Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 314/2014-T
Data da decisão: 2014-12-03  IUC  
Valor do pedido: € 2.349,05
Tema: IUC - caducidade do direto de ação
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Decisão Arbitral

 

 

I. - RELATÓRIO

 

A - PARTES

 

A, sociedade comercial por quotas, pessoa colectiva nº …, com sede na …, Freguesia de …, doravante designado por “Requerente”, apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por “RJAT”), tendo em vista a apreciação da seguinte demanda que a opõe à Autoridade Tributária e Aduaneira (que sucedeu, entre outras, à Direcção-Geral dos Impostos), a seguir designada por “Requerida” ou “AT”.

 

B - PEDIDO

 

1 - O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 02 de Abril de 2014 e notificado à AT em 04 de Abril de 2014.

2 - A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, o signatário, em 22-05-2014, foi designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa como árbitro de Tribunal Arbitral Singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.

3 - As Partes foram, em 22-05-2014, devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do nº 1, do artigo 11.º e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

4 - Nestas circunstâncias, em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção introduzida pelo art.º 228.º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi regularmente constituído em 09-06-2014.

5 - No dia 21 de Novembro de 2014 realizou-se, com as Partes, a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, da qual foi lavrada acta, que se encontra junto aos autos, tendo a AT explicitado o sentido e fundamento da excepção de caducidade do direito de acção, por si suscitada em sede de Resposta, no sentido de reafirmar a sua procedência, ao que o representante da Requerente preferiu pronunciar-se por escrito, pronúncia que, tendo, nesses termos, sido admitida pelo Tribunal, será apresentada até ao dia 25-11-2014.

6 - A ora Requerente pretende que o presente Tribunal Arbitral:

a) - Declare a ilegalidade e consequente anulação dos actos de liquidação relativos ao Imposto Único de Circulação (de ora em diante designado por IUC), referentes aos anos de 2008 a 2012, tal como identificados nos autos, respeitantes aos veículos, igualmente, identificados nos autos e que aqui se dão por integralmente reproduzidos;

b) - Declare a anulação das coimas decorrentes das notificações das liquidações de IUC objecto do presente processo, ficando a Requerente desobrigada do seu pagamento

c) - Condene a AT ao reembolso da quantia de € 2.591,05, correspondente ao montante total pago a título de IUC, referente às liquidações e veículos atrás referenciados;

d) - Condene a Autoridade Tributária e Aduaneira ao pagamento de juros indemnizatórios pelo pagamento do IUC indevidamente liquidado e pago.

C - CAUSA DE PEDIR

7 - A Requerente, na fundamentação do seu pedido de pronúncia arbitral, afirma, em resumo, o seguinte:

8 - Que, entre os anos de 2006 e 2011, vendeu veículos automóveis a diversas pessoas, singulares e colectivas, tal como se identificam nos autos, em documento junto, sob o número um, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

9 - Que, entre os anos de 2008 e 2012, foi notificada de liquidações oficiosas de IUC, referentes aos veículos, identificados no processo, nos termos atrás mencionados, tendo em Dezembro de 2013, conforme consta do documento junto aos autos, sob o número três, procedido ao correspondente pagamento.

10 - Que, à data dos factos tributários, já não era legítima proprietária dos veículos referenciados nos autos, dado que os mesmos foram vendidos em datas anteriores àquelas em que o imposto se tornou exigível, tal como provam as respectivas facturas juntas aos autos, em documento identificado sob o número quatro.

11 - Que, a Requerida ao efectuar as liquidações em questão apenas considerou a inscrição registal dos veículos para qualificar a Requerente como sujeito passivo da obrigação tributária do imposto, o que não é aceitável dado que o registo na Conservatória do Registo Automóvel não afecta a validade da transmissão da propriedade dos veículos.

12 - Que não efectuou o pagamento das coimas identificadas em documento junto aos autos, sob o número cinco, por considerar não ter a obrigação de o fazer, dado que não se considera sujeito da obrigação de pagamento do imposto.

13 - Que a norma constante do art.º 3.º, n.º 1 do CIUC consagra uma presunção, que dizendo respeito a uma norma de incidência tributária admite sempre prova em contrário, de acordo com o estipulado no art.º 73.º da LGT.

14 - Que o contrato de compra e venda tem natureza real, sendo o efeito real, face ao disposto no n.º 1 do art.º 408.º do Código Civil, resultante do próprio contrato, o que significa que a transmissão da propriedade da coisa, tendo como causa o próprio contrato, não fica dependente de qualquer acto posterior, nomeadamente do registo.

15 - Que a função essencial do registo automóvel é a de dar publicidade à situação jurídica dos veículos, não surtindo o registo eficácia constitutiva, funcionado (apenas) como uma mera presunção ilidível da existência do direito, bem como da respectiva titularidade.

16 - Que, atenta a noção legal de terceiro, é de concluir que tal qualificação não é preenchida pela Administração Fiscal, não podendo a mesma prevalecer-se da ausência de actualização do registo do direito de propriedade para por em causa a eficácia plena do contrato de compra e venda e para exigir ao vendedor (anterior proprietário) o pagamento do IUC devido pelo comprador do veículo (novo proprietário), desde que a presunção da respectiva titularidade seja ilidida, através de prova bastante da venda correspondente.

17 - Por fim, em conformidade com o que foi lavrado na acta da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, a Requerente, no quadro da sua resposta escrita, relativa à excepção de caducidade do direito de acção suscitada pela Requerida, considera que o prazo para a propositura do Pedido de Pronúncia Arbitral segue os termos do disposto nos artigos 138.º e 139.º do Novo Código de Processo Civil, pelo que, assim, no dia 1 de Abril de 2014, ainda corria o prazo para dar entrada do referido pedido.

 

D - RESPOSTA DA REQUERIDA

 

18 - A Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira, (doravante designada por AT), apresentou a sua Resposta em 15-07-2014 e procedeu à junção da cópia do Processo Administrativo Tributário em 18-07-2014.

19 - Na referida Resposta, a AT suscita a excepção de caducidade do direito para deduzir o pedido de pronúncia arbitral, além de defender que os actos de liquidação de IUC impugnados não enfermam de quaisquer ilegalidades, o que, em síntese e no essencial, se consubstancia no seguinte:

POR EXCEPÇÃO

 

QUANTO À CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO

 

20 - A este propósito, a AT considera que a Requerente apresentou o pedido arbitral, em 2014-04-01, junto do Centro de Arbitragem Administrativa, pedido esse que “deveria ser apresentado no prazo de 90 (noventa) dias, contados da data de notificação do(s) acto(s) de liquidação”, o que resulta “das disposições conjugadas dos artigos 10.º, n.º 1, al. a) do RJAT e 102.º, n.º 1, al. a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)”. (Cfr. art.ºs 10.º e 11.º da Resposta)

21 - Considera, também, que as liquidações impugnadas pela Requerente têm diferentes datas limite de pagamento voluntário, sendo que o último desses prazos de pagamento voluntário terminava em 2013-12-18, salientando que o prazo de pagamento de 90 dias, disponíveis para a apresentação do Pedido de Pronúncia Arbitral, terminava em 2014-03-18 e não em 2014-04-01, data em que o mesmo foi apresentado.

22- Acrescenta que, por maioria de razão, o Pedido de Pronúncia Arbitral também é manifestamente intempestivo quanto às liquidações, cujo termo de prazo de pagamento voluntário ocorreu antes do atrás referido prazo de 2013-12-18.

23 - Entende, por fim, que o Pedido de Pronúncia Arbitral, subjacente ao presente processo, é manifestamente intempestivo, encontrando-se, em 01-04-2014, já caducado o direito de acção da Requerente, caducidade que sendo uma excepção dilatória tem como consequência a absolvição da Requerida da presente instância, face ao disposto no artigo 89.º, n.º 1 do CPTA e noa artigo 576.º, n.º 2 do CPC, aplicáveis por força do artigo 29.º, alíneas c) e e) do RJAT, respectivamente. (Cfr. art.ºs 23.º e 24.º da Resposta)

 

POR IMPUGNAÇÃO

 

24 - Entende também a AT que, mesmo que a referida excepção não seja julgada procedente, os actos tributários em crise não enfermam de qualquer desconformidade legal, pronunciando-se pela improcedência do requerido e pela manutenção dos actos de liquidação questionados, defendendo, em suma, o seguinte:

25 - As alegações da Requerente não podem, de todo, proceder, porquanto fazem uma interpretação e aplicação das normas legais, aplicáveis ao caso, notoriamente errada, na medida em que incorre não só “numa enviesada leitura da letra da lei”, como na adopção “de uma interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime” consagrado em todo o CIUC e, mais amplamente, em todo o sistema jurídico-fiscal, seguindo ainda uma “interpretação que ignora a ratio do regime consagrado no artigo em apreço”. (Cfr. art.ºs 40º e 41.º da Resposta)

26 - O legislador tributário considerou, no art.º 3.º, n.º 1 do CIUC, expressa e intencionalmente, que os sujeitos passivos do IUC são os proprietários dos veículos, considerando como tais as pessoas em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

27 - O referido legislador não usou a expressão “presume-se” como poderia ter feito, por exemplo, nos seguintes termos: “são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, presumindo-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados”. (Cfr. art.º 46.º da Resposta)

28 - A não consagração de uma presunção, no referido artigo 3.º, corresponde a uma opção clara de política legislativa acolhida pelo legislador, cuja intenção adentro da sua liberdade de conformação legislativa, foi a de que, para efeitos do IUC, fossem considerados proprietários, aqueles que como tal constem do registo automóvel, acrescentando ser neste sentido que aponta,

29 - O “entendimento já adoptado pela Jurisprudência dos nossos tribunais”, transcrevendo, para tanto, parte da sentença do tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, proferida no Processo nº …13.OBEPNF. (Cfr. art.ºs 54.º, 55.º e 56.º da Resposta)

30 - Sobre o elemento sistemático de interpretação, considera que a solução propugnada pela Requerente é intolerável, não encontrando o entendimento por esta sufragado qualquer apoio legal. (Cfr. art.º 57 da Resposta)

31 - Sobre a ignorância da “ratio” do regime, a AT considera que, a interpretação propugnada pela Requerente é manifestamente errada, na medida em que o que se visou consagrar no CIUC foi criar um imposto assente na tributação do proprietário do veículo, tal como consta do registo automóvel. (Cfr. art.º 76 da Resposta)

32 - Acrescenta que o CIUC procedeu a uma reforma do regime de tributação dos veículos em Portugal, alterando de forma substancial o regime de tributação automóvel, passando a ser sujeitos passivos do imposto os proprietários constantes do registo de propriedade, independentemente da circulação dos veículos na via pública. (Cfr. art.º 80.º da Resposta)

33 - Neste sentido, refere ser este o entendimento inscrito, nomeadamente, na recomendação n.º 6-B/2012, de 22/06/2012, do Senhor Provedor de Justiça dirigida ao Secretário de Estado das Obras Públicas, dos Transportes e das Comunicações.

34 - A interpretação veiculada pela Requerente é, também, para além do que já foi referido, desconforme com a Constituição, designadamente porque entre outros, viola o princípio da eficiência do sistema tributário, na medida em que traduz um entorpecimento e encarecimento das competências atribuídas à Requerida, com óbvio prejuízo para os interesses do Estado Português, de que quer a Requerente quer a Requerida fazem parte.

35 - Refere, também, que a Requerente não logrou produzir prova idónea dos factos constitutivos do direito que alega, não sendo a prova apresentada bastante para efectuar prova concludente da transmissão dos veículos em causa nos autos.

36 - Acrescenta, ainda, a Requerida que, sendo os actos tributários em crise válidos e legais, porque conformes ao regime legal em vigor à data dos factos tributários, não ocorreu qualquer erro imputável aos serviços, não estão reunidos os pressupostos legais que conferem à Requerente o direito a juros indemnizatórios. (Cfr. art.ºs 109.º e 110.º da Resposta)

37 - Por fim, face a toda a argumentação que aduziu, considera que, face à conformidade legal dos actos tributários em questão, deverá o pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente, absolvendo-se, em conformidade, a entidade Requerida.

 

E - QUESTÕES DECIDENDAS

 

38 - Cumpre, pois, apreciar e decidir.

39 - Face ao exposto, relativamente às posições das Partes e aos argumentos apresentados, é necessário apreciar e decidir as seguintes questões:

a) A excepção dilatória de caducidade do direto de acção, suscitada pela Requerida.

b) O estabelecimento, ou não, de uma presunção na norma de incidência subjectiva constante do artigo 3.º n.º 1 do CIUC;

c) O valor jurídico do registo automóvel na economia do CIUC, particularmente para efeitos da incidência subjectiva deste imposto;

d) Se, na data da ocorrência do facto gerador do imposto, o veículo já tiver sido anteriormente alienado, embora o direito de propriedade deste continue registado em nome do seu anterior proprietário, o sujeito passivo do IUC, para efeitos do disposto no artigo 3.º, nº. 1, do CIUC, é o anterior proprietário ou o novo proprietário;

F - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

 

40 - O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

41 - As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março).

42 - O processo não enferma de vícios que o invalidem.

43 - Tendo em conta o processo administrativo tributário, cuja cópia foi remetida pela AT, e a prova documental junto aos autos, cumpre agora apresentar a matéria factual relevante para a compreensão da decisão, que se fixa nos seguintes termos.

 

G - DA DEDUZIDA EXCEPÇÃO

 

44 - Tendo em conta o disposto no n.º 1 do artigo 608.º do CPC, aqui aplicável por força do artigo 29.º, nº 1, alínea e), do RJAT, deverá, a referida excepção ser, antes de mais, conhecida, uma vez que, face ao disposto na aludida norma, importa, em primeiro lugar, conhecer das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância.

DA EXCEPÇÃO DE CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO

45 - Como já atrás se referiu, a Requerida considera que o prazo de pagamento de 90 dias, previsto para a apresentação do Pedido de Pronúncia Arbitral, terminava em 18-03-2014 e não em 01-04-2014, data em que o mesmo foi apresentado.

46 - Acrescenta, assim, a Requerida, que o Pedido de Pronúncia Arbitral, subjacente ao presente processo, é manifestamente intempestivo, encontrando-se em 01-04-2014 já caducado o direito de acção da Requerente, caducidade que, sendo uma excepção dilatória, tem como consequência a absolvição da Requerida da instância, face ao disposto no artigo 89.º, n.º 1 do CPTA e no artigo 576.º, n.º 2 do CPC, aplicáveis por força do artigo 29.º, alíneas c) e e) do RJAT, respectivamente.

47 - A Requerente, por seu lado, considera que o prazo para a propositura do Pedido de Pronúncia Arbitral segue os termos do disposto nos artigos 138.º e 139.º do Novo Código de Processo Civil, pelo que, assim, no dia 1 de Abril de 2014, ainda corria o prazo para dar entrada do referido pedido.

Vejamos.

48 - Antes de mais, importa referir que, face aos elementos inscritos no Sistema Electrónico de Gestão Processual (SGP), o pedido de constituição de tribunal arbitral foi apresentado no CAAD em 01-04-2014.

49 - Por outro lado, há que ter em conta, face ao universo das notificações de liquidações de IUC constantes nos autos, que a data mais recente de pagamento, ou seja, a última das datas correspondente ao termo do prazo para pagamento voluntário do imposto liquidado é o dia 18-12-2013, o que significa que o prazo de 90 dias, para a impugnação dessas prestações tributárias, deverá ser contado a partir do dia seguinte ao termo dessa mesma data, enquanto prazo/data-limite para o pagamento voluntário de tais prestações, o que, no caso dos autos, se reporta ao dia 19-12-2013. (Cfr. artigo 279.º, alínea b) do Código Civil)

50 - O prazo de 90 dias para apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral, previsto na alínea a) do n.º 1 do art.º 10.º do RJAT, na medida em que não consubstancia, nem um prazo de procedimento, nem processual a que aludem, respectivamente, os n.ºs 1 e 2 do art.º 3.º-A do aludido RJAT, aditado pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, é disciplinado pelo disposto no CPPT. Com efeito,

51 - Resulta explicitamente do disposto no mencionado art.º 3.º-A, n.ºs 1 e 2 que aos prazos atinentes ao procedimento arbitral é aplicável o Código do Procedimento Administrativo e, aos prazos de natureza processual ou judicial, inscritos no quadro do processo tributário, é aplicável o Código de Processo Civil, não sendo, assim, tais normas aplicáveis à contagem do prazo relativo ao pedido de constituição do tribunal arbitral. Na verdade,

52 - O prazo para a apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral reporta-se a um momento anterior à existência do processo, situando-se fora e aquém do procedimento e, necessariamente, do processo arbitral, cujo início ocorre, face ao disposto no art.º 15.º do RJAT, na data da constituição do tribunal arbitral.

53 - Dispõe o n.º 1 do artigo 20.º do CPPT, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, que “Os prazos do procedimento tributário e de impugnação judicial contam-se nos termos do artigo 279.º do Código Civil”.

54 - A este propósito cabe notar o que escreve o Jorge Lopes de Sousa, in Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, integrado no Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, Março, 2013, p. 174, quando refere que “No que concerne ao prazo para apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral, previsto no artigo 10.º, sendo anterior ao procedimento, não se aplicará este artigo 3.º-A (do RJAT), mas sim, o regime do artigo 279.º do Código Civil, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e do artigo 20.º, n.º 1, do CPPT”.

55 - Note-se, entretanto, que, como é jurisprudência, pacífica e reiterada, do Supremo Tribunal Administrativo, podendo, entre outros ver-se os Acórdãos do STA de 14-01-2004, Proc. 01208/03, de 30-01-2013, Proc. 0951/12 e de 15-01-2014, Proc. 01534/13, disponíveis in www.dgsi.pt, o prazo para deduzir impugnação é um prazo de caducidade, de natureza substantiva, contínuo, integrante da própria relação jurídica material controvertida e contado de acordo com as regras do art.º 279.º do Código Civil (CC) e do art.º 20.º n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Trata-se, com efeito, de um prazo peremptório, cujo decurso, extingue o direito de praticar o acto, no caso, o pedido de constituição e pronúncia deste tribunal arbitral.

56 - Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 10.º do RJAT, conjugado com o estatuído no n.º 1, alínea a) do artigo 102.º do CPPT, a impugnação judicial das liquidações de IUC em questão, deve ser deduzida no prazo de 90 dias, o qual, sendo contado, como já atrás se referiu, a partir do dia seguinte ao termo do prazo para pagamento voluntário, ou seja, a partir do dia 19-12-2013, terminava em 18-03-2014.

57 - O pedido de constituição de tribunal arbitral, nestas circunstâncias, tinha de ser apresentado até ao dia 18-03-2014, o que não aconteceu, na medida em que tal pedido teve a sua apresentação no CAAD em 01-04-2014, ou seja, após o decurso do atrás mencionado prazo de 90 dias, legalmente estabelecido para o efeito.

58 - Nestas circunstâncias, conclui-se pela intempestividade do pedido de constituição do tribunal arbitral, procedendo, assim, a excepção de caducidade do direito de acção suscitada pela Requerida, que constitui uma excepção dilatória (1)[i], pelo que, consequentemente, se absolve a Requerida da instância.

CONCLUSÃO

59 - No quadro circunstancial que se tem vindo a referir, e preparando a decisão, conclui-se, tendo em conta o disposto no n.º 2 do artigo 576.º do CPC, no sentido da procedência de excepção de caducidade do direito de acção suscitada pela Requerida, considerando-se, assim, face ao disposto no artigo 608.º, n.º 2 do CPC, prejudicada a apreciação das restantes questões levantadas quer, pela Requerente, quer pela Requerida.

 

II - DECISÃO

 

60 - Destarte, atento a todo o exposto, este Tribunal Arbitral decide:

- Julgar procedente a excepção de caducidade do direito de acção, abstendo-se de apreciar o mérito da causa, decidindo, em consequência e em conformidade com o disposto artigo 278º, nº 1 alínea e), do Código Processo Civil, aplicável por força do artigo 29 - nº1, alínea e), do RJAT, absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância.

- Condenar a Requerente a pagar as custas do presente processo.

VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, nº 2 do CPC (ex-315.º, nº 2) e 97.º - A, nº 1 do CPPT e no artigo 3.º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 2.591,05.

CUSTAS

De harmonia com o disposto no artigo 12.º, n.º 2, in fine, no art.º 22.º, nº 4, ambos do RJAT, e no art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I, que a este está anexa, fixa-se o montante das custas totais em € 612,00.

Notifique-se.

Lisboa, 03 de Dezembro de 2014

O Árbitro

António Correia Valente

(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil (ex-138.º, n.º 5), aplicável por remissão do artigo 29.º n.º 1 alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)

 



(1) Não é pacífico, no contencioso tributário, saber se a caducidade do direito de impugnação ou do direito de pedir a constituição do tribunal arbitral, constitui uma excepção dilatória ou peremptória, determinando, respectivamnete, a absolvição da instância ou do pedido. Em casos como o que está em apreço, julgamos conveniente enquadrar a caducidade do direito a ver a pretensão apreciada por um tribunal arbitral no âmbito das excepções dilatórias, porque a legalidade do acto de liquidação não é analisada nem avaliada, havendo, assim, a possibilidade de futura apreciação desse acto, designadamente, por via da sua revisão, tal como está prevista no art.º 78.º da LGT.