Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 3/2023-T
Data da decisão: 2023-07-31  IVA  
Valor do pedido: € 413.145,77
Tema: Revisão do ato tributário; reabilitação urbana; IVA a taxa reduzida.
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Sumário:

  1. Sendo verdade que, suprimido o n.º 2 do artigo 78 da LGT, nem todos os erros na autoliquidação serão, automaticamente, erros imputáveis aos serviços, tal não obsta a que, em certas circunstâncias, designadamente quando a autoliquidação proceda de orientações ou informações prestadas pela AT (no quadro dos instrumentos previstos nos artigos 68 e 68-A da LGT), se possa aplicar o n.º 1 do artigo 78 da LGT, considerando haver “erro imputável aos serviços”.
  2. A disposição constante da verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA deve ser interpretada no sentido de que só há “empreitada de reabilitação urbana”, na aceção do RJRU – o diploma específico para que remete a norma fiscal – quando, a par da delimitação da área de reabilitação urbana, o município proceda, igualmente, à programação estratégica das atividades a realizar naquela zona, através da aprovação da operação de reabilitação urbana.
  3. O que, ao longo do RJRU, se designa por “operação de reabilitação urbana” não se distingue nem funcional nem temporalmente da programação estratégica a executar na área compreendida naquela delimitação. Essa programação estratégica traduz-se, no caso de ORU simples, na elaboração de uma estratégia de reabilitação urbana, e no caso da ORU sistemática, na elaboração de um programa estratégico de reabilitação urbana.
  4. No presente caso, tendo o município de Lisboa aprovado a definição da área de reabilitação urbana em simultâneo com a respetiva Estratégia de reabilitação urbana para o período 2011/2024, foi aprovada ORU simples (entretanto alterada), estando, por conseguinte, preenchidos os pressupostos de que depende a aplicação da taxa reduzida de IVA, à luz da verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA. 

 

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DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Carla Castelo Trindade (Árbitro-presidente), Marta Vicente (Árbitro-adjunta Relatora) e Filipa Barros (Árbitro-adjunta), designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 13-03-2023, acordam no seguinte:

I - Relatório

1. A..., S.A (doravante, abreviadamente designado por “Requerente”), com o número de identificação fiscal ..., com sede na Rua ..., n.º ...-... ...-... Porto, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2, n.º 1, al. a), e 10, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária (doravante, RJAT), com as alterações subsequentes, e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, alterada pela Portaria n.º 287/2019, de 3 de setembro, que vincula vários serviços e organismos do Ministério das Finanças e da Administração Pública à jurisdição do Centro de Arbitragem Administrativa.

 

2. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente pede:

(i) A declaração de ilegalidade do indeferimento do pedido de revisão oficiosa n.º ...2021...;

(ii) A declaração de ilegalidade e consequente anulação das autoliquidações de IVA dos períodos compreendidos entre abril de 2018 a maio de 2019;

(iii) A condenação da Requerida no reembolso do imposto em excesso no valor total de €413.145,77;

(iv) A condenação da Requerida no pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios, nos termos legais.

 

3. É demandada a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante, AT ou Requerida).

 

4. O pedido de constituição de Tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação com a notificação da AT, em 04-01-2023.

 

5. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6, n.º 2, alínea a) e do artigo 11, n.º 1, al. a), ambos do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou as Signatárias como Árbitros do Tribunal arbitral coletivo, tendo estas comunicado a aceitação do encargo no prazo devido.

 

6. Foram as partes notificadas dessa designação, em 22-02-2023, não tendo manifestado vontade de a recusar (cf. artigo 11, n.º 1, al. b) e c) do RJAT, em conjugação com o disposto nos artigos 6 e 7 do Código Deontológico do CAAD), pelo que, ao abrigo da al. c) do n.º 1 do artigo 11 do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 13-03-2023.

 

7. Em 13-03-23, o Tribunal Arbitral proferiu Despacho ordenando a notificação da Requerida para apresentar Resposta, juntar cópia do Processo Administrativo e solicitar, querendo, a produção de prova adicional (cf. artigo 17 do RJAT). O Despacho foi notificado na mesma data.

 

8. A Requerida veio apresentar resposta, em 24-04-2023, remetendo o processo administrativo.

 

9. Em 09-05-2023, foram as partes notificadas de despacho arbitral a dispensar a reunião prevista no artigo 18 do RJAT, e concedendo às partes o prazo simultâneo de 15 (quinze) dias, contados a partir da data da notificação do referido Despacho, para a produção de alegações escritas, devendo a Requerente, em idêntico prazo, proceder ao depósito da taxa arbitral subsequente e à junção aos autos do respetivo comprovativo.

 

10. As partes não apresentaram alegações escritas.

 

II - Síntese da posição das partes

 

11. Compulsado o pedido arbitral, a Requerente considera, em síntese, que:

(a) Estariam preenchidos os requisitos para que a AT procedesse, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78 da LGT, à revisão oficiosa do ato de autoliquidação de IVA, uma vez que essa autoliquidação assentou em “erro imputável aos serviços”. Efetivamente, a Requerente só procedeu à autoliquidação de IVA à taxa normal de 23% – e não à taxa reduzida de 6%, prevista na verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA para as empreitadas de reabilitação urbana – por haver orientações da AT nesse sentido, prestadas na sequência de pedido de informação vinculativa.

(b) A posição vertida naquelas orientações assenta, porém, em erro de direito, mormente numa errada interpretação da verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA. No entender da Requerente, aquela disposição estende a taxa reduzida de IVA a todas as situações em que haja uma empreitada de reabilitação urbana referente a imóvel situado em área de reabilitação urbana, não se exigindo a aprovação de uma operação de reabilitação urbana. Pelo que, havendo erro imputável aos serviços (erro de direito), deve o ato de indeferimento da revisão oficiosa ser declarado ilegal e, consequentemente, anulados os atos de autoliquidação de IVA referentes àquela empreitada, na parte em que que excedam o que resulta da aplicação da taxa de 6% à matéria tributável.  

 

12. A Requerida (AT) respondeu nos seguintes termos:

(a) Com a reforma promovida pela Lei do Orçamento do Estado para 2016 (Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março), a revisão oficiosa de atos tributários em caso de autoliquidação só é possível para factos ocorridos em momento anterior à supressão do n.º 2 do artigo 78 da LGT, o que não acontece no caso sub judice.

(b) Mesmo que se entenda que a revisão oficiosa de atos de autoliquidação permanece possível à luz do n.º 1 do artigo 78 da LGT, certo é que não existe, no entender da AT, erro imputável aos serviços (erro de direito), porquanto a informação vinculativa prestada à Requerente pela Direção de Serviços assenta numa interpretação correta da verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA. Na verdade, o segmento que, naquele normativo, se refere a “empreitada de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico” deve ser interpretado em conjugação com os artigos 7, 15, 17 e 18 do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de outubro, na redação atual, dada pelo Decreto-lei n.º 66/2019, de 21 de maio), de onde resulta que só beneficiam da taxa reduzida de IVA as empreitadas de reabilitação urbana relativas a imóveis situados em área de reabilitação urbana, no âmbito de operação de reabilitação urbana aprovada através de instrumento próprio ou de plano de pormenor de reabilitação urbana. Não tendo sido provado que essa operação exista in casu, a conclusão terá de ser a de que o ato de autoliquidação não enferma de ilegalidade.

 

III – Saneamento

13. O Tribunal arbitral foi regularmente constituído face ao preceituado nos artigos 2, n.º 1, al. a) do RJAT. As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (cf. artigos 4 e 10, n.º 2 do RJAT e artigo 1 da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). O processo não enferma de nulidades.

 

IV – Matéria de facto

§1 – Factos provados 

14. Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

1.º - A Requerente é uma sociedade anónima, sediada no Porto, constituída em 30 de dezembro de 1987, cuja principal atividade consiste no desenvolvimento de projetos e promoção imobiliária de empreendimentos residenciais.

2.º - No âmbito da sua atividade, a Requerente celebrou um contrato de empreitada para execução de obra tendente à construção de um conjunto de moradias, enquadrado num projeto imobiliário denominado “Quinta ...” (cf. Documento n.º 3, junto com o PPA).

3.º - O projeto imobiliário supramencionado está localizado em Área de Reabilitação urbana, tal como delimitada pelo município de Lisboa (cf. Documento n.º 5, junto com o PPA).

4.º - O município de Lisboa aprovou a delimitação da Área de reabilitação urbana e, em simultâneo, a operação de reabilitação urbana simples, com fundamento na Estratégia de reabilitação urbana para o período de 2011/2024 (cf. Deliberação n.º.../AML/2012, na sua reunião de 20 de março de 2012, sob a Proposta n.º .../2011, aprovada pela Câmara Municipal de Lisboa, na reunião de 21 de dezembro de 2011, publicada sob o Aviso n.º 5876/2012 em Diário da República, II Série, n.º 82, 26 de abril de 2012, entretanto alterada pela Deliberação n.º .../AML/2015, na sua reunião de 7 de julho de 2015, sob a Proposta n.º .../2015, aprovada pela Câmara Municipal de Lisboa, na sua reunião de 24 de junho de 2015, publicada sob o Aviso n.º 8391/2015, de 21 de julho de 2015 em Diário da República, 2.ª série, n.º 148, 31 de julho de 2015).

5.º - Com base nas faturas emitidas pela construtora, e com base em orientações fornecidas pela AT, a Requerente autoliquidou IVA à taxa normal de 23%, no período compreendido entre abril de 2018 e maio de 2019, no montante de €558.961,90 (cf. Documentos n.º 2 e 4, juntos com o PPA).

 

6.º - Contudo, apercebendo-se de que autoliquidou IVA em excesso, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa do ato liquidação, no dia 02 de agosto de 2022 (cf. Documento n.º 1, junto com o PPA e o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente, remetido com o processo administrativo).

7.º - O pedido de revisão oficiosa do ato de liquidação foi indeferido pela AT, no dia 17 de outubro de 2022 (cf. Documento n.º 1, junto com o PPA).

8.º - No dia 03 de janeiro de 2023, a Requerente apresentou o PPA que agora se aprecia.

 

§2 – Factos não provados

 

15. Não existem factos não provados com relevo para a causa.

 

§3 – Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

16. Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cf. artigo 123, n.º 2, do CPPT e artigo 607, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29, n.º 1, a) e e), do RJAT).

No que se refere à matéria de facto dada como provada, a convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pela Requerente, não contestados pela AT, bem como na prova documental junta aos autos, em particular os Documentos n.ºs 1, 2, 3, 4 e 5.

 

17. O ponto de dissídio entre as partes traduz-se, fundamentalmente, numa questão de direito, que é a de saber se a verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, na parte em que circunscreve o seu âmbito de aplicação a “empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico”, se basta com o facto de o imóvel se localizar em área de reabilitação urbana, ou se também exige, a par daquela localização, a aprovação de uma operação de reabilitação, simples ou sistemática, através de instrumento próprio ou de plano de pormenor de reabilitação urbana. Sobre esta questão, debruçar-se-á o Tribunal Arbitral em sede de matéria de direito, por estar em causa, essencialmente, uma questão de interpretação da lei fiscal.

 

18. Todavia, entende este Tribunal Arbitral que, ao contrário daquela que é a posição (comum) das Partes nesta matéria, existiu aprovação de operação reabilitação urbana simples com referência à área onde o contrato de empreitada foi executado, assentando tal asserção numa interpretação do RJRU que este Tribunal considera ser a correta, como melhor se adiantará infra, mas que decorre, sobretudo, da circunstância de a aprovação e delimitação de ARU do município de Lisboa vir acompanhada de uma Estratégia de reabilitação Urbana para o período de 2011/2024.

Aí se refere, por diversas vezes, que, à exceção de algumas zonas do município (para as quais, por carecerem de uma intervenção mais profunda, serão aprovadas operações de reabilitação urbana sistemáticas), a opção do município de Lisboa recaiu na aprovação de uma operação de reabilitação urbana simples. Desse documento resulta, em linha com o RJRU, que a aprovação da estratégia de reabilitação urbana e a aprovação de operação de reabilitação urbana se configuram como eventos simultâneos e funcionalmente equiparados. Lê-se, com efeito, naquele documento o seguinte: “O presente documento constitui o instrumento de programação da operação de reabilitação urbana simples que enquadra a proposta de delimitação da Área de Reabilitação Urbana - ARU, nos termos dos artigos 8.º, n.ºs 1, 2 e 4 e 30.º, todos do referido RJRU”.

 

19. Repisa-se este ponto, por ser da máxima importância: uma leitura atenta deste documento não admite outro sentido normativo que não seja o de que, ao aprovar a delimitação da ARU, o município de Lisboa aprovou, simultaneamente, uma operação de reabilitação urbana simples para a área envolvida, enquadrada por uma Estratégia de reabilitação urbana, sem prejuízo de operações de reabilitação urbana sistemáticas que viessem a ser aprovadas no futuro.

Atente-se, uma vez mais, no ponto 3.2 daquela Estratégia (“As medidas a implementar”): “Esta delimitação da Área de Reabilitação Urbana (ARU), englobando as antigas ACRRU, deverá ser aprovada pela Assembleia Municipal, sob proposta da câmara municipal, após consulta pública e parecer do IHRU será definida através do instrumento de programação “instrumento próprio”, de acordo com o procedimento estabelecido no artigo 14.º, sendo enquadrada pela “estratégia de reabilitação urbana” a respetiva operação de reabilitação urbana simples, a realizar na ARU, nos termos do artigo 30.º do RJRU”.

Foi precisamente isso que sucedeu in casu: a Câmara de Lisboa apresentou uma proposta de delimitação de ARU, acompanhada de uma Estratégia de reabilitação urbana, que depois do parecer do Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU, I.P), foi aprovada pela Assembleia Municipal, juntamente com a operação de reabilitação urbana simples, consistindo aquela deliberação municipal no “instrumento próprio” para efeitos dos artigos 17 e 30 do RJRU. Esta sequência de acontecimentos pode ser comprovada através do sítio oficial do município de Lisboa, na área relativa à reabilitação urbana (https://www.lisboa.pt/cidade/urbanismo/planeamento-urbano/area-de-reabilitacao-urbana).

A circunstância de o local onde a empreitada foi realizada ter passado a integrar a área de reabilitação urbana a partir de 2015 (e não desde 2011), como decorre do Documento n.º 5 junto com o PPA, em nada contende com esta conclusão. Com efeito, pelo Aviso n.º 8391/2015, de 21 de julho de 2015, publicado em Diário da República, 2.ª série, n.º 148, 31 de julho de 2015, fica claro que a alteração à delimitação da área de reabilitação urbana de Lisboa (definida em 2011) foi aprovada juntamente com a alteração da respetiva Operação de reabilitação urbana simples.

 

V – Matéria de direito

 

20. O thema decidendum do presente pedido de pronúncia arbitral consiste, como se adiantou supra, numa questão de direito. Trata-se, no fundo, de saber se a disposição da verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, na parte em que aí se alude a “empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico”, deve ser interpretada no sentido de que exige, a par da execução de um contrato de empreitada em imóvel sito em área de reabilitação urbana, a aprovação de uma operação de reabilitação urbana. Apesar de, em sede de matéria de facto, ter concluído este Tribunal Arbitral pela ocorrência, in casu, de aprovação de operação de reabilitação urbana simples – o que retira inelutavelmente relevância àquela divergência interpretativa – não deixará o Tribunal de se debruçar sobre aquela questão de direito, por entender que ela integra o iter metodológico do ajuizamento da presente causa.

 

21. Porém, antes de proceder à análise e decisão desta questão de direito temos de nos debruçar sobre a questão que a Requerida suscita na sua Resposta, na parte em que contende com a admissibilidade de revisão oficiosa do ato de liquidação.

 

§1. Da inadmissibilidade de revisão oficiosa dos atos de autoliquidação

 

22. Invoca a Requerida (AT) que o artigo 78, n.º 1 da LGT, disposição em que a Requerente fundou o pedido de revisão oficiosa, não é aplicável in casu, por estar em causa um erro na autoliquidação e, por conseguinte, um erro não imputável aos serviços. Segundo a AT, a revisão oficiosa de atos de liquidação baseados em erro na autoliquidação deixou de ser possível com a supressão do n.º 2 do artigo 78 da LGT, operada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, que aprovou o Orçamento do Estado para 2016 (“Sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação”).

 

23. Vejamos. É pacífico que a revisão dos atos tributários prevista e regulada no artigo 78 da LGT contempla várias situações: a situação de revisão com fundamento em “erro imputável aos serviços” (n.º 1), a situação de revisão “excecional” com fundamento em “injustiça grave ou notória” (n.ºs 4 e 5), e ainda a situação de revisão do ato tributário por motivo de duplicação da coleta (n.º 6).

 

24. De acordo com o artigo 78.º, n.º 1, da LGT, «[A] revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços».

Daqui resulta que a revisão do ato tributário prevista naquele n.º 1 constitui um meio de correção de erros na liquidação de tributos levado a cabo pela própria administração tributária (a revisão é da competência de quem praticou o ato tributário), e que pode partir da iniciativa do sujeito passivo, no prazo da reclamação administrativa (reclamação graciosa) e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou da iniciativa da administração, no prazo de 4 anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

 

25. O “erro imputável aos serviços” compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como, também, o erro de direito, e a imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação afetada pelo erro (cf., entre outras, a decisão arbitral de 24-03-2022, processo 615/2021-T, e, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12.02.2001, recurso nº 26.233, de 11.05.2005, recurso 0319/05, de 26.04.2007, recurso 39/07, de 14.03.2012, recurso 01007/11 e de 18.11.2015, recurso 1509/13).

 

26. É verdade que, até 2016, o legislador equiparava erro na autoliquidação a erro imputável aos serviços. Era esse o sentido que se retirava do n.º 2 do artigo 78 da LGT. A AT interpreta a supressão deste normativo com o sentido de que, a partir de 2016, deixou de ser possível qualificar um erro na autoliquidação como “erro imputável aos serviços”, na aceção do n.º 1 do artigo 78 da LGT. Mas esse não é, manifestamente, o sentido normativo que há que extrair da nova redação do preceito. Sendo verdade que, suprimido o n.º 2 do artigo 78 da LGT, nem todos os erros na autoliquidação serão, automaticamente, erros imputáveis aos serviços, tal não obsta a que, em certas circunstâncias, designadamente quando a autoliquidação proceda de orientações ou informações prestadas pela AT (no quadro dos instrumentos previstos nos artigos 68 e 68-A da LGT), se possa aplicar o n.º 1 do artigo 78 da LGT, considerando haver “erro imputável aos serviços”. Dito de outro modo, para se falar em erro imputável aos serviços numa situação de autoliquidação, “tem de existir alguma atuação da administração que se revele como sustentadora da própria atuação do sujeito passivo e que, dessa forma, o condicione” (cf. o acórdão do TCA-N de 19-01-23, processo n.º 1917/21.4BELRS, Relatora: Tânia Meireles da Cunha).

 

27. No presente processo, a autoliquidação de IVA à taxa normal de 23% procedeu de informação prestada pela AT em sede de processo de informação vinculativa (artigo 68 da LGT), pelo que estariam reunidos os pressupostos para que a AT apreciasse o pedido de revisão oficiosa do ato tributário, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78 da LGT, no sentido de aferir se aquelas informações resultaram de uma correta interpretação e aplicação dos normativos legais.

 

§2. Da existência de erro imputável aos serviços: a ilegalidade da autoliquidação de IVA à taxa normal de 23%

 

28. Nos termos do artigo 11 da LGT, as normas fiscais são interpretadas de acordo com as técnicas ou cânones gerais, em linha, portanto, com os elementos gramatical, histórico, sistemático e teleológico da hermenêutica jurídica, assumindo aquele primeiro elemento relevância negativa, isto é, capacidade para excluir os sentidos normativos que não tenham na letra da lei o mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 9, n.º 2 do Código Civil). Visto que as questões a decidir nos presentes autos têm por base uma divergência interpretativa quanto ao sentido a atribuir à lei fiscal, importa ter presente o teor literal da verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, cuja epígrafe é “Bens e serviços sujeitos a taxa reduzida”:

“2.23 - Empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico, realizadas em imóveis ou em espaços públicos localizados em áreas de reabilitação urbana (áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, zonas de intervenção das sociedades de reabilitação urbana e outras) delimitadas nos termos legais, ou no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional”. (Redação da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro)

 

29. Ora, de acordo com esta disposição, estão sujeitas à taxa reduzida de IVA “as empreitadas de reabilitação urbana, tal como definidas em diploma específico”, realizadas em imóveis situados em área de reabilitação urbana. O conceito de empreitada, enquanto conceito importado de outro ramo do direito na aceção do n.º 2 do artigo 11 da LGT, deve ser interpretado com o sentido que aí tem, a menos que outro resulte diretamente da lei. Vale, neste sentido, a definição constante do artigo 1207 do Código Civil, onde se define empreitada como “o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação a outra a realizar certa obra, mediante um preço”.

 

30. Mais complexo é determinar o que se entende por “empreitadas de reabilitação urbana”. Aqui, a própria lei fiscal remete para o sentido que o conceito “reabilitação urbana” assume em legislação específica, que vem a ser o RJRU, aprovado pelo Decreto-lei n.º 307/99, de 23 de outubro (agora na redação conferida pelo Decreto-lei n.º 66/2019, de 21 de maio). Remissão a que, aliás, sempre se chegaria por intermédio do elemento sistemático da hermenêutica jurídica e do princípio da unidade do sistema jurídico. Aquele diploma legal, como o respetivo preâmbulo esclarece, pretendeu reforçar o papel do município na programação estratégica da reabilitação urbana, favorecendo uma “intervenção integrada sobre o tecido urbano existente”, em linha com um conceito amplo de reabilitação urbana (artigo 2, j) do RJRU) [Eduardo Firmino, “Políticas públicas de incentivo à reabilitação urbana. A fiscalidade”, Ciência e Técnica Fiscal, n.º 436, 2016, pp. 179-211].

 

31. Partindo desta conceção de intervenção estratégica, esclarece o artigo 7, n.º 1 do RJRU que a reabilitação urbana resulta de dois instrumentos: (i) delimitação da área de reabilitação urbana (artigo 2, b) do RJRU); (ii) aprovação da operação de reabilitação urbana, através de instrumento próprio ou de plano de pormenor de reabilitação urbana, o que é o mesmo que dizer aprovação da estratégia de reabilitação urbana ou do programa estratégico de reabilitação urbana para área que se pretende reabilitar. A operação de reabilitação urbana pressupõe uma estratégia de reabilitação urbana se for simples, isto é, se consistir “numa intervenção integrada de reabilitação urbana de uma área, dirigindo-se primacialmente à reabilitação do edificado, num quadro articulado de coordenação e apoio da respetiva execução”. A operação de reabilitação urbana pressupõe um programa estratégico de reabilitação urbana se for sistemática, isto é, se consistir “numa intervenção integrada de reabilitação urbana de uma área, dirigida à reabilitação do edificado e à qualificação das infraestruturas, dos equipamentos e dos espaços verdes e urbanos de utilização coletiva, visando a requalificação e revitalização do tecido urbano, associada a um programa de investimento público” (artigos 8, n.ºs 1, 2 e 3 e 16 do RJRU).

 

32. Aqui, importa fazer uma precisão importante para o caso concreto. Até 2012 (Lei n.º 32/2012, de 14 de agosto), o modelo gizado pelo legislador passava pela aprovação simultânea, pelos municípios, dos elementos constitutivos da reabilitação urbana, ou seja, da definição da área de reabilitação urbana e da aprovação da estratégia ou do programa de reabilitação urbana que enquadram a operação de reabilitação urbana (consoante esta for simples ou sistemática). Neste sentido, antes de 2012, não havia aprovação de ARU que não levasse pressuposta, de igual modo, a aprovação de ORU, como resultava da anterior redação dos artigos 7 e 13 do RJRU.

A partir de 2012, o legislador admitiu como possível um desfasamento entre o momento da definição da ARU e o momento da aprovação da ORU (programação estratégica), resultando claramente dos n.º s 2 e 3 do artigo 7 do RJRU que a aprovação da área de reabilitação urbana pode ter lugar em momento anterior à aprovação da operação de reabilitação urbana a desenvolver nessa área. Mas daí não adveio nenhuma alteração substancial: a reabilitação urbana continua a pressupor uma decisão complexa, abrangendo a delimitação da ARU e a aprovação da ORU por banda da definição respetiva estratégia ou programa estratégico. A sustentar este entendimento está, igualmente, o artigo 15 do RJRU, onde agora se dispõe que, nas hipóteses em que a definição da área de reabilitação não ocorra em simultâneo com a aprovação de ORU, a delimitação caduca se, ao fim de três anos, aquela aprovação não houver tido lugar (cf. Fernanda Paula Oliveira / Dulce Lopes, “As recentes alterações ao Regime Jurídico da Reabilitação Urbana”, Direito Regional e Local, n.º 19, 2012, pp. 12-26).

 

33. Deste enquadramento afluem duas conclusões com relevo para a interpretação da verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA. A primeira é a de que só há reabilitação urbana, na aceção do RJRU – o diploma específico a que alude a norma fiscal – quando, a par de delimitação da área de reabilitação urbana, o município proceda, igualmente, à programação estratégica das atividades a realizar naquela zona, através da aprovação da operação de reabilitação urbana. Neste sentido, quando na verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA se faz alusão a “empreitadas de reabilitação urbana”, uma interpretação fundada nos elementos sistemático e teleológico, não contrariada pelo elemento gramatical, aponta no sentido de que o legislador pretendeu estender a taxa reduzida às empreitadas alinhadas com os desígnios da reabilitação urbana (a tal “intervenção integrada no tecido urbano”), que serão aquelas realizadas em imóveis situados em áreas de reabilitação urbana para as quais já tenha o município feito recair uma programação estratégica, capaz de lhe conferir visão de conjunto.

 

34. Não se ignora, bem entendido, o que ressalta do artigo 14, b) do RJRU (o artigo 14, a) vale exclusivamente para os “benefícios fiscais associados aos impostos municipais sobre o património”, o que não é o caso do IVA), onde se dispõe que a (mera) definição da ARU “[C]onfere aos proprietários e titulares de outros direitos, ónus e encargos sobre os edifícios ou frações nela compreendidos o direito de acesso aos apoios e incentivos fiscais e financeiros à reabilitação urbana, nos termos estabelecidos na legislação aplicável, sem prejuízo de outros benefícios e incentivos relativos ao património cultural”. Porém, a atribuição dos “incentivos fiscais” é feita, como o próprio normativo refere, “nos termos estabelecidos na legislação aplicável”, o que remete para a verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA e para o conceito de reabilitação urbana que a ele subjaz (cf. Fernanda Paula Oliveira / Dulce Lopes, “Reabilitação urbana em ARUs sem ORUs: que conceito de reabilitação e que benefícios fiscais em matéria de IVA?”, Questões Atuais de Direito Local, n.º 13, 2017, pp. 25-46, embora chegando a conclusão distinta).

 

35. Registe-se, por último, que este resultado interpretativo não leva pressuposta nenhuma operação hermenêutica (lato sensu) proibida em direito fiscal, como seria o caso, por exemplo, de uma redução teleológica, à luz do n.º 4 do artigo 11 da LGT e dos princípios da legalidade fiscal e da segurança jurídica que lhe subjazem. O sentido interpretativo que o Tribunal Arbitral confere à disposição constante da verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA mantém-se nos sentidos “cabíveis” na letra da lei, configurando-se, até, como o candidato “positivo” ou mais habitual, atento o que resulta do artigo 7, n.º 1 do RJRU e o modo como aí se estrutura a figura da reabilitação urbana.

 

36. A segunda conclusão é esta. O que, ao longo do RJRU, se designa por “operação de reabilitação urbana” – e que, conforme vem de ser dito, é um dos momentos constitutivos da reabilitação urbana – não se distingue nem funcional nem temporalmente da programação estratégica a executar na área compreendida naquela delimitação. Essa programação estratégica, como se disse, traduz-se, no caso de ORU simples, na elaboração de uma estratégia de reabilitação urbana, e no caso da ORU sistemática, na elaboração de um programa estratégico de reabilitação urbana. Para esta conclusão contribui decisivamente o artigo 16 da RJRU, onde se dispõe, grosso modo, que as operações de reabilitação urbana contêm, necessariamente, a definição do tipo de operação de reabilitação urbana e a estratégia ou o programa estratégico da reabilitação urbana (consoante a operação de reabilitação urbana seja simples ou sistemática). Este normativo confirma que o “instrumento próprio” ou o “plano de pormenor de reabilitação urbana” que aprova a ORU é, no fundo, o documento onde se define a programação estratégica da ORU, seja ela simples ou sistemática. Por essa razão, a vigência da operação de reabilitação urbana (simples ou sistemática) está alinhada com o prazo definido na estratégia ou no programa estratégico de reabilitação urbana, com o limite máximo de 15 anos (artigo 20, n.ºs 1 e 3 do RJRU).

 

37. Regressando ao caso concreto, a conclusão não pode ser outra que não seja a de que, em linha com o que ficou registado na matéria de facto dada como provada, o município de Lisboa aprovou a ORU simples aquando da delimitação da ARU e da definição da estratégia de reabilitação urbana. Tanto mais que, no caso de Lisboa, tanto a definição da ARU como a aprovação da estratégia de reabilitação são anteriores a 2012 e às alterações promovidas pela Lei n.º 32/2012, de 14 de agosto, exigindo-se, à data, que a definição da ARU ocorresse em simultâneo com a aprovação da ORU (simples ou sistemática) e com a respetiva programação estratégica. Lê-se, em coerência, na Estratégia de Reabilitação Urbana de Lisboa para o período de 2011/2024: “O presente documento constitui o instrumento de programação da operação de reabilitação urbana simples que enquadra a proposta de delimitação da Área de Reabilitação Urbana - ARU, nos termos dos artigos 8.º, n.ºs 1, 2 e 4 e 30.º, todos do referido RJRU”.

 

38. Lê-se, coerentemente, no Aviso n.º 8391/2015, de 21 de julho de 2015 (publicado em Diário da República, 2.ª série, n.º 148, 31 de julho de 2015), que alteração à delimitação da área de reabilitação urbana de Lisboa (definida em 2011) é aprovada juntamente com a alteração da respetiva Operação de reabilitação urbana simples, entenda-se, juntamente com a alteração da operação de reabilitação urbana aprovada em 2011, que acompanhou a definição da ARU e da programação estratégica das intervenções a desenvolver nesse local. Em síntese, quando, em 2015, o município de Lisboa alterou a definição da ARU, alterou concomitantemente a operação de reabilitação urbana simples que a acompanhava, a qual, como decorre do Documento n.º 5 junto aos autos, abrange o local onde, in casu, foi executada a empreitada (cf., chegando à mesma conclusão, o acórdão arbitral prolatado no dia 30-01-2023, no âmbito do Processo n.º 404/2022-T).

 

39. Verificam-se, assim, integralmente os pressupostos de que se acha dependente a aplicação da taxa reduzida de IVA enunciada na verba 2.23, a saber: (i) houve uma empreitada, (ii) de reabilitação urbana, entendendo-se aqui apenas aquelas operações relativas a imóveis situados em área de reabilitação urbana, relativamente às quais já exista ORU aprovada, o que sucede in casu. Neste sentido, alicerçando-se este juízo na interpretação do direito e na apreciação de prova documental, poderia a AT ter chegado a idêntico resultado aquando do procedimento de informação vinculativa que originou o erro na autoliquidação, havendo, por conseguinte, “erro imputável aos serviços” para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 78 da LGT.

 

40. Termos em que se conclui que o ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa enferma de ilegalidade, baseando-se numa errada interpretação e aplicação da verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, devendo por isso ser anulado, à semelhança das autoliquidações de IVA, na parte em que excedam o que resulta da aplicação da taxa de 6% à matéria tributável.

 

§3. Do pedido de condenação em juros indemnizatórios

41. A par dos pedidos de anulação do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e dos atos de autoliquidação de IVA, e do consequente reembolso da importância que indevidamente pagou em excesso, a Requerente pede ainda que se lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43 da LGT.

 

42. Dispõe o n.º 1 do artigo 43 da LGT que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”. Na al. c) do n.º 3 do mesmo preceito pode ler-se o seguinte: “3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias: (...) c) Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”.

 

43. Assim, tendo o sujeito passivo pedido a revisão oficiosa do ato de liquidação (agora em parte anulado), os juros indemnizatórios são devidos desde a data em que se se tenha completado um ano sobre a formulação do pedido, de acordo com o disposto na al. c) do n.º 3 do mesmo preceito, conforme jurisprudência firmada (cf., entre outros, o Acórdãos do STA de 20-05-2020, processo 05/19.8BALSB, prolatado pelo pleno da Secção de contencioso tributário, Relator: Nuno Bastos; e de 03-06-2020, processo 018/10.5BELRS 095/18, Relator: José Gomes Teixeira).

 

44. Alicerça o Supremo Tribunal Administrativo este arrazoado na circunstância de o contribuinte, podendo ter obtido anteriormente a anulação do ato de liquidação, se ter temporariamente desinteressado da recuperação do que foi liquidado em excesso pela administração tributária, até à apresentação do pedido de revisão oficiosa «(...) A reposição da legalidade poderia ter sido provocada por iniciativa do contribuinte que a não desenvolveu, o que justifica que o direito a juros indemnizatórios haja de ter uma extensão mais reduzida por contraposição à situação em que o contribuinte suscita a questão da ilegalidade do acto de liquidação imediatamente após o desembolso da quantia em questão, nomeadamente nos três meses seguintes ao termo do prazo de pagamento voluntário usando o processo de impugnação do acto de liquidação» - cf. Acórdão do STA de 11-12-2019, processo 058/19.9BALSB, Relator: Ascensão Lopes.

 

45. Neste conspecto, uma vez que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 02-08-2022, conclui-se apenas serem devidos juros indemnizatórios a partir de 02-08-2023. Se nesta última data ainda não tiver sido feito o processamento da nota de crédito e o respectivo reembolso do imposto indevidamente pago, assistirá à Requerente o direito a juros indemnizatórios.

 

VI – Decisão

Termos em que este Tribunal Arbitral decide:

a) Julgar totalmente procedente o pedido arbitral;

b) Anular o indeferimento do pedido de revisão oficiosa;

c) Anular os atos de autoliquidação de IVA, na parte em que que excedam o que resulta da aplicação da taxa de 6% à matéria tributável;

d) Condenar a Requerida no reembolso do imposto indevidamente pago;

e) Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios, cujo pagamento pela AT apenas será devido a partir de 02-08-2023.

f) Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo.

 

VII – Valor do processo

Em conformidade com o disposto no artigo 306, n.º 2 do CPC, no artigo 97-A, n.º 1, al. a) do CPPT « 1- Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as ações que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes: a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende (...)», e no artigo 3, n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária «O valor da causa é determinado nos termos do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário», fixa-se o valor do processo em €413.145,77, valor atribuído pela Requerente, sem contestação da AT.

 

VIII – Custas

Nos termos do disposto nos artigos 12, n.º 2 e 22, n.º 4 do RJAT, no artigo 4, n.º 4 e na Tabela I (anexa) do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante de custas é fixado em €6.732,00[1].

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 31 de Julho de 2023

Os Árbitros

 

 

 

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(Carla Castelo Trindade – Árbitro Presidente)

 

                                                             

____________________________

(Filipa Barros – Árbitro Adjunto)

 

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(Marta Vicente – Árbitro Adjunta Relatora)

 



[1] De acordo com o Despacho de Retificação de 2023-07-31.