Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 323/2014-T
Data da decisão: 2014-09-30  IVA  
Valor do pedido: € 598.302,14
Tema: Transações Intracomunitárias de Bens; isenção prevista no artigo 14.º, alínea a) do RITI
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Decisão Arbitral

 

Os juízes-árbitros, Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa, (presidente), Alexandra Coelho Martins, e Paulo Mendonça, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 12 de Junho de 2014, acordam o seguinte:

 

A.Relatório

 

1.                  Em 7 de Abril de 2014, a A... (A...), pessoa colectiva n.º ..., doravante identificada por Requerente, apresentou pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária) de ora em diante designado “RJAT”, em conjugação com a alínea a) do artigo 99.º e do n.º 2 do artigo 102.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável ex vi alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do citado diploma legal.

 

2.                  São objecto de pedido de pronúncia arbitral duas liquidações adicionais de IVA, das quais foi deduzida tempestivamente reclamação graciosa e recurso hierárquico.

 

a.       O acto de Liquidação Adicional, relativo a correcções em sede de IVA, reportadas aos anos de 2007 (num total de € 245.058,87) e 2008 (num total de € 321.722,63), tendo o indeferimento do recurso hierárquico correspondente sido comunicado à Requerente em 21.01.2014;

 

b.      O acto de Liquidação Adicional, relativo a correcções em sede de IVA, reportada ao ano de 2009, do qual resultou uma Liquidação Adicional de € 31.520,64, tendo o indeferimento do recurso hierárquico correspondente sido notificado à Requerente em 09.01.2014.

 

3.                  O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite em 9 de Abril de 2014, pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante identificada como Requerida), na mesma data.

 

4.                  A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1, do RJAT, os signatários foram designados pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral colectivo, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.

 

B.A Requerente sustenta o seu pedido da seguinte forma

 

5.                  Após uma acção inspectiva os serviços da Administração Tributária procederam a correcções em sede de IVA, relativas aos anos de 2007 (num total de € 245.058,87) e 2008 (num total de € 321.722,63).

 

6.                  As correcções decorrem de factos e ocorrências tipificadas em três grupos:

 

a.       Transacções intracomunitárias de bens destinadas a clientes espanhóis (grupo 1), em que o fundamento do indeferimento decorre de se considerar que, apesar de os adquirentes se terem registado em Espanha para efectuar aquisições intracomunitárias de bens, não foram apresentados documentos fidedignos que permitissem concluir que as transmissões de bens em causa foram, efectivamente, adquiridas pelos operadores económicos mencionados nas respectivas facturas;

 

b.      Transacções intracomunitárias declaradas em que não se confirma a saída de bens do território nacional (grupo 2), com o fundamento de que apesar das facturas mencionarem como destinatário dos bens um operador registado em Espanha, as mercadorias foram entregues a operadores nacionais, que efectuaram as transmissões em território nacional;

 

c.       Transacções intracomunitárias a sujeitos passivos cessados (grupo 3), com o fundamento que os sujeitos passivos não se encontravam validamente registados, na data das operações, como adquirentes intracomunitários no país de destino.

 

7.                  Tendo sido notificada das supra mencionadas correcções, não se conformou a Requerente com a argumentação aduzida pela Requerida.

 

8.                  Desta forma, e no que respeita às ocorrências incluídas no Grupo 1, estão em causa as transacções com os clientes B..., C... e C....

 

9.                  Sustenta a Requerente que a Requerida nunca colocou em causa que tais transacções tenham sido efectivamente realizadas.

 

10.              Que os adquirentes estavam registados como operadores intracomunitários em Espanha na data da transacção dos bens.

 

11.              Estando assim verificados todos os requisitos para que a isenção prevista na alínea a) do art. 14° do RITI fosse concedida.

 

12.              O que, no entender da Requerente, faz a liquidação resultante da correcção levada a cabo padecer de vários erros nos pressupostos de facto e de direito, não podendo manter-se.

 

13.              Desde logo, e em primeiro lugar, por não ter sido devidamente valorada a prova objectiva que foi apresentada relativamente à efectividade da transmissão e, mais concretamente, da entrega dos bens em Espanha.

 

14.              Considerando a Requerente que disponibilizou, no decurso do processo inspectivo, os documentos relativos a cada operação, nomeadamente facturas, CMR´s e identificação da empresa transportadora.

 

15.              Tendo sido demonstrado, através da apresentação de documentos, o pagamento do respectivo transporte das mercadorias (efectuado pelos adquirentes) e a sua descarga em Espanha.

 

16.              E que os bens foram efectivamente entregues em Espanha, em várias moradas.

 

17.              Facto irrelevante, na perspectiva da Requerente, para a tese jurídica da Requerida, pois detectou circunstâncias que indiciavam uma fraude levada a cabo pelos adquirentes das mercadorias e, em resultado desse facto, afastou o pressuposto das transacções serem reais e das mercadorias transaccionadas terem efectivamente sido entregues em Espanha.

 

18.              Em segundo lugar, não ter reconhecido que os operadores espanhóis se encontravam efectivamente registados como operadores intracomunitários naquele país, na data das operações.

 

19.              Alegando a Requerente que a prova de tais factos decorre dos dados constantes do próprio relatório de inspecção.

 

20.              Pois segundo a informação prestada pela Agência Tributária espanhola deu-se baixa do Registo de Operadores Intracomunitários de B... “com data de 3-5-2010”.

 

21.              Ainda de acordo com a informação da mesma agência tributária, relativamente ao sujeito passivo C... “... se propôs dar baixa no Registo de Operadores Intracomunitários que se tornou efectiva com data de 8-4-2010”.

 

22.              E, por fim, na sequência do procedimento inspectivo que a agência tributária espanhola realizou, relativamente a C..., explicitou que “vai-se proceder à sua baixa no Registo de Operadores Intracomunitários”.

 

23.              O que leva a Requerente a concluir que se deve dar como assente que os três operadores supra referidos se encontravam com registo válido na data das operações.

 

24.              Em terceiro lugar, ter encontrado uma causa justificativa da recusa da isenção não prevista na lei, consubstanciada em fuga ou fraude fiscal do adquirente, sem que o vendedor soubesse ou estivesse em condições de poder saber dessa fuga ou fraude fiscal.

 

25.              Suportando esse entendimento num conjunto de indícios detectados no âmbito do processo inspectivo, em especial a omissão de declaração em Espanha de aquisições efectuadas por parte de um dos adquirentes e a circunstância dos pagamentos das transacções terem sido feitos através de depósitos bancários, que levam a ponderar a hipótese de as mercadorias em causa terem tido como adquirente outro que não o identificado nas facturas.

 

26.              A Requerente considera, em síntese, que demonstrou cabalmente no procedimento inspectivo que as operações ocorreram, que as mercadorias foram transportadas até Espanha e aí foram descarregadas.

 

27.              No que diz respeito ao grupo 2 estão em causa transacções no valor de € 21.036,13, relativas ao ano de 2007.

 

28.              Tendo por fundamento a Liquidação Adicional, nessa parte, a circunstância de apesar das facturas mencionarem como destinatário dos bens um operador registado em Espanha, as mercadorias terão sido entregues a operadores nacionais, que efectuaram as transmissões em território nacional.

 

29.              Uma vez que as empresas transportadoras se apresentaram na A... para proceder ao carregamento e respectivo transporte, tendo os CMR's como destino a cidade de Huelva em Espanha, domicílio fiscal do sujeito passivo D... e, sem quaisquer ordens ou conhecimento por parte daquela, as mercadorias em causa foram descarregadas em Vila Nova de Famalicão.

 

30.              Instruções a que Requerente reitera ter sido alheia, por não poder exercer qualquer interferência no negócio entre o transportador e o adquirente dos bens.

 

31.              Aspecto que não pode prejudicar o entendimento que o facto gerador do imposto deverá ser aferido em função do destino dos bens, de acordo com as informações de que o vendedor podia dispor, e não em função de vicissitudes posteriores à venda.

 

32.              Uma vez que teve lugar a celebração de um contrato de compra e venda nos termos do artº. 408º do Código Civil e, logo, com a celebração de tal contrato a propriedade das mercadorias passou a ser do adquirente.

 

33.              Concluindo a Requerente que, tendo a mercadoria sido vendida e carregada com destino a Espanha a um comprador registado como operador intracomunitário no país do destino, verifica-se o facto gerador da isenção.

 

34.              No que diz respeito ao grupo 3 estão em causa operações no valor, respectivamente, de € 8.743,33 relativamente a 2007 e € 135.336,96 relativamente a 2008.

 

35.              Assentando a fundamentação do indeferimento na premissa que os compradores tinham o seu registo como operadores intracomunitários “em situação de cessado”, motivo porque se não mostrava cumprido um dos requisitos da alínea a) do art. 14° do RITI.

 

36.              Entende a Requerente que se os sujeitos passivos viram o seu registo oficiosamente cancelado, sem que pudesse saber esse facto na data em que efectuou as transacções, não pode negar-se o direito à isenção.

 

37.              Tendo, relativamente aos clientes em causa, a ora Requerente solicitado à Direcção Geral de Finanças do Porto, a validação do respectivo número fiscal.

 

38.              E obtido informação, através de fax, de que cada um dos números em causa era “válido e coincidente ao nome e morada”.

 

39.              Vindo mais tarde as autoridades dos países respectivos informar que tais números haviam cessado oficiosamente.

 

40.              A Requerente considera ter agido de acordo com as informações que obteve da Requerida que lhe confirmou a validade dos números fiscais e respectivas moradas, tendo confiando nessas informações.

 

41.              E que, por outro lado, a Requerida se limitou a alegar a comprovação de que os números em causa foram cessados, sem indiciar que a cessação dos respectivos números foi introduzida no sistema VIES na data em que foram feitas as transmissões.

 

42.              E, logo, não estaria indiciado sequer o facto que afastaria a isenção, ou seja, a cessação na data das transmissões, inserido no sistema VIES em data anterior à data das operações.

 

43.              Pelo que, sem essa comprovação, não se pode questionar a validade do número fiscal, já que o raciocínio da Requerida assenta na data da cessação do número, quando o factor relevante deverá ser a data da introdução da cessação do número no sistema VIES.

 

44.              É também objecto de pedido de pronúncia arbitral a Liquidação Adicional, relativa ao ano de 2009, cujo ato de indeferimento do recurso hierárquico, foi notificado à Requerente em 09.01.2014.

 

45.              Após uma acção inspectiva os serviços da Administração Tributária procederam a correcções em sede de IVA, relativamente ao ano de 2009, da qual resultou uma Liquidação Adicional no montante de € 31.520,64.

 

46.              Tendo sido notificada das supra mencionadas correcções, não se conformou a Requerente com a argumentação aduzida pela Requerida.

 

47.              A questão é, em essência, a mesma que foi discutida relativamente ao IVA de 2007/2008, na parte relativa a transacções intracomunitárias de bens destinadas a clientes espanhóis.

 

48.              Transacções que tiveram, nesta situação concreta, como adquirente E..., que também foi um dos adquirentes de mercadorias relativamente aos anos de 2007/2008.

 

49.              Os bens transaccionados foram adquiridos por E... e transportados para Espanha para a morada por aquele indicada.

 

50.              O adquirente estava registado como operador intracomunitário em Espanha, na data da transacção dos bens.

 

51.              Não estando em falta qualquer requisito para que a isenção da alínea a) do art. 14° do RITI fosse concedida.

 

52.              Assim, no entender da Requerente, as liquidações resultantes das correcções levadas a cabo padecem de vários erros nos pressupostos de facto e de direito, não podendo, pois, manter-se.

 

53.              Devendo anular-se as liquidações adicionais ora em causa e, consequentemente, reconhecer-se que as operações acima referidas (reportadas aos anos de 2007/2008 e 2009) se encontravam isentas de IVA, nos termos da alínea a) do art. 14° do RITI.

 

54.              E, em consequência, ordenar-se que a Requerida restitua o imposto entretanto já pago pela Requerente, acrescido dos juros indemnizatórios, à taxa legal, desde a data do pagamento do imposto, até efectivo reembolso.

 

C.Na sua resposta, a Requerida invoca o seguinte

 

55.              Por despacho de 13 de Maio de 2014, a Requerida revogou parcialmente os actos impugnados, considerando não se afigurarem legítimas as correcções de imposto que incidiram sobre as operações com a empresa F....

 

56.              Pelo que, face a um conjunto de liquidações, perfazendo o valor de € 598 302,14, anulou o montante de € 91 673,65.

 

57.              Termos em que o processo deverá continuar, apenas, relativamente à parte das liquidações não revogadas.

 

58.              Tendo por base os factos que se descrevem em seguida.

 

59.              A Requerente foi alvo de um procedimento de inspecção tributária por referência aos anos de 2007 e 2008, tendo daquele resultado liquidações adicionais, em sede de IVA, no valor total de € 566 781,50, acrescido dos correspondentes juros compensatórios.

 

60.              Com o seguinte fundamento:

 

a.       Não verificação dos pressupostos das isenções nas transmissões intracomunitárias de bens, previstas na alínea a) do art. 14.° do RITI, no montante de € 215 278,80, relativamente a 2007, e € 186 385,67, relativamente a 2008;

 

b.      Falta de confirmação de transmissões intracomunitárias efectuadas relativamente ao cliente D..., no montante de €21 036,13, referente ao exercício de 2007;

 

c.       Certas transmissões intracomunitárias terem por destino contribuintes cessados, no montante de € 8 743,94, no que respeita ao exercício de 2007, e € 135 336,96, relativamente ao exercício de 2008 (sendo que, neste último valor, consta o montante de € 81 734,40, atinente às operações com a F..., cujas correcções foram entretanto revogadas).

 

61.              A Requerente foi igualmente alvo de procedimento de inspecção tributária relativamente aos anos de 2009 e 2010.

 

62.              Das mesmas tendo derivado liquidações que importam no valor total de € 31 250,64, relacionando-se com a falta de comprovação de que as mercadorias foram efectivamente recebidas pelo adquirente identificado na factura e no local indicado como destino dos bens.

 

63.              Isto porque, no entender da Requerida, não foi provado que C... adquiriu à Requerente produtos, no montante global de € 630 429,00.

 

64.              Considera a Requerida que os argumentos aduzidos pela Requerente são manifestamente improcedentes, no que respeita, em concreto, aos erros nos pressupostos de facto e de direito alegados com relação aos anos de 2007 e 2008, no que respeita aos três grupos de questões suscitadas.

 

65.              Por outro lado, e relativamente ao ano de 2009, em que estão em causa liquidações adicionais no valor de € 31 520,64, relacionadas com o facto de não ter ficado provado que C... adquiriu produtos à Requerente no montante global de € 630 429,00, a Requerida entende que são reproduzidos os argumentos apresentados a propósito das situações enquadradas no grupo 1, que qualifica de manifestamente improcedentes.

 

66.              A Requerida enfatiza que, no âmbito dos procedimentos inspectivos, foram realizadas inúmeras diligências probatórias, com especial incidência no que respeita às relações comerciais da Requerente com os alegados adquirentes dos bens, obtendo-se declarações dos mesmos, e, ainda, informações junto das Administrações Tributárias dos outros Estados membros envolvidos. Para depois concluir que a lei não impede o recurso a elementos e informações obtidas junto de outros sujeitos passivos e aos mais diversos métodos de fiscalização cruzada.

 

67.              Relativamente às correcções de imposto no montante de € 215 276,80 (2007) e € 186 385,67 (2008), referentes a transmissões de bens efectuadas aos clientes B..., C... e C..., que ascenderam a € 7 900 214,00, as mesmas, basearam-se num conjunto de circunstâncias que apontam no sentido de não se encontrarem preenchidos os requisitos previstos na alínea a) do artigo 14° do RITI.

 

68.              Circunstâncias que a Requerida enumera exaustivamente:

 

a.       As aquisições intracomunitárias não foram declaradas pelos alegados adquirentes, sendo negado, por estes, qualquer contacto com a Requerente;

 

b.      Apesar do elevado volume de vendas com os clientes implicados, estas foram realizadas exclusivamente com recurso a intermediários, sem que haja qualquer contacto entre a Requerente e os adquirentes que constam nas facturas;

 

c.       Não existe comprovativo de que aqueles clientes tenham efectuado o pagamento das mercadorias. Por um lado, os pagamentos foram feitos em numerário, por outro, os alegados clientes não tinham capacidade financeira para suportar tais aquisições;

 

d.      Não existe comprovativo de que os clientes em causa tenham solicitado e pago qualquer transporte de mercadorias;

 

e.       Trata-se de sujeitos passivos individuais registados em Espanha, de nacionalidade portuguesa, que adquiriam grandes quantidades dos mesmos produtos (em especial Coca-Cola), não sendo credível que a Requerente desconhecesse a inexistência de estrutura empresarial para utilização desses produtos no âmbito da sua actividade;

 

f.       A Administração Tributária de Espanha procedeu à cessação oficiosa dos sujeitos passivos referidos, devido ao incumprimento das obrigações fiscais naquele país.

 

69.              Termos em que a Inspecção Tributária concluiu, por um lado, pela não existência de provas de que B..., C... e C..., tenham contactado a A... com vista à realização de aquisições intracomunitárias, pago as mercadorias transaccionadas, angariado e pago o transporte das mesmas e tenham recepcionado os bens em causa e, por outro lado, que se confirmam as afirmações dos mesmos, no sentido de não terem efectuado as aquisições intracomunitárias de bens declarados pela A....

 

70.              O mesmo fundamento esteve na base da liquidação controvertida respeitante ao ano de 2009, e, em particular, às transmissões de bens no valor de € 630 413,60, cujo adquirente é C... e que levaram a Inspecção Tributária a emitir um conjunto de Liquidações Adicionais no valor total de € 31.520,64.

 

71.              Por se ter concluído que as mercadorias foram adquiridas por outras pessoas que não as mencionadas nas facturas, desconhecendo-se a qualidade e o regime dos efectivos adquirentes.

 

72.              Concretizando a Requerida que as liquidações controvertidas não têm como pressuposto o facto de as transmissões não se terem realizado, como sugere a Requerente mas, antes, que aquelas não se realizaram tendo por adquirentes os sujeitos passivos constantes das facturas, facto que os próprios putativos adquirentes confessaram.

 

73.              E que, desconhecendo-se os verdadeiros adquirentes, bem como a sua eventual condição de sujeito passivo de IVA e o regime de tributação por que estavam abrangidos, não poderia confirmar-se estarmos perante a verificação de uma transmissão intracomunitária de bens para efeitos do regime constante da alínea a) do artigo 14° do RITI.

 

74.              Com a agravante de os supostos adquirentes não terem declarado tais aquisições para efeitos fiscais.

 

75.              Por outro lado, não existe, no entender da Requerida, nenhuma prova dos contactos celebrados entre as referidas partes com tal propósito negocial nem prova do pagamento associado a tais transacções pelos alegados adquirentes, visto que os referidos pagamentos eram realizados em numerário, o que sucedeu, igualmente, relativamente aos serviços de transporte.

 

76.              Acresce ter ficado ainda comprovado, na perspectiva da Requerida, que os locais de entrega dos bens não poderiam ser as moradas mencionadas nas facturas e nos CRM’s.

 

77.              Concluindo a Requerida que a Inspecção Tributária actuou correctamente ao concluir não ser possível, perante tal factualidade, constatar-se a realização das referidas transacções com os sujeitos passivos atrás mencionados, não resultando tal conclusão, conforme sugere a Requerente, da mera inferência feita a partir do facto dos adquirentes - compradores - não terem declarado as transacções em Espanha.

 

78.              Do mesmo modo, não procede, na visão da Requerida, o alegado erro nos pressupostos de direito que se relacionaria com o facto ter criado uma causa justificativa da recusa da isenção não prevista na lei: a fuga ou fraude fiscal. Isto porque, não tendo o bem saído de território nacional não existiu, sequer, uma transmissão intracomunitária susceptível da isenção prevista na alínea a) do artigo 14.° do RITI.

 

79.              Afastando liminarmente as questões suscitadas pela Requerente, assentes no pressuposto do desconhecimento quanto ao destino real dos bens que vendeu e a transferência da propriedade por virtude da celebração do contrato, nos termos do art.° 408.° do Código Civil - sem, porém, juntar qualquer contrato. Rematando que as questões relativas à transferência da propriedade não são relevantes para efeitos da apreciação dos requisitos objectivos da isenção prevista na alínea a) do artigo 14.° do RITI.

 

80.              O mesmo enquadramento, sendo conferido ao argumento da Requerente no sentido que o artigo 14.° do RITI não exige, para se verificar o facto constitutivo da isenção, que a mercadoria chegue ao seu destino.

 

81.              Relativamente às transacções realizadas com adquirentes cessados, a Requerida contesta a alegação da Requerente que as liquidações em questão enfermam de erro nos pressupostos de facto, pois dão como assente a data da cessação do número, quando o relevante é a data da introdução da cessação do número no sistema VIES.

 

82.              Concluindo a Requerida que - não pode ser considerado de boa-fé - um sujeito passivo não poderia deixar de reconhecer que os termos das transmissões de bens efectuadas não correspondem ao que é uma prática comercial transparente e credível, se tivermos em conta um padrão de normalidade e a conduta exigível a um comerciante médio cumpridor da legalidade.

 

83.              Ou seja, na perspectiva da Requerida, a Requerente tinha condições para saber das pretensas irregularidades relacionadas com as operações em apreço e, ainda que não tivesse consciência dessas mesmas irregularidades, não actuou com a diligência que lhe seria exigível de forma a evitar que estivesse implicada numa eventual fraude cometida pelos adquirentes, não tendo adoptado medidas para evitar a sua própria participação nessa pretensa fraude.

 

84.              Como tal, a Requerida considera que nenhum vício é imputável às liquidações adicionais em crise, sendo devidas as correcções realizadas pela Inspecção Tributária.

 

85.              O Tribunal Arbitral entendeu serem dispensáveis as alegações orais.

 

86.              Com base no descrito, a Requerida conclui e pede a este Tribunal a absolvição do pedido.

 

 

D.Saneador

 

O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

Não se verificam nulidades e questões prévias que atinjam todo o processo, pelo que se impõe, agora, o conhecer do mérito do pedido.

 

 

E.Objecto da Pronúncia Arbitral

 

87.              Vem colocada ao Tribunal a seguinte questão, nos termos atrás descritos:

 

a.       No que respeita às transmissões intracomunitárias de bens (TIB’s) efectuadas pela Requerente reportadas, por um lado, aos anos de 2007, 2008 e, por outro, nas reportadas ao ano de 2009, encontravam-se verificados os pressupostos da isenção em sede de IVA, prevista no artigo 14.º, alínea a), do RITI?

 

 

F.Matéria de facto

 

a.Factos provados

 

88.              A ora Requerente é uma sociedade anónima, que leva a cabo o comércio por grosso de produtos alimentares, bebidas e tabaco.

 

89.              A Requerente realizou TIB’s nos exercícios 2007 e 2008.

 

90.              Tais TIB’s tiveram como destino os sujeitos passivos, registados para efeitos de IVA em Espanha, B..., C... e C....

 

91.              E ascenderam, nesses dois anos, ao montante global de € 9 491 423,00.

 

92.              Tais TIB’s foram consideradas isentas de IVA, ao abrigo da alínea a) do artigo 14° do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias.

 

93.              A Requerente realizou, igualmente, TIB’s no exercício 2009.

 

94.              Desta vez com destino ao sujeito passivo espanhol C....

 

95.              No montante global de € 630 429,00.

 

96.              TIB’s essas igualmente consideradas isentas de IVA, ao abrigo da alínea a) do artigo 14° do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias.

 

97.              A Requerente realizou todos os procedimentos necessários, e legalmente previstos, com vista a assegurar-se da qualidade dos sujeitos passivos adquirentes como registados para efeitos de IVA em Espanha, tendo diligenciado confirmar, à data das transmissões, que tais registos se encontravam válidos.

 

98.              Por falta de concordância relativamente aos pressupostos assumidos quanto à isenção de tais operações, no que respeita aos anos de 2007 e 2008, as mesmas foram objecto de Liquidações Adicionais relativas a IVA, das quais resultaram correcções em sede deste imposto, respectivamente, num total de € 245 058,87 e € 321 722,63.

 

99.              Tendo por base o mesmo fundamento, e no que concerne às TIB’s supra identificadas atinentes ao ano de 2009, foram as mesmas igualmente sujeitas objecto de Liquidação Adicional, da qual resultaram correcções em sede de IVA que ascenderam a € 31 520,64.

 

100.          Liquidações adicionais relativamente às quais foi deduzida, tempestivamente, reclamação graciosa e recurso hierárquico.

 

101.          Recurso hierárquico cujo indeferimento, no que respeita aos anos de 2007 e 2008, foi comunicado à Requerente em 21. 01.2014.

 

102.          Ao passo que o indeferimento relativo ao ano de 2009 foi comunicado à Requerente em 09.01.2014.

 

103.          Por despacho de 13 de Maio de 2014, ao abrigo do disposto no n.° 1 do artigo 13.° do RTAT, a Requerida revogou parcialmente os actos impugnados, com especial incidência no ano de 2008, considerando não se afigurarem legítimas as correcções de imposto que incidiram sobre as operações com a empresa F....

 

104.          Pelo que, face a um conjunto de liquidações, perfazendo o valor de € 598 302,14, anulou o montante de € 91 673,65.

 

b.Factos não provados

 

105.          Não se prova ter havido acção ou qualquer intervenção da Requerente nas situações em que, tendo sido junta a documentação que suporta o envio das mercadorias para Espanha, as mesmas terão sido desviadas do seu destino.

 

106.          Não se prova que tais mercadorias tenham sido recepcionadas e depois vendidas em Espanha por outras pessoas que não o comprador que constava das facturas e demais documentos.

 

107.          Não se prova que os transportadores, pagos pelos adquirentes das mercadorias, actuavam, ou efectivamente tenham actuado na situação presente, segundo instruções ou ordens da Requerente.

 

108.          Não se prova que sejam atribuíveis à Requerente as situações aludidas na informação recolhida pela AT portuguesa, por via de inspecção directa ou ao abrigo de instrumento de cooperação transfronteiriça, designadamente, (i) que as aquisições não forma registadas em Espanha; (ii) que os locais de descarga não reuniam as condições mínimas para o efeito; (iii) que não correspondiam, à data, à residência dos adquirentes; (iv) e, muito menos, o facto de os adquirentes terem vindo posteriormente a negar terem efectuado à Requerente as compras das mercadorias em causa – não se prova que qualquer destas apontadas situações seja imputável à Requerente.

 

 

c.Fundamentação da matéria de facto

 

109.          A matéria de facto dada como provada, que é pacificamente reconhecida e aceite pelas partes, assenta na prova documental apresentada.

 

 

G.Do Direito

 

110.          A questão de fundo a dirimir nos presentes autos pode resumir-se de forma relativamente directa: tendo efectuado a Requerente vendas a favor de sujeitos passivos registados para efeitos de IVA noutro Estado membro nos anos de 2007, 2008 e 2009, cumpriu com os pressupostos previstos na alínea a) do artigo 14° do Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias, com vista a que as mesmas possam ser devidamente qualificadas como TIB’s e, logo, isentas de IVA em Portugal?

 

111.          Segundo a Requerida, a resposta deverá ser negativa, uma vez que, nas vendas em causa existem requisitos formais e substanciais que não permitem que tal qualificação opere e, logo, as operações em causa devem ser enquadradas como transmissões domésticas e aqui sujeitas e não isentas de IVA.

 

112.          Já a Requerente entende não assistir razão à Requerida, sustentando que cumpriu, em todas as operações referenciadas com os requisitos impostos por lei, não lhe podendo ser assacada nenhuma responsabilidade for factos supervenientes, que terão tido lugar na esfera dos adquirentes e que, aparentemente, poderiam suscitar questões de legitimidade quanto às pessoas envolvidas nas referidas operações de aquisição (noutros Estados membros).

 

Cabe decidir.

 

113.          Como ponto prévio, com relevância para a determinação do conceito de TIB, importa determinar o que se entende por transmissão de bens para efeitos de IVA, uma vez que este conceito serve de base àquele.

 

114.          Segundo a definição legal, prevista no artigo 3.º, n.º 1, do Código do IVA[1]/[2] (CIVA), estamos perante uma transmissão de bens quando ocorre a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao direito de propriedade.

 

115.          Por conseguinte, para que uma transmissão de bens possa ser qualificada como tal para efeitos de IVA, é necessário que essa transacção seja:

 

a.       uma transferência onerosa, no sentido em que, regra geral, apenas as transmissões efectuadas a título oneroso são sujeitas a IVA, ficando, em princípio, excluídas do âmbito deste imposto as transmissões efectuadas a título gratuito;

 

b.      de bens corpóreos, móveis ou imóveis, ficando excluídas deste conceito as transferências onerosas de bens incorpóreos, que serão tributadas como prestações de serviços;

 

c.       por forma correspondente ao direito de propriedade, ou seja, ainda que não se proceda à transferência da propriedade jurídica do bem, bastando apenas que a transferência em causa confira ao adquirente o poder (económico) de disposição dos bens em causa, como se, de facto, fosse o proprietário dos mesmos[3].

 

 

116.          No que diz respeito ao conceito de TIB, este não encontra definição legal no RITI. No entanto, este regime define aquilo que deve ser entendido por aquisição intracomunitária de bens (AIB), sendo, a partir daí, possível construir o conceito de TIB “a contrario sensu”.

 

117.          Assim, nos termos do artigo 3.º do RITI, considera-se, em geral, AIB a obtenção do poder de dispor, por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, de um bem móvel corpóreo cuja expedição ou transporte para território nacional, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, com destino ao adquirente, tenha tido início noutro Estado-membro.

 

118.          Ora, simetricamente, uma TIB corresponderá à transmissão do poder de dispor, por forma correspondente ao direito de propriedade, de um bem móvel corpóreo cuja expedição ou transporte para o território de outro Estado-membro, pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, com destino ao adquirente, tenha tido início no território nacional.

 

119.          O artigo 7.º do RITI assume especial importância na delimitação das operações qualificáveis como TIB, na medida em que, por um lado, assimila ao conceito de transmissão intracomunitária de bens outras operações e, por outro, procede a uma delimitação negativa de algumas operações não enquadráveis no conceito.

 

120.          Assim, considera-se transmissão de bens efectuada a título oneroso, para além das previstas no artigo 3.º do CIVA, a transferência de bens móveis corpóreos expedidos ou transportados pelo sujeito passivo ou por sua conta, com destino a outro Estado-membro, para as necessidades da sua empresa. 

 

121.          Na sequência desta norma geral de assimilação, o leque de operações abrangidas pelo conceito de TIB torna-se demasiado amplo, pelo que o legislador teve a necessidade de excluir determinadas transacções, procedendo a uma delimitação negativa, sobretudo por razões de simplificação administrativa. Por conseguinte, nos termos do artigo 7.º, n.º 2, do RITI, não são consideradas TIB’s as seguintes operações:

 

a.       a transferência de bens para serem objecto de instalação ou montagem noutro Estado-membro nos termos do n.º 1 do artigo 9.º ou de bens cuja transmissão não é tributável no território nacional nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 10.º, dando estas operações origem a simples transmissões de bens localizadas no interior de um Estado-membro;

 

b.      a transferência de bens para serem objecto de transmissão a bordo de um navio, de um avião ou de um comboio, durante um transporte em que os lugares de partida e de chegada se situem na UE, uma vez que estas têm regras de localização próprias previstas no artigo 6.º, n.º 3, do CIVA;

 

c.       a transferência de bens que consista em operações de exportação e operações assimiladas previstas no artigo 14.º do CIVA ou em transmissões isentas nos termos do artigo 14.º;

 

d.      as transferência de gás, através de uma rede de gás natural ou de qualquer rede a ela ligada, e transferência de eletricidade, de calor ou de frio através de redes de aquecimento ou arrefecimento, sendo estas tributadas a título de transmissão localizada no interior de um Estado-membro, aplicando-se as regras do artigo 6.º do CIVA;

 

e.       a transferência de bens para serem objecto de peritagens ou quaisquer trabalhos que consistam em prestações de serviços a efectuar ao sujeito passivo, materialmente executadas no Estado-membro de chegada da expedição ou transporte dos bens, desde que, após a execução dos referidos trabalhos, os bens sejam reexpedidos para o território nacional com destino ao sujeito passivo;

 

f.       a transferência de bens para serem temporariamente utilizados em prestações de serviços a efectuar pelo sujeito passivo no Estado membro de chegada da expedição ou transporte dos bens; e

 

g.      a transferência de bens para serem temporariamente utilizados pelo sujeito passivo, por um período que não exceda 24 meses, no território de outro Estado membro no interior do qual a importação do mesmo bem proveniente de um país terceiro, com vista a uma utilização temporária, beneficiaria do regime de importação temporária com isenção total de direitos.

 

122.          Em suma, estas situações consubstanciam simples movimentos de bens que não dão lugar a TIB´s, podendo, em alguns casos, originar a tributação a título de transmissões de bens internas ou prestações de serviços.

 

123.          A principal consequência da qualificação de uma operação como TIB é que esta, à semelhança das operações de exportação, será, em princípio, isenta no Estado-membro de origem (i.e., no Estado-membro onde teve início a expedição ou transporte do bem com destino a um outro Estado-membro), conferindo ao transmitente o direito à dedução do IVA suportado a montante para a respectiva realização, evitando-se, desta forma, a dupla tributação de uma operação que do ponto de vista económico constitui um todo e garantindo-se a neutralidade do imposto.

 

124.          Todavia, como adiante se constatará, e com particular relevância para as liquidações controvertidas, não basta que uma operação seja, a priori, qualificada como TIB para se assegurar que a mesma possa beneficiar da isenção de IVA. Assim, para além de ser necessário que essa operação reúna os pressupostos legais da isenção do imposto, previstos no artigo 14.º, n.º 1, alínea a), do RITI, o transmitente deverá ser capaz de evidenciar, de forma suficiente, a verificação desses mesmos pressupostos.

 

125.          O que desde logo implica verificar os pressupostos da isenção em sede de IVA, prevista no artigo 14.º, alínea a), do RITI.

 

 

126.          Nos termos do artigo 14.º, n.º 1, alínea a), do RITI, encontram-se isentas de IVA as transmissões de bens, efectuadas por um sujeito passivo, expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, a partir do território nacional para outro Estado-membro com destino ao adquirente, quando este seja uma pessoa singular ou colectiva registada para efeitos de IVA noutro Estado-membro, que tenha utilizado o respectivo número de identificação para efectuar a aquisição e aí se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens. A complexidade da previsão normativa do citado preceito justifica uma análise unitária e detalhada de cada elemento, a que se procederá de seguida.

 

127.          Começando pelo conceito de transmissão de bens.

 

128.          Retoma-se aqui o conceito de transmissão de bens para efeitos de IVA, constante do artigo 3.º do CIVA, nos termos do qual relevam as transferências onerosas de bens corpóreos por forma correspondente ao direito de propriedade.

 

129.          Seguindo-se a questão dos bens expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes.

 

130.          O conceito de expedição não encontra definição legal, havendo uma remissão, a propósito da determinação do facto gerador, no artigo 12.º, n.º 1, do RITI, para o artigo 7.º do CIVA, no qual é empregue a noção de colocação dos bens à disposição do adquirente. O TJUE[4] tem vindo a interpretar o conceito de expedição no sentido em que a aquisição intracomunitária de um bem só se verifica e a isenção da entrega intracomunitária só é aplicável quando:

 

a.       o direito de dispor do bem como proprietário tenha sido transferido para o adquirente; e

 

b.      o fornecedor prove que esse bem foi expedido ou transportado para outro Estado-membro e que o mesmo saiu fisicamente do território do Estado-membro de entrega.

 

131.          Adicionalmente, de acordo com o artigo 1.º, n.º 2, alínea e), do CIVA, entende-se por transporte intracomunitário de bens o transporte de bens cujos lugares de partida e de chegada se situem no território de Estados-membros diferentes, sendo o lugar de partida aquele onde se inicia efectivamente o transporte, não considerando os trajectos efectuados para chegar ao lugar onde se encontram os bens (artigo 1.º, n.º 2, alínea f), do CIVA) e entendendo-se por lugar de chegada o lugar onde termina efectivamente o transporte dos bens (artigo 1.º, n.º 2, alínea g), do CIVA).

 

 

132.          Convém ainda frisar que, nos termos do artigo 1.º, n.º 5, do CIVA, é equiparado a um transporte intracomunitário de bens qualquer transporte de bens cujos lugares de partida e de chegada se situem no território nacional ou no interior de um outro Estado membro, sempre que esse transporte se encontre directamente ligado a um transporte intracomunitário dos mesmos bens.

 

133.          Por conseguinte, o conceito de expedição pressupõe a deslocação física de um bem de um Estado membro para outro, condição que estabelece a diferença entre uma operação intracomunitária e a que se realiza no interior do país, pois, só assim é possível a aplicação do princípio da atribuição da receita fiscal ao Estado membro onde ocorre o consumo final, ou seja, o princípio da tributação no destino, aplicável ao comércio intracomunitário. Daí a relevância dada à expressão “a partir do território nacional para outro Estado-membro”.

 

134.          O requisito que impõe que os bens sejam remetidos “com destino ao adquirente” coloca a ênfase no lugar de chegada, isto é, o lugar onde termina efectivamente o transporte dos bens na acepção do artigo 1.º, n.º 2, alínea g), do CIVA, terá que coincidir com a localização do adquirente mencionada na factura, nos termos do artigo 27.º, n.º 5, do RITI.

 

135.          É condição essencial para a qualificação da operação como TIB que o adquirente seja uma entidade registada para efeitos de IVA no Estado-membro de destino. Nessa medida, o transmitente deverá recolher, em momento prévio à consumação da venda dos bens, as informações necessárias que lhe permitam confirmar que o registo para efeitos de IVA se encontra em vigor, solicitando-lhe o seu número de identificação de IVA. Caso o adquirente não forneça o referido número e o transmitente não o consiga obter por outros meios, este deverá presumir que a entidade não se encontra registada, liquidando o imposto devido, uma vez que a TIB em causa não preenche as condições para ser isenta.

 

136.          Pode por vezes suceder que o adquirente se encontre registado para efeitos de IVA em mais do que um Estado-membro. Neste caso, o transmitente deverá certificar-se que o número de IVA fornecido pelo adquirente pertence ao Estado-membro de destino da TIB.

 

137.          Impõe-se que o adquirente se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens. Com este requisito visa-se garantir que a AIB será tributada no Estado-membro de destino. Assim, caso a entidade adquirente seja abrangida por uma isenção subjectiva do imposto, v.g., no caso de ser uma pessoa colectiva de direito público que age no exercício dos seus poderes de autoridade, a TIB não será isenta, devendo o transmitente liquidar IVA.

 

138.          Tendo em conta os requisitos da isenção de TIB, acima enunciados, poder-se-á concluir que as seguintes operações não serão isentas:

 

a.       bens facturados a clientes estabelecidos fora da UE e entregues noutro Estado- Membro;

 

b.      bens facturados a clientes estabelecidos noutro Estado-membro e entregues fora da UE;

 

c.       bens facturados a clientes estabelecidos noutro Estado-membro e entregues no território nacional;

 

d.      bens facturados a clientes estabelecidos no território nacional e entregues em outro Estado-membro.

 

 

139.          Conforme já salientado, para garantir que a TIB seja considerada uma operação isenta nos termos do RITI, não basta que essa operação seja, em abstracto, qualificada como TIB. É necessário que o vendedor seja capaz de provar que os pressupostos da isenção se verificaram em concreto[5]. Assim, a demonstração de que houve uma transmissão de bens e a correspectiva prova de que os bens foram expedidos ou transportados a partir do território nacional pelo vendedor, pelo adquirente ou por sua conta, com destino a um outro Estado-membro assume elevada importância, uma vez que dela depende a correta não liquidação e a dedução do imposto suportado a montante por parte do transmitente.

 

140.          Sendo o IVA um imposto de base alargada e tendo em conta que o artigo 4.º, n.º 1, do CIVA, considera, a título residual, como prestações de serviços as operações efectuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens, para que a isenção da TIB opere, o transmitente deverá, em primeiro lugar, dispor de elementos que possam sustentar a qualificação da operação como transmissão de bens.

 

141.          Nessa medida, e uma vez que os conceitos de transmissão de bens e de prestação de serviços para efeitos de IVA não coincidem necessariamente com os conceitos civis, impõe-se acautelar o risco de a operação ser qualificada como prestação de serviços, caso em que a isenção deixa de operar. A título de exemplo, o artigo 4.º., n.º 1, alínea c), do CIVA, considera tratar-se de uma prestação de serviços a entrega de bens móveis produzidos ou montados sob encomenda com materiais que o dono da obra tenha fornecido para o efeito, quer o empreiteiro tenha fornecido, ou não, uma parte dos produtos utilizados.

 

142.          Por outro lado, a prova da ocorrência de uma transmissão de bens pressupõe a análise, por um lado, do negócio que lhe serve de base e, por outro, dos efeitos desse negócio concretamente verificados. Assim, uma vez que o conceito de transmissão de bens para efeitos de IVA assenta na transacção da coisa corpórea por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, a prova do título jurídico de transmissão da propriedade (v.g., o documento que titula o contrato de compra e venda), pode afigurar-se insuficiente, sendo ainda necessário comprovar que o poder económico de disposição do bem – que, normalmente, coincide com a sua posse – foi transferido da esfera do vendedor para a esfera do adquirente.

 

143.          A prova da expedição do bem é essencial para determinar a aplicação ou não da isenção em apreço, incumbindo essa prova ao transmitente do bem. O TJUE já defendeu ser admissível, para este efeito, qualquer meio de prova, para além da apresentação do respectivo documento de transporte. Este entendimento foi acolhido pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), a qual sancionou[6] que, perante a falta de norma que, na legislação do IVA, indique expressamente os meios considerados idóneos para comprovar a verificação dos pressupostos da isenção prevista na alínea a) do artigo 14º do RITI, será de admitir que a prova da saída dos bens do território nacional possa ser efectuada recorrendo aos meios gerais de prova, nomeadamente, através das seguintes alternativas:

 

a.       documentos comprovativos do transporte, os quais, consoante o mesmo seja rodoviário, aéreo ou marítimo, poderão ser, respectivamente, a declaração de expedição (CMR), a carta de porte ("Airwaybill" - AWB) ou o conhecimento de embarque ("bill of lading" - B/L);

 

b.      contratos de transporte celebrados;

 

c.       as facturas das empresas transportadoras;

 

d.      as guias de remessa; ou

 

e.       a declaração, no Estado membro de destino dos bens, por parte do respectivo adquirente, de aí ter efectuado a correspondente aquisição intracomunitária.

 

144.          No que diz respeito às TIB em que o transporte dos bens é efectuado pelo adquirente ou por conta deste, poderão colocar-se problemas específicos em matéria de prova do transporte ou expedição.

 

145.          Relevam aqui as situações em que, v.g., o adquirente efectua o levantamento dos bens directamente no estabelecimento do vendedor, com o seu próprio meio de transporte ou contratando um terceiro para o efeito, as transmissões de bens ao abrigo dos Incoterms FOB (“free on board”) e FOT (“free on truck”) e, entre outras, os casos em que os bens, após terem abandonado as instalações do vendedor, são transportados para uma plataforma logística situada no mesmo território, partindo mais tarde para o Estado-membro de destino sem que o vendedor tenha a possibilidade de confirmar a sua partida do território nacional e chegada ao território de destino. São as chamadas transacções “takeaway”[7].

 

146.          Tal como já era referido no Relatório da Comissão sobre o funcionamento do regime transitório do IVA[8], sempre que o comprador toma a seu cargo o transporte pelos seus próprios meios, o vendedor não se pode satisfazer unicamente com a simples indicação que os bens vão efectivamente ser transportados com destino a um outro Estado-membro.

 

147.          Uma guia de transporte ou um documento equivalente apresentado quando da retirada das mercadorias ou mesmo um compromisso formal subscrito pelo comprador, não estabelecem a realidade do transporte. Nestas condições, os fornecedores exprimem muitas vezes o receio de ver a sua responsabilidade posta em causa e a isenção da transmissão rejeitada por ocasião de um controlo.

 

148.          Face a esta problemática, parece ser entendimento assente da Requerida que a questão pode ser ultrapassada, devendo para o efeito, o fornecedor solicitar ao adquirente dos bens, uma declaração em que este certifique que o transporte vai ser por si efectuado e qual o destino dos bens, ou qualquer outro documento que considere idóneo para o efeito[9].

 

149.          De notar que o legislador não impôs qualquer prazo para a saída dos bens do Estado-membro de origem para efeitos de aplicação da isenção, encontrando-se o prazo associado à emissão da factura correspondente (i.e., até ao 15.º dia do mês seguinte àquele em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, nos termos do artigo 27.º, n.º 2, do RITI).

 

150.          O TJUE já admitiu, a este respeito, que o atraso na apresentação da prova da expedição dos bens não releva para efeitos da não aplicação da isenção (salvo risco de perda de receita)[10]. No entanto, é recomendável que essa prova seja obtida pelo fornecedor até ao termo do prazo para a emissão da correspondente factura.

 

151.          A Requerida já considerou que o desfasamento entre a emissão da factura e a saída dos bens do território nacional não obsta ao reconhecimento da isenção, podendo a declaração emitida pelo adquirente dos bens servir de comprovativo para a saída dos bens, ainda que diferida[11]. Indo mais longe, a Requerida já admitiu haver lugar à aplicação da isenção mesmo nos casos em que os bens objecto da TIB sejam entregues em Portugal para fabrico do produto final que, por sua vez, se destina a ser expedido para outro Estado-membro[12].

 

152.          A indicação do número de identificação fiscal / número de IVA é um elemento fundamental nas transacções efectuadas entre sujeitos passivos de diferentes Estados membros, permitindo, no âmbito do sistema VIES, dar a conhecer à administração fiscal do país de destino dos bens o valor das aquisições intracomunitárias sujeitas a tributação e a identificação dos adquirentes nele registados para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado.

 

153.          Tendo em conta que o conceito de sujeito passivo das aquisições intracomunitárias não coincide com o conceito de sujeito passivo do IVA nas transmissões de bens e das prestações de serviços, não bastaria impor a condição do registo para efeitos deste imposto, sendo necessário – de modo a garantir que a não tributação no país de origem corresponde a tributação no país de destino dos bens – que o adquirente se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias. Deste modo, a AT entendeu que, faltando verificar-se alguma das condições elencadas, o transmitente não tem outra alternativa senão liquidar o imposto correspondente ao valor da transmissão que efectuou[13]. Por forma a assegurar que a qualidade do adquirente da TIB não irá obstar à qualificação da operação como isenta, o transmitente deverá:

 

a.       obter o número de identificação fiscal / número de IVA do adquirente;

 

b.      certificar-se de que o referido número pertence ao país de origem do adquirente; e

 

c.       proceder à validação do número no sistema VIES, comprovando que o adquirente é um sujeito passivo de IVA.

 

154.          Os sujeitos passivos podem obter a confirmação da validade do número de IVA de um sujeito passivo de outro Estado-membro através do sistema VIES (Sistema de intercâmbio de informações sobre o IVA), sendo aconselhável o arquivo do comprovativo de consulta da validade do número. O VIES consiste num meio electrónico de transmissão de informações relativas ao registo do IVA das empresas registadas na UE. Além disso, as informações relativas às TIB são igualmente transmitidas através do sistema VIES entre as administrações dos Estados-Membros.

 

155.          De notar que o VIES é um sistema actualizado pelas administrações fiscais de cada Estado-membro, o qual, por vezes, regista erros e omissões que podem fazer com que alguns operadores válidos apareçam como inválidos no sistema e vice-versa.

 

156.          Sem prejuízo de outras obrigações acessórias gerais, previstas no n.º 1 do artigo 29.º do CIVA, os sujeitos passivos que efectuem TIB´s devem:

 

a.       emitir obrigatoriamente uma factura[14] por cada TIB efectuada, a qual, para além dos elementos previstos no artigo 36.º, n.º 5, do CIVA, deve conter (i) o número de identificação fiscal do sujeito passivo do imposto, precedido do prefixo 'PT' e o número de identificação de IVA do destinatário ou adquirente, que deve incluir o prefixo do Estado membro que o atribuiu, (ii) bem como o local de destino dos (artigos 23.º, n.º 1, alínea b), e 27.º, n.º 5, do RITI);

 

b.      enviar uma declaração recapitulativa das transmissões de bens isentas nos termos do artigo 14.º do RITI (artigo 23.º, n.º 1, alínea c), do RITI); e

 

c.       submeter a informação estatística das operações através do Intrastat.

 

157.          As facturas devem ser emitidas o mais tardar até ao 15.º dia do mês seguinte àquele em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, pelo valor total das transmissões de bens, ainda que tenham sido efectuados pagamentos ao sujeito passivo anteriormente à data da transmissão dos bens (artigo 27.º, n.ºs 2 e 3, do RITI).

 

158.          Em suma, decorre do exposto, as TIB´s beneficiam de isenção se:

 

a.       os bens forem expedidos ou transportados do território nacional para o Estado membro de destino; e

 

b.      no Estado-membro de destino, o adquirente

                                                              i.      for sujeito passivo do imposto, não relevando para o efeito a sua natureza (pessoa singular ou colectiva);

                                                            ii.      ter utilizado o número de identificação de IVA para efectuar a aquisição; e

                                                          iii.      encontrar-se abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens.

 

159.          Em termos práticos, para que a isenção não seja colocada em causa, será necessário o cruzamento de informações provenientes de vários documentos, cabendo, assim, ao transmitente a escolha do método mais apto a fundamentar a isenção. Todavia, quando os documentos comerciais relevantes de que este dispõe se afiguram escassos, as suas opções serão também limitadas.

 

160.          Todavia, sob pena de violação do princípio da proporcionalidade, as administrações fiscais não se encontram legitimadas a sobrecarregar o ónus da prova que incumbe aos sujeitos passivos que efectuam TIBs, no sentido em que não é expectável que o transmitente produza mais prova do que aquela que razoavelmente se encontra ao seu alcance no âmbito de uma transacção comercial típica.

 

161.          A Requerente fez vendas a diversos clientes ao longo dos anos de 2007, 2008 e 2009, clientes esses que, embora aparentando ser nacionais, apresentaram, com vista a estas aquisições, números de IVA espanhóis.

 

162.          Situação que, por si, não pode ser julgada anormal, uma vez que a legislação do IVA faculta essa possibilidade (em certos casos chegando mesmo a exigi-la como explicitado supra) de registo noutros Estados membros.

 

163.          Apesar de a Requerente, como alega a Requerida, não ter negociado directamente com os compradores, uma vez que estes utilizaram para o efeito intermediários, tal em nada afecta a normalidade das transacções.

 

164.          É perfeitamente aceitável que um operador económico utilize terceiros (intermediários, agentes, etc...) com vista a que os mesmos negoceiem em seu nome determinadas compras.

 

165.          Principalmente quando o que está em causa é um produto absolutamente indiferenciado, como são os produtos Coca-Cola.

 

166.          Os pressupostos supra enunciados em nada saem prejudicados mesmo quando é o adquirente que contrata e paga as empresas que procedem ao transporte das mercadorias para outro Estado membro da UE.

 

167.          O mesmo raciocínio sendo de aplicar nos casos em que os pagamentos das mercadorias são efectuados através de depósitos nas contas bancárias da Requerente e não através de cheque, transferência bancária ou outro meio que inequivocamente identifique o pagador:

 

168.          Sem prejuízo de tal conduta poder consubstanciar o incumprimento do disposto no nº 3 do art. 63.º-C da Lei Geral Tributária, infracção sancionável, quando muito, a título de Contra-Ordenação de acordo com o art. 129.º n.º3 do Regime Geral das Infracções Tributárias, mas sendo irrelevante para a qualificação de uma operação como TIB isenta.

 

169.          As vicissitudes associadas à comprovação com recurso ao VIES, às autoridades fiscais portuguesas e de outros países, de que os adquirentes se encontravam registados como operadores, com registo válido, na data das operações, seja por erros do mesmo VIES, por atrasos na resposta das ditas autoridades ou por cancelamentos de registos com efeitos retroactivos, não podem servir de fundamento com vista a negar “a posteriori” ao vendedor a isenção em sede de IVA associada às TIB’s que este assumiu por válida, no momento das transmissões, com base nos elementos que lhe era exigível verificar.

 

170.          Ou seja, desde que fique comprovado que o vendedor, de forma diligente, como se infere nos presentes autos, tentou reunir toda a informação necessária para o efeito.

 

171.          A este propósito, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 30 de Abril de 2014 (Proc. n.º 07020/13) reconhece que o VIES padece de fragilidades associadas à falta de harmonização das normas nacionais de registo de não residentes e ao atraso com que os modelos de IVA são preenchidos, em combinação com a isenção de IVA nas transmissões intracomunitárias, concluindo que a fiabilidade dos dados transmitidos pelo VIES não é total, pois estes dependem das declarações apresentadas pelos sujeitos passivos.

 

172.          Na mesma senda, veja-se o Acórdão VSTR (C-587/10) no qual o TJUE entendeu que o artigo 28.°-C, A, alínea a), primeiro parágrafo, da Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que a Administração Fiscal de um Estado-Membro faça depender a isenção de imposto sobre o valor acrescentado de uma entrega intracomunitária da transmissão, pelo fornecedor, do número de identificação para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado do adquirente, sob reserva, todavia, de que a recusa de conceder essa isenção não tenha por único fundamento a circunstância de essa obrigação não ter sido respeitada quando o fornecedor não possa, de boa-fé, e após ter tomado todas as medidas que lhe podem razoavelmente ser exigidas, transmitir esse número de identificação e transmita, por outro lado, indicações susceptíveis de demonstrar suficientemente que o adquirente é um sujeito passivo que age enquanto tal na operação em causa.

 

 

173.          Não ficou demonstrado ter havido qualquer intervenção da Requerente nas situações detectadas em que, sem prejuízo de toda a documentação disponível (CRM’s e facturas) apontar para o envio das mercadorias para Espanha, as mesmas foram desviadas do seu destino inicial, aparentemente a mando do comprador e, posteriormente, vendidas em Portugal.

 

174.          Ou recepcionadas e depois vendidas em Espanha por outras pessoas que não o comprador que constava das facturas e demais documentos.

 

175.          Uma vez que não terá sido o vendedor a contratar e a pagar os serviços dos transportadores, e que estes actuavam de acordo com instruções dadas por terceiros.

 

176.          Se bem que toda a demais informação recolhida pela AT portuguesa, por via de inspecção directa ou ao abrigo de instrumento de cooperação transfronteiriça aponta para diversas incongruências, não se demonstrou que as mesmas não são integralmente imputáveis aos adquirentes, com especial relevância para (i) os casos em que se terá comprovado que as aquisições não foram registadas em Espanha, (ii) que os locais de descarga não reuniam as condições mínimas para o efeito, (iii) que não correspondiam, à data, à residência dos adquirentes ou, mesmo (iv) quando estes vêm posteriormente negar ter efectuado as compras à Requerente.

 

 

177.          Não ficou demonstrado que nos casos concretos a Requerente sabia, ou devia ter conhecimento, de tais incongruências que, em última instância, colocariam em risco a isenção de IVA associadas às TIB´s em causa.

 

178.          No que respeita ao ónus da prova vem o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 29 de Março de 2011 (Proc. n.º 04132/10) reafirmar que cabe à AT efectuar a prova para desconsiderar os elementos declarados pelos contribuintes nas respectivas declarações de rendimentos, regular e dentro do respectivo prazo entregues, tendo em conta a presunção de veracidade e de boa-fé das mesmas, e ao contribuinte infirmar os indícios ou factos pela mesma recolhidos e em que faz estear a respectiva liquidação.

 

179.          Por outro lado, e através do Acórdão Mecsek-Gabona Kft (C-273/11) o TJUE entendeu que num contexto de operações fraudulentas, o artigo 138.°, n.° 1, da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que o direito à isenção de uma entrega intracomunitária seja recusado ao vendedor, caso se conclua, à luz de elementos objectivos, que este não cumpriu as obrigações que lhe incumbem em matéria de prova ou que sabia ou devia saber que a operação que efectuou estava implicada numa fraude cometida pelo adquirente e que não tinha tomado todas as medidas razoáveis ao seu alcance para evitar a sua própria participação nesta fraude.

 

180.          E, quanto às provas que os sujeitos passivos devem fornecer para efeitos de beneficiar da isenção de IVA, compete aos Estados‑Membros fixar, em conformidade com o artigo 131.° da Directiva 2006/112, as condições em que isentam as entregas intracomunitárias para garantir a aplicação correta e simples das ditas isenções e prevenir eventuais fraudes, evasões e abusos. Contudo, no exercício dos seus poderes, os Estados‑Membros devem respeitar os princípios gerais de direito que fazem parte da ordem jurídica da União, entre os quais figuram, designadamente, os princípios da segurança jurídica e da proporcionalidade.

 

181.          Nestes termos, e na medida em que fazem uma aplicação desconforme do artigo 14.º, n.º 1, alínea a), do RIT, haverá que anular, na totalidade, as liquidações impugnadas.

 

H.    Valor do processo

 

182.          De harmonia com o disposto no artigo 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 598 302,14 (valor, sem contestação, indicado no pedido).

 

 

 

I.Custas

 

Nos termos do n.º 4 do artigo 22.º, do RJAT, alínea a) do n.º 1 do art. 97.º-A do CPPT e do n.º 2 do art. 315.º do CPC, fixa-se o montante das custas em € 8.874,00 (oito mil oitocentos e setenta e quatro Euro), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

J.Decisão

 

Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, à excepção da parte em que a instância supervenientemente se extingue pelo acto de revogação parcial da AT.

 

a.       Quanto ao IVA de 2007/2008

 

                                                              i.      Devem anular-se as Liquidações Adicionais relativas aos anos em causa e reconhecer-se que as operações supra mencionadas reportadas aos ditos anos de 2007/2008 estavam isentas de IVA, nos termos do artigo 14º do RITI;

 

                                                            ii.      Ordenar que a Requerida restitua o imposto pago pela ora Requerente, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, desde a data do pagamento do imposto até efectivo reembolso, nos termos previstos no art. 43.º da LGT.

 

b.      Quanto ao IVA de 2009

 

                                                              i.      Deve anular-se a Liquidação Adicional ora em causa e, consequentemente, reconhecer-se que as operações em cima referidas (reportadas aos anos de 2009/2010) estavam isentas de IVA, nos termos do artigo 14.º do RITI;

 

                                                            ii.      Ordenar que a Requerida restitua o imposto pago pela ora Requerente, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, desde a data do pagamento do imposto até efectivo reembolso nos termos previstos no art. 43.º da LGT

 

 

c.       Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar as custas do processo, no montante de em € 8.874,00 (oito mil oitocentos e setenta e quatro Euro).

 

 

 

Lisboa, 30-09-2014

 

 

O tribunal colectivo,

 

 

(Jorge Lino Alves de Sousa)

 

 

(Alexandra Martins)

 

 

(Paulo Mendonça)

 

 

[Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do art. 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT. A presente decisão arbitral é redigida em conformidade com a ortografia anterior ao novo Acordo Ortográfico]

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Declaração de voto

Discordo da decisão relativamente às situações enquadradas nos grupos 1 e 2, por entender não estarem verificados os pressupostos de aplicação da isenção prevista art. 14.º, alínea a) do RITI, aplicável às transmissões intracomunitárias de bens com base nas considerações seguintes. 

Quanto às correcções do Grupo 1

A Requerente declarou ter efectuado transmissões intracomunitárias de bens a …, … e ….

A Autoridade Tributária e Aduaneira coligiu um conjunto de provas documentais constantes do processo administrativo junto aos autos com vista a abalar a presunção de veracidade das declarações da Requerente (art. 75.º, n.º 1 da LT) no que respeita aos bens terem sido transmitidos aos adquirentes declarados.   

Estamos perante factos essenciais, contidos no processo administrativo e não constantes da matéria de facto, descritos nos seguintes ficheiros: prg4219_480_2.pdf; OI2011…-OI2011…_pag.1-74.pdfRED.pdf; OI2011…-OI2011…_pags.75-90.pdfRED.pdf; OI2011…-OI2011…_pags.91-221.pdfRED.pdf; OI2009…_Pags._1-92pdfRED.pdf; OI2009…_Pags._93-185pdfRED.pdf; OI2009…_Pags._186-276pdfRED.pdf; OI2009…_Pags._277-369pdfRED.pdf; OI2009…_Pags._370-420pdfRED.pdf; OI2009…_Pags._421-458pdfRED.pdf; e OI2009…_Pags._459-551pdfRED.pdf.

Todos estes factos-índice constituem matéria suficiente para a desconsideração pela Autoridade Tributária e Aduaneira dos elementos declarados pela Requerente, neste caso concreto, relativos à identidade e natureza dos adquirentes dos bens.

Cessada a presunção, a Requerente teria de comprovar, para além de meramente declarar, que aqueles adquirentes foram efectivamente os compradores dos bens transaccionados e tal prova não se mostra feita.

Vejamos o principal argumento da Requerente de que todo o incumprimento dos adquirentes, num quadro de fraude devidamente identificado e comprovado noutros Estados-Membros, decorre a jusante da sua actividade [da Requerente] e não lhe pode ser atribuído ou imputado.

É certo que a Requerente não pode ser responsabilizada nem assumir as faltas dos adquirentes dos bens.

Porém, não está em causa imputar-lhe essas faltas ou atribuir-lhe tal responsabilidade. A questão que se coloca é diversa e coloca-se noutro plano, independentemente de a Requerente ter ou dever ter conhecimento, estar ou não implicada no quadro de fraude que envolveu as transacções em apreço.

Está em discussão o facto de a Requerente ter aplicado um regime de isenção às suas próprias operações (às transmissões de bens por si efectuadas) e de não ter logrado demonstrar os pressupostos de aplicação dessa isenção, ónus que sobre si impendia (art. 74.º, n.º 1 da LGT).

Ora, não se mostrando provado quem são os adquirentes efectivos das mercadorias vendidas (e o respectivo estatuto de sujeitos passivos registados, em IVA, noutro Estado-Membro), não podem as transmissões dessas mercadorias beneficiar do regime de isenção deste imposto previsto no art. 14.º, alínea a) do RITI.

  No que se refere às correcções do Grupo 2

Da prova feita resulta apenas que as mercadorias foram transportadas para (e descarregadas em) …. A Requerente, mesmo não tendo a seu cargo o transporte para outro Estado-Membro, devia estar munida de documentos que assegurassem que o transporte seria efectuado para esse destino.

A Requerente não comprovou, pois, a saída dos bens do território nacional. Falha, assim, o pressuposto essencial da isenção previsto no artigo 14.º, alínea a) do RITI: que os bens sejam transportados para o território de outro Estado-Membro.

Em face do exposto, decidiria no sentido de que as transmissões de bens enquadradas nos mencionados grupos 1 e 2, estão sujeitas a IVA na esfera da Requerente, como preconizado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, não padecendo, nessa medida, os actos tributários do vício que lhes foi imputado.

 

            Lisboa, 30 de Setembro de 2014

 

Alexandra Coelho Martins



[1] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 394.º-B/84, de 26 de Dezembro, republicado pelo Decreto-Lei n.º 102/2008, de 20 de Junho, e alterações posteriores.

[2] Nos termos do artigo 33.º do RITI, em tudo o que não se revelar contrário ao disposto no RITI, aplica-se a disciplina geral do Código do IVA.

[3] Neste sentido, cf. o acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) de 8 de Fevereiro de 1990, C-320/88, caso Shipping and Forwarding Entreprise Safe.

[4] Cf. Acórdão do TJUE de 27/09/2007, C-409/04, caso Teleos e outros.

[5] Cf., a respeito, os acórdãos do STA de 21/02/2001 (Proc. n.º 025398) e de 29/04/2004 (Proc. n.º 01680/03).

[6] Ofício-Circulado n.º 30009/99, de 10 de Dezembro de 1999, da Direcção de Serviços do IVA.

[7] A designação pode ser encontrada em Joep Swinkels, “Zero Rating Intra-Community Transactions”, International VAT Monitor, 2005(16).

[8] Relatório da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu sobre o funcionamento do regime transitório do IVA aplicável ao comércio intracomunitário, COM(94) 515, 23 de Novembro de 1994, ­par. 95-97.

[9] Despacho de 28/10/1998, Proc. n.º 1941.

[10] Acórdão do TJUE de 27/09/2007, C-146/05, caso Albert Collée.

[11] Despacho de 15/03/2010, Proc. n.º 402; Despacho de 04/08/2010, Proc. n.º 876.

[12] Despacho de 20/01/2011, Proc. n.º 1469.

[13] Despacho de 03/07/1995, Proc. n.º 1875.

[14] A respeito da obrigação de emitir factura, cumpre sublinhar que, até 1 de Dezembro de 2013, era admissível a emissão de factura ou de documento equivalente. No entanto, com a redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 197/2012, de 24 de Agosto, o artigo 23.º, n.º 1, alínea b), do RITI, passou a fazer referência apenas à factura, tendo sido suprimida a menção ao documento equivalente.