Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 32/2018-T
Data da decisão: 2018-05-28  Selo  
Valor do pedido: € 40.054,80
Tema: IS – Verba 28 da TGIS – Propriedade vertical
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

 

  1. RELATÓRIO

 

  1. A... (contribuinte n.º...) e B... (contribuinte n.º ...), casados, residentes em ..., no Reino Unido (adiante designados “Requerentes”), apresentaram em 25/01/2018, pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a apreciação e declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo de 2012, 2013, 2014 e 2015 e, bem assim, do indeferimento da revisão oficiosa oportunamente apresentada que os confirmou, referentes à aplicação da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (Tabela Geral), no valor total de € 40.054,80 (quarenta mil, cinquenta e quatro euros e oitenta cêntimos) a um prédio de que são proprietários.

 

  1. O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou, em 09/02/2018, como árbitro singular o signatário desta decisão.

 

  1. No dia 05/04/2018 ficou constituído o tribunal arbitral.

 

  1. Cumprindo-se o disposto no n.º 1 do artigo 17.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) foi a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) notificada, em 06/04/2018, para, querendo, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional.

 

  1. Em 02/05/2018 a AT apresentou a resposta, acompanhada do processo administrativo, solicitando a dispensa de realização da reunião descrita no artigo 18.º do RJAT, bem como da produção de alegações.

 

  1. Tratando-se de uma questão exclusivamente de direito, o tribunal arbitral em 07/05/2018 decidiu dispensar a realização da reunião a que n.º 1 do artigo 18.º do RJAT se refere, com fundamento no princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, convidando ambas as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas facultativas e agendou a data para prolação da decisão final.

 

  1. Nem a AT nem os Requerentes apresentaram alegações escritas facultativas.

 

 

 

  1. SANEAMENTO

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legítimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.

 

Não existem nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito e de que cumpra oficiosamente conhecer.

 

Verificam-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.

 

 

 

 

  1. POSIÇÕES DAS PARTES

 

Como fundamento do pedido, os Requerentes alegam, em síntese, erro sobre os pressupostos de facto e de direito (em concreto, falta do respectivo pressuposto de incidência, em virtude da errada e desactualizada fixação do valor patrimonial tributário do prédio dos Requerentes) e, em particular, violação do regime transitório previsto na Verba n.º 28.1 da Tabela Geral. Concluem os Requerentes que a Verba n.º 28.1 da Tabela Geral ignora todos os parâmetros constitucionais de igualdade, proporcionalidade e justiça tributária.

 

Doutro modo, a AT pronuncia-se pela improcedência do pedido e, consequentemente, pela manutenção dos referidos actos de liquidação, com fundamento no facto de o valor patrimonial tributário relevante para efeitos de incidência do Imposto do Selo consistir no valor patrimonial total do prédio urbano e não no valor patrimonial de cada uma das partes que o componham, ainda quando susceptíveis de utilização independente.

 

Conclui, com referência a jurisprudência recente do Tribunal Constitucional e, bem assim, a jurisprudência arbitral que os actos de liquidação de Imposto do Selo em apreço não violam qualquer princípio legal ou constitucional.

 

 

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

 

  1. FACTOS QUE SE CONSIDERAM PROVADOS

 

Em face dos documentos carreados para o processo, dá-se como provado que:

 

  1. Os Requerentes são proprietários do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana dada freguesia de ..., concelho de Loulé, com o artigo matricial n.º U-... .

 

  1. O prédio encontra-se em propriedade total sem andares ou divisões com utilização independente, afectas a habitação.

 

  1. O prédio em causa foi inscrito na matriz em 2007 o qual tinha, à data, um valor patrimonial tributário de € 930.290,00.

 

  1. Em 2009 e 2012, a AT promoveu a respectiva actualização do valor patrimonial tributário, nos termos do artigo 138.º do Código do IMI, determinando um valor patrimonial tributário de € 965.175,88, em resultado da primeira actualização trienal, e de € 1.001.369,98, em resultado da última actualização.

 

  1. Os Requerentes foram notificados dos actos de liquidação de Imposto do Selo respeitantes aos anos de 2012, 2013, 2014 e 2015, efectuados ao abrigo da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral, no valor global de € 40.054,80 (quarenta mil, cinquenta e quatro euros e oitenta cêntimos).

 

  1. Em 17/06/2015, os Requerentes apresentaram uma declaração Modelo 1 do IMI para actualização da respectiva matriz predial urbana, com fundamento na desactualização do valor patrimonial tributário, o qual foi fixado pela AT em € 626.440,00, tendo os Requerentes sido notificados em 16/05/2016.

 

  1. Não se verificou qualquer reclamação ou segundo pedido de avaliação.

 

  1. Em 04/09/2017, os Requerentes apresentaram o pedido de revisão oficiosa dos actos de liquidação de Imposto do Selo de 2012, 2013, 2014 e 2015.

 

  1. Em 25/01/2018, os Requerentes apresentaram o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao processo em apreço.

 

  1. FACTOS QUE NÃO SE CONSIDERAM PROVADOS

 

Não existem factos com relevo para a decisão que não tenham sido dados como provados.

 

 

 

  1. O DIREITO

 

De acordo com a factualidade assente, a AT promoveu, em 2009 e em 2012, a actualização do valor patrimonial tributário fixado em 2007, nos termos do artigo 138.º do Código do IMI, determinando um valor patrimonial tributário de € 965.175,88, em resultado da primeira actualização trienal, e de € 1.001.369,98, em resultado da última actualização.

 

Contudo, em ambas as actualizações matriciais, a AT não teve em consideração:

 

  • o número inteiro de anos decorridos desde a data de emissão da licença de utilização (coeficiente de vetustez);

 

  • o valor base dos prédios edificados (VBPE), que decresceu desde 2009;

 

  • o coeficiente de ajustamento de áreas (CAJ), que foi introduzido para vigorar a partir de 01/07/2007.

 

Com efeito, compete à AT, em concreto, ao Chefe de Finanças da área da situação do prédio actualizar oficiosamente o valor patrimonial tributário à medida da sua vetustez, da actualização do VBPE e da introdução dos CAJ, nos termos do disposto no artigo 13.º, n.º 3, alíneas a) e b) do Código do IMI.

 

Na prática, nenhuma destas três circunstâncias traduz qualquer alteração ao prédio provocada pelo sujeito passivo, que carecesse de ser levada por este ao conhecimento da AT.

 

Traduzem, sim, variações ao valor patrimonial tributário do prédio ditadas exclusivamente por imposição legal e que nenhuma informação ou documentação adicional convocam para ser aplicadas.

 

Ora, em 2009, aquando da primeira actualização trienal promovida pela AT, já haviam decorrido mais de 2 anos inteiros desde a data de emissão da licença de utilização (a qual remonta a 13/06/2006).

 

Porém, a AT absteve-se, ainda assim, de actualizar o valor patrimonial tributário do prédio à luz do coeficiente de vetustez de 0,9 previsto no artigo 44.º do Código do IMI.

 

Bastava que a AT tivesse ponderado o referido coeficiente de vetustez de 0,9 para que o valor patrimonial do prédio jamais tivesse atingido o valor de € 1.000.000,00.

 

Nesta medida, os actos de liquidação em causa padecem de vício de violação de lei por violação da norma de incidência da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral, desde logo, porque se fundam num valor patrimonial tributário que procede de uma violação do artigo 44.º do Código do IMI, mas também de violação do artigo 13.º, n.º 3, alíneas a) e b) do Código do IMI, declarando-se assim a ilegalidade daqueles actos de liquidação, com a consequente anulação dos mesmos.

 

Para além das liquidações de Imposto do Selo em causa padecerem de ilegalidade por falta do respectivo pressuposto de incidência, a liquidação referente a 2012, em particular, padece ainda de violação do regime transitório previsto no artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.

 

De acordo com o n.º 1 desse artigo, em 2012, o facto tributário verifica-se no dia 31 de Outubro e a liquidação deve ser efectuada até ao dia 20 de Dezembro à taxa de 0,5% ou 0,8%, consoante se trate, ou não, de prédio avaliado nos termos do Código do IMI.

 

Ou seja, em 2012, o facto tributário não se verifica no dia 31 de Dezembro e a liquidação não deve ser efectuada nos meses de Fevereiro e Março do ano seguinte, e a taxa não deve ser 1%, conforme de outro modo decorreria das normas aplicáveis.

 

De igual modo, o mesmo n.º 1 esclarece que, em 2012, o valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do Imposto do Selo corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do IMI por referência ao ano de 2011 – cfr. artigo 6.º, n.º 1, alínea c) – e que só em 2013 a liquidação do Imposto do Selo deverá incidir sobre o mesmo valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de IMI nesse ano.

 

O mesmo é dizer que, em 2012, o valor patrimonial a considerar na liquidação do Imposto do Selo é o que constava da matriz predial a 31/12/2011.

 

Já a notificação da liquidação de 2012 esclarece que esta teve lugar à taxa 1%, sobre um valor patrimonial tributário de € 1.001.369,98, cuja determinação a caderneta predial faz datar de 2012, não esclarecendo qual a data em que se verificou o facto tributário.

 

De igual modo, o valor patrimonial tributário de 2011 – inferior a € 1.000.000,00 – foi desconsiderado, e em seu lugar aplicado o valor patrimonial tributário de 2012 que resultou, de acordo com a factualidade assente, da segunda actualização trienal que teve lugar em 2012.

 

Verifica-se, assim, que o acto de liquidação em causa, respeitante ao ano de 2012, violou todas as regras do regime transitório de 2012, pelo que também por isso não pode subsistir na ordem jurídica.

 

O mesmo se diga da liquidação referente a 2015, que padece de um vicio de violação de lei.

 

Com efeito, o artigo 113.º, n.º 1 do Código do IMI determina que o imposto é liquidado com base no valor patrimonial tributário que consta da matriz em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita.

 

Em 31/12/2015, o valor patrimonial tributário constante da matriz não podia ser outro que não o de € 626.440,00, que resultou da nova avaliação promovida pela AT.

 

Tendo-se concluído que os actos de liquidação de Imposto do Selo que constituem objecto do presente pedido de pronúncia arbitral enfermam de vício de violação de lei que impõe a sua anulação, fica prejudicado, por inutilidade, o conhecimento das demais questões relativas à legalidade (por violação dos princípios constitucionais da igualdade, proporcionalidade e justiça tributária) daqueles actos e, bem assim, do acto de indeferimento da revisão oficiosa apresentada.

 

 

Do direito a juros indemnizatórios

 

A par da anulação das liquidações, e consequente reembolso das importâncias indevidamente pagas, os Requerentes solicitam ainda que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT.

 

Com efeito, nos termos da norma do n.º 1 do referido artigo, são devidos juros indemnizatórios “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”. Para além dos meios referidos na norma que se transcreve, entendemos que, conforme decorre do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, o direito aos mencionados juros pode ser reconhecido no processo arbitral e, assim, se conhece do pedido.

 

O direito a juros indemnizatórios a que alude a norma da LGT acima referida pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT. No presente caso, mostram-se preenchidas ambas as condições, constituindo-se, pois, a obrigação de juros indemnizatórios a favor do sujeito passivo, que assim se declara.

 

 

 

  1. DECISÃO

 

Com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegais as liquidações de Imposto do Selo de 2012, 2013, 2014 e 2015, com todas as consequências legais;
  2. Julgar procedente o pedido de reconhecimento do direito dos Requerentes ao pagamento de juros indemnizatórios;
  3. Condenar a AT a restituir aos Requerentes o Imposto do Selo indevidamente pago, no montante de € 40.054,80;
  4. Condenar a AT em custas.

 

 

  1. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 40.054,80 (quarenta mil, cinquenta e quatro euros e oitenta cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

 

  1. CUSTAS

 

Custas a suportar pela AT, no montante de € 2.142 (dois mil cento e quarenta e dois euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos do n.º 2 do artigo 22.º do RJAT.

 

 

Notifique.

Lisboa, 28 de Maio de 2018

 

 

 

O árbitro,

 

 

 

(Hélder Filipe Faustino)

 

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 131.º, do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT. A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.