Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 319/2016-T
Data da decisão: 2017-01-16  Selo  
Valor do pedido: € 119.204,99
Tema: IS – Divisão de coisa comum
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Decisão Arbitral

 

 

 

I. RELATÓRIO

 

A…, S. A., com sede na…, Vila Nova de Gaia, e o NIF…, requereu, em 9 de Junho de 2016, a constituição de tribunal arbitral, tendo em vista a apreciação da legalidade o indeferimento do pedido de revisão do acto tributário de liquidação de Imposto de Selo (IS) com o nº…, no montante de € 119.204,99, bem como do acto de liquidação respectivo, pedindo, ainda, o reconhecimento do seu direito a juros indemnizatórios contados desde aquele pedido de revisão, formulado em 21 de Fevereiro de 2012.

Na falta de nomeação de árbitro, foram os signatários designados pelo Conselho Deontológico do CAAD, e aceitaram o encargo, pelo que, na ausência de oposição das partes, ficou o tribunal arbitral constituído em 31 de Agosto de 2016.

A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), notificada, respondeu, defendendo-se por excepção e impugnação, juntou o pertinente processo administrativo e requereu, subsidiariamente, a suspensão do processo até à decisão do recurso hierárquico que a Requerente apresentara contra a liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) efectuada também no acto de liquidação impugnado.

A Requerente pugnou pela improcedência da excepção e requereu a apensação do referido processo de recurso hierárquico.

Entendendo dispensável a reunião a que se reporta o artigo 18º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), o tribunal colectivo reuniu-se e proferiu despacho no qual julgou improcedente a excepção deduzida e indeferiu os pedidos de suspensão da instância arbitral e de apensação do recurso hierárquico.

De seguida, o tribunal anunciou a prolação da decisão até ao dia 16 de Janeiro de 2017, e convidou as partes a produzir alegações escritas, o que elas fizeram.

 

 

II. SANEAMENTO

 

O tribunal é competente, as partes legítimas e devidamente representadas, não havendo nulidades nem mais excepções ou outras questões que impeçam o conhecimento de mérito.

 

 

III. FACTOS

 

1. FACTOS PROVADOS

 

a) Em 22 de Dezembro de 2005 a Requerente e a B…, S.A. (B) celebraram um contrato de promoção de empreendimento, incluindo um centro comercial, um hipermercado, um edifícios de escritórios e espaços de estacionamento automóvel, a edificar em dois imóveis, um deles identificado na alínea seguinte, manifestando a intenção de se manterem na indivisão até conclusão do empreendimento, ficando então a B… proprietária das fracções correspondentes ao hipermercado e a Requerente das demais, conforme documento cuja cópia foi junta com o pedido como documento nº 4.

 b) Na mesma data a Requerente adquiriu à B… uma parte alíquota de 72% de um dos imóveis em que havia de ser construído o empreendimento, ao qual corresponde o artigo … da matriz da freguesia da…, concelho da Amadora, por € 25.568.391,56, mantendo-se na propriedade da B… os 28% remanescentes, conforme escritura pública cuja cópia se acha junta como documento nº 7 apresentado pela Requerente.

c) Por escritura pública de 10 de Maio de 2011, cuja cópia constitui o documento nº 3 junto com o pedido, as comproprietárias dividiram ente si as fracções em que fora constituído aquele e outro imóvel, ficando a caber à Requerente todas elas, no valor de € 185.062.272,20, excepto as EI, EJ e FU, que couberam à B… .

d) Da dita escritura não consta que a Requerente tenha pago tornas ou que estas sejam devidas por força da diferença do valor das fracções adjudicadas a cada uma das contraentes e o valor das partes alíquotas por elas detidas antes da divisão de coisa comum.

e) Refere-se na mesma escritura que cada uma das partes suportou os custos da construção das fracções autónomas constituídas na proporção de 18/25 para a Requerente e 7/25 para a B… .

f) O valor patrimonial do imóvel adquirido pela Requerente (VPT), de acordo com a sua segunda avaliação, era de € 236.335.622,50, correspondendo à sua parte alíquota 72%, € 170.161.67,90.

g) Na sequência daquela divisão, a Administração Tributária (AT) emitiu, em 13 de Maio de 2010, a liquidação de IS nº…, a que corresponde o documento de pagamento com o mesmo número, conforme cópia que constitui o documento nº 1 junto com o pedido, no montante de € 119.204,99.

h) No mesmo acto foi liquidado IMT no montante de € 968.540,58.

i) A Requerente apresentou pedido de revisão do acto de liquidação de IS 21 de Fevereiro de 2012, o qual foi expressamente indeferido em 8 de Março de 2016, nos termos do documento nº 2 junto com o pedido.

j) A Requerente pagou o IS liquidado em 16 de Maio de 2011, como consta da informação em que se baseou o indeferimento do pedido de revisão oficiosa.

 

2. FACTOS NÃO PROVADOS

 

De entre os factos alegados, pertinentes para as várias soluções plausíveis, nenhum ficou por provar.

 

3. FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO SOBRE OS FACTOS

 

A convicção do tribunal assenta no exame dos documentos juntos ao processo, que todos aqui se dão por reproduzidos, e nas alegações factuais não contraditadas.

 

 

 

 

IV. SUBSUNÇÃO DOS FACTOS AO DIREITO

 

A actuação da AT baseou-se em que na divisão de coisa comum couberam à Requerente fracções autónomas no valor global de € 185.062.272,20, enquanto que, antes, a sua parte alíquota, de 72%, valia € 170.161.649, 90.

Encontrou, deste modo, um excesso de € 14.900.624,30, e sobre eles fez incidir imposto de selo.

Nos termos do artigo 1º nº 1 do Código do Imposto do Selo (CIS), ele «incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstas na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de imóveis».

No ponto 1.1. dessa Tabela refere-se a «Aquisição onerosa ou por doação do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito sobre imóveis (…)», sendo a taxa de 0,8% sobre o valor.

No artigo 9º nº 4 do CIS dispõe-se que «à tributação dos negócios jurídicos sobre bens imóveis, prevista na Tabela Geral, aplicam-se as regras de determinação da matéria tributável do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT)».

Estabelece o artigo 4º alínea a) do CIMT que «Nas divisões e partilhas, o imposto é devido pelo adquirente dos bens imóveis cujo valor exceda o da sua quota nesses bens».

Acresce que, no caso, embora a Requerente seja uma pessoa colectiva, nem por isso deixa e ser sujeito passivo do IS, ainda que estivéssemos perante uma transmissão gratuita. É que a regra do nº 2 do artigo 2º do CIS, que só considera sujeitos passivos, no caso de transmissões gratuitas, as pessoas singulares, tem uma excepção, residente no nº 3 do mesmo artigo, quanto aos «(…) actos e contratos da verba 1.1 da Tabela Geral (…)», na redacção vigente desde 1 de Setembro de 2009, aplicável, consequentemente, ao caso em apreço.

Visto este acervo normativo, parece clara a incidência do imposto, no caso vertente, já que a Requerente, sendo proprietária de uma parte alíquota - 72% - de um imóvel no valor de € 236.335.622,50, correspondendo a essa sua parte € 170.161.67,90, tornou-se proprietária, por obra da divisão de coisa comum, de fracções autónomas no valor de € 185.062.272,20, ou seja, de imóveis de valor superior em € 14.900.624,30 ao que antes detinha em compropriedade.

Vimos já que o argumento da Requerente, de que se não trata de uma operação onerosa, de nada vale face ao apontado nº 3 do artigo 2º do CIS.

Mas é patente que a operação não é gratuita, porquanto está inserida no acordo entre a Requerente e a B…, ambas promotoras de um empreendimento comercial que, dada a natureza das contraentes, visava a obtenção de lucros no exercício das correspondentes actividades, acordo esse que integrava e culminou com o termo da indivisão em que se encontravam. Como claramente afirma a Requerente, «(…) a operação de divisão (…) é um corolário natural e inevitável da forma como o mesmo [desenvolvimento do projecto] foi delineado».

Nem a alegada circunstância de não ter havido lugar ao pagamento de tornas descaracteriza a existência do facto tributário, pois não é elemento constitutivo dele.

Aliás, a Requerente esforça-se, ao longo dos seus articulados, em explicar o modo como o negócio foi configurado, insistindo na ideia de que a divisão constituiu uma mera formalidade, da qual lhe não adveio mais do que aquilo de que era já comproprietária, e que o excesso encontrado pela Requerida é, apenas, consequência da improbabilidade (no caso, impossibilidade) de a soma do valor das fracções corresponder, exactamente, ao valor da sua parte alíquota. Pretendendo que, por tudo isso, não há «nenhum poder aquisitivo acrescido», nenhuma «capacidade contributiva acrescentada à já revelada na aquisição da sua quota nos terrenos».

Sendo certo que o tribunal acolheu a versão dos factos alegados pela Requerente, certo é, também, que não pode acompanhá-la na conclusão.

Na verdade, os factos provados preenchem a fattispecie da norma de incidência do IS, que a prevê «sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de imóveis», quando haja «aquisição onerosa ou por doação do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito sobre imóveis (…)», sendo que «nas divisões e partilhas, o imposto é devido pelo adquirente dos bens imóveis cujo valor exceda o da sua quota nesses bens».

O despacho invocado pela Requerente, traduzindo anterior entendimento da AT num caso semelhante, também não vale como argumento.

Por um lado, ele não vincula a Autoridade Tributária; por outro lado, refere-se a imposto sobre o rendimento, enquanto que, desta feita, do que se trata é de um incremento patrimonial de resultado económico equivalente a uma transmissão de bens imóveis.

E, ainda que a divisão de coisa comum tenha traduzido a diversa participação das compartes no desenvolvimento da construção, o certo é que, a final, e por obra da divisão de coisa comum, a Requerente viu o seu património imobiliário acrescido – e é esse acréscimo que releva para efeitos de IS.

Em súmula, a Requerente, sendo proprietária de uma quota de 72% de um imóvel no valor de € 236.335.622,50, correspondendo a essa sua parte € 170.161.67,90, tornou-se proprietária, por obra da divisão de coisa comum, de fracções autónomas no valor de € 185.062.272,20, o seja, de imóveis de valor superior em € 14.900.624,30 ao que antes detinha em compropriedade.

Falecem, pelo exposto, os fundamentos da sua impugnação do acto tributário que decidiu em conformidade.

 

 

V – DECISÃO

 

Face ao exposto, decide-se:

Fixar ao processo o valor de € 119.204,99, por esse ser o valor da causa, nos termos do disposto no artigo 97º-A nº 1 alínea a) do CPPT, aplicável por força da remissão do artigo 3º nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária;

Julgar improcedente o pedido, absolvendo dele a Administração Tributária e Aduaneira, mantendo o acto de liquidação e, consequentemente, o de indeferimento da respectiva reclamação graciosa;

Condenar a Requerente nas custas, que se computam em € 3.060,00, nos termos da Tabela I a que se refere o artigo 4º nºs. 1 e 4 do citado Regulamento.

 

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, 16 de Janeiro de 2017

 

 

 

Os árbitros

 

 

(José Baeta de Queiroz)

                                                                                        

 

 

(Jorge Bacelar Gouveia)

 

 

 

(Luís Menezes Leitão)