pagamento dos royalties (doc. 39).

 

 

       23) A ... foi representada por pessoa cujo endereço electrónico corresponde, também, ao da sociedade ..., tal como constado já referido contrato de sub-licenciamento (doc. 37).

 

 

       24) O endereço postal da ... é exactamente o mesmo da ... (doc. 39 correspondente à transferência bancária) e de várias outras empresas, tal como foi averiguado pelo Tribunal.

 

 

       25) A Requerente apresentou à AT o dossier de preços de transferência, relativo ao ano 2002, elaborado em cumprimento do exposto nos nº 6 do artigo 58º e no artigo 121º (actuais artigo 63º e 130º), nos termos constantes do doc. n.º 48, não tendo o mesmo merecido quaisquer objecções por parte da mesma AT (doc. 48 e posição das partes nos articulados).

 

 

       26) A AT tem recebido, desde ano anterior a 2002, retenções na fonte sobre royalties pagos pela utilização das marcas aqui em causa, nomeadamente sobre aqueles que foram objecto da desconsideração fiscal a que se referem os presentes autos (doc. 8 e 40; testemunhas … e …, arroladas pela Requerente que demonstraram conhecimento dos factos, o primeiro por ter sido administrador da Requerente até 2009 e o segundo por exercer as funções de contabilista da mesma Requerente desde 1978; e as testemunhas …, inspectores tributários que intervieram no procedimento de inspecção).

 

 

       27) As marcas sobre as quais foram pagos os royalties que foram objecto da desconsideração fiscal, nos referidos relatórios da AT, referem-se a produtos de vinho … com longa tradição no comércio do vinho …, algumas cujas datas se perdem no tempo, com elevada capacidade de convencer os consumidores e o comércio em geral. (doc. 11 a 19; doc. 22 a 33; testemunhas … que demonstram ter conhecimento dos factos, o primeiro por ter sido administrador da Requerente até 2009 e os outros por terem intervindo no processo de registo das marcas no INPI e no aconselhamento fiscal da Requerente).

 

 

       28) A Requerente prestou, em 25.05.2007, garantia bancária, do montante de €  1.477.399,86, para suspender o processo executivo instaurado pela AT por não pagamento da liquidação objecto de impugnação judicial.

 

 

* * *

 

       O Tribunal julga não provados todos os demais factos que foram alegados, por não sair convencido da sua existência em face das provas constantes dos autos.

 

 

       4.1.2 O Tribunal julga a matéria de facto alegada de acordo com o princípio da livre apreciação da prova relativamente aos documentos de valor legal não tarifado e aos depoimentos das testemunhas, consagrado no art.º 16º, alínea e), do RJAT, de sentido equivalente ao art.º 655º do Código de Processo Civil.

 

 

       4.1.3. Ora, neste âmbito, importa conhecer da questão do valor probatório atribuível aos documentos n.º 38 e 39, apresentados pela Requerente e que serviram para fundar a convicção deste Tribunal.

       Na verdade, a Requerida AT impugna o documento 38 sob fundamento de que o mesmo consubstancia informação não certificada, na medida em que consiste na impressão de um mero sítio da Internet, algo que, tanto quanto se julga, não consubstancia um documento análogo ao registo comercial e não faz fé pública…”.

       E impugna, também, o documento 39, “em primeiro lugar, porque sendo um documento público lavrado por notário estabelecido em … e a apresentar em Portugal, o mesmo deveria ter sido objecto de apostilha, nos termos da Convenção Relativa à Supressão da Exigência da Legalização dos Actos Públicos Estrangeiros, de 1961.10.05, formalidade que, tanto quanto transparece da sua análise – atenta a sua ilegibilidade parcial – não se verificou”; “assim, tendo sido preterida a formalidade da aposição da competente apostilha pelo The Legalisation Office, em …, levanta-se, desde já a dúvida quanto à sua genuidade, e como tal, se impugna tal documento para todos os efeitos legais”; “em segundo lugar, ele vai ainda ser impugnado na medida em que é inconcebível reconhecer-se a um notário (!) a capacidade de dar fé pública à realização de… «(…) Entradas de crédito em respeito a valores devidos e da propriedade da ... … Limited», “para mais através quando essa capacidade resultou, in casu, de um mero… «(…) Exame de cópias certificadas de alguns documentos contabilísticos emitidos pela ... Limited à ... ... Limited (…)»”; “mas mais: as cópias certificadas pelo notário não foram sequer extraídas pelo próprio, mas por …, presumível director da ... Limited, o que novamente coloca dúvidas quanto à genuidade dos documentos. Por palavras mais simples, o “notário-contabilista” de … nem sequer teve acesso directo à contabilidade”; “na realidade, o notário em causa apenas se limitou a dar fé pública de dois factos: primeiro, que o documento foi assinado na sua presença pelo referido …; segundo, que aquele último lhe declarou que a cópia era genuína”.

       Entende o Tribunal Arbitral que a impugnação dirigida pela Requerida AT contra o documento 38 não versa sobre a verdade da correspondência da impressão constante do suporte de papel, apresentada pela Requerente, ao conteúdo material digital constante do identificado sítio da Internet, mas sobre a correspondência à realidade da informação digital constante desse sítio.

       Subjacente à sua alegação está uma certa reserva intelectual de que o sítio digital e a informação digital dele constante pode ser meramente virtual, quedando-se pela simples materialidade informática, e não ser tradução de uma realidade histórica.

       Como quer que seja, porém, o Tribunal Arbitral não tem quaisquer dúvidas de que o referido documento 38 constitui fiel reprodução mecânica da materialidade informática visível no sítio da Internet a que se refere, traduzida em cópia impressa. Desde logo, porque os dados da impressão fazem menção de que o documento foi obtido como “página Web”. Depois, porque esse conteúdo pôde, ainda, ser surpreendido pelo Tribunal Arbitral, em consulta ao sítio.

       No que importa à outra dimensão da impugnação do documento, que o Tribunal Arbitral entende ser a visado pela Requerida AT, conclui o Tribunal Arbitral não ser a mesma de proceder.

       A alegação da AT não passa de um mero exercício intelectual de hipotização, porquanto a Requerida nenhum elemento concreto invoca que suporte adequadamente uma convicção de se estar perante apenas perante uma materialidade informática desligada da existência real da informação que transporta ou seja, de que estaríamos perante factos virtuais.

       Por outro lado, a existência histórica dessa sociedade ... e do objecto da sua actividade é evidenciada, também, quer pela actuação na qualidade invocada de seu director de …, quer pela existência dos documentos contabilísticos que foram emitidos no exercício da sua actividade, a que se refere o documento 39, e cuja correspondência com as cópias certificadas por tal … foi verificada pelo solicitador do Tribunal ….

       Não obstante as reservas colocadas pela Requerida sobre a genuidade de tais documentos pela falta de apostilha, questão de que o Tribunal Arbitral conhecerá imediatamente, não existem razões para, em face das regras de normalidade e experiência comum, relativas ao trato comercial e às exigências de elaboração de contabilidade comercial, não tomar esses documentos como sendo tradução da materialidade fáctica que expressam, até porque eles estão numa linha de perfeita coerência material com a realização dos pagamentos dos royalties.

       Deste modo, o Tribunal Arbitral atribui valor probatório ao documento 38, valorando-o segundo o princípio da livre apreciação da prova.

        

       Passando à questão da impugnação do documento 39.

       Antes de mais importa fazer aqui uma curta recensão do quadro normativo em que se inscreve a actividade do “solicitador” do Tribunal …, autor do documento 39, para aferir da bondade da impugnação deste documento.

A propósito desta temática, escreveu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 3/10/1995, proferido no Proc. N.º 087489 (disponível em www.dgsi.pt/Acordãos do Supremo Tribunal de Justiça), o seguinte, que o Tribunal Arbitral acompanha totalmente:

       “[…] nos países da União Europeia existem dois grandes sistemas de direito: a) - na Europa continental o sistema romano-germânico, baseado principalmente no direito civil originado no direito romano, encontrando-se as mesmas codificadas em diplomas próprios; b) - nos países anglo-saxónicos vigora o sistema da "common law", sem código, baseado no direito consuetudinário jurisprudencial, com um sistema judiciário em que a prova se faz, sobretudo, por testemunhas e em processo oral, ali a jurisprudência, com o funcionamento da "precedent rule", ocupa uma posição predominante, sendo as decisões judiciais a base de toda a ordem jurídica.

No sistema anglo-saxónico, para além das próprias partes, quem elabora os actos e os contratos é o "solicitor", cuja função difere totalmente da do solicitador no nosso ordenamento jurídico.

O "notary" em Inglaterra pratica apenas actos para estrangeiros e em qualquer língua que os seus clientes desejem adoptar, mesmo que o "notary" não a domine, e não na língua do notário e do respectivo país. Não pode, deste modo, o "notary" controlar o aumento do capital e a legalidade da alteração estatutária, até pelo desconhecimento da legislação do país dos outorgantes.

7 - Na União Europeia a função notarial, à semelhança do que acontece em Portugal, existe na Bélgica, em Espanha, na Grécia, no Luxemburgo, nos Países Baixos, na França e na Alemanha. Em contrapartida na Grã-Bretanha, na Irlanda e na Dinamarca não existe na sua forma específica, designadamente para autenticação de documentos.

A inexistência da profissão enquanto tal nestes últimos países inviabiliza, como é óbvio, uma harmonização de estatuto notarial em toda a comunidade.

Nos países em que a profissão existe (sistema romano-germânico a faculdade de conferir autenticidade aos actos é atribuída ao notário pelo Estado, por força de uma delegação de poder público.

O próprio artigo 55 do Tratado CEE é o principal obstáculo ao estabelecimento de uma profissão europeia de notário, porque essa disposição legal dá aos Estados - membros o poder discricionário de determinar as profissões que estão ligadas ao exercício da autoridade pública.

O "notary" em Inglaterra tem origem eclesiástica e presta juramento perante o Arcebispo de Cantuária, mas não goza do poder de autenticar documentos, porque esse poder não o tem aquele dignitário, não podendo, assim, fazer delegação daquilo que não possui.

       […]”.

 

       Por seu lado, sobre a exigência da aposição da apostilha em documentos lavrados por autoridades estrangeiras, discreteou-se do seguinte modo, que aqui o Tribunal Arbitral também assume como sendo a boa solução, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12/07/2011, proferido no Proc. N.º 987/10.5YRSLB.S1 (disponível em www.dgsi.pt/Acordãos do Supremo Tribunal de Justiça):

 

       “Sustenta a Requerida que o documento de onde consta a sentença estrangeira não está devidamente legalizado subsistindo dúvidas sobre a sua autenticidade.

 

       O art. 365º do Código Civil determina:

 

«1. Os documentos autênticos ou particulares passados em país estrangeiro, na conformidade da respectiva lei, fazem prova como o fariam os documentos da mesma natureza exarados em Portugal.

 

2. Se o documento não estiver legalizado, nos termos da lei processual, e houver dúvidas acerca da sua autenticidade ou da autenticidade do reconhecimento, pode ser exigida a sua legalização.».

 

       Nos termos do nº 1 do art. 540º do CPC «Os documentos autênticos passados em país estrangeiro, na conformidade da lei desse país, consideram-se legalizados desde que a assinatura do funcionário público esteja reconhecida por agente diplomático ou consular português no Estado respectivo e a assinatura deste agente esteja autenticada com o selo branco consular respectivo.».

 

       No domínio da Convenção de Haia de 5 de Outubro de 1961 a legalização do documento faz-se através da aposição duma apostilha pela entidade pública que o Estado de origem para o efeito tenha designado.

 

       Em anotação ao art. 365º do Código Civil explicam Pires de Lima e Antunes Varela: «A obrigatoriedade da legalização dos documentos passados em país estrangeiro, na conformidade da lei desse país, foi, em princípio, abolida. Os tribunais, como quaisquer repartições públicas, devem, pois, atribuir a esses documentos todo o seu valor probatório, independentemente de legalização. Esta, porém, pode tornar-se obrigatória, se vierem a suscitar-se dúvidas acerca da sua autenticidade ou da autenticidade do reconhecimento.» (cfr Código Civil anotado, vol, I, 4ª ed, pág. 324 e no mesmo sentido, Ac do STJ de 25/10/1974 – BMJ 240º-199 citado também no Ac do STJ de 8/5/2003 – Proc. 03B1123 – in www.dgsi.pt) (No mesmo sentido deste arresto pode surpreender-se, também, o Acórdão do STJ, de 17/06/1998, proferido no Proc. N.º 988313, com sumário disponível no mesmo sítio informático).

 

       Também a este respeito escrevem José Lebre de Freitas, A. Montalvão e Rui Pinto: «A legalização não é indispensável para que o documento passado em país estrangeiro faça prova em Portugal.

 

       O art. 365º do CC confere a tal documento, seja autêntico seja particular, desde que elaborado em conformidade com a lex loci, a mesma força probatória que têm os documentos da mesma natureza elaborados em Portugal; e só se houver fundadas dúvidas acerca da sua autenticidade, ou da autenticidade do reconhecimento, é que pode ser exigida a sua legalização nos termos do art. 540º).» (in Código de Processo Civil anotado, Vol 2º, 2ª ed, pág. 474)”.

 

       Ora, não se afigura ao Tribunal Arbitral terem consistência bastante as dúvidas externadas pela Requerida quanto à genuidade do documento n.º 39.º. Tal documento foi emitido nos exactos termos do regime próprio do sistema de “common law”, de que acima se deu uma breve síntese. Por isso, a compreensão do que nele se diz ter “verificado e atestado”, por parte do “solicitor”, não pode deixar de fazer-se em face das regras próprias do “common law”, não podendo atribuir-se a esse documento, sem mais, a força probatória conferível, de acordo com o disposto no art.º 371.º do Código Civil, aos documentos que emitidos pelos notários, em Portugal. E neste âmbito, cabe referir não constituir nenhuma anormalidade a circunstância de a correspondência das cópias dos documentos aos seus originais ser efectuada pelo próprio sujeito jurídico que os detém e a quem respeitam, no caso a sociedade ..., através do seu director, ….

 

       Assim sendo, deve o documento n.º 39 ser valorado segundo o princípio da livre apreciação da prova. Ora, de acordo com este princípio, não se vê razão para não atribuir crédito à afirmação feita pelo “solicitor” de que examinou as cópias certificadas, pela sociedade ... (através do seu director, …), das facturas identificadas em tal documento e de que estas têm o conteúdo material que aponta. Esta posição encontra suporte na consideração das exigências de carácter ético e jurídico em cujo quadro se exerce, no regime de “common law” a actividade de “solicitor” e na coerência material existente com a contabilização desses custos na escrita da Requerente, nos termos surpreendidos pela inspecção tributária. Por outro lado, o objecto do exame do “solicitor” integra o próprio documento, podendo ser objecto de percepção imediata pelo Tribunal Arbitral.

       A simples circunstância de esses documentos respeitarem a uma actividade exercida em território formalmente considerado como “paraíso fiscal” não autoriza, sem mais, a estigmatizar com a chancela de dúvida consistente todos os actos que nele são praticados, nomeadamente, a emissão de documentos com relevo jurídico e fiscal nesse território. A presunção de verdade, com suporte no princípio da boa-fé, assumida fiscalmente no art.º 75.º, n.º 1, da LGT, também vale relativamente aos documentos emitidos em territórios considerados fiscalmente como “paraísos fiscais”, de acordo com a lex loci a menos que existam sérias razões para a repudiar. Mas aqui, elas não existem.

       Termos em que o Tribunal Arbitral decide apreciar o documento 39 segundo o princípio da livre apreciação da prova, julgando improcedente a sua impugnação.

      

 

 

 

 

 

4.2. DE DIREITO

 

4.2.1. Importa, em primeiro lugar, apreciar a questão de saber se da falta de notificação do acto de liquidação de IRC às sociedades dominadas decorre a invalidade do acto de liquidação adicional, relativamente à sociedade dominante.

A Requerente, sociedade mãe, e a ..., sociedade dominada, foram tributadas pelo Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (RETGS), previsto, então, nos artigos 63º a 65º do CIRC (constante actualmente do artigo 69º e seguintes do mesmo CIRC). Nos termos deste regime, cabe às sociedades dominadas o apuramento do respectivo lucro individual e cabe à sociedade-mãe o apuramento e liquidação do imposto devido pelo grupo.

O RETGS não exige que os lucros das sociedades dominadas se tenham tornado definitivos, i.e., que se tenha formado caso julgado ou resolvido sobre o acto da sua autoliquidação e, muito menos, que já tenham sido sujeitos a inspecção, correcção e aprovação pelas autoridades fiscais, antes de a sociedade dominante apurar o IRC do grupo.

O cálculo do lucro individual de cada sociedade dominada é, no RETGS, e no que concerne à sociedade dominante, apenas, um acto prévio de aplicação do regime de determinação do lucro tributável da sociedade dominante e da consequente da liquidação do imposto.

Refere o artigo 64º, à data (actual artigo 70º) que  “(…) o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo”.

Assim, quer o lucro tributável do grupo, quer o imposto, são imputados em relação à sociedade dominante. Se apenas é praticado um acto de liquidação do imposto, se este diz respeito ao grupo de sociedades e se o sujeito passivo desse imposto é a sociedade dominante não se vê razão para sustentar que o mesmo deva, também, ser notificado a quem dele não é sujeito passivo.

Acresce que as sociedades dominadas não são responsáveis pelo imposto que advém da consideração de outros lucros tributáveis que não do seu. Decorre do regime uma autonomização do lucro tributável perante os lucros individuais de cada sociedade dominada, não sendo cada uma delas responsável por uma parcela do lucro único consolidado.

É pressuposto de direito e de facto do regime fiscal estatuído que a sociedade dominante tem controlo sobre a actividade e sobre os lucros das sociedades dominadas. As sociedades dominadas são, verdadeiramente, uma longa manus da sociedade dominante.

Decorre, deste modo, que, no RETGS, a tributação do grupo não está dependente da prática de um acto de liquidação relativamente às sociedades dominadas que haja de lhes ser notificado.

Como a lei elege a dominante como contribuinte de direito e de facto, é ela quem deve ser notificada definitivamente.

 

Improcede, assim, o primeiro fundamento de ilegalidade imputado pela Requerente ao acto de liquidação impugnado.

 

 

            4.2.2. Segue-se a principal questão a decidir nos presentes autos: saber se os royalties pagos pela ... à ... e ... devem ser tidos como gastos dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável da sociedade ..., face ao que dispõe o artigo 59.º (actual artigo 65.º) do CIRC.

            Neste âmbito importa fazer uma caracterização em abstracto dessa norma para, depois, a partir daí, fazer a sua aplicação ao caso concreto.

 

 

            4.2.2.1 Caracterização da norma em abstracto

 

            Esse preceito é uma daquelas disposições normativas que são normalmente designadas como normas anti-abuso especiais, na medida em impede os contribuintes de, numa situação específica, usarem uma determinada conduta para obterem uma vantagem fiscal. Lida com os pagamentos ou importâncias devidas a entidades residentes fora do território português e aí sujeitas a um regime fiscal mais favorável, desconsiderando-os para efeitos de determinação do lucro tributável, a não ser que o sujeito passivo prove que tais encargos correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.

            Esta norma, apesar das afinidades com a dinâmica das presunções, e de ter efeitos semelhantes, uma vez que dispensa a AT de fazer a prova de determinados factos, em rigor não consiste numa presunção, pois não se trata de acreditar uma realidade com base noutro facto distinto, mas tão-somente de dispensar de prova de determinados factos, em relação aos quais a mera alegação desencadeará os efeitos jurídicos que lhe são próprios, salvo quando são provados outros factos que com aqueles são incompatíveis. Assim, quando um determinado sujeito passivo faz pagamentos a uma entidade não residente sujeita a um regime fiscal privilegiado, tem de fazer a prova de que o pagamento efectivamente se realizou e que tem um carácter normal ou então que não é exagerado.

            Relativamente ao ónus da prova ínsito nesse preceito, impõe-se que se diga que este, apesar de recair essencialmente sobre o sujeito passivo, não dispensa a AT de colaborar no esforço probatório, dado que a prova no processo tributário tem algumas especificidades.

Apesar de ser comum na legislação tributária adoptar a clássica formulação de que o ónus da prova dos factos constitutivos de direitos recai sobre quem os invoca, essa solução normativa não é pacífica, podendo ser questionada, essencialmente com base na contribuição da doutrina germânica.

De acordo com essa doutrina, o conceito de ónus da prova é equívoco e encontra explicação essencialmente na circunstância de ter sido inspirado em princípios próprios do processo civil. Com efeito, nesse domínio, na altura em que foi forjado o conceito de ónus da prova, regia, no tocante à alegação de factos e à sua prova, o princípio do dispositivo, em virtude de serem as partes que, com as suas alegações, determinavam o objecto do litígio e traziam as provas para o processo. Contrariamente, os procedimentos administrativos, apesar de terem incorporado o conceito de ónus da prova, caracterizam-se por neles dominar o princípio do inquisitório ou da investigação oficiosa, devendo ser o julgador a prosseguir, ele mesmo, a verdade material sem confiar exclusivamente na actividade das partes.

No campo administrativo-tributário, o ónus da prova configura-se, por conseguinte, de forma muito distinta daquilo que era o ónus da prova originariamente no Direito Civil. A doutrina alemã, para ilustrar essa diferença, avançou com a distinção entre ónus da prova subjectivo e ónus da prova objectivo.

O ónus da prova subjectivo existe nos processos regidos pelo princípio do dispositivo, como o civil, e significa que a parte sobre a qual incide o ónus da prova deve carreá-la por si mesma, sob pena de ninguém o fazer no seu lugar, resultando daí a sua eventual condenação. O ónus da prova objectivo, por seu lado, domina nos procedimentos sujeitos ao princípio do inquisitório, determinando ser sobre a AT que recai o risco de um facto não resultar suficientemente provado.

No procedimento tributário vigora, por conseguinte, o ónus da prova objectivo (objektive Beweislast), implicando, por um lado, que o imposto não pode ser exigido enquanto não se provar a realização das circunstâncias integrantes do facto tributário, seja essa prova trazida pela Administração ou pelo sujeito passivo; e, por outro, que o ónus da prova (objectivo) recai sobre a AT.

Resulta do posicionamento apresentado, aliás partilhado por parte da doutrina portuguesa[1], que dentro da actividade tributária não haverá ónus da prova em sentido técnico-jurídico, dado que a AT deve buscar a verdade material, ainda que o sujeito passivo não tenha provado as suas alegações. Ou seja, deve fazer o máximo esforço probatório para zelar pela legalidade dos seus actos e, consequentemente, obter provas precisas, evitando assim que, numa fase posterior, possa ser procedente uma impugnação por parte do sujeito passivo do tributo.

«O ónus da prova adquire, assim, um sentido marcadamente objectivo, mas não exclusivamente objectivo. Sabendo qual é a consequência da incerteza de um facto, a parte a quem tal consequência prejudica através da repartição do ónus da prova, sentir-                 -se-á compelida naturalmente a promover o esclarecimento do facto, a fazer a prova dele. Neste sentido, o ónus da prova continua a ser um verdadeiro ónus da produção da prova»[2].

 

            Delimitada a questão do ónus da prova e circunscrita de certo modo a sua aplicação, importa determinar o sentido dos elementos que devem ser provados.

            Exige o dispositivo em causa que, para afastar a desconsideração dos pagamentos feitos, estes devem corresponder, em primeiro lugar, a operações efectivamente realizadas.

            O sentido de operações efectivamente realizadas deve ser determinado por oposição a operações que não se realizaram, ou que apenas ocorreram de forma simulada. Curiosamente, existe no Direito Francês um preceito muito semelhante introduzido em 1974 – o artigo 238 A do Code Général des Impôts –  que terá servido de inspiração ao nosso legislador e que utiliza a expressão reais em vez de efectivos, mas que, de certo modo, ajuda a aclarar o sentido da nossa norma.

            Do confronto das duas disposições parece resultar que o sentido da norma é que os pagamentos correspondam a operações efectivas, reais, e não operações meramente simuladas, pura e simplesmente, para que o sujeito passivo possa beneficiar da dedução de certos custos.        

            Apesar de ser este o sentido mais automático, poder-se-á, eventualmente, por influência do Direito Fiscal da União Europeia e do Direito Fiscal Internacional, questionar se o sentido de «efectivamente» não deverá ser interpretado de uma outra forma, fazendo, eventualmente, apelo à substância económica das operações, verificando se houve razões económicas válidas para a realização das operações.

            Com efeito no Direito Fiscal da União Europeia em casos paradigmáticos como o Cadbury Schweppes[3], precisamente a propósito de situações de abuso, levanta-se a questão de saber se as operações realizadas, ainda que reais e efectivas, são ou não expedientes puramente artificiais desprovidos de realidade económica.

            Também no domínio dos acordos sobre dupla tributação, com base no conceito de beneficiário efectivo, nega-se a aplicação dos acordos aos sujeitos que apesar de eventualmente serem os legítimos titulares de um determinado direito, são-no apenas sob o ponto de vista formal, havendo também neste domínio uma aplicação da substance over form doctrine, isto é, do princípio da prevalência da substância, neste caso económica, sobre a forma.

            Nos próprios Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations[4], aditados em Julho de 2010, exige-se que as realidades a comparar sejam consideradas sob o ponto de vista económico, devendo atender-se às características dos bens relativamente aos quais se considera a titularidade dos direitos e fazer uma análise que considere as funções que cada parte desenvolva o que não foi feito em relação à ..., considerando ao cabo e ao resto a substância económica das operações realizadas.

            Não obstante a tendência ser a de que se dá nota, parece-nos que não foi essa a intenção do legislador na disposição em análise, pois, se atentarmos ao elemento sistemático, verificamos que o actual artigo 66.º do CIRC, norma que configura igualmente uma disposição anti-abuso especial, em virtude de alteração muito recente, faz, no n.º 12, apelo à substância, exigindo razões económicas válidas. Ora, podendo o legislador ter harmonizado a redacção do artigo 65.º com esta redacção e não o tendo concretizado, entendemos que não terá querido que o artigo em causa acomodasse esse sentido.

            No que concerne aos dois elementos seguintes a serem provados pelo sujeito passivo, isto é, o carácter normal da operação e o carácter não exagerado, cumpre salientar que são apresentados de forma alternativa, o que implica que o sujeito passivo prove apenas um deles. O carácter normal apela às regras da experiência e à comparação desses pagamentos com pagamentos que ocorram em circunstâncias similares. A questão do carácter exagerado assenta em juízos de experiência comum que têm como referência não só a normalidade (o que de certa forma justifica a alternatividade dos dois requisitos em análise), mas também a proporcionalidade.

 

 

            4.2.2.2. Aplicação ao caso concreto 

 

            De facto a Requerente tem todo interesse em provar os elementos referidos na norma. Isso não significa, no entanto, atenta a natureza da prova no processo tributário, que a AT esteja dispensada de considerar todos os elementos de que tenha conhecimento que possam contribuir para a comprovação dos factos. A circunstância de ter vindo, tal como se encontra provado, a beneficiar das retenções na fonte sobre os royalties que foram objecto de desconsideração fiscal, é um elemento importante e que contribui para a prova do carácter efectivo das operações realizadas. Esta prova tem suporte tanto nos depoimentos das testemunhas como no relatório de inspecção, nunca tendo a AT questionado esses pagamentos. Face ao exposto nunca estaria a AT dispensada, mesmo em presença da referida inversão do ónus da prova, de, a propósito da aplicação da medida anti-abuso em causa, fazer uma fundamentação adequada nos termos do artigo 65.º do CPPT. Ora, isso não aconteceu, tendo-se a AT desonerado dessa obrigação, com base no pretenso carácter absoluto da inversão do ónus da prova, que, no contexto específico do processo tributário, não pode jamais, como é óbvio, levar à dispensa de fundamentação.

            Para a prova necessária da efectividade dos pagamentos, para além do aludido reconhecimento por parte da AT (que se encontra provado) contribui ainda a circunstância de todos os factos provados permitirem fundar não só a titularidade dos direitos sobre a marca registada por parte da ..., mas também a existência de pagamentos ao abrigo de um contrato de licenciamento celebrado por esta e pela ....

 

            No que concerne à prova da titularidade dos direitos por parte da ..., justificam-se, porém, algumas considerações.

            É certo que normalmente as marcas se transmitem através de um contrato de cessão que tem como efeito a transmissão imediata desses direitos. Todavia, no caso sub judice, e de acordo com os factos provados, o único contrato de cessão conhecido não serviu para transmitir os direitos (que já se encontravam registados em nome da ... desde longa data em vários países), tendo apenas como propósito constituir um mero expediente para alterar os registos em Portugal, tornando-os, por conseguinte, concordantes com registos anteriores que existiam em vários países a favor da ..., e não traduzir um negócio jurídico material.

            O facto de não haver um contrato escrito, forma normal de provar a cessão da marca      (artigo 36.º, n.º 6, Código da Propriedade Industrial), não significa que essa circunstância seja suficiente para por em causa o negócio de cessão, dado que se trata de uma mera formalidade ad probationem[5]. Ora, significa isto que, mesmo que não haja um contrato escrito, pode, ainda assim, ter havido uma transmissão da marca num qualquer momento.

            Independentemente de ter havido cessão, que de facto não se encontra provada, ou de algumas das marcas terem sido criadas pela própria..., o que também não resulta dos factos provados, o que releva, e isso sim é que é determinante para a solução do caso, é que, a partir dos registos vários que existem há décadas, nos países onde as marcas são vendidas (tal como se deu como provado), é possível presumir a titularidade desses direitos por parte dessa sociedade.

            É verdade que quando existe contrato de cessão a titularidade da marca é comprovada de imediato e o registo tem nessas circunstâncias efeitos meramente declarativos, afirmando-se mais como um requisito de oponibilidade a terceiros[6]. Todavia, na ausência de outros elementos, ou desconhecimento da cessão, o registo pode permitir inferir a titularidade de uma marca. Isto é, o registo não passa a ser constitutivo do direito, mas permite presumir a titularidade daquele.

            Através do uso da figura da presunção, enquanto processo lógico de acordo com o qual, com base na existência de um facto – o facto conhecido – se deriva outro facto que normalmente acompanha aquele – o facto presumido – sobre o qual se projectam alguns efeitos jurídicos, pode, com efeito, ser inferida a titularidade do direito. A afirmação base ou indício corresponde à existência dos registos em nome da ...; à afirmação resultado ou presumida, a titularidade dos direitos; e à ligação que existe entre ambas, o nexo lógico. É neste último elemento que reside a sustentabilidade da presunção, na medida em que esse nexo entre afirmação base e afirmação presumida deve traduzir-se num raciocínio lógico que, segundo as máximas de experiência, permita afirmar a segunda através da primeira.

A expressão máximas de experiência (Erfahrungssätze)[7] reporta-se a um conjunto de conhecimentos extra jurídicos adquiridos ao longo dos tempos pelos operadores jurídicos e que constituem elementos decisivos na valoração dos vários factos necessários à interpretação e ponderação das normas. Estas máximas de experiência servem para constatar que determinados factos estão normalmente ligados a outros factos distintos, permitindo a reiteração desse fenómeno fixar certos princípios gerais, denominados princípios de normalidade que são susceptíveis de aplicação a outros casos não observados. Esses princípios constituem, por conseguinte, o fundamento lógico de todas as presunções, na medida em que reflectem que, no ocorrer dos factos, existe uma tendência para uma repetição constante dos mesmos fenómenos.

            Confrontando estas precisões com o que se passa no caso concreto podemos afirmar com segurança que as regras da experiência permitem afirmar que quem tem as marcas registadas em seu nome é titular das mesmas, aparecendo um facto normalmente acompanhado do outro. Pois, é comummente aceite que «Com o registo, a marca torna-se um bem jurídico autonomamente protegido sendo atribuído ao respectivo titular um direito absoluto. [e que] O registo opera pois o acertamento de um bem incorpóreo, exteriorizado por um facto humano, e culmina um longo processo de constituição complexa de um direito. Fora do registo não há marca».[8] Resultando do exposto, com destaque para o facto de o titular do registo ter o direito de uso exclusivo da marca nos produtos e serviços (impedindo que terceiros a usem em produtos ou serviços idênticos sem o seu consentimento[9]), a comprovação da credibilidade, precisão e concordância do nexo de probabilidade, essencial para que se fale em presunção[10]. É credível e preciso porque é extremamente provável e claro que a pessoa a favor de quem está feito o registo seja o titular dos direitos. Cumpre, além disso, com o requisito da concordância porque o facto conhecido, ou seja, o registo a favor de um determinado sujeito conduz invariavelmente à conclusão de que esse sujeito é titular da marca.

             O Tribunal dá, por conseguinte, como comprovada a titularidade, e, portanto, o direito de utilização exclusiva relativamente a todas as marcas que se encontram registadas e cujos registos se encontram válidos por parte da ....

 

 

            Relativamente à existência de pagamentos ao abrigo de um contrato de licenciamento celebrado pela ... e pela ..., deu-se como provada não só a existência de um contrato de licenciamento, mas também que esses pagamentos foram realmente feitos à .... Isso, sem embargo de este colectivo considerar que ter sido dado como provado que a ... tem o mesmo endereço postal da ..., partilhando-o com uma série de outras empresas (tal como verificado por este Tribunal), e que nenhuma das testemunhas (pessoas com posições de grande destaque na actividade da Requerente) tenha alguma vez tido algum contacto com a ... ou sequer conhecido algum dos seus representantes, autoriza algumas dúvidas acerca de se saber se essa comunhão não corresponderá à circunstância de a ... ser apenas uma caixa postal. Trata-se, todavia, de uma mera especulação intelectual, não havendo o mínimo fundamento material para dar como assente que a actuação da ... e da ... seja feita em termos de esta ser uma simples caixa postal para recebimento do valor dos royalties.

            Por uma questão de concordância com o princípio da legalidade fiscal, assim como com o princípio da tipicidade (que exige, como expressão do princípio do Estado de Direito, que os tipos fundamentadores de tributos sejam determinados de tal modo que o sujeito passivo possa calcular de antemão a carga tributária que lhe corresponda[11]), impõe-se, sempre que estejam em causa matérias essenciais, a interpretação não extensiva (nos termos da qual o seu sentido normativo ou descritivo possa ser apreendido pelo contribuinte comum, médio; não necessitando este de ser um técnico de direito). Pois, se ambos os princípios tiverem sido devidamente respeitados pelo legislador, uma operação de mera subsunção será suficiente. Aliás, a possibilidade de utilizar outras formas de interpretação que envolvam um juízo valorativo por parte do intérprete pode constituir um indício de que a reserva de intensidade máxima, ou seja, a necessidade de o legislador fixar tanto os pressupostos como os critérios de decisão a aplicar pela AT, não terá sido cumprida, tornando a norma eventualmente inconstitucional.

            Este posicionamento parece, com efeito, ser aquele que é mais consentâneo com o princípio da legalidade fiscal e aquele que seguramente mais garantias dá ao sujeito passivo. Entende, por conseguinte, este Tribunal que, atento o sentido de pagamento efectivo pretendido pelo legislador, esse requisito se encontra devidamente preenchido, não havendo uma simulação, mas uma operação real.

 

            Referindo-nos agora ao carácter normal ou não exagerado da operação.

            Tendo em conta a titularidade dos direitos sobre as marcas, nada mais normal do que cobrar royalties. Se da parte do licenciante não existe uma obrigação legal de controlar a natureza e a qualidade dos produtos ou serviços que sejam comercializados com a sua marca (sem prejuízo de ser sustentável a defesa de um ónus nesse sentido), no que concerne ao licenciado, as obrigações são bem mais definidas, sendo a principal, justamente, a que consiste no pagamento periódico, no decurso do contrato, de uma determinada quantia pecuniária ao licenciante (royalties)[12].           

            Para a percepção de royalties basta, portanto, a titularidade (inferida, no caso concreto, a partir do registo) combinada com um contrato de licenciamento, factos, aliás, dados como provados, não se atendendo a qualquer consideração de substância, designadamente se a marca foi ou não desenvolvida pelo titular ou se este conduz ou não algumas operações de natureza económica concernentes à promoção ou desenvolvimento da mesma. A menos, obviamente, que se prove o não uso comercial ininterrupto da marca por mais de cinco anos (causa de caducidade de registo[13]), o que não aconteceu. É importante, porém, que se diga, a este propósito, que o facto de se ter provado que existem marcas não registadas em Portugal e que aí caducaram, não tem relevância para decisão da causa, dado que se provou que só foram pagos royalties sobre marcas comercializadas em território nacional que aí se encontravam registadas e não caducadas.

            Com a prova da normalidade, ficaria a Requerente dispensada de provar o carácter não exagerado dada a alternatividade dos elementos. De qualquer modo entendemos que o carácter não exagerado terá sido provado, pelo senso comum, isto é, por um juízo empírico de normalidade e causalidade sem recurso a conhecimentos técnicos. Tendo em conta que se trata de marcas antigas com história e reconhecidas, é natural que, numa sociedade como a de hoje, em que a marca tem um carácter cada vez mais distintivo do produto, aquelas valham muito, independentemente da forma como foram adquiridas. A remuneração não pode, por conseguinte, ser aquilatada em função do suposto valor de aquisição, que pode até ser zero, porque esses produtos em datas próximas da sua formação têm por regra um valor incomensuravelmente menor. Depois, o valor de 4% das vendas para cálculo dos royalties, comum em outras situações em que há licenciamentos de marcas, não deixa de estar em sintonia com o dossier de preços de transferência apresentado pela Requerente e que não mereceu quaisquer objecções por parte da AT que não os contraditou, nem afirmou que estivessem errados os pressupostos e o relevo que lhes foi conferido. Na ausência de qualquer oposição por parte da AT sobre essa matéria, não vê o Tribunal Arbitral razões para por em causa a bondade desse dossier.

            Procede, assim, a pretensão de que os royalties pagos pela ... à ... sejam considerados como custos dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável da sociedade ..., nos termos do artigo 59.º do CIRC.

Relativamente aos royalties pagos à ... pelo uso das marcas ..., considera o Tribunal que estão fora do escopo do artigo 59.º do CIRC que não abrange pagamentos a não residentes, sendo, por conseguinte, o enquadramento fiscal feito pela Requerente, como custos, adequado. Podem ser, com efeito, incluídos no artigo 23º do CIRC, pelo valor em causa que, apesar de ter sido pago mais tarde, o foi efectivamente. Na verdade o facto de terem sido pagos mais tarde não releva para desconsideração fiscal, dado estar cumprido o princípio da especialização dos exercícios.

Procede, assim, igualmente a pretensão de que os royalties pagos pela ... à ... devem ser dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável da sociedade ..., ainda que fora do contexto do artigo 59.º do CIRC.

 

            4.2.3. Cabe agora ao Tribunal determinar se a Requerente tem direito a ser indemnizada pela prestação de garantia bancária, efectuada para suspender a execução fiscal instaurada para cobrança do imposto impugnado.

 

A Requerente não alegou qual o prejuízo que derivou da prestação bancária. Dito por outras palavras, qual a comissão que teve de suportar junto do Banco pela prestação de garantia bancária sobre a liquidação adicional de IRC.

O Tribunal pode, contudo, segundo as regras da normalidade e da experiência comum, pressupor a existência real de um prejuízo pela prestação de garantia bancária.

O que aliás decorre do artigo 53.º da Lei Geral Tributária (LGT) que determina que o devedor que “(...) ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação (...)”. Por outro lado, a indemnização, segundo o mesmo artigo, “(...) tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios (…)”. 

 

            Desconhece-se, no entanto, qual o montante da comissão paga sobre o valor garantido, não podendo o Tribunal Arbitral apurar se o mesmo é inferior ou superior ao limite máximo, ficando impossibilitado de fazer a sua quantificação.

 

Este circunstancialismo, todavia, não põe em causa o direito da Requerente ver ressarcidos os custos que suportou com a prestação das garantias, devendo os mesmos ser apurados no momento em que a Requerida liberte a garantia, nos limites abstractos do artigo 53.º, n.º 3 da LGT, e ser liquidados em execução de sentença. Deve por conseguinte ser julgado procedente o pedido de indemnização formulado pela Requerente.

 

 

5.    DISPOSITIVO

 

Em face do exposto, acorda o colectivo de árbitros em julgar procedentes os pedidos de pronúncia arbitral, pelo que anula as liquidações de IRC e dos juros compensatórios aqui impugnados e condena a Requerida AT no pagamento à Requerente da indemnização pela prestação da garantia bancária, sendo esta no montante dos custos efectivamente suportados pela Requerente com essa prestação, mas tendo como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista no n.º 4 do art.º 43.º da LGT.

      

* * *

      

Valor da causa: € 1. 114. 822,19.

 

Custas a cargo da Entidade Requerida, no montante de € 15 300, de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do RJAT e do artigo 4.º, n.º 4 do RCPAT.

 

* * *

 

Notifique.

Lisboa, 05 de Setembro de 2012.

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pelo Colectivo de Árbitros.

 

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 

* * *

 

Os Árbitros,

 

 

Benjamim Silva Rodrigues

 

 

João Sérgio Ribeiro

 

 

Luísa Anacoreta



[1] Cfr. J. L. SALDANHA SANCHES, O Ónus da Prova no Processo Fiscal, op. cit, pp. 128-136; Rui MORAIS, Apontamentos ao IRC, op. cit., pp. 88 e 89; Tomás Castro TAVARES, Da Relação de Dependência Parcial…, op. cit., p. 154.

[2] In ANTUNES VARELA; J. Miguel BEZERRA e Sampaio e NORA, Manual de Processo Civil, op. cit., p. 450, nota 1. Ver Acórdão do TCAS de 11/12/2007, proc. 02085/07, www.dgsi.pt.

[3] Acórdão do Tribunal de Justiça C-196/04 de 12 de Setembro de 2006.

[4] Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations, OCDE, Paris, 2010.

[5] Cfr. Maria Miguel Carvalho, «Contratos de Transmissão e de Licença de Marca» in Contratos de Direito de Autor e de Direito Industrial, Almedina, Coimbra, 2011, p. 489.

[6] Cfr. Maria Miguel Carvalho, «Contratos de Transmissão e de Licença de Marca», op. cit., p. 493.

[7] Este conceito foi utilizado pela primeira vez por F. STEIN na obra Das private Wissen des Richters, Leipzig, 1893, pp. 21 e ss. Ver ainda, Miguel FENECH e Jorge CARRERAS, «Naturaleza jurídica y tratamiento de las presunciones», in Estudios de Derecho Procesal, Librería Bosch, Barcelona, 1962, p. 391.

[8] In Luís Manuel Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2008, p. 218.

[9] Cfr. Luís Manuel Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial, op. cit., pp. 374.

[10] Cfr. Giorgio GENTILI, Le presunzioni nel diritto tributario, CEDAM, Pádua, 1984, pp. 151, 163 e ss. Este autor fala de «gravità», «precisione» e «concordanza».

[11] Cfr. Acórdão do TC n.º 127/04, de 3/3/2004, ponto 6.3: «Se não será sempre indispensável que a norma legal fiscal forneça ao contribuinte a possibilidade de cálculo exacto, sem margem para quaisquer dúvidas ou flutuações, do seu encargo fiscal, é, porém, de exigir que a norma que constitui a base do dever de imposto seja suficientemente determinada no seu conteúdo, objecto, sentido e extensão de modo que o encargo fiscal seja medível e, em certa medida, previsível e calculável para o cidadão», www.tribunalconstitucional.pt.

[12] Cfr. Luís Manuel Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial, op. cit., pp. 367-368; Maria Miguel Carvalho, «Contratos de Transmissão e de Licença de Marca», op. cit., p. 503.

[13] Cfr. Luís Manuel Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial, op. cit., pp. 374-383.